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Avaliação de refluxo ultra-distal com pHmetria de múltiplos canais

Resumos

RACIONAL: Displasia e adenocarcinoma esofágico surge em pacientes com esôfago de Barrett submetidos a tratamento cirúrgico (fundoplicatura) com pHmetria esofágica sem evidência de acidez, o que sugere existir refluxo distal ao cateter de pHmetria convencional. OBJETIVO: Desenvolver metodologia para avaliar refluxo ultra-distal (1 cm acima da borda superior de esfíncter inferior do esôfago). MÉTODO: Foram selecionados 11 pacientes com esôfago de Barrett previamente submetidos à fundoplicatura à Nissen, sem sintomas de refluxo, com endoscopia e estudo contrastado de esôfago sem sinais de recidiva. Foi realizada manometria esofágica para avaliar a localização e a extensão do esfíncter esofágico inferior (EIE). Realizou-se então pHmetria esofágica com quatro canais: canal A a 5 cm acima da borda superior do EIE; canal B a 1 cm acima; canal C intraesfincteriano; canal D intragástrico. Avaliou-se o escore de DeMeester no canal A. Comparou-se o número de episódios de refluxo ácido, o número de episódios de refluxo prolongado e a fração de tempo com pH<4,0 nos canais A e B. Comparou-se a fração de tempo de pH<4,0 nos canais B e C. A fração de tempo com pH<4,0 acima de 50% no canal D foi usada como parâmetro para não migração proximal do cateter. RESULTADOS: Houve aumento significativo do número de episódios de refluxo e da fração de tempo com pH<4,0 no canal B em relação ao canal A. Houve redução do tempo de pH<4,0 no canal B em comparação ao canal C. Dois casos de adenocarcinoma esofágico foram diagnosticados nos pacientes do grupo estudado. CONCLUSÕES: A região 1 cm acima da borda superior do EIE está mais exposta à acidez do que a região 5 cm acima, embora em níveis reduzidos. A região 1 cm acima da borda superior do EIE está menos exposta à acidez do que a região intraesfincteriana, demonstrando eficácia da fundoplicatura.

Refluxo gastroesofágico; Esôfago de Barrett; Monitoramento do pH esofágico; Fundoplicatura


BACKGROUND: Esophageal adenocarcinoma and dysplasia in patients with Barrett's esophagus are seen after surgical treatment of GERD (fundoplication).Esophageal pH monitoring shows no evidence of acidity, suggesting distal reflux to the conventional catheter positioning. AIM: To develop methodology for assessing ultra-distal reflux (1 cm above the top edge of the lower esophageal sphincter). METHOD: Were selected 11 patients with Barrett's esophagus previously submitted to Nissen fundoplication, without reflux symptoms and with endoscopy and contrasted study of esophagus without signs of relapse. Esophageal manometry was used to evaluate the location and length of the lower sphincter of the esophagus (LES). After that, esophageal pH monitoring with four channels was done: channel A at 5 cm above the top edge of the LES; channel B at 1 cm above; channel C, intra-sphincteric; channel D, intragastric. The DeMeester score was assessed on channel A. The number of episodes of acid reflux, the number of episodes of prolonged reflux and fraction of time pH<4.0 were compared on channels A and B. The fraction of time pH<4.0 was compared on channels B and C. The fraction of time with pH<4.0 above 50% on channel D was used as parameter of no proximal migration of the catheter. RESULTS: Significant increase in the number of reflux episodes and fraction of time pH<4.0 in channel B in relation to channel A. Reduced fraction of time pH<4.0 in channel B compared to channel C was seen. Two cases of esophageal adenocarcinoma were diagnosed in the group. CONCLUSIONS: The zone 1 cm above the top edge of the LES is more exposed to acidity than the one 5 cm above, although at reduced levels. The region 1 cm above the top edge of the LES is less exposed to acidity than the intrasphincteric zone, demonstrating efficacy of fundoplication.

