Acessibilidade / Reportar erro

TUMORES GÁSTRICOS PROXIMAIS E DISTAIS SE COMPORTAM DE FORMA DIFERENTE?

RESUMO

Racional:

Embora a incidência do câncer gástrico esteja diminuindo nas últimas décadas, ele ainda aparece como uma das neoplasias malignas mais comuns, e tumores proximais tendem a ter pior prognóstico.

Objetivo:

Comparar os resultados cirúrgicos e o prognóstico entre o câncer gástrico proximal, excluindo os tumores da cárdia e junção esofagogástrica, e o distal.

Métodos:

De 293 casos revistos - 209 distais e 69 proximais - foram comparados quanto aos achados clínicos e patológicos, estágio, resultados cirúrgicos, mortalidade e sobrevida.

Resultados:

Estatisticamente não houve diferença entre pacientes em ambos os grupos quanto à mortalidade (p=0.661), emprego de quimioterapia adjuvante (p=0.661) e de radioterapia (p=1.000). Entretanto, houve diferença significativa no grau de dissecção linfonodal empregada (p=0.002) e no número de linfonodos positivos ressecados (p=0.038) entre os dois grupos. A razão de chances para morte em cinco anos nos casos de dissecção D0 foi três vezes maior (2,78; IC95% de 1,33 a 5,82) do que a D2, enquanto que para dissecção D1, ela foi apenas 1,41 vezes maior (95%CI 0.71-2.83) quando comparado à D2.

Conclusão:

Ainda que não se tenha observado diferenças significativas entre o câncer gástrico proximal e o distal, o risco de morte aumentado nos casos de D0 e D1, claramente demonstra o papel preponderante da linfadenectomia radical D2 no tratamento dessa doença.

DESCRITORES :
Neoplasias gástricas; Prognóstico; Sobrevida; Mortalidade; Excisão de Linfonodo

ABSTRACT

Background:

Although the incidence of gastric (adenocarcinoma) cancer has been decreasing over time, it is still one of the most common malignancies worldwide, and proximal tumours tend to have a worse prognosis.

Aim:

To compare surgical outcomes and prognosis between proximal - excluding tumours of the cardia - and distal gastric cancer.

Methods:

Out of 293 cases reviewed - 209 with distal and 69 with proximal gastric cancer - were compared for clinical and pathological features, stage, surgical outcome, mortality and survival.

Results:

Statistically, there was no significant difference between patients in both groups regarding mortality (p=0.661), adjuvant chemotherapy (p 0.661), and radiation (p=1.000). However, there was significant difference in the degree of lymph node dissection employed (p=0.002) and the number of positive lymph nodes resected (p=0.038) between the two groups. The odds of death at five years for patients who had a D0 dissection was three times greater (odds ratio 2.78; (95%CI 1.33-5.82) than that for patients who had a D2 dissection, while for patients who had a D1 dissection the odds ratio was only 1.41 (95%CI 0.71-2.83) compared to D2-dissected patients.

Conclusion:

Although no significant differences were found between proximal and distal gastric cancer, the increased risk of death in D0- and D1-dissected patients clearly suggests an important role of radical D2 lymph node dissection in survival.

HEADINGS :
Stomach neoplasms; Prognosis; Survivorship; Mortality; Lymph Node Excision.

INTRODUÇÃO

Embora a incidência do câncer gástrico tenha diminuído ao longo das últimas décadas, ele ainda permanece relevante, estando entre as neoplasias malignas mais comuns. De acordo com o projeto Globocan88. Ferlay J, Soerjomataram I, Ervik M, Dikshit R, Eser S, Mathers C, et al. GLOBOCAN 2012 v1.0, Cancer Incidence and Mortality Worldwide: IARC CancerBase No. 11 [Internet]. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer; 2013 [cited 2015 Nov 09]. Available from: http://globocan.iarc.fr. de 2014 da Organização Mundial de Saúde, houve aproximadamente um milhão de novos casos de câncer gástrico ao longo do mundo (952.000 casos, 7% do total das malignidades), fazendo dele o quinto tumor mais comum em números absolutos. No Brasil, dados do Instituto Nacional do Câncer para 2016 o colocam como o quarto (12.870 casos) mais incidente em homens e o sexto (7.520 casos) em mulheres . Esses números fazem do estômago o sexto órgão mais frequentemente afetado por câncer em nosso país1010. Gomes da Silva JA. [National Institute of Cancer] 2014 estimates: incidence of cancer in Brazil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2014 [cited 2015 Nov 09]. Available from: http://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/Estimativa_2014.pdf.

