PREVALÊNCIA DE SINTOMAS AUDITIVOS RELACIONADOS À TUBA AUDITIVA PATENTE EM PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIA BARIÁTRICA

RESUMO

Racional:

A perda ponderal rápida e intensa pode resultar na redução do tecido gorduroso de revestimento da tuba auditiva e ela se tornar patente, gerando sintomas como autofonia, plenitude aural e zumbido. Pacientes após operação bariátrica possuem, em teoria, predisposição para o desenvolvimento de tal alteração.

Objetivo:

Avaliar a presença de queixas relacionadas à tuba patente em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, correlacionando com os valores de peso, índice de massa corpórea e de dados demográficos.

Método:

Estudo transversal composto pela avaliação de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica através de questionário padronizado, sobre a presença de sintomas compatíveis com patência de tuba auditiva.

Resultados:

Foram avaliados 80 pacientes, 77 mulheres e três homens. A principal comorbidade foi hipertensão arterial sistêmica (37,5%). Quinze (18,75%) apresentaram sintomas compatíveis com tuba auditiva patente - plenitude aural e autofonia - no pós-operatório. Nos sintomáticos o peso inicial era em média 112 kg e o IMC pré-operatório de 45 kg/m²; já nos assintomáticos o peso era de 117 kg e o IMC de 47 kg/m². Houve significância estatística na comparação entre indivíduos com e sem sintomas nas variáveis de peso inicial (p=0,00000), peso atual (p=0,00029), IMC pré-operatório (p=0,00219) e IMC pós-operatório (p=0,00148).

Conclusão:

A presença de sintomas compatíveis com tuba auditiva patente foi de 18,75% dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica na amostra avaliada. Tanto o peso pré-operatório, quanto o IMC foram menores nos pacientes sintomáticos, quando comparados com o grupo assintomático.

DESCRITORES:
Cirurgia bariátrica; Tuba auditiva; Otolaringologia

ABSTRACT

Background:

Rapid and severe weight loss can result in the reduction of the ear tube lining fat tissue and it becomes patent, leading to symptoms such as autophony, aural fullness and tinnitus. Patients after bariatric surgery have, in theory, a predisposition to the development of such alteration.

Aim:

To evaluate the presence of patent tuba-related complaints in patients undergoing bariatric surgery, correlating with weight and body mass index (BMI) values, as well as demographic data.

Methods:

Cross-sectional study composed of the evaluation of patients undergoing bariatric surgery through a standardized questionnaire about the presence of symptoms compatible with ear tube patency.

Results:

Eighty patients were evaluated, 77 female and three males. The main comorbidity was systemic arterial hypertension (37.5%). Fifteen (18.75%) presented symptoms compatible with patent auditory/Eustachian tube - aural fullness and autophony - postoperatively. In symptomatic individuals the initial weight was 112 kg on average and the preoperative BMI was 45 kg/m², while in asymptomatic individuals the weight was 117 kg and BMI 47 kg/m². There was statistical significance in the comparison between individuals with and without symptoms in the variables of initial weight (p=0.00000), current weight (p=0.00029), preoperative BMI (p=0.00219) and postoperative BMI (p=0.00148).

Conclusion:

The presence of symptoms compatible with patent auditory/Eustachian tube was 18.75% of the patients submitted to bariatric surgery in the evaluated sample. Both preoperative weight and BMI were lower in symptomatic patients when compared with the asymptomatic group.

HEADINGS:
Bariatric surgery; Eustachian tube; Otolaryngology

INTRODUÇÃO

A tuba auditiva ou tuba de Eustáquio foi descrita detalhadamente por Bartholomeus Eustachius no século XVI^3,5. Este canal osteocartilaginoso que comunica a orelha média com a rinofaringe^1,10 possui, quando em seu funcionamento normal, três importantes funções: equalização da pressão e ventilação da orelha média, clearance mucociliar da secreção da orelha média e proteção da orelha média contra sons, patógenos e secreções provenientes da rinofaringe^{1,3,5,10,11,13,14,16}.