Gastroesophageal reflux; Barrett esophagus; Esophageal pH monitoring; Fundoplication


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação de refluxo ultra-distal com pHmetria de múltiplos canais

Francisco Carlos Bernal da Costa Seguro; Marco Aurélio Santo; Sérgio Szachnowicz; Fauze Maluf-Filho; Humberto Setsuo Kishi; Ângela Marinho Falcão; Ary Nasi; Rubens Antônio Aissar Sallum; Ivan Cecconello

Correspondência Correspondência: Francisco Carlos Bernal da Costa Seguro e-mail: fc.seguro@uol.com.br

RESUMO

RACIONAL: Displasia e adenocarcinoma esofágico surge em pacientes com esôfago de Barrett submetidos a tratamento cirúrgico (fundoplicatura) com pHmetria esofágica sem evidência de acidez, o que sugere existir refluxo distal ao cateter de pHmetria convencional.

OBJETIVO: Desenvolver metodologia para avaliar refluxo ultra-distal (1 cm acima da borda superior de esfíncter inferior do esôfago).

MÉTODO: Foram selecionados 11 pacientes com esôfago de Barrett previamente submetidos à fundoplicatura à Nissen, sem sintomas de refluxo, com endoscopia e estudo contrastado de esôfago sem sinais de recidiva. Foi realizada manometria esofágica para avaliar a localização e a extensão do esfíncter esofágico inferior (EIE). Realizou-se então pHmetria esofágica com quatro canais: canal A a 5 cm acima da borda superior do EIE; canal B a 1 cm acima; canal C intraesfincteriano; canal D intragástrico. Avaliou-se o escore de DeMeester no canal A. Comparou-se o número de episódios de refluxo ácido, o número de episódios de refluxo prolongado e a fração de tempo com pH<4,0 nos canais A e B. Comparou-se a fração de tempo de pH<4,0 nos canais B e C. A fração de tempo com pH<4,0 acima de 50% no canal D foi usada como parâmetro para não migração proximal do cateter.

RESULTADOS: Houve aumento significativo do número de episódios de refluxo e da fração de tempo com pH<4,0 no canal B em relação ao canal A. Houve redução do tempo de pH<4,0 no canal B em comparação ao canal C. Dois casos de adenocarcinoma esofágico foram diagnosticados nos pacientes do grupo estudado.

CONCLUSÕES: A região 1 cm acima da borda superior do EIE está mais exposta à acidez do que a região 5 cm acima, embora em níveis reduzidos. A região 1 cm acima da borda superior do EIE está menos exposta à acidez do que a região intraesfincteriana, demonstrando eficácia da fundoplicatura.

Descritores: Refluxo gastroesofágico/cirurgia. Esôfago de Barrett. Monitoramento do pH esofágico. Fundoplicatura.

INTRODUÇÃO

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) apresenta alta prevalência na população. No ocidente, a ocorrência de queimação retroesternal ou regurgitação ácida uma vez por semana varia de 15 a 25% da população, enquanto na Ásia é inferior a 5%26. No Brasil, cerca de 12% da população apresenta queimação retroesternal ao menos uma vez por semana17. Definese como DRGE a condição que se desenvolve quando o refluxo de conteúdo gástrico causa sintomas ou complicações que afetem a qualidade de vida do paciente26.

O esôfago de Barrett é alteração da mucosa esofágica decorrente do refluxo gastroesofágico intenso e prolongado que determina desenvolvimento de metaplasia colunar do tipo intestinal e ocorre em 1 a 2% dos casos de DRGE26. No entanto, até 10 a 15% dos pacientes com sintomas crônicos de refluxo submetidos à endoscopia podem apresentar-se com esôfago de Barrett17.

A importância dele reside na sua relação potencial com o adenocarcinoma esofágico. No mundo ocidental, a frequência de adenocarcinoma do esôfago apresentou grande elevação nos últimos anos, atualmente caracterizando-se como o tumor esofágico mais comum em alguns países, superando a incidência do carcinoma espinocelular24,25,30.

A meta do tratamento dos pacientes com esôfago de Barrett é interromper a agressão tecidual que provoca inflamação e progressão para displasia e câncer. Para tal fim, deve-se evitar o refluxo ácido gastroesofágico, tido como o principal estímulo lesivo para a mucosa esofágica. O tratamento pode ser clínico, baseado em medidas comportamentais para diminuição do refluxo e no uso de medicamentos para inibir a produção de ácido pelo estômago. O tratamento cirúrgico evita a ocorrência de refluxo através da confecção de válvula anti-refluxo, determinando aumento dos níveis de pressão do esfíncter inferior do esôfago (EIE) e normalização da exposição do esôfago distal ao ácido e, portanto, maior controle do refluxo, sendo assim o tratamento melhor indicado para pacientes com esôfago de Barrett2,8,11,23.

