AVALIAÇÃO DOS QUESITOS ÉTICOS PRESENTE NAS INSTRUÇÕES AOS AUTORES DE REVISTAS CIRÚRGICAS BRASILEIRAS

Resumos

Racional:

As instruções aos autores são a principal comunicação entre os pesquisadores e as políticas editoriais. Um dos itens obrigatórios que devem conter é sobre a parte ética, para evitar que novas pesquisas que realizem abusos com os incluídos na pesquisa sejam publicadas e estimuladas.

Objetivo:

Verificar os quesitos éticos das instruções aos autores de revistas cirúrgicas nacionais.

Método:

Treze revistas escolhidas aleatoriamente do campo cirúrgico foram selecionadas. As instruções aos autores foram analisadas com base em protocolo de pesquisa contendo seis itens que devem obrigatoriamente conter nas instruções aos autores.

Resultados:

A média da pontuação do grupo de revistas gerais foi semelhante que o grupo de revistas sobre especialidades cirúrgicas (3,66±0,57vs 3,30±1,15, p=0,6154). Quando cada quesito ético foi comparado entre os grupos, não houve diferença significativa entre os quesitos estudados (p>0,05).

Conclusão:

Houve respeito pela maioria dos quesitos éticos avaliados, sem diferença entre as revistas de cunho geral ou especializadas.

Bioética; Artigo de revista; Cirurgia

Background:

The instructions to authors are the only means of communication between researchers and the editorial standards of a scientific journal. One of the mandatory items to be contained therein is about the ethical part, to prevent new research to carry out abuses with the enrolled on the research are published and stimulated.

Aim:

To verify the ethical questions on the guidelines of Brazilian surgical journals

Method:

Thirteen selected journals were divided into two groups: general surgery (n=3), and surgical specialty (n=10). The instructions to authors were analyzed by the quote of ethical requirements based on a specific research protocol, ranging from zero to six points.

Results:

The average score of the general surgery group was similar than that of the surgical specialty group (3.66±0.57 vs 3.30±1.15, p=0.6154). When each ethical requirement was compared between the groups, there was no significant difference between the ethical requirements (p<0.05).

Conclusion:

There was respect for most ethical questions evaluated, with no difference between the journals of general or specialty surgery.

Bioethics; Journal article; Surgery

INTRODUÇÃO

A história das pesquisas biomédicas mostra que várias vezes os interesses dos pesquisadores foi considerado como mais importante do que as implicações que as pesquisas poderiam causar nos sujeitos da pesquisa; pode-se exemplificar este fato com os testes com radiações em grávidas para verificar os efeitos em fetos⁴ e o caso Tuskegee¹, onde negros e pobres com sífilis foram tratados com metais pesados ou não foram tratados para descobrir os efeitos destes, mesmo já tendo sido descoberto a anos a penicilina.

Para tentar reduzir esses abusos éticos, mecanismos internacionais começaram a surgir. O primeiro deles foi o Código de Nuremberg⁷, onde foram propostas dez diretrizes que toda pesquisa deveria seguir. Entretanto, este documento não conseguiu minimizar as atrocidades realizadas. Assim em 1964, surgiu a Declaração de Helsinque⁵ que em sua segunda versão propôs um sistema de revisão ética antes da realização da pesquisa, para evitar novos abusos, e os artigos só poderiam ser publicados mediante a aprovação desse sistema.

No Brasil, esses códigos internacionais culminaram em 1996 na resolução 196/96 do Ministério da Saúde³. Criou ela o sistema de avaliação por meio dos Comitês de Ética em Pesquisa, que realizariam a avaliação dos anteprojetos e emitiriam pareceres sobre os quesitos éticos. Contudo, em 2013, essa resolução foi extinta devido à criação da resolução 466/12⁸, que foi atualização da resolução anterior, sendo a atual legislação vigente no país sobre a ética em pesquisa.

As instruções aos autores de um periódico científico são na maioria das vezes a única forma de comunicação entre os pesquisadores e a política editorial da revista; assim, elas devem sempre informar as diretrizes éticas que devem ser cumpridas¹⁴. Contudo, vários artigos nacionais^6,9-11,13,14 mostram que vários itens, que deveriam estar presentes - como a solicitação de aprovação em comitê de ética -, nem sempre são discriminados nas instruções.

Nenhuma dessas pesquisas realizadas teve como foco a área cirúrgica, e a partir da mudança da resolução vigente no país, cria-se necessidade de avaliar se houve atualização das instruções aos autores dos periódicos nacionais, bem como se os demais quesitos éticos estão sendo solicitados.

MÉTODOS

Este trabalho caracteriza-se como transversal e observacional. A amostra consistiu em 13 periódicos cirúrgicos nacionais que foram distribuídos em dois grupos, revistas de cunho geral (Acta Cirúrgica Brasileira, Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva e Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões) e revistas de especialidades (Acta Ortopédica Brasileira, Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, Coluna/Columna, International Archives of Otorhinolaryngology, International Brazilian Journal of Urology, Jornal Vascular Brasileiro, Journal of Coloproctology, Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, Revista Brasileira de Oftalmologia e Revista Brasileira de Ortopedia).