No passado, era comum serem considerados como tumores gástricos proximais aqueles surgidos da cárdia e da junção esofagogástrica, indistintamente. A estrutura anatômica do terço proximal do estômago, aonde a serosa é apenas parcialmente desenvolvida, aumenta a chance de esses tumores serem diagnosticados em estágio mais avançado, o que pode estar associado com prognóstico desfavorável nesses tumores proximais11. Bruno L, Nesi G, Montinaro F, Carassale G, Lassig R, Boddi V, et al. Clinicopathologic findings and results of surgical treatment in cardiac adenocarcinoma. J Surg Oncol. 2000 May;74(1):33-5..

Além disso, não há clara concordância na associação entre mortalidade e localização do tumor no estômago. Estudos anteriores analisaram diferenças de prognóstico e sobrevida e afirmaram que cânceres originários na cárdia e junção esofagogástrica tinham tendência a pior prognóstico do que aqueles afetando as porções mais distais do órgão1313. Kim DY, Joo JK, Ryu SY, Park YK, Kim YJ, Kim SK. Clinicopathological characteristics and prognosis of carcinoma of the gastric cardia. Dig Surg. 2006;23(5-6):313-8.,2727. Talamonti MS, Kim SP, Yao KA, Wayne JD, Feinglass J, Bennett CL, et al. Surgical outcomes of patients with gastric carcinoma: the importance of primary tumor location and microvessel invasion. Surgery. 2003 Oct;134(4):720-7; discussion 727-9..

Entretanto, alguns autores têm mostrado que, quando os casos são analisados por sub-estágios, os resultados são semelhantes1414. Kunisaki C, Akiyama H, Nomura M, Matsuda G, Otsuka Y, Ono H, et al. Surgical outcomes for early gastric cancer in the upper third of the stomach. J Am Coll Surg. 2005 Jan;200(1):15-9.,2323. Piso P, Werner U, Lang H, Mirena P, Klempnauer J. Proximal versus distal gastric carcinoma - what are the differences? Ann Surg Oncol. 2000 Aug;7(7):520-5.,2424. Ramagem, CAG, et al. Comparison of laparoscopic total gastrectomy and laparotomic total gastrectomy for gastric cancer. ABCD, arq. bras. cir. dig., 2015, vol.28, no.1, p.65-69. ISSN 0102-6720 . Ainda, em se excluindo os tumores localizados na JEG com predominância esofágica ou afetando primariamente a cárdia anatômica (tipos I e II de Siewert), nenhuma diferença significativa era observada na sobrevida entre lesões primárias com origem nos terços superior, médio e inferior do estômago2525. Sanchez-Bueno F, Garcia-Marcilla JA, Perez-Flores D, Perez-Abad JM, Vicente R, Aranda F, et al. Prognostic factors in a series of 297 patients with gastric adenocarcinoma undergoing surgical resection. Br J Surg. 1998 Feb;85(2):255-60.,2626. Soreide JA, van Heerden JA, Burgart LJ, Donohue JH, Sarr MG, Ilstrup DM. Surgical aspects of patients with adenocarcinoma of the stomach operated on for cure. Arch Surg. 1996 May;131(5):481-6; discussion 486-8..

Nos dias atuais, quado se observa tendência à migração proximal do tumor primário no estômago, aqueles parâmetros e diferenças entre o tumor proximal e o distal necessitam serem revistas.

Este estudo tem por objetivo analisar os achados e resultados cirúrgicos e oncológicos do câncer gástrico, e comparar as diferenças entre os tumores proximais (excluindo os de origem na cárdia e na junção esofagogástrica) e os distais.

MÉTODOS

Foi delineada uma coorte retrospectiva de 293 pacientes com adenocarcinoma gástrico que foram atendidos em hospital universitário (Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica) da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, no período compreendido entre os meses de janeiro de 2002 a janeiro de 2015. Para tal, utilizou-se como fonte de pesquisa os prontuários médicos dos pacientes por acesso ao Serviço de Arquivo Médico da instituição. Aqueles casos com dados incompletos que interfeririam na análise final foram excluídos, bem como os pacientes com achado histopatológico diferente de adenocarcinoma, e neoplasias cuja origem primária fosse a cárdia anatômica e a junção esofagogástrica (Siewert tipos I e II).