Para se avaliar o sucesso do tratamento, podese utilizar parâmetro clínico de controle dos sintomas relacionados ao refluxo, ou exames complementares. A endoscopia digestiva alta pode detectar falha do tratamento, com presença de esofagite ou progressão do epitélio metaplásico. O estudo contrastado do esôfago avalia a ocorrência de refluxo durante o exame. Porém, a pHmetria esofágica prolongada é o melhor exame para determinar a presença de refluxo ácido gastroesofágico, considerado como padrão para este fim6,13,18.

Chama à atenção a existência de alguns pacientes que desenvolvem displasia e mesmo adenocarcinoma comprovados por exames complementares - incluindo a pHmetria convencional -, durante o seguimento após tratamento bem sucedido1,22. Isso suscita a hipótese de refluxo em segmento de esôfago mais distal, não detectável pelos métodos de investigação atualmente empregados, pois a pHmetria convencional avalia refluxo em posição 5 cm acima da borda superior do EIE, com limitação para avaliar acidez abaixo desse nível, na região ultra-distal do esôfago.

Alguns autores estudaram o padrão de refluxo ultradistal com diferentes métodos. Fletcher et al. realizaram estudo com cateter de pHmetria com dois canais, fixando o cateter ao esôfago com clips endoscópicos9. Pandolfino et al. e Wenner et al utilizaram o sistema Bravo de pHmetria sem cateter, com sensores fixados à mucosa esofágica logo acima da transição esôfago gástrica20,31,32. Todos os autores observaram maior exposição ácida nos níveis mais distais do esôfago.

Como há grande variação nas técnicas utilizadas, a proposta deste estudo foi o desenvolvimento de metodologia adequada para padronizar o estudo do refluxo ácido ultra-distal no esôfago.

MÉTODO

Onze pacientes com esôfago de Barrett previamente submetidos à fundoplicatura a Nissen para tratamento do refluxo gastroesofágico foram selecionados, utilizando-se os seguintes critérios de inclusão: tempo de seguimento pós-operatório de pelo menos um ano; extensão de epitélio colunar com metaplasia intestinal igual ou superior a 1 cm no período pré-operatório; completo controle dos sintomas de refluxo gastroesofágico; ausência de uso de inibidor de bomba protônica por qualquer razão; endoscopia digestiva alta com ausência de esofagite e de hérnia hiatal de deslizamento ou paraesofágica, fundoplicatura tópica e com morfologia adequada; exame contrastado de esôfago mostrando presença de fundoplicatura intra-abdominal e íntegra, e ausência de refluxo gastroesofágico.

A seguir, realizou-se manometria esofágica, com intuito de avaliar a localização do EIE e de suas bordas proximal e distal, sua extensão e pressão em repouso, para permitir correto posicionamento do cateter de pHmetria.

Por fim, o estudo envolvia a realização de pHmetria com cateter de quatro canais, dispostos da seguinte maneira (Figura 1): canal A posicionava-se 5 cm acima da borda superior do EIE, conforme padronização para pHmetria esofágica prolongada; canal B localizava-se 4 cm abaixo do canal A, ou seja, 1 cm acima da borda superior do EIE para avaliar refluxo ácido em nível mais distal do esôfago; canal C posicionava-se dentro da extensão do EIE, 3 cm abaixo do canal B; canal D permanecia no interior do estômago, logo abaixo da borda inferior do EIE, 3 cm abaixo do canal C. O canal B permanecia 2 cm abaixo da borda superior do EIE para avaliar a efetividade da contenção do refluxo da região intra-esfincteriana para a região 1 cm acima da borda superior do EIE, ao compararem-se os resultados obtidos nos canais C com os resultados obtidos em B. O canal C teve como função avaliar a permanência do cateter em sua posição original durante o tempo do exame, pois a elevação mantida do pH sugeriria migração proximal do cateter, invalidando o resultado.


Os parâmetros analisados no canal A foram o número de episódios de refluxo ácido, número de episódios de refluxo prolongado (acima de cinco minutos), fração de tempo com pH inferior a 4,0 (considerando-se como normal até 4,2% da fração total do tempo) e escore de DeMeester.

