Open-access O ganho do peso no seguimento de 15 anos após Nissen laparoscópico compromete o controle dos sintomas de refluxo?

RESUMO

Racional:   A doença do refluxo gastroesofágico é definida pela presença anormal do conteúdo gástrico no esôfago com incidência de 10% na população ocidental, sendo a fundoplicatura uma das opções de tratamento.

Objetivo:   Avaliar a efetividade precoce (seis meses) e tardia (15 anos) da fundoplicatura laparoscópica, bem como a evolução ponderal pós-operatória em longo prazo, e o impacto do ganho de peso no controle tardio dos sintomas.

Métodos:   Estudo prospectivo com 40 indivíduos submetidos à fundoplicatura laparoscópica pela técnica de Nissen. No pré e pós-operatório precoce, foram realizadas avaliações clínica, endoscópica, radiológica, manométrica e pHmétrica. Após 15 anos, realizaram-se avaliações clínica e endoscópica, comparando-se os resultados com os da fase precoce. Estratificou-se a presença ou ausência de obesidade nestas fases e estudou-se sua influência nos resultados em longo prazo, mensurando-se a qualidade de vida pelos critérios de Visick.

Resultados:   As médias de idade, peso e do índice de massa corporal pré-operatórias foram 51 anos, 69.67 kg e 25,68 kg/m2. O índice de complicações intra e pós-operatórias foram 12,5% e 15%, sem mortalidade. No pós-operatório precoce houve controle dos sintomas, remissão das hérnias e esofagites, melhora funcional do esfíncter esofágico inferior e normalização dos parâmetros pHmétricos. No seguