RESUMO
Racional: A correção herniária é tratamento realizado rotineiramente na prática cirúrgica. O aprimoramento da técnica operatória e dos materiais disponíveis trouxe grande benefício na qualidade dos resultados cirúrgicos. A inserção de próteses para correção herniária é bem embasada na literatura e tornou-se o padrão de tratamento.
Objetivo: Avaliar em modelo experimental dois tipos de próteses diferentes, de polipropileno e polipropileno revestido.
Métodos: Foram inseridas sete próteses de cada tipo em ratos Wistar (Ratus norvegicus albinus) na parede abdominal anterior do animal em contato direto com as vísceras. Após o seguimento de 90 dias analisaram-se as aderências intra-abdominais, bem como avaliação por imunoistoquímica e videomorfometria do colágeno total, tipo I e tipo III. Também, fez-se análise histológica com hematoxylina-eosina para avaliação dos tipos celulares presentes em cada tela.
Resultados: Aos 90 dias as aderências não foram diferentes entre os grupos (p=0,335). O colágeno total igualmente não foi estatisticamente diferente (p=0,810). O colágeno tipo III foi estatisticamente maior no grupo polipropileno revestido (p=0,039) enquanto o tipo I não diferiu entre as próteses (p=0,050). Os linfócitos foram estatisticamente mais presentes no grupo polipropileno (p=0,041).
Conclusão: A prótese revestida não foi diferente da de polipropileno na variável aderência. O colágeno total e tipo I não foram diferentes entre os grupos enquanto que o colágeno tipo III foi mais presente na tela revestida. O número de linfócitos foi maior na tela de polipropileno.
DESCRITORES: Cirurgia; Modelos animais; Hérnia; Telas cirúrgicas; Aderências teciduais.
ABSTRACT
Background: Hernia correction is a routinely performed treatment in surgical practice. The improvement of the operative technique and available materials certainly has been a great benefit to the quality of surgical results. The insertion of prostheses for hernia correction is well-founded in the literature, and has become the standard of treatment when this type of disease is discussed.
Aim: To evaluate two available prostheses: the polypropylene and polypropylene coated ones in an experimental model.
Methods: Seven prostheses of each kind were inserted into Wistar rats (Ratus norvegicus albinus) in the anterior abdominal wall of the animal in direct contact with the viscera. After 90 days follow-up were analyzed the intra-abdominal adhesions, and also performed immunohistochemical evaluation and videomorphometry of the total, type I and type III collagen. Histological analysis was also performed with hematoxylin-eosin to evaluate cell types present in each mesh.
Results: At 90 days the adhesions were not different among the groups (p=0.335). Total collagen likewise was not statistically different (p=0.810). Statistically there was more type III collagen in the coated polypropylene group (p=0.039) while type I was not different among the prostheses (p=0.050). The lymphocytes were statistically more present in the polypropylene group (p=0.041).
Conclusion: The coated prosthesis was not different from the polypropylene one regarding the adhesion. Total and type I collagen were not different among the groups, while type III collagen was more present on the coated mesh. There was a greater number of lymphocytes on the polypropylene mesh.
HEADINGS: Surgery; Animal model; Hernia; Surgical mesh; Tissue adhesions.
INTRODUÇÃO
A correção da hérnia incisional (HI) é problema para o cirurgião desde os primórdios das cirurgias abdominais1,25. Ela é a protusão do conteúdo abdominal através de ponto fraco da parede, constituído pela cicatriz de intervenção cirúrgica anterior. A síntese da parede abdominal em situações complexas como infecções graves, grandes hérnias incisionais, perda maciça de tecido, necrose, tumores é um problema de difícil solução para o cirurgião geral, especialmente quando não se dispõe de tecido autógeno suficiente para o fechamento primário adequado15,16,29. O aumento do número de laparotomias em condições ditas não favoráveis acarretou situações de fechamento abdominal difícil, quando por vezes não impossível, o que consequentemente aumentou a prevalência da HI. É uma causa importante de morbidade nos pacientes3 interferindo na qualidade de vida e resultados cosméticos4.
Sua incidência varia de 1-11%, aumentando muito caso o fechamento da cavidade for feito sob tensão16. A ocorrência continua a aparecer mesmo após vários anos da intervenção de base8,21.
Material sintético, para ser usado como prótese, deve seguir alguns princípios básicos: não se modificar na presença dos fluidos teciduais, ser quimicamente inerte, não produzir reação inflamatória ou do tipo corpo estranho, não ser carcinogênico, não produzir alergia, ser esterilizável, mecanicamente resistente, economicamente viável. A prótese de polipropileno é a que melhor se presta para o tratamento cirúrgico da HI27-29. No entanto a colocação intra-abdominal causa importante formação de adesões, podendo resultar em sérias complicações como obstrução intestinal e fístulas enterocutâneas7. Com o objetivo de diminuir o índice de complicações e a possibilidade de contato da tela diretamente com as vísceras abdominais surgiu uma tela formada por polipropileno associada à uma camada composta de celulose oxidada regenerada. Esta última objetiva diminuir a formação de aderências (Proceed® Ethicon Inc, Somerville, NJ, USA). De fato, segundo o fabricante telas com barreiras biológicas são associadas a muito menos formação de aderências do que as sem esta estrutura.
A escolha da tela para o reparo das HI pode ser um dilema, pois atualmente vários tipos de produtos são disponíveis para o seu tratamento10,20,24. Diante disto, utiliza-se uma tela com uso consagrado na ciência cirúrgica, ou seja, a exclusiva de polipropileno com uma nova camada disponível que tem por característica a associação de materiais em busca da diminuição de aderências intraperitoneais. A tela composta foi desenvolvida pela Ethicon® para implantação em camadas profundas do abdome almejando a pressão intra-abdominal para mantê-la em posição e sem que para isso produza aderência de vísceras quando for posicionada em contato com elas. Bom crescimento tecidual e resistência com baixos índices de aderências é verificado no seu uso14.
Assim, o objetivo desta pesquisa é analisar a formação de aderências com estes dois tipos de telas
MÉTODOS
O trabalho foi conduzido na Unidade de Experimentação Animal (UEA) e na Unidade de Patologia Experimental do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi financiada pelo Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE) e aprovado sob os aspectos bioéticos pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Instituição sob o número 110079.
Utilizou-se um modelo experimental em ratos (Rattus norvegicus albinus) da linhagem Wistar, machos, pesando entre 303-368 gramas, com aproximadamente três meses de vida e sadios. Durante todo o trabalho foram mantidos em condições ambientais adequadas segundo as normas bioéticas de pesquisa com animais. Os animais segundo o objetivo da pesquisa foram alocados por randomização simples em dois grupos de sete exemplares, assim dispostos: Grupo Polipropileno (GPP) com tela de polipropileno medindo 3 cm de comprimento e 2 cm de largura (6 cm2) para fechamento do defeito causado na parede abdominal; Grupo Polipropileno Revestido (GPPR) com tela de polipropileno de baixa densidade associada à celulose oxidada regenerada (COR) e a polidiaxona (PDS) - Proceed (Proceed Surgical Mesh, Ethicon, Somerville, NJ, USA®). O mesmo procedimento cirúrgico foi adotados nos dois grupos.
Técnica cirúrgica
A anestesia foi conduzida com injeção de solução de cloridrato de ketamina (100 mg/kg) e cloridrato de xilazina 2% (10 mg/kg) na diluição 2:1 via intraperitoneal. Todos os princípios de antissepsia foram seguidos e em nenhum momento do ensaio foi utilizado antibiótico. Os animais permaneceram sob respiração espontânea durante todo o período operatório. Foi realizado uma incisão longitudinal mediana medindo 4 cm de comprimento na parede abdominal anterior e dissecção da hipoderme buscando a exposição da parede abdominal anterior possibilitando a criação do modelo de HI. Um molde constituído de um segmento de plástico maleável medindo 2 cm de largura por 3 cm de comprimento e tingido com azul de metileno foi utilizado para demarcação da ressecção. Dessa forma um defeito na parede anterior do abdome foi criado e preenchido na sequência com as próteses em estudo.
Os implantes foram alocados em posição intraperitoneal em forma de ponte e com contato direto com as vísceras. As bordas foram fixadas na musculatura da parede abdominal anterior com fio de polipropileno 4-0.
Na Figura 1 visualiza-se a implantação, à esquerda, da tela de polipropileno e, à direita, a revestida. Esta última é constituída de superfícies diferentes sendo fundamental o seu posicionamento correto. A face que, em tese, diminui as aderências é composta por celulose oxidada regenerada e foi posicionada em contato com o conteúdo visceral do animal. A síntese da pele foi feita com fio de náilon 3-0.
Inserção das próteses, à esquerda a tela de polipropileno e sua fixação com fio de polipropileno 4-0; à direita, tela separadora de tecidos fixada com a mesma sutura
Período de observação, morte e análise das variáveis
Logo após o procedimento os animais permaneceram em incubadora dotadas de aquecimento e distribuídos em gaiolas individuais. O tempo de seguimento estipulado foi de 90 dias. Após, foi realizada a morte por câmara de CO2 e ressecada toda a parede abdominal anterior com a prótese implantada (Figura 2). As aderências foram graduadas utilizando um escore próprio (Tabela 1). Em seguida, as peças foram acondicionadas em recipientes com solução de formalina tamponada a 10% e identificadas individualmente conforme o grupo em vistas à posterior análise microscópica e imunoistoquímica.
Microscópica e imunoistoquímica
O processamento do material foi o usual do Laboratório de Patologia Experimental com a peça processada em parafina, cortadas com 4 μm e coradas com H&E. A análise do colágeno qualitativamente e quantitativamente foi feita por técnica de imunoistoquímica com aplicação de anticorpo monoclonal anticolágeno tipo I e III. A avaliação quantitativa do colágeno total foi feita utilizando-se a técnica de Picrosirius Red. A análise de todos os tipos de colágeno foi feita com videomorfometria ótica computadorizada. (Figura 3). Patologista com ampla expertise na análise deste tipo de material avaliou a microscopia e não tinha conhecimento de qual grupo pertencia cada lâmina, portanto um ensaio cego. Na avaliação das lâminas de H&E foi quantificado o número de neutrófilos, linfócitos, células gigantes (gigantócitos) e as voltas de macrófagos ao redor de cada filamento da tela. A contagem destes tipos celulares em 10 campos amostrais para cada lâmina e após a média dos valores para fins estatísticos foi a metodologia neste tempo.
Processo de análise videomorfométrica: colágeno total corado com Picrosirius e quantitativamente avaliado pelo número de pixels na imagem digitalizada.
Análise estatística
Os dados com distribuição normal foram analisados usando o teste t de Student no nível de 95% de confiança (p<0,05), usando-se média e desvio-padrão. A diferença das médias (tamanho do efeito - E/S) foi feita. A variável preditora do estudo foi o uso dois tipos de telas cirúrgicas e a do desfecho a quantificação das aderências, o peso, os tipos celulares, o colágeno total, tipo I e III.
RESULTADOS
O peso basal dos animais não foi significativamente diferente entre os grupos. (p=0,965). Igualmente a diferença de peso no 90º dia entre os grupos polipropileno e polipropileno revestido não foi estatisticamente diferente (p=0,241, E/S -0,02 entre os grupos no início do trabalho e E/S 0,76 entre eles no fim do trabalho)
Análise macroscópica
A análise quantitativa revelou a média do escore de aderências do GP foi 7,5±1,65 e do GPPR foi 6,14±2,91 (Figura 4). Qualitativamente todos os animais do grupo polipropileno apresentaram aderências omentais à tela. No GPPR um animal apresentou aderência de cólon (Figura 4), um de intestino delgado e três omentais. Não houve significância estatística entre os grupos na variável aderência medida pelo escore próprio e o tamanho de efeito em favor do grupo polipropileno foi moderado (p=0,335 e E/S=0,56 respectivamente)
Aderência de cólon e omento no grupo Proceed, notadamente mais localizada na inserção da tela na parede
Análise microscópica
A média do número de neutrófilos do GP foi 6,15±2,96 por campo e de 3,39±3,30 por campo no GPPR sem diferença significativa entre eles (p=0,142) A média de linfócitos do GP foi 4,65±1,46 e do GPPR foi 2,71±1,53. Houve significância estatística nesta variável (p=0,041).
As células gigantes tiveram como média no GP 3,1±0,87) e no GPPR 4,02±1,78. Não houve diferença nesta variável (p=0,260).
Os macrófagos foram avaliados pelo número de voltas que apresentavam ao redor de cada filamento da tela. O GP teve 3,06±0,56 e GPPR foi 3,03±0,68 voltas. Não houve diferença estatística (p=0,940).
Análise videomorfométrica: colágeno total, tipo I e tipo III
A média em pixels, para o grupo polipropileno, feita automaticamente por software específico. foi para o colágeno total, tipo I e tipo III respectivamente 1777,68±586,62; 321,68±121,80; 241,51±586,52. O grupo revestido teve 1889,77±1016,80); 201,91±72,55; 441,88±190,6 para a mesma sequência de variáveis citadas. Houve diferença estatística para a variável colágeno tipo III (p=0,039), não havendo para o colágeno tipo I (p=0,050). O colágeno total também não teve diferença estatística entre os grupos (p=0,810). Em relação ao tamanho do efeito, notou-se que o colágeno tipo III teve grande tamanho de efeito no grupo revestido, demonstrando com isso intensa expressão deste tipo naquele grupo.
O tamanho do efeito (effect size - E/S) de cada variável do estudo pode ser visto na Figura 5.
Gráfico floresta representando as diferenças de médias padronizadas (E/S) entre as variáveis selecionadas para os grupos tratados com a prótese revestida e de polipropileno
DISCUSSÃO
A prótese de polipropileno, experimentalmente descrita no final da década de 50 por Usher, foi considerada desde então de grande importância no reparo de defeitos herniários em humanos28. A literatura é rica em pesquisa com este tipo de prótese e seu uso é suportado amplamente. O tema que se impõe é o desenvolvimento de aderências intra-abdominais quando se faz uso deste tipo de tela. Aderências pós-operatórias têm sido relatadas entre 56-100% com taxas de complicações também não desprezíveis variando desde 20-50% para dor pélvica crônica até 74% para obstrução intestinal. O uso de materiais de barreira buscando reduzir as aderências têm sido constantemente pesquisado, entretanto algumas vezes os resultados são contraditórios6,16,27,29.
A comparação primordial deste trabalho foi analisar uma tela de uso consagrado na clínica cirúrgica (polipropileno) com uma prótese revestida. O tempo de seguimento da pesquisa, noventa dias, foi estabelecido em virtude de não haver na literatura artigos com seguimento prolongado. A prótese revestida por se tratar de uma nova terapêutica no tratamento da hérnia, estudos em humanos são escassos; portanto, o modelo animal é adequado aos objetivos da pesquisa. Comparações diretas em humanos de materiais inabsorvíveis com bioabsorvíveis são escassos sendo incerto as complicações em longo prazo26.
Informações técnicas disponibilizadas pelo fabricante da prótese revestida referem como sendo constituída de polipropileno, polidiaxona e de um composto de barreira antiaderência bioabsorvível chamado celulose oxidada regenerada (Surgicel®). Esta última camada tem sido empregada na prevenção de aderências intra-abdominais e como barreira hemostática2. A camada de polímero de polidiaxona encapsula a camada de polipropileno à de celulose oxidada regenerada juntando-as. A camada de polipropileno é uma malha de baixo peso flexível e que permite o crescimento tecidual por entre seus poros sendo responsável pela adesão da prótese.
O modelo de criação da HI demonstrou ser eficaz e condizente com os objetivos da pesquisa, assim como previamente estudado6. A fixação da tela em íntimo contato com as vísceras foi primordial e se demonstrou adequada à análise das aderências. A totalidade dos animais teve satisfatória síntese das bordas da prótese à parede abdominal anterior.
A análise dos dados demonstrou não haver diferença estatisticamente significativa entre os pesos dos animais no início do trabalho e um tamanho do efeito desprezível mostrando, portanto, a equanimidade na seleção dos grupos. Igualmente o peso ao fim dos noventa dias não foi estatisticamente diferente entre os grupos tratados. Todos os 13 animais tiveram aumento de peso no tempo de seguimento de noventa dias tendo aumento maior, avaliado pelo tamanho do efeito, no grupo polipropileno no final do trabalho.
