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PRÓTESE ENDOSCÓPICA PARA TRATAMENTO DE FÍSTULA ESOFAGOJEJUNAL

INTRODUÇÃO

Fístula de anastomose esofagojejunal é ainda uma das complicações mais temidas depois de gastrectomia total. Mesmo com o desenvolvimento de novos dispositivos e técnicas cirúrgicas, a fístula permanece como uma das maiores preocupações pós-operatórias com incidência em torno de 5%1010. Zilberstein B, Da Costa Martins B, Jacob CE, Bresciani CJC, Lopasso FP, De Cleva R, Pinto Júnior PE, Ribeiro Júnior U, Perez RO, Gama-Rodrigues JJ. Complications of gastrectomy with lymphadenectomy in gastric cancer. Gastric Cancer 2004; 7(4):254-259..

O uso de prótese endoscópica trouxe nova forma de tratamento da fístula33. Dasari BVM, Neely D, Kennedy A, Spence G, Rice P, Mackle E, Epanomeritakis E. The role of esophageal stents in the management of esophageal anastomotic leaks and benign esophageal perforations. Ann Surg 2014; 259(5):852-860.. No entanto, essa técnica ainda não foi totalmente incorporada na prática clínica. Esse artigo descreve caso de uma fístula da anastomose esofagojejunal tratada com sucesso com o emprego de prótese endoscópica.

RELATO DE CASO

Homem de 61 anos foi diagnosticado com tumor de 6 cm infiltrativo localizado na pequena curvatura do corpo gástrico médio invadindo a cárdia. A biópsia revelou adenocarcinoma difuso com células em anel de sinete. Comorbidades incluíam obesidade mórbida (IMC 40,8) e hipertensão. Tomografia demonstrava espessamento da pequena curvatura gástrica sem aumento linfonodal.

O paciente foi submetido à gastrectomia total com linfadenectomia D2 e reconstrução em Y-de-Roux. A anastomose esofagojejunal foi realizada com grampeador circular de 25 mm com anéis de grampeamento íntegros. Não houve vazamentos na anastomose após o teste do azul de metileno. A anastomose foi drenada bilateralmente com dois drenos tubulares siliconados. No quinto dia de pós-operatório, o paciente apresentou dor abdominal difusa e drenagem de secreção entérica pelo dreno tubular abdominal. Tomografia com contraste oral demonstrou vazamento na área da anastomose (Figura 1).

Visto que se tratava de uma fístula precoce associada à peritonite difusa, optou-se pela realização de laparotomia exploradora. Durante o procedimento foi identificada deiscência de 40% da parede posterior da anastomose esofagojejunal. Não foi evidenciado nenhum fator local que explicasse a ocorrência precoce da fístula. Mais tarde, o paciente relatou ingestão de líquidos não autorizada desde o primeiro dia de pós-operatório. Foi realizada sutura da área deiscente, assim como jejunostomia alimentar, descompressão com sonda nasoenteral e drenagem da cavidade. Dois dias após a operação revisional, ocorreu novo vazamento de líquido entérico pelo dreno abdominal, porém sem sinais clínicos de peritonite. Neste momento, após discussão e avaliação do estado clínico, decidiu-se por tratamento não cirúrgico da fístula recorrente. Paciente permaneceu estável com antibiótico, aporte nutricional enteral via jejunostomia e parenteral.

FIGURA 1
Tomografia abdominal mostrando vazamento de contraste

Realizou-se endoscopia digestiva alta sete dias após a identificação da nova fístula para avaliar a anastomose e verificar a possibilidade de tratamento endoscópico. A endoscopia mostrou deiscência de 50 % da parede posterior da anastomose, sem sinais de obstrução da alça jejunal eferente (Figura 2 ).

FIGURA 2
Endoscopia mostrando fistula

Uma prótese metálica totalmente revestida foi colocada ocluindo o vazamento da anastomose. Realizou-se ancoragem externa com fio dental passado pelo flanco superior da prótese, como foi previamente descrito pelo nosso grupo, para evitar migração22. Da Costa Martins B, Medrado BF, de Lima MS, Retes FA, Kawaguti FS, Pennacchi CMPS, Maluf-Filho F. Esophageal metallic stent fixation with dental floss: a simple method to prevent migration. Endoscopy 2013; 45(E1).. Como a prótese é totalmente recoberta, um fórceps pediátrico foi usado para perfurar sua bainha, permitindo a passagem do fio dental pela tela. Esofagografia com contraste iodado, realizado no dia seguinte, ainda revelou pequeno vazamento. Outra esofagografia cinco dias após a colocação da prótese não demonstrou mais vazamentos (Figura 3) e assim foi liberada ingestão oral de líquidos.

FIGURA 3
Esofagografia cinco dias após colocação da prótese mostrando completa oclusão da fístula

A drenagem abdominal diminuiu drasticamente sem novos episódios de débito de líquido entérico. O paciente teve alta do hospital uma semana após a colocação da prótese com a jejunostomia fechada e dieta oral pastosa. A prótese foi removida facilmente por endoscopia após cinco semanas, sem sinais de fístula.

DISCUSSÃO

Apesar da incidência de câncer gástrico no Brasil ter diminuído, estatísticas mostram que daqueles diagnosticados, houve aumento na incidência de lesões proximais resultando em maior proporção de gastrectomias totais quando comparadas com as subtotais66. Jacob CE, Bresciani CJC, Gama-Rodrigues JJ, Yagi OK, Mucerino DR, Zilberstein B, Cecconello I. Behavior of gastric cancer in Brazilian population. ABCD Arq Bras Cir Dig 2009; 22(1): 29-32.. O uso de quimioterapia perioperatória, assim como operações paliativas e de resgate, estenderam as indicações de resseções cirúrgicas. Essa tendência, levou aos cirurgiões o desafio de realizar operações em pacientes mais críticos e com maiores riscos de complicações como a fístula. No nosso serviço, realizamos 169 anastomoses esofagojejunais após gastrectomias totais entre 2009 e 2014. Nove casos (5,3%) tiveram fistula esofagojejunal com três evoluções fatais. Quando analisamos especificamente as degastrectomias, a incidência de fístula foi ainda maior com quatro casos em 30 (13,1%).

Tratamento conservador, com uso de antibiótico e jejum, tem sido usado em pacientes com fístulas drenadas e orientadas as quais não apresentam sintomas clínicos. Casos com peritonite difusa necessitam de abordagem cirúrgica com sutura da deiscência, confecção de nova anastomose ou até mesmo esofagostomia. Outro aspecto importante a ser considerado é o período do aparecimento da fístula. Fístulas precoces sugerem falha técnica quando na realização da anastomose e tem a tendência a desenvolver peritonite difusa já que o bloqueio inflamatório ainda não está totalmente formado. Por isso, fístulas precoces necessitam com maior frequência de correções com nova intervenção cirúrgica.