A seleção das revistas cirúrgicas nacionais foi realizada no site da Scientific Electronic Library Online (Scielo), onde foram selecionadas todas as revistas desta base da coleção de periódicos do Brasil, segundo a área "Ciências da Saúde". Após foi selecionado apenas as revistas de cunho cirúrgico.

Foi utilizado um sistema de pontuação para avaliar os quesitos éticos presentes nas instruções aos autores dos periódicos selecionados. O protocolo utilizado foi proposto por Teixeira et al.¹⁴, modificando apenas a legislação vigente. Nele, constam seis quesitos éticos que deveriam estar descritos nas instruções aos autores, sendo: 1) aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) envolvendo seres humanos; 2) citação de que a pesquisa segue os preceitos da Declaração de Helsinque; 3) citação de que a pesquisa está de acordo com as normas da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde; 4) autorização do pesquisado concordando em participar da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); 5) informação sobre os conflitos de interesse dos pesquisadores; e 6) solicitação para que os estudos clínicos sejam cadastrados no Registro Brasileiro de Estudos Clínicos. Foi atribuído um ponto para cada quesito ético identificado nas instruções aos autores, podendo assim a nota de uma revista variar de zero até seis pontos. Foram verificadas quantas revistas ainda mencionavam a resolução 196/96.

Para a realização da análise estatística, foi empregado o teste t de Student a fim de comparar os escores dos dois grupos, e o teste exato de Fischer para comparar cada quesito isoladamente entre os grupos. Adotou-se p<0,05 para que os dados fossem considerados significantes.

RESULTADOS

A média da pontuação das revistas do grupo com revistas gerais foi de 3,66 ±0,57, sendo três a menor nota e a maior, quatro. Já a média do grupo revistas de especialidade foi de 3,30 ±1,15, sendo a menor nota um e a maior, cinco. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,6154). A distribuição das notas entre os dois grupos está descrita na Tabela 1.

Em relação aos quesitos estudados (Tabela 2), nenhum se mostrou estatisticamente significante entre os grupos. No primeiro quesito quanto à solicitação de avaliação da pesquisa por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) envolvendo seres humanos, todas as revistas do grupo geral apresentaram-no em suas instruções aos autores, enquanto que oito (80%) revistas sobre especialidades solicitavam esta aprovação.

TABELA 1
- Distribuição da quantidade de revistas dos grupos nos diferentes escores obtidos

Nota/Grupo	Revistas gerais	Revistas de especialidades
Zero	0 (0%)	0 (0%)
Um	0 (0%)	1 (10%)
Dois	0 (0%)	1 (10%)
Três	1 (33,34%)	3 (30%)
Quatro	2 (66,66%)	4 (40%)
Cinco	0 (0%)	1 (10%)
Seis	0 (0%)	0 (0%)
Média	3,66	3,30

• p=0.61 (t de Student)

TABELA 2
- Comparação entre a presença e ausência de cada quesito ético avaliado nos grupos

Quesito/Grupo	Revistas gerais	Revistas de especialidades
Aprovação no CEP	3 (100%)	8 (80%)
Declaração de Helsinque	1 (34%)	5 (50%)
Resolução 466/12	1 (34%)	0 (0%)
Utilização de TCLE	1 (34%)	2 (20%)
Informa os conflitos de interesse	3 (100%)	10 (100%)
Registro Brasileiro de Estudos Clínicos	2 (66%)	8 (80%)

• p>0,05 (exato de Fischer)

Em relação à exigência de que a pesquisa deva citar a declaração de Helsinque e a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, no grupo das revistas gerais, apenas uma solicitou ambas; já no grupo de especialidades, metade solicitou a declaração de Helsinque e nenhuma a resolução 466/12. Cinco revistas (38%) citaram a resolução 196/96 nas instruções aos autores. No que se refere à exigência dos pesquisados assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma (34%) revista do grupo geral solicitou este quesito, enquanto que no grupo especialidades apenas duas (20%) o fizeram.

Todas as revistas, independente do grupo, solicitavam informar os conflitos de interesse dos pesquisadores. Em relação ao cadastramento dos estudos clínicos no Registro Brasileiro de Estudos Clínicos, duas gerais e oito especializadas solicitavam tal cadastro.

DISCUSSÃO

As instruções aos autores são, na maioria dos casos, a única via de comunicação entre as normas editorias de um periódico científico e os pesquisadores¹³. Cabe a este documento informar tudo o que é necessário para um autor para possa ter seu artigo publicado na revista selecionada. A citação de prerrogativas éticas neste espaço é de fundamental importância, não só para evitar atrocidades com os sujeitos da pesquisa, mas também para garantir a qualidade das pesquisas submetidas¹⁴.