A doença conhecida como tuba auditiva (ou de Eustáquio) patente (TAP) é definida como sendo a tuba auditiva que se mantém permanentemente aberta^{1,3,4,6,7,9,11,13,16}. Em 1864, Schwartze descreveu pela primeira vez o movimento da membrana timpânica em sincronia com a respiração^1,3,9,11,16. Três anos mais tarde, Jago relatou pela primeira vez a síndrome, a qual ele mesmo sofria com os sintomas^1,3.

A TAP é entidade rara na população em geral, com prevalência estimada entre 0,3 e 6,6%; aproximadamente 10-20% dos pacientes sintomáticos teriam a queixa de forma persistente^1,3,9,17. É mais comum em mulheres e geralmente afeta adolescentes e adultos, sendo raramente descrita em crianças^1,9. Os fatores possivelmente envolvidos na sua patogênese são a perda do tecido frouxo que circunda a porção cartilaginosa da tuba auditiva (camada gordurosa de Ostmann), a atividade muscular contrátil anormal - músculos tensor e elevador do véu palatino e salpingofaríngeo - e a incapacidade do plexo venoso pterigoide em ajudar a fechar a tuba auditiva^4,9,10. Estes fatores podem existir no paciente pós-bariátrico, e dados atuais sinalizam que a prevalência da TAP após o procedimento bariátrico é mais significativa que na população em geral.

Ela está associada a inúmeras causas, como aquelas que promovem a perda da camada de tecido frouxo que circunda a tuba auditiva (gestação, uso de contraceptivos orais e uso de estrógeno), condições que causem atrofia ou fibrose da nasofaringe e dos músculos (radioterapia, poliomielite, esclerose múltipla, acidente vascular encefálico, disfunção temporomandibular, trauma iatrogênico, mioclonia de palato e anormalidades craniofaciais) e que causem atrofia dos tecidos peritubários (doenças reumatológicas, doenças alérgicas e refluxo gastroesofágico)^{1,3,4,6,8,9,11,12,16}. A perda ponderal em grande quantidade e de forma rápida pode levar à diminuição do tecido frouxo que circunda a tuba auditiva. Portanto o tipo de perda proporcionada pela cirurgia bariátrica pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de tuba auditiva patente^{1,2,4,6,10,11,14, 16}.

Pacientes com TAP podem permanecer assintomáticos ou relatarem sintomas variando de leves a intensos^2,11. As queixas mais comuns são autofonia (sensação subjetiva de ouvir a própria voz ao falar), plenitude aural, zumbido e ouvir a própria respiração^{1-3,6,7,9-11,13-16}. Como fator de melhora temos a posição supina, colocar a cabeça entre os joelhos, infecções de vias aéreas superiores ou fazer a manobra de Valsalva reversa^1,3,11,14,15. Como fator de piora temos a prática de exercícios, uso prolongado da voz e uso de descongestionantes nasais ou orais^3,11,14.

O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na presença de fatores de risco, sintomas, e achados no exame físico tais como movimentação da membrana timpânica em sincronia com os movimentos respiratórios; tais movimentos podem não estar presentes em todos os pacientes^{1-3,9,11,14,16}. Métodos complementares como tomografia computadorizada, ressonância magnética e endoscopia nasal podem auxiliar no diagnóstico^{1,2,9,11,13,16,17}. Recentemente, houve aumento do reconhecimento desta entidade entre os clínicos, em conjunto com o advento de novas ferramentas diagnósticas, que resultou em aumento no seu diagnóstico e suas condições correlatas¹⁷.

A associação de perda de peso e TAP tem sido descrita em alguns relatos de pacientes com anorexia e após operação bariátrica^{1,2,6,9,10,16}. Isto corrobora a hipótese de que diminuição da pressão do tecido peritubáreo e perda de depósito gorduroso na região da tuba auditiva é importante na patogênese da tuba auditiva patente.