Endoscopia pré-operatória, relatos da descrição cirúrgica e do laudo anatomopatológico foram revistos, e a localização do tumor seguiu critérios da Associação Japonesa de Câncer Gástrico1212. Japanese Gastric Cancer Association. Japanese classification of gastric carcinoma: 3rd English edition. Gastric Cancer. 2011 Jun;14(2):101-12.. CGP foi considerado quando o tumor se extendia de um ponto a mais de 2 cm distais à junção esofagogástrica (Siewert tipo III) até uma linha entre a artéria gástrica esquerda e a extremidade final da artéria gastroepiplóica esquerda. Tumores abaixo dessa linha eram considerados como lesões distais. Dados demográficos e epidemiológicos, como idade, sexo, tamanho do tumor e número de linfonodos dissecados e comprometidos foram coletados.

Estadiamento seguiu as diretrizes da sétima edição do sistema TNM (tumor - linfonodo - metástase) da American Joint Committee on Cancer (AJCC)77. Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A. AJCC cancer staging manual. New York: Springer; 2010..

Complicações cirúrgicas pós-operatórias, excluindo as ocorridas após a alta hospitalar, foram classificadas de acordo com o sistema proposto por Clavien em 1992, e modificado por Dindo em 200444. Clavien PA, Barkun J, de Oliveira ML, Vauthey JN, Dindo D, Schulick RD, et al. The Clavien-Dindo classification of surgical complications: five-year experience. Ann Surg. 2009 Aug;250(2):187-96..

Análise estatística

Os dados quantitativos foram descritos usando-se média±desvio padrão, ou mediana e valores mínimo e máximo, conforme a distribuição da variável. Para os dados qualitativos utilizaram-se frequências absolutas e percentual. Para a comparação entre os casos proximais e distais, foram usados os testes de Wilcoxon-Mann-Whitney e qui-quadrado, seguido pela análise de resíduos, se necessária. A sobrevida entre os pacientes com tumores proximais e distais foi calculada por meio de Regressão de Cox. O método de Kaplan-Meier foi utilizado para estimar sobrevida em função do tempo, e o teste Log-Rank para a comparação das curvas de sobrevida de acordo com características clinicopatológicas. Toda a análise estatística foi processada com auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.02222. PASW Statistics for Windows, Version 18.0. Chicago: SPSS; [2007]., e o nível de significância empregado foi p<0.05.

RESULTADOS

Um total de 293 pacientes diagnosticados com adenocarcinoma de estômago foram inicialmente incluídos no estudo. Desses, 188 (64%) eram homens e 105 (36%) mulheres. Em 15 casos a localização inicial do tumor não pôde ser acuradamente determinada a ponto de permitir inclusão no estudo. Cinco deles eram descritos como multifocais, quatro como recorrência anastomótica, e em seis outros os dados disponíveis não eram claros. Assim, 278 pacientes, sendo 69 (25%) com CGP e 209 (75%) com CGD foram analisados. A Tabela 1 mostra os achados clinicopatológicos desses pacientes.

TABELA 1
Achados clinicopatológicos dos pacientes conforme a localização do tumor primário no estômago

No grupo do CGP, a mediana de linfonodos removidos foi de 20 (0-47), significativamente menor (p<0.001) do que no grupo do CGD, em que foi de 13 (0-84). O número de linfonodos positivos também foi menor no CGP quando comparado ao CGD, sendo dois (0-40) e quatro (0-46), respectivamente (p=0.038). Conforme o status linfonodal, a probabilidade de estar vivo em cinco anos era 48% (11%) para N1 (n=34), 37% (11%) para N2 (n=41), e 23% (7%) para N3 (n=73), sem diferença estatística entre os grupos.

Pacientes que receberam dissecção linfonodal D0 tiveram mediana de sobrevida de 26 meses, a qual foi menor do que a dos com dissecção D1 (54 meses) ou D2 (63 meses). Além disso, para os pacientes com dissecção linfonodal D0, a probabilidade acumulada de estarem vivos em cinco anos foi de 30% (8%), enquanto para aqueles que foram submetidos às dissecções D1 e D2 foram 48% (7%) e 53% (9%), respectivamente. Entretanto, a diferença na sobrevida entre os graus de dissecção linfonodal empregadas não foi estatisticamente significativa.