Ele foi idealmente planejado com sete animais em cada grupo e com um tempo de seguimento que poderia propiciar perdas ao longo do estudo; no entanto, ao término ocorreu apenas um óbito e o restante dos animais completaram o estudo sem complicações relacionadas à inserção das próteses. O óbito ocorreu em um animal do grupo polipropileno provavelmente decorrente de infecção respiratória no primeiro mês de seguimento.
No gráfico floresta da Figura 5 nota-se todos os tamanhos do efeito fornecendo a dimensão da diferença entre as próteses para cada uma das variáveis do trabalho. Este gráfico - diferença de médias - explica os resultados da pesquisa na sua totalidade sendo, portanto, um painel dos achados da pesquisa.
O estudo das aderências pelo escore e a análise de materiais de barreira tem sido constante na literatura cirúrgica5,6,17. Na variável aderência não houve diferença estatística entre as telas e o tamanho do efeito foi pequeno. O entendimento do conceito do tamanho do efeito é primordial, pois com ele pode-se ver a diferença real entre os grupos mesmo com a hipótese nula não refutada para algumas variáveis. Valores do tamanho do efeito de até 0,20 são considerados pequenos; entre 0,20 e 0,50 médios; e maiores que 0,80 grandes18. A magnitude do efeito na variável aderência é pequena entre as duas próteses, e isto gera o entendimento de que a tela revestida não diminui as aderências até o nonagésimo dia pós-operatório. A prótese revestida é composta por polipropileno, polidiaxona e celulose oxidada regenerada. Esta última é um composto bioabsorvível que é absorvido em 28 dias. Portanto, ao término do trabalho aos noventa dias, este material foi completamente absorvido e não era notado macroscopicamente.
O que pode-se formular é que a absorção da celulose oxidada regenerada expõe a camada de polipropileno ao conteúdo visceral abdominal e que por consequência ocasionou as aderências encontradas. Outro trabalho experimental demonstrou que a celulose oxidada regenerada gerou aderência em quase metade dos animais do estudo2.
A distribuição das aderências no grupo revestido deu-se de maneira irregular, mais intensamente nas bordas da prótese que estavam em contato com a parede abdominal. O uso de fio de polipropileno na sutura de fixação da tela à parede pode explicar as aderências mais localizadas na periferia da tela. No grupo polipropileno as aderências se fizeram de forma mais distribuída em toda a área da tela semelhante a outros estudos5,17. Todos os animais do grupo polipropileno tiveram aderências omentais, mas também de intestino delgado e cólon. Este achado é bem descrito por inúmeros trabalhos disponíveis2,5,6,11,17,28. As aderências podiam ser facilmente destacadas da tela em ambos os grupos. Adesões das telas inabsorvíveis são conhecidas e diversos graus de aderências podem estar presentes ocorrendo formação de reação de corpo estranho quando este tipo de prótese é utilizada. O processo de formação das aderências é complexo sendo basicamente iniciado pelo processo de injúria tecidual que rompe o balanço entre coagulação e fibrinólise. A deposição de fibrina resulta em uma matriz onde os fibroblastos produzem matriz extracelular. O término do processo gera diversos graus de aderências26. As tentativas de inibição, ou minimização desta reação são inúmeras visto a morbidade relacionada às aderências. As biopróteses buscam reparação tecidual nativa com menos atividade inflamatória e formação de corpo estranho26. Estudo experimental em coelhos demonstrou que até 40% das telas estruturadas com polipropileno, mesmo revestidas com materiais bioabsovíveis, causam aderências em modelo animal19.
A análise do colágeno foi realizada com auxílio de imunoistoquímica agregado com a tecnologia de videomorfometria computadorizada o que permitiu caracterização quantitativa da variável colágeno (total, tipo I e tipo III). O número de pixels de cada foto forneceu dados quantitativos, pois se sabe que este tipo de dado é melhor que o qualitativo na estatística. Para tal foi feita a média do número de pixels de quatro campos em cada lâmina. Este tipo de técnica é bem estruturado no grupo de pesquisa e publicações utilizaram-na. A pesquisa do colágeno com utilização da metodologia imunoistoquímica torna o trabalho confiável sendo sua utilização fundamental na identificação dos colágenos I e III9,12.