Recentemente55. Hirdes MMC, Vleggaar FP, Van Der Linde K, Willems M, Totté ER, Siersema PD. Esophageal perforation due to removal of partially covered self-expanding metal stents placed for a benign perforation or leak. Endoscopy 2005; 43:925., próteses endoscópicas temporárias emergiram como opção terapêutica minimamente invasiva para rupturas ou vazamentos esofágicos benignos. Estudos prospectivos randomizados comparando a endoterapia com cirurgia não foram encontrados na literatura atual, mas resultados favoráveis com baixa morbidade e mortalidade foram reportados por diversas séries com aplicação de diferentes tipos de próteses11. Babor R, Talbot M, Tyndal A. Treatment of upper gastrointestinal leaks with a removable, covered, self-expanding metallic stent. Surg Laparosc Endosc percutaneous Tech 2009; 19:e1-e4. 44. Freeman RK, Ascioti AJ, Wozniak TC. Postoperative esophageal leak management with the Polyflex esophageal stent. J Thorac Cardiovasc Surg 2007; 133:333-8. 55. Hirdes MMC, Vleggaar FP, Van Der Linde K, Willems M, Totté ER, Siersema PD. Esophageal perforation due to removal of partially covered self-expanding metal stents placed for a benign perforation or leak. Endoscopy 2005; 43:925. 77. Salminen P, Gullichsen R, Laine S. Use of self-expandable metal stents for the treatment of esophageal perforations and anastomotic leaks. Surg Endosc 2009; 23:1526-30. 88. Van Boeckel PGA, Dua KS, Weusten BL a M, Schmits RJH, Surapaneni N, Timmer R, et al. Fully covered self-expandable metal stents (SEMS), partially covered SEMS and self-expandable plastic stents for the treatment of benign esophageal ruptures and anastomotic leaks. BMC Gastroenterol 2012; 12(1):12-19., incluindo recente grande revisão sistemática33. Dasari BVM, Neely D, Kennedy A, Spence G, Rice P, Mackle E, Epanomeritakis E. The role of esophageal stents in the management of esophageal anastomotic leaks and benign esophageal perforations. Ann Surg 2014; 259(5):852-860.. Antes da colocação da prótese, é muito importante garantir adequada drenagem das coleções para o controle local da infecção. Após a drenagem ser realizada, próteses podem vedar os vazamentos e oferecer proteção para a parede da mucosa.

A extensão da deiscência deve ser considerada antes da prótese ser utilizada. Anastomoses com áreas de deiscência inferior a 50% têm boa possibilidade de fechamento da fístula com uso da prótese. Por outro lado, se a área de deiscência é superior a 50%, a possibilidade de fechamento da fístula é menor e pode refletir algum problema técnico maior na confecção da anastomose como isquemia e tensão. O período no pós-operatório de aparecimento da fístula também é fator importante. Como mencionado anteriormente, fístulas precoces têm menor bloqueio inflamatório adequado ocasionando o risco de completa ruptura da anastomose após colocação de prótese. A alocação da prótese após o sétimo dia pós-operatório, quando o bloqueio inflamatório ao redor da anastomose está mais consolidado, é considerada mais segura. Esofagografia com contraste iodado de controle deve ser realizada e, caso confirme a oclusão da fístula, pode-se reiniciar dieta oral enquanto a reparação tecidual acontece.

Existem três tipos de próteses comumente usadas: prótese metálica auto-expansiva parcialmente revestida (PSEMS), prótese metálica auto-expansiva totalmente revestida (FSEMS) ou prótese plástica auto-expansiva (SEPS). Sucesso clínico foi muito similar nos estudos comparando os diversos tipos, sem nenhum claro benefício de um tipo sobre o outro (PSEMS: 48%-81%, FSEMS: 48%-90% e SEPS 67%-100%)11. Babor R, Talbot M, Tyndal A. Treatment of upper gastrointestinal leaks with a removable, covered, self-expanding metallic stent. Surg Laparosc Endosc percutaneous Tech 2009; 19:e1-e4. 44. Freeman RK, Ascioti AJ, Wozniak TC. Postoperative esophageal leak management with the Polyflex esophageal stent. J Thorac Cardiovasc Surg 2007; 133:333-8. 55. Hirdes MMC, Vleggaar FP, Van Der Linde K, Willems M, Totté ER, Siersema PD. Esophageal perforation due to removal of partially covered self-expanding metal stents placed for a benign perforation or leak. Endoscopy 2005; 43:925. 77. Salminen P, Gullichsen R, Laine S. Use of self-expandable metal stents for the treatment of esophageal perforations and anastomotic leaks. Surg Endosc 2009; 23:1526-30. 88. Van Boeckel PGA, Dua KS, Weusten BL a M, Schmits RJH, Surapaneni N, Timmer R, et al. Fully covered self-expandable metal stents (SEMS), partially covered SEMS and self-expandable plastic stents for the treatment of benign esophageal ruptures and anastomotic leaks. BMC Gastroenterol 2012; 12(1):12-19.. Van Boeckel et al compararam os desfechos de três diferentes tipos de próteses para tratamento de rupturas benignas do esôfago ou vazamento da anastomoses. Cinquenta e dois pacientes foram tratados com os três tipos. A remoção endoscópica da prótese foi bem sucedida em todos os pacientes, exceto em oito casos tratados com PSEMS devido ao crescimento tecidual. Sucesso clínico foi atingido em 76% (PSEMS: 73%, FSEMS: 83%, SEPS: 83%) depois de 39 dias em média com a prótese (entre 7-120). Vinte e quatro pacientes tiveram complicações incluindo crescimento tecidual (n=8), migração da prótese (n=10), ruptura do revestimento da prótese (todos PSEMS; n=6), impactação alimentar (n=3), dor (n=2), ruptura esofágica (n=2) e hemorragia (n=2). Um paciente morreu de causas relacionadas à prótese.