A aprovação do anteprojeto em comitês de ética em pesquisa é obrigatória no Brasil^3,8. No entanto, alguns dos periódicos pesquisados não citam a obrigatoriedade de encaminhar a declaração que o projeto foi aprovado. Contudo, os valores encontrados no presente estudo são superiores aos achados de Sanderberg et al (2002)¹⁰, mostrando evolução. Os comitês atuam como autores fantasmas¹², visto que, ao realizarem as correções éticas, acabam informando aos autores equívocos metodológicos ou sugerem correções que tornam os projetos mais qualificados.

Em relação aos documentos bioéticos que norteiam as pesquisas no Brasil, a Declaração de Helsinque, em ambos os grupos, apresentaram baixa quantidade de revistas que solicitaram suas referências nos artigos submetidos, semelhante aos valores encontrados em estudo de 1999¹¹, mostrando que, passados 16 anos, não ocorreram mudanças significativas em relação à importância dada a esta declaração. Em relação a resolução 466/12,documento de maior preponderância ética nacional em pesquisas biomédicas, apenas uma revista citou-a, mostrando que após dois anos da sua publicação, pouco foi assimilado pelos periódicos cirúrgicos nacionais, e esta ilação pode ser comprovada pelo fato que quase 40% das revistas ainda utilizam a resolução 196/96 em suas instruções.

O TCLE é documento de irrefutável valor ético, muitas vezes é a única ligação entre o sujeito da pesquisa e a pesquisa realizada, servindo também como um contrato entre as partes⁸. É a partir deste documento que o pesquisado toma conhecimento das informações da pesquisa de que está aceitando participar, seus direitos e deveres, além de ter assegurada a possibilidade de recusar-se a participar da pesquisa a qualquer momento. Apesar de toda esta importância, este foi um dos critérios que obteve a menor pontuação nos dois grupos.

Este fato pode ter ocorrido em razão de as revistas acreditarem que, para um artigo ter sido aprovado por parte de um comitê de ética, ele deve ter tido termo de conscientemente aprovado¹⁴, sendo assim desnecessária a solicitação de tal informação; contudo, sabe-se que mudanças podem ocorrer no meio da pesquisa e o protocolo aprovado no início da pesquisa pode divergir do posto em prática.

Os conflitos de interesse são ponto de grande relevância ética, pois a manipulação dos resultados por parte da indústria farmacêutica e de grandes empresas de biotecnologia podem comprometer milhares de pessoas². A informação das possíveis ligações dos pesquisadores com estas instituições deve ser detalhada nos artigos e é de grande relevância para os leitores, com o objetivo de filtrar os resultados. De acordo com os dados da presente pesquisa, todas as revistas solicitavam os esclarecimentos de possíveis conflitos de interesse; as pesquisas anteriores^10,11,14 com metodologia semelhante tinham resultados inferiores, demonstrando grande evolução desse quesito.

O registro dos ensaios clínicos é um sistema novo no Brasil, iniciado em 2007¹⁴. Apesar de recente, este cadastro é importante e de grande valia, pois evita que a mesma pesquisa seja realizada mais de uma vez, posto que as informações sobre os ensaios clínicos registrados estejam à disposição do público no site. Este registro serve para respaldar os pesquisados sobre a situação da pesquisa a que estes estão sendo expostos, bem como divulgar e melhor aproveitar os resultados destes estudos. Contudo, mesmo com pouco tempo de existência apenas duas revistas não solicitaram este quesito.

Os dois grupos estudados não apresentaram diferenças significantes entre si, demonstrando que entre as revistas nacionais de cirurgia há certo padrão na política editorial no que tange a ética em pesquisa; contudo, alguns aspectos necessitam ser melhorados, como maior cobrança sobre a utilização de TCLE e atualização das instruções solicitando que seja seguida a resolução 466/12.

Ressalta-se ainda que esta pesquisa limitou-se a estudar os quesitos éticos presentes nas instruções aos autores, podendo a realidade editorial ser diferente da descrita nestes documentos¹⁴. É de alta relevância científica a necessidade da informação destes quesitos éticos nas instruções aos autores, onde os pesquisadores baseiam para criar seus anteprojetos e pesquisas.

CONCLUSÃO

Houve respeito pela maioria dos quesitos éticos avaliados, sem diferença entre as revistas de cunho geral ou sobre especialidades. Contudo, há necessidade de conscientização dos editores para contínua atualização das instruções aos autores e busca de possíveis lacunas para minimizar possíveis abusos bioéticos dos sujeitos da pesquisa.

REFERENCES

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  Teixeira RKC, Yamaki VN, Goncalves TB, Botelho NM, Silva JAC. Does impact factor influence the ethics of the instructions provided to journal authors? Rev. Assoc. Med. Bras. 2013; 59(3): 280-4.

• Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Nov-Dec 2015

Histórico

• Recebido
  16 Jun 2015
• Aceito
  27 Ago 2015