No canal B, avaliaram-se o número de episódios de refluxo, o número de episódios prolongados e a fração de tempo com pH inferior a 4,0, considerando-se normal até 1,5% da fração total do tempo. O escore de DeMeester não foi utilizado por tratar-se de parâmetro bem estabelecido para avaliação de refluxo em pHmetria convencional, com cateter 5 cm acima da borda superior do EIE, sem padronização para interpretação de resultados em outros níveis do esôfago.

Nos canais C e D, apenas a fração de tempo com pH inferior a 4,0 foi utilizada para análise dos resultados.

Utilizando-se método de Wilcoxon, compararamse os resultados obtidos entre os canais A e B e entre os canais B e C.

RESULTADOS

A análise dos resultados do canal A mostrou número de episódios de refluxo variando de 0 a 57 ocorrências, com mediana de 2. O número de episódios prolongados variou de 0 a 3, com mediana de 0. Com relação à fração de tempo com pH inferior a 4,0, a variação foi de 0% a 9,8%, com mediana de 0,1%. O escore de DeMeester variou de 0,3 a 52,5, com mediana de 1,1 (Tabela 1).

Os resultados do canal B mostraram número de episódios de refluxo variando de 2 a 274, com mediana de 78. O número de episódios prolongados variou de 0 a 20, com mediana de 0. A fração de tempo com pH inferior a 4,0 variou de 0,1% a 41,9%, com mediana de 1,3% (Tabela 2).

Ao analisar-se o canal C de todos os pacientes, a fração de tempo com pH inferior a 4,0 variou de 19,7% a 95,2%,com mediana de 38,7% (Tabela 3).

Ao compararem-se os resultados obtidos nos canais A e B, observa-se aumento significativo do número de episódios de refluxo no canal B e da fração de tempo com pH<4,0. Há aumento do número de episódios de refluxo prolongado, porém sem significância estatística (Tabela 4).

Os resultados obtidos nos canais B e C permitem observar que em todos os casos houve redução significativa da exposição ácida no nível do canal B quando comparada ao canal C, demonstrando a capacidade da fundoplicatura de conter o refluxo ultra-distal (Tabela 5).

O que se observa é que a redução da exposição ácida entre os canais C e B é mais acentuada do que o aumento da exposição entre os canais A e B, o que também reforça a afirmação de que a fundoplicatura foi eficaz em conter o refluxo, pois a exposição ácida no nível do esfíncter é bastante elevada e apesar disso o esôfago é pouco exposto a essa acidez (Figura 2).


Durante o seguimento destes pacientes, dois foram diagnosticados com adenocarcinoma de esôfago.

DISCUSSÃO

O interesse deste trabalho foi avaliar se há método efetivo de estudo para determinar o controle do refluxo ácido gastroesofágico, com maior sensibilidade que os exames atualmente utilizados de forma rotineira. Por essa razão, a escolha do grupo de pacientes baseou se em critérios rígidos de controle do refluxo, para evitar a inclusão de casos de controle questionável que poderiam interferir nos resultados.

Para tanto, optou-se por incluir pacientes com o tratamento considerado mais efetivo em termos de controle do refluxo, que são aqueles submetidos à hiatoplastia e fundoplicatura à Nissen, e sem nenhum sinal clínico ou de exames complementares que pudessem sugerir falha de tratamento.

O esôfago de Barrett é doença de interesse clínico marcante, em especial por sua associação com o desenvolvimento do adenocarcinoma esofágico. O tratamento dos pacientes com essa afecção visa à interrupção do refluxo gastroesofágico, especialmente do componente ácido, para assim interromper a progressão da agressão tecidual e evitar a degeneração para displasia e câncer.

Há evidência que os pacientes com falha do tratamento clínico ou cirúrgico apresentem risco aumentado de desenvolvimento de adenocarcinoma do esôfago, por manterem agressão ao epitélio metaplásico16. No entanto, há dificuldade em explicar a ocorrência de casos de câncer em pacientes com aparente sucesso do tratamento conforme avaliação clínica e por exames complementares, mesmo por pHmetria esofágica.

A metodologia proposta deve garantir que o cateter não influencie nos resultados. Estudos na literatura já haviam demonstrado que a presença do cateter através do EIE não induz refluxo gastroesofágico, tanto em voluntários saudáveis como em pacientes com DRGE5,15.