A Figura 1 mostra a curva de sobrevida geral de acordo com o grau de dissecção linfonodal aplicada.

Como esperado, a maioria dos pacientes em ambos os grupos tinham tumores avançados. Tumores proximais eram maiores no tamanho (p<0.001), apresentavam número mais alto de linfonodos positivos (p=0.038), e eram significativamente menos diferenciados histopatologicamente do que as lesões distais (p=0.038). Lesões precoces (T1) responderam por 19% do total dos tumores (16% dos CGP e 20% dos CGD). Por outro lado, 20% dos pacientes já tinham doença disseminada (M1) ao diagnóstico, também 16% e 20%, respectivamente.

FIGURA 1
Sobrevida conforme o tipo de linfadenectomia

No geral, a média (dp) de tamanho do tumor era 5.8±3.7) cm, variando de 4 mm a 20 cm. O tamanho médio (dp) no CGD e no CGP era 7,4±4,3 cm e 5±2,8 cm, respectivamente (p<0.001). O tamanho do tumor esteve diretamente relacionado à mortalidade, aonde pacientes com lesões maiores do que 8 cm de diâmetro tiveram sobrevida significativamente mais curta do que aqueles com lesões menores do que 5 cm (6 vs. 50 meses; p<0.001). Ademais, pacientes com tumores maiores do que 8 cm morreram mais precocemente no acompanhamento de 60 meses (81% vs. 53%) quando comparados com aqueles com lesões menores do que 5 cm. A probabilidade de estarem vivos em cinco anos foi 14% (4,7%) para pacientes com lesões acima de 8 cm, e os casos com lesões inferiores a 5 cm essa probabilidade foi de 42% (7%). O efeito do tamanho do tumor na sobrevida não diferiu de forma estatisticamente significante entre as localizações proximais e distais da neoplasia.

Como para os fatores relacionados à sobrevida, tumores T4 tiveram forte associação positiva associada ao envolvimento linfonodal N3 (p=0.001), aonde mais da metade (58%) dos casos T4 eram N3. A maioria dos tumores T2/T3 esteve associada com menor comprometimento linfonodal (N1 e N2), e apenas pequena porcentagem deles (8%) eram N3.

Pacientes com tumores T4 (n=158) tiveram os piores resultados, e a probabilidade de estarem vivos em cinco anos foi 32% (5.4%). Quando casos com tumores confinados à camada muscular ou até a serosa (T2/T3) foram analisados conjuntamente (n=47), a probabilidade de estarem vivos em cinco anos foi de 47% (11.4%). Casos T4 tiveram sobrevida mediana de apenas 21 meses, enquanto que para aqueles T2/T3 a mesma foi de 54 meses, mas essa diferença não apresentou diferença estatística. Paciente com tumores T4 apresentaram 2,17 (0.94-5.02; 95% IC) vezes mais chance de irem a óbito até o fim de cinco anos de acompanhamento do que lesões com menor comprometimento da parede do órgão.

Houve complicações em 25% nos pacientes com CGP e 23% nos com CGD no pós-operatório. A mais comum em ambos os grupos foi pneumonia, que ocorreu em 30 (14%) pacientes, seguido por fístula em 17 (8%), sepse em oito (4%), e infecção de ferida operatória em seis (2.8%). A taxa de mortalidade intra-hospitalar foi de 5% (n=6).

Recorrência global foi de 37%; 48 dos 128 casos foram acompanhados até o final do estudo, sendo os sítios mais comuns a superfície peritoneal (n=29) e o fígado (n=11). Quanto ao emprego de terapia adjuvante, não houve diferença significativa entre os dois grupos em número de recidivas, com 11 (8%) verificadas nos pacientes que receberam quimioterapia isolada e 31 (23%) naqueles em que foi utilizada combinada com radioterapia.

As taxas de sobrevida foram calculadas baseadas no acompanhamento de 278 pacientes, e a probabilidade acumulada de sobrevida em cinco anos foi estimada em 35% (7,4%) para os pacientes com CGP e de 32% (4,5%) para os com CGD. Esses números não foram considerados estatisticamente significativos.