Há consenso de que a cirurgia bariátrica é tratamento efetivo e permanente para obesidade clinicamente severa, e, como resultado, o número de procedimentos realizados tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Há evidência que devido à rápida e significativa perda ponderal, estes pacientes podem ser mais propensos a desenvolver TAP do que a população em geral^9,10. Na literatura, há poucos relatos de casos clínicos correlacionando perda ponderal significativa e desenvolvimento de TAP.

O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de sintomas auditivos compatíveis com TAP entre os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e suas relações com o peso inicial, a perda ponderal total e o índice de massa corporal (IMC) e verificar possíveis diferenças clínicas entre os submetidos à cirurgia bariátrica que apresentaram queixas de tuba patente e os assintomáticos.

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado no Comitê de Ética Institucional sob o número 46807115.6.0000.0096.

Trata-se de estudo transversal, no qual foram incluídos pacientes submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux (Fobi-Capella), com no mínimo seis meses de pós-operatório, que responderam a um questionário padronizado, sobre a presença de sintomas compatíveis com patência de tuba auditiva no pré e durante o pós-operatório (Figura 1). Foram correlacionados ao peso, IMC inicial e no momento da avaliação dos que apresentaram os sintomas.

FIGURA 1
Questionário aplicado aos participantes do estudo

Como critérios de inclusão, foram utilizados os seguintes aspectos: pacientes com no mínimo seis meses de pós-operatório, sem distinção de gênero, com faixa etária variando entre 18-65 anos. Foram excluídos os submetidos a operações prévias otológicas, adenoidectomia, e nasais, presença de déficits auditivos prévios, doenças neurológicas ou reumatológicas prévias.

Para o diagnóstico de TAP foi considerada a presença concomitante de autofonia e plenitude aural.

Análise estatística

Foi utilizado o teste qui-quadrado para comparar peso e IMC para pacientes com e sem sintomas com nível de significância 5% (p=0,05).

RESULTADOS

Durante o período de 2015 a 2018, foram avaliados 80 pacientes, sendo em sua maioria de mulheres (96,25%). A idade variou entre 23-72 anos (média 49,35), com tempo de pós-operatório variando entre nove e 236 meses (média 60 meses). Cerca de 66,25% apresentaram pelo menos uma comorbidade pós-operatória, dentre elas a mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica (37,5%), seguida pelo hipotireoidismo (17,5%) e pela diabete melito (13,75%, Figura 2).

FIGURA 2
Comorbidades pós-operatórias

Com relação às queixas apresentadas no pós-operatório houve percentual semelhante de autofonia, plenitude aural e sensação de escutar a própria respiração (Tabela 1). A queixa concomitante de autofonia e plenitude aural esteve presente em 15 pacientes (18,75%) compatível com o diagnóstico clínico de TAP. Dos com sintomas, 53,33% apresentaram alterações otológicas como retração da membrana timpânica e áreas de timpanoesclerose.

TABELA 1
Percentual de pacientes por sintoma no pós-operatório

Sintomas	Sim(%)	Não(%)
Autofonia	23 (29)	57 (71)
Plenitude aural	33 (38)	47 (62)
Sensação de escutar a própria respiração	23 (29)	57 (71)

Entre os pacientes com sintomas, o peso inicial foi em média 112 kg e o IMC de 45 kg/m², já aqueles assintomáticos apresentaram média de peso inicial de 117 kg e de IMC 47 kg/m². Houve diferença significativa entre o peso inicial, peso atual, IMC pré e pós-operatório entre os pacientes com e sem sintomas (Tabela 2).

TABELA 2
Comparação dos pacientes com e sem sintomas com relação ao IMC pré e pós-operatório (em kg/m2) e peso pré e pós-operatório (em kg)

Variável	Sem sintomas	Com sintomas	Valor X‘
IMC pré-operatório	47	45	0,00219
IMC atual	31	31	0,00148
Peso pré-operatório	117	112	0,00000
Peso atual	79	77	0,00029

DISCUSSÃO

É bem descrita na literatura médica a relação entre a rápida e intensa perda ponderal e o desenvolvimento de sintomas auditivos decorrentes de TAP - incapaz de manter bom funcionamento por perda do seu revestimento de tecido gorduroso - em pacientes com anorexia nervosa⁶. Apesar da perda de peso ser considerada fator de risco importante para o desenvolvimento da patência da tuba auditiva^{1-3,9,11,14,16} ainda não existe relação consistente entre a ocorrência da doença e a realização de procedimentos bariátricos.