Outro ponto crucial é que o canal B deve permanecer sempre em contato com a mucosa esofágica. Sabe-se que o esôfago sofre encurtamento durante o peristaltismo, o que poderia levar a migração distal do canal B para o interior do estômago e dificultar a correta interpretação da detecção de pH ácido durante o exame. Apesar disso, o cateter não foi fixado à mucosa do esôfago. A fixação dele é feita por via endoscópica, o que não possibilita o posicionamento preciso dos canais em relação à borda superior do EIE, como padronizado para a realização da pHmetria prolongada convencional. Além disso, a fixação endoscópica com clipes dificulta a retirada do cateter, com necessidade de tração para desinserção dos clipes, com risco de laceração de mucosa esofágica e possível sangramento.

O encurtamento esofágico é componente habitual do peristaltismo, podendo atingir até 2 cm4,21,28. Dessa forma, estima-se que o canal B do cateter possa variar sua posição em aproximadamente 2 cm distalmente, ou seja, até 1 cm abaixo da borda superior do EIE.

Csendes, et al.3, em estudo envolvendo grande número de voluntários saudáveis, comparou a localização do EIE por manometria e a transição esôfago gástrica (TEG) localizada por endoscopia e observou que a TEG não corresponde à borda inferior do EIE e sim próximo ao ponto médio entre a borda superior e a borda inferior do EIE. Assim sendo, em pacientes com esfíncter de 3 cm de extensão, localiza-se aproximadamente 1,5 cm abaixo da borda superior do EIE e em casos em que o EIE mede 4 cm, aproximadamente 2 cm abaixo da borda superior.

Baseado nessa informação, sabe-se que a migração distal do cateter de pHmetria, que ocorre normalmente durante a contração esofágica, faria com que o canal B do cateter posicionasse-se até no máximo 1 cm abaixo da borda superior do EIE, ainda em esôfago distal, mais próximo da TEG, porém sem migrar para o interior do estômago, mesmo sem a fixação na mucosa esofágica. O canal C, por sua vez, varia sua posição, sempre próxima à TEG, ora em esôfago distal e ora em estômago proximal.

O canal D permanece dentro do estômago e é utilizado como parâmetro de não migração proximal do cateter durante o exame. O estômago não apresenta pH inferior a 4,0 em 100% do tempo. A explicação para isso é o tamponamento do ácido gástrico por saliva e alimentos e a ocorrência de refluxo biliar. Estudos de pHmetria gástrica mostram que isso ocorre entre 80% e 87% do tempo do exame10,27, porém, nestes estudos, o cateter foi posicionado em região de corpo gástrico, entre 10 cm e 15 cm abaixo da borda inferior do EIE. Estudo de Katzka et al.14, em voluntários saudáveis, avaliou o pH em região 5 cm abaixo da borda superior do EIE, ou seja, em posição coincidente com a assumida pelo canal D deste estudo. Os dados demonstram que a fração de tempo de pH inferior a 4,0 variou de 0,9% a 76,1%, com média de 32,2%. Neste estudo, considerouse que o canal D deveria apresentar pelo menos a fração de 50% do tempo com pH inferior a 4,0 como parâmetro de não migração proximal do cateter de sua posição original, o que ocorreu em todos os pacientes.

Os parâmetros para avaliação de refluxo na posição do canal A estão bem estabelecidos, uma vez que ele coincide com a posição padrão para realização de pHmetria esofágica prolongada. Já com relação ao canal B, não há padronização para interpretação dos resultados encontrados. Existem estudos que foram realizados em pacientes não operados para comparar a exposição ácida analisada no estudo de pHmetria convencional e em segmento mais distal do esôfago e todos observaram que essa região encontrase mais exposta a pH inferior a 4,0 do que a região convencionalmente estudada (5 cm acima da borda superior do EIE). No entanto, houve grande variação dos resultados. Em voluntários saudáveis, a porcentagem de tempo com pH inferior a 4,0 variou de 1,5% a 11,7%. Já em pacientes com DRGE, os resultados variaram de 6% a 9,5%7,9,20,31,32.

Neste estudo, adotou-se como critério paraavaliação do canal B a fração de 1,5% do tempo como limite de exposição ácida. Dessa forma, apenas os pacientes com exposição igual ou inferior ao mínimo observado em voluntários saudáveis, como descrito nos estudos acima, seriam considerados como sem alterações da exposição ácida.