A Figura 2 mostra a curva de sobrevida global para os pacientes nos dois grupos ao longo do período do estudo. Quando ajustada para o tamanho do tumor e para o grau de dissecção linfonodal, quanto maior o número de linfonodos comprometidos maior era a mortalidade (p=0.007).

FIGURA 2
Sobrevida conforme a localização do tumor primário

Na análise multivariada de sobrevida em 60 meses, considerando a localização do tumor (proximal vs. distal), categoria T4 (T4 vs. T2/T3), categoria N (N0 vs. N1 vs. N2), e o grau de dissecção linfonodal (D0 vs. D1 vs. D2) como falores relacionados, o único fator de risco significativo, ajustando para os demais, foi o grau de dissecção linfonodal (p=0.018).

Os pacientes que receberam linfadenectomia D0 apresentaram 2,8 (95% IC; 1.33-5.82) vezes mais risco de morrerem em cinco anos do que aqueles submetidos à dissecção D2, enquanto os que receberam dissecção D1 apresentaram risco 1.4 (95% IC; 0.71-2.83) vezes maior do que os casos D2 de óbito ao final do mesmo período.

A mortalidade global foi de 41% (n=115), aonde 30 (43%) e 85 (41%) pacientes morreram nos grupos do CGP e CGD, respectivamente. Dos 69 pacientes com CGP e 209 com CGD, 39 (57%) e 124 (59%) permaneciam vivos ao final do estudo. Não houve diferença significativa na mortalidade entre os dois grupos. Além disso, não houve diferença na mortalidade baseada na localização da lesão primária, uma vez que a probabilidade acumulada de estarem vivos em cinco anos foi de 35% (14,5%) para o grupo do CGP e 32% (9%) para o do CGD.

DISCUSSÃO

É bem sabido que a agressividade do câncer gástrico depende de inúmeros fatores, incluindo a profundidade de invasão da lesão na parede do órgão e o comprometimento linfonodal, que são os dois achados mais importantes para estimar o prognóstico e guiar a tomada de decisões1717. Lee IS, Park YS, Ryu MH, Song MJ, Yook JH, Oh ST, et al. Impact of extranodal extension on prognosis in lymph node-positive gastric cancer. Br J Surg. 2014 Nov;101(12):1576-84.,1919. Mita K, Ito H, Fukumoto M, Murabayashi R, Koizumi K, Hayashi T, et al. Surgical outcomes and survival after extended multiorgan resection for T4 gastric cancer. Am J Surg. 2012 Jan;203(1):107-11.. Além disso, a presença de metástases nos linfonodos regionais é o fator isolado independente mais importante para a sobrevida nesses pacientes33. Chae S, Lee A, Lee JH. The effectiveness of the new (7th) UICC N classification in the prognosis evaluation of gastric cancer patients: a comparative study between the 5th/6th and 7th UICC N classification. Gastric Cancer. 2011 Jun;14(2):166-71.,66. Deng J, Liang H, Sun D, Wang D, Pan Y. Suitability of 7th UICC N stage for predicting the overall survival of gastric cancer patients after curative resection in China. Ann Surg Oncol. 2010 May;17(5):1259-66.. Embora as lesões proximais tivessem apresentado profundidade de invasão na parede maior e mais alto envolvimento linfonodal, os resultados não diferiram significativamente entre os dois grupos.

Em relação ao tamanho da lesão primária, ele teve importância no resultado final? Em pacientes com outros tipos de câncer - como mama ou pulmão -, o tamanho é um preditor importante bem definido. No câncer gástrico, entretanto, o valor prognóstico do tamanho da neoplasia permanece controverso1616. Kunisaki C, Makino H, Takagawa R, Oshima T, Nagano Y, Kosaka T, et al. Tumor diameter as a prognostic factor in patients with gastric cancer. Ann Surg Oncol. 2008 Jul;15(7):1959-67.,2929. Zilberstein, Bruno et al. Resultados da gastrectomia D2 para o câncer gástrico: dissecção da cadeia linfática ou ressecção linfonodal múltipla? ABCD, arq. bras. cir. dig., Set 2012, vol.25, no.3, p.161-164. ISSN 0102-6720. Alguns autores mostraram que o tamanho poderia ser fator importante na agressividade99. Giuliani A, Caporale A, Di Bari M, Demoro M, Gozzo P, Corona M, et al. Maximum gastric cancer diameter as a prognostic indicator: univariate and multivariate analysis. J Exp Clin Cancer Res. 2003 Dec;22(4):531-8.,3030. Zu H, Wang F, Ma Y, Xue Y. Stage-stratified analysis of prognostic significance of tumor size in patients with gastric cancer. PLoS One. 2013;8(1):e54502.. Isso é consistente com o presente estudo, aonde relação direta foi encontrada entre o diâmetro da lesão e sua agressividade. Tumor maior é mais agressivo, com invasão maior da parede do estômago e maior grau de comprometimento ganglionar. Ainda, lesões proximais mostraram-se significativamente maiores do que as distais.