Quando na escolha do tipo de prótese, o endoscopista deve estar atento para as desvantagens de cada uma. Próteses parcialmente revestidas (PCMS) causam crescimento tecidual precoce com até uma semana após a colocação88. Van Boeckel PGA, Dua KS, Weusten BL a M, Schmits RJH, Surapaneni N, Timmer R, et al. Fully covered self-expandable metal stents (SEMS), partially covered SEMS and self-expandable plastic stents for the treatment of benign esophageal ruptures and anastomotic leaks. BMC Gastroenterol 2012; 12(1):12-19. prejudicando a sua remoção e consequentemente com riscos maiores de hemorragia e perfuração. Em um estudo recente, todos os quatro pacientes que foram tratados com PCMS para a ruptura benigna do esôfago sofreram perfuração quando se tentou remover a prótese55. Hirdes MMC, Vleggaar FP, Van Der Linde K, Willems M, Totté ER, Siersema PD. Esophageal perforation due to removal of partially covered self-expanding metal stents placed for a benign perforation or leak. Endoscopy 2005; 43:925.. Por outro lado, as próteses totalmente revestidas (metálicas ou plásticas) são mais propensas a migrações (20-42%)11. Babor R, Talbot M, Tyndal A. Treatment of upper gastrointestinal leaks with a removable, covered, self-expanding metallic stent. Surg Laparosc Endosc percutaneous Tech 2009; 19:e1-e4. devido à reduzida capacidade de ancoragem99. Vanbiervliet G, Filippi J, Karimdjee BS, Venissac N, Iannelli A, Rahili A. The role of clips in preventing migration of fully covered metallic esophageal stents: a pilot comparative study. Surg Endosc 2012; 26(1):53-9.. No entanto, migrações podem ser minimizadas com algumas técnicas endoscópicas, como colocação de clips na extremidade proximal da prótese99. Vanbiervliet G, Filippi J, Karimdjee BS, Venissac N, Iannelli A, Rahili A. The role of clips in preventing migration of fully covered metallic esophageal stents: a pilot comparative study. Surg Endosc 2012; 26(1):53-9. ou fixação externa. Neste caso relatado, e em um caso similar acompanhado após este no nosso serviço, tivemos a oportunidade de colocar uma prótese endoscópica totalmente revestida com fixação externa com fio dental. Ambos evoluíram com fechamento adequado da fístula e remoção bem sucedida da prótese após cinco semanas.

REFERENCES

  • 1
    Babor R, Talbot M, Tyndal A. Treatment of upper gastrointestinal leaks with a removable, covered, self-expanding metallic stent. Surg Laparosc Endosc percutaneous Tech 2009; 19:e1-e4.
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  • 3
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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2014
  • Aceito
    19 Mar 2015
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