Um paciente do grupo, apesar de bom controle clínico, endoscópico e radiológico do refluxo gastroesofágico no pós-operatório, apresentou refluxo patológico na localização habitual da pHmetria esofágica. Isso mostra que apenas a pHmetria pode determinar se há realmente controle efetivo do refluxo ácido, conforme já sugerido por outros autores1,12,19,29,30.

A mediana da exposição ácida no canal B foi de 1,3%, inferior ao parâmetro adotado para análise. Os resultados obtidos identificaram cinco pacientes com fração de tempo de exposição ácida acima do proposto como normal. Portanto, a pHmetria com múltiplos canais permitiu identificar alguns casos com exposição ácida prolongada no epitélio de Barrett que não seriam identificados pela técnica convencional de pHmetria. Isso demonstra que a pHmetria com múltiplos canais pode acrescentar dados importantes no seguimento dos pacientes.

Comparando-se os resultados obtidos no canal A com o canal B, observa-se aumento significativo da exposição ácida em B, embora a mediana do canal B ainda esteja abaixo do parâmetro adotado como limite. Observa-se também redução significativa da exposição ácida, cerca de 30 vezes, do canal C para o canal B, o que mostra a eficácia da fundoplicatura em conter o refluxo ácido para o nível do esôfago distal.

Dois pacientes foram diagnosticados com adenocarcinoma durante o estudo. O primeiro encontrava-se com apenas 22 meses de pós-operatório de fundoplicatura. Estima-se em seis anos o tempo necessário para o desenvolvimento de adenocarcinoma no epitélio de Barrett com displasia de baixo grau 32. Assim, o surgimento de câncer nos primeiros anos de pós-operatório, como ocorreu neste caso, pode não significar progressão da doença após a operação, mas consequência de alteração prévia ao procedimento cirúrgico. Porém, chama a atenção o estudo de pHmetria deste paciente. No canal A, o paciente não apresentou qualquer alteração, com 0% de tempo de pH inferior a 4,0 e escore de DeMeester de 0,5. Porém, no canal B, ele teve 78 episódios de refluxo ácido, com 1,7% de fração de exposição ácida. O segundo caso ocorreu após 72 meses de fundoplicatura. Este período de tempo é o limite para considerar-se que possíveis alterações prévias à fundoplicatura foram responsáveis pelo desenvolvimento do câncer. Este paciente apresentava pHmetria normal nos canais A e B, com 1,3% de tempo de exposição ácida no canal B. Isso suscita a hipótese de que talvez o ácido não seja único fator envolvido na evolução da metaplasia para displasia e câncer.

O achado de dois casos de adenocarcinoma nesta casuística não permite afirmar se a fundoplicatura exerce papel protetor ou não em relação ao câncer de esôfago, pois, o pequeno número de casos estudados impede este tipo de conclusão.

Os dois pacientes tiveram o diagnóstico feito por exame de rotina, sem apresentarem sintomas. Apresentavam lesões evidentes, não sendo o diagnóstico estabelecido por biópsias seriadas do epitélio metaplásico. Mesmo assim, a endoscopia permitiu diagnóstico de neoplasia precoce nos dois casos, com tratamento de intuito curativo e com boa evolução tanto precoce como tardia. Dessa forma, pode-se sugerir que houve benefício da vigilância endoscópica rotineira que é realizada neste serviço.

CONCLUSÕES

Há redução significativa da exposição ácida na região 1 cm acima da borda superior do EIE quando comparada à região intra-esfincteriana, demonstrando eficácia da fundoplicatura em conter o refluxo nesse nível. Além disso, a região do esôfago 1 cm acima da borda superior do esfíncter inferior do esôfago é mais exposta ao ácido do que a 5 cm acima da borda superior do EIE, embora mantenha-se em níveis reduzidos. O tratamento cirúrgico, através de fundoplicatura à Nissen, nos pacientes com esôfago de Barrett, possibilita redução significativa da exposição ácida em nível ultra-distal do esôfago e a pHmetria de múltiplos canais constitui-se em importante procedimento técnico para avaliação comparativa da exposição ácida nos vários níveis do esôfago distal.

Recebido para publicação: 06/01/2011

Aceito para publicação: 25/01/2011

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia do Esôfago do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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  • Correspondência:
    Francisco Carlos Bernal da Costa Seguro
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      06 Jan 2011
    • Aceito
      25 Jan 2011
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