O tratamento do câncer gástrico é multifatorial, mas a cirurgia assume papel primário no manejo, visto que é a única abordagem que pode levar à cura. O estágio no qual a doença é detectada tem papel crucial na escolha do tratamento a ser empregado. O uso de quimioterapia ou de radioterapia combinados com procedimento cirúrgico está bem estabelecido, com claros benefícios em relação à sobrevida e à progressão da doença. Essa abordagem foi reforçada após estudo clássico de Macdonald de 20011818. Macdonald JS, Smalley SR, Benedetti J, Hundahl SA, Estes NC, Stemmermann GN, et al. Chemoradiotherapy after surgery compared with surgery alone for adenocarcinoma of the stomach or gastroesophageal junction. N Engl J Med. 2001 Sep 6;345(10):725-30., em que a combinação de quimioterapia pré-operatória e radioterapia pós mostrou aumento na sobrevida global de 27 para 36 meses em comparação com o uso de cirurgia isolada. Cunningham em 200655. Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, Thompson JN, Van de Velde CJ, Nicolson M, et al. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer. N Engl J Med. 2006 Jul 6;355(1):11-20. demonstrou melhora na sobrevida global e livre de progressão com a utilização de quimioterapia em regime perioperatório.

Mesmo assim, o prognóstico do câncer gástrico ainda é sombrio, apesar do progresso no tratamento adjuvante com o advento de novas drogas e a evolução das terapias alvo que indiscutivelmente melhoraram a sobrevida, especialmente para aqueles casos com invasão da serosa. Nesses casos, mesmo após ressecção radical, cerca de 20-40% dos pacientes morrem devido à recorrência22. Carboni F1, Lepiane P, Santoro R, Lorusso R, Mancini P, Sperduti I, et al. Extended multiorgan resection for T4 gastric carcinoma: 25-year experience. J Surg Oncol. 2005 May 1;90(2):95-100.,2020. Moriguchi S, Maehara Y, Korenaga D, Sugimachi K, Nose Y. Risk factors which predict pattern of recurrence after curative surgery for patients with advanced gastric cancer. Surg Oncol. 1992 Oct;1(5):341-6. e apresentam disseminação peritoneal, que é, de fato, a causa principal de falha no tratamento, e a invasão da serosa é fator predisponente para tal1515. Kunisaki C, Akiyama H, Nomura M, Matsuda G, Otsuka Y, Ono HA, et al. Surgical outcomes in patients with T4 gastric carcinoma. J Am Coll Surg. 2006 Feb;202(2):223-30.. No presente estudo, nenhuma diferença foi encontrada quanto ao surgimento de recidiva no peritônio com relação ao local do tumor primário, e essa ocorrência não foi afetada por tratamento adjuvante, quer tenha sido no pré ou pós-operatório.

A sobrevida geral em cinco anos para pacientes operados por câncer de estômago avançado difere entre os países e instituições médicas, mas é geralmente de menos de 30% nos países ocidentais, como na Europa e nos Estados Unidos1111. Howlader N, Ries LA, Stinchcomb DG, Edwards BK. The impact of underreported Veterans Affairs data on national cancer statistics: analysis using population-based SEER registries. J Natl Cancer Inst. 2009 Apr 1;101(7):533-6.,2828. Verdecchia A, Francisci S, Brenner H, Gatta G, Micheli A, Mangone L, et al. Recent cancer survival in Europe: a 2000-02 period analysis of EUROCARE-4 data. Lancet Oncol. 2007 Sep;8(9):784-96.. Nos países asiáticos, como Japão e Coréia do Sul, a sobrevida é significativamente maior, alcançando próximo a 70%2121. Park JY, von Karsa L, Herrero R. Prevention strategies for gastric cancer: a global perspective. Clin Endosc. 2014 Nov;47(6):478-89. Neste trabalho a sobrevida foi idêntica em ambos os grupos, de 37% para o CGP e 36% para o CGD, consistente com os resultados publicados.