O primeiro caso de TAP da literatura inglesa foi publicado em 2009², ocorrendo após operação bariátrica em uma mulher de 44 anos com queixa de autofonia e plenitude aural bilateral. Estes autores chegaram à conclusão de que TAP pode ser uma das complicações da cirurgia para a obesidade. Muñoz, Aedo e Der⁹ realizaram estudo semelhante a este, analisando 141 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e observaram TAP em 21,28% dos pacientes, percentual próximo ao que foi encontrado nesta casuística; porém, foi aventada a possibilidade de alguns dos sintomas serem associados a outras doenças otológicas, tais como Menière, deiscência do canal semicircular superior ou otosclerose.

Até onde alcançou a nossa pesquisa, na América Latina este é apenas o terceiro trabalho realizado que aborda a TAP após cirurgia bariátrica. Neste estudo, todos os pacientes com sintomas eram mulheres^9,10; porém, como a maioria dos entrevistados era de mulheres, pode-se ter aí um viés nos resultados. Não foi possível também comparar a velocidade de perda de peso ao longo do tempo com a presença ou não de sintomas, devido a este estudo não ser longitudinal e há grande variabilidade de tempo entre a data da operação e a aplicação desse questionário aos entrevistados.

A existência de diferença significativa em relação ao peso inicial e o atual do estudo, IMC pré e pós-operatório dos pacientes com e sem sintomas, ainda não havia sido descrita na literatura. Encontramos evidências de que os pacientes com sintomas compatíveis com TAP tenham peso inicial e o IMC menores do que os que não se enquadram nesta condição. Apesar de não termos medido objetivamente a gordura de Ostmann, supomos que os pacientes com maior peso inicial teriam mais sintomas por provavelmente terem perdido mais deste tecido, tão importante no suporte e na competência da tuba auditiva^2,9,10. Este fato não foi comprovado nesta amostra.

Em nosso estudo não utilizamos exames otomicroscópicos para verificar a movimentação da membrana com a respiração ou de outros exames complementares para corroborar com o diagnóstico de TAP. Assim, é interessante que próximos estudos lancem mão desses recursos na busca de diagnóstico mais confiável dos pacientes sintomáticos. Há necessidade de estudos adicionais para determinar se há algum mecanismo compensatório frente à perda da camada gordurosa de Ostmann que possa explicar o não desenvolvimento dos sintomas em parte dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Portanto, é importante o apoio otorrinolaringológico no manejo pós-cirúrgico destes pacientes.

CONCLUSÃO

A presença de sintomas decorrentes de tuba auditiva patente (TAP) foi de 18,75% entre os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. O peso e o IMC pré-operatórios foram menores nos pacientes sintomáticos, quando comparados com o grupo assintomático.

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• Fonte de financiamento:

  não há
• 
  Percentual de pacientes por sintoma no pós-operatório
  

  Sintomas	Sim(%)	Não(%)
  Autofonia	23 (29)	57 (71)
  Plenitude aural	33 (38)	47 (62)
  Sensação de escutar a própria respiração	23 (29)	57 (71)

• Mensagem central

  A tuba auditiva patente é um problema que acomete pessoas com perda rápida de peso, como ocorre após a cirurgia bariátrica. Ela se manifesta por queixas como a autofonia, ou a percepção da própria voz no ouvido, e pode causar desconforto significativo.

• Perspectiva

  Esse é um dos poucos estudos a respeito desse tema na literatura médica. Observamos que a presença de sintomas relacionados à tuba auditiva patente é frequente nos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. O grupo de indivíduos com sintomas presentes apresentou, no pré-operatório, peso e IMC menores do que aqueles que não tiveram sintomas.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Nov 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  11 Set 2019
• Aceito
  03 Abr 2020