O colágeno tipo I não foi estatisticamente significativo entre os grupos com um tamanho de efeito grande (1,22) em favor do grupo polipropileno. A argumentação disto é de que o colágeno tipo I foi encontrado mais no grupo polipropileno do que no grupo Proceed mesmo não havendo significância estatística.
O colágeno tipo III foi estatisticamente significativo entre os grupos sendo o tamanho do efeito grande (-1,27) em favor ao grupo revestido. O significado é de que o colágeno tipo III foi expresso com dimensão muito grande no grupo revestido. As alterações do metabolismo do colágeno e do tecido conjuntivo contribuem para formação de hérnia. Estudos demonstraram que pacientes com hérnia apresentam grande quantidade de colágeno tipo III. Este tipo de colágeno é considerado imaturo, fraco e que propicia fibras frágeis e de qualidade não ideal sendo encontrado nas fases iniciais de cicatrização13. No presente trabalho o colágeno tipo III foi expresso mais no grupo revestido e com base no resultado da pesquisa isto poderia aumentar a formação de hérnias. Não somente a expressão do colágeno tipo III se faz mais intensamente em pacientes com hérnia mas também a própria redução da síntese de colágeno pelos fibroblastos12. Por se tratar de uma prótese relativamente nova não há dados de pesquisas in vivo com tempo de seguimento razoável para poder-se associar estes resultados à clínica cirúrgica diária.
Assim também o colágeno total não foi estatisticamente significativo entre os grupos com força de associação muito pequena (-0,13). Entretanto a análise do colágeno tipo I e III foi fundamental para a avaliação crítica das próteses. Sabe-se que o colágeno tipo I é encontrado em tecidos cicatriciais maduros e a diminuição da relação colágeno I:III é associada à formação de hérnias13. A incidência de HI e sua recidiva estão relacionadas ao metabolismo do colágeno tendo causas metabólicas envolvidas, como tabagismo, hormônios e uso de drogas. A formação herniária é influenciada por alterações na matriz extracelular e estudos epidemiológicos demonstram defeito na biologia do tecido de cicatrização22.
Na histologia das próteses não se notou diferença nos macrófagos, células gigantes e neutrófilos, sendo, portanto não significativas. Somente os linfócitos apresentaram diferença estatisticamente significativa. Como a análise foi em um único tempo aos noventa dias não se pode fazer inferências sobre o comportamento celular em mais de um tempo como relatado por outros30. Sabe-se que os linfócitos foram o único tipo celular que mostrou diferença significativa. Estes estão envolvidos na resposta inflamatória inespecífica, recrutam macrófagos e influenciam diretamente a atividade fagocitária.
Evidências do uso de próteses são fortes e amplamente suportadas pela literatura; entretanto, a seleção do tipo de prótese que poderá ser utilizada não parece uma decisão simples. Características particulares da prótese e do paciente devem ser sempre analisadas em conjunto para adequada escolha. Escassos estudos clínicos são disponíveis com a prótese revestida. Um dos poucos mostra que em cirurgia videolaparoscópica de correção de hérnia ventral com prótese é adequada e com baixos índices de complicações23.
O que apresentou-se neste trabalho foi que, em modelo experimental, o uso da tela com mecanismo de barreira não exclui a possibilidade de ocorrência de aderências. Por conseguinte, todas as complicações inerentes ao processo de formação de aderências, como obstrução intestinal, fístulas, granulomas, poderão ser constatadas com o uso deste tipo de prótese. De fato, como mencionado, não se dispõe de dados de ensaios clínicos com seguimento em longo prazo com a utilização da tela com camada de proteção contra aderências. Estudos clínicos ulteriores deverão trazer a tona, com um grau de evidência científica superior, informações sobre o comportamento dos indivíduos que foram tratados com este tipo de tela.
CONCLUSÃO
A quantidade de aderências não foi diferente para as telas de polipropileno e polipropileno revestido. O colágeno tipo I é mais proeminente na tela de polipropileno (E/S). O colágeno tipo III é mais presente na de polipropileno revestido. A quantidade de colágeno total não apresentou diferença entre as telas. O número de linfócitos é maior no grupo polipropileno revestido.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2017
Histórico
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Recebido
06 Out 2016 -
Aceito
07 Fev 2017