A despeito dos avanços terapêuticos verificados ao longo das últimas décadas, especialmente da terapia adjuvante, a mortalidade do adenocarcinoma gástrico permanece alta. Os resultados do presente estudo não mostraram diferenças significativas no resultado cirúrgico e no prognóstico entre as lesões proximais e as distais. Como esperado, e semelhante a estudos prévios, o grau de envolvimento linfonodal e o tamanho do tumor foram fatores independentes que afetaram a sobrevida.

CONCLUSÃO

Ainda que não se tenha observado diferenças significativas entre o câncer gástrico proximal e o distal, o risco de morte aumentado nos casos de D0 e D1, claramente demonstra o papel preponderante da linfadenectomia radical D2 no tratamento dessa doença.

REFERENCES

  • 1
    Bruno L, Nesi G, Montinaro F, Carassale G, Lassig R, Boddi V, et al. Clinicopathologic findings and results of surgical treatment in cardiac adenocarcinoma. J Surg Oncol. 2000 May;74(1):33-5.
  • 2
    Carboni F1, Lepiane P, Santoro R, Lorusso R, Mancini P, Sperduti I, et al. Extended multiorgan resection for T4 gastric carcinoma: 25-year experience. J Surg Oncol. 2005 May 1;90(2):95-100.
  • 3
    Chae S, Lee A, Lee JH. The effectiveness of the new (7th) UICC N classification in the prognosis evaluation of gastric cancer patients: a comparative study between the 5th/6th and 7th UICC N classification. Gastric Cancer. 2011 Jun;14(2):166-71.
  • 4
    Clavien PA, Barkun J, de Oliveira ML, Vauthey JN, Dindo D, Schulick RD, et al. The Clavien-Dindo classification of surgical complications: five-year experience. Ann Surg. 2009 Aug;250(2):187-96.
  • 5
    Cunningham D, Allum WH, Stenning SP, Thompson JN, Van de Velde CJ, Nicolson M, et al. Perioperative chemotherapy versus surgery alone for resectable gastroesophageal cancer. N Engl J Med. 2006 Jul 6;355(1):11-20.
  • 6
    Deng J, Liang H, Sun D, Wang D, Pan Y. Suitability of 7th UICC N stage for predicting the overall survival of gastric cancer patients after curative resection in China. Ann Surg Oncol. 2010 May;17(5):1259-66.
  • 7
    Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A. AJCC cancer staging manual. New York: Springer; 2010.
  • 8
    Ferlay J, Soerjomataram I, Ervik M, Dikshit R, Eser S, Mathers C, et al. GLOBOCAN 2012 v1.0, Cancer Incidence and Mortality Worldwide: IARC CancerBase No. 11 [Internet]. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer; 2013 [cited 2015 Nov 09]. Available from: http://globocan.iarc.fr.
  • 9
    Giuliani A, Caporale A, Di Bari M, Demoro M, Gozzo P, Corona M, et al. Maximum gastric cancer diameter as a prognostic indicator: univariate and multivariate analysis. J Exp Clin Cancer Res. 2003 Dec;22(4):531-8.
  • 10
    Gomes da Silva JA. [National Institute of Cancer] 2014 estimates: incidence of cancer in Brazil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2014 [cited 2015 Nov 09]. Available from: http://www.inca.gov.br/bvscontrolecancer/publicacoes/Estimativa_2014.pdf
  • 11
    Howlader N, Ries LA, Stinchcomb DG, Edwards BK. The impact of underreported Veterans Affairs data on national cancer statistics: analysis using population-based SEER registries. J Natl Cancer Inst. 2009 Apr 1;101(7):533-6.
  • 12
    Japanese Gastric Cancer Association. Japanese classification of gastric carcinoma: 3rd English edition. Gastric Cancer. 2011 Jun;14(2):101-12.
  • 13
    Kim DY, Joo JK, Ryu SY, Park YK, Kim YJ, Kim SK. Clinicopathological characteristics and prognosis of carcinoma of the gastric cardia. Dig Surg. 2006;23(5-6):313-8.
  • 14
    Kunisaki C, Akiyama H, Nomura M, Matsuda G, Otsuka Y, Ono H, et al. Surgical outcomes for early gastric cancer in the upper third of the stomach. J Am Coll Surg. 2005 Jan;200(1):15-9.
  • 15
    Kunisaki C, Akiyama H, Nomura M, Matsuda G, Otsuka Y, Ono HA, et al. Surgical outcomes in patients with T4 gastric carcinoma. J Am Coll Surg. 2006 Feb;202(2):223-30.
  • 16
    Kunisaki C, Makino H, Takagawa R, Oshima T, Nagano Y, Kosaka T, et al. Tumor diameter as a prognostic factor in patients with gastric cancer. Ann Surg Oncol. 2008 Jul;15(7):1959-67.
  • 17
    Lee IS, Park YS, Ryu MH, Song MJ, Yook JH, Oh ST, et al. Impact of extranodal extension on prognosis in lymph node-positive gastric cancer. Br J Surg. 2014 Nov;101(12):1576-84.
  • 18
    Macdonald JS, Smalley SR, Benedetti J, Hundahl SA, Estes NC, Stemmermann GN, et al. Chemoradiotherapy after surgery compared with surgery alone for adenocarcinoma of the stomach or gastroesophageal junction. N Engl J Med. 2001 Sep 6;345(10):725-30.
  • 19
    Mita K, Ito H, Fukumoto M, Murabayashi R, Koizumi K, Hayashi T, et al. Surgical outcomes and survival after extended multiorgan resection for T4 gastric cancer. Am J Surg. 2012 Jan;203(1):107-11.
  • 20
    Moriguchi S, Maehara Y, Korenaga D, Sugimachi K, Nose Y. Risk factors which predict pattern of recurrence after curative surgery for patients with advanced gastric cancer. Surg Oncol. 1992 Oct;1(5):341-6.
  • 21
    Park JY, von Karsa L, Herrero R. Prevention strategies for gastric cancer: a global perspective. Clin Endosc. 2014 Nov;47(6):478-89
  • 22
    PASW Statistics for Windows, Version 18.0. Chicago: SPSS; [2007].
  • 23
    Piso P, Werner U, Lang H, Mirena P, Klempnauer J. Proximal versus distal gastric carcinoma - what are the differences? Ann Surg Oncol. 2000 Aug;7(7):520-5.
  • 24
    Ramagem, CAG, et al. Comparison of laparoscopic total gastrectomy and laparotomic total gastrectomy for gastric cancer. ABCD, arq. bras. cir. dig., 2015, vol.28, no.1, p.65-69. ISSN 0102-6720
  • 25
    Sanchez-Bueno F, Garcia-Marcilla JA, Perez-Flores D, Perez-Abad JM, Vicente R, Aranda F, et al. Prognostic factors in a series of 297 patients with gastric adenocarcinoma undergoing surgical resection. Br J Surg. 1998 Feb;85(2):255-60.
  • 26
    Soreide JA, van Heerden JA, Burgart LJ, Donohue JH, Sarr MG, Ilstrup DM. Surgical aspects of patients with adenocarcinoma of the stomach operated on for cure. Arch Surg. 1996 May;131(5):481-6; discussion 486-8.
  • 27
    Talamonti MS, Kim SP, Yao KA, Wayne JD, Feinglass J, Bennett CL, et al. Surgical outcomes of patients with gastric carcinoma: the importance of primary tumor location and microvessel invasion. Surgery. 2003 Oct;134(4):720-7; discussion 727-9.
  • 28
    Verdecchia A, Francisci S, Brenner H, Gatta G, Micheli A, Mangone L, et al. Recent cancer survival in Europe: a 2000-02 period analysis of EUROCARE-4 data. Lancet Oncol. 2007 Sep;8(9):784-96.
  • 29
    Zilberstein, Bruno et al. Resultados da gastrectomia D2 para o câncer gástrico: dissecção da cadeia linfática ou ressecção linfonodal múltipla? ABCD, arq. bras. cir. dig., Set 2012, vol.25, no.3, p.161-164. ISSN 0102-6720
  • 30
    Zu H, Wang F, Ma Y, Xue Y. Stage-stratified analysis of prognostic significance of tumor size in patients with gastric cancer. PLoS One. 2013;8(1):e54502.
  • Fonte de financiamento:

    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2016
  • Aceito
    06 Jul 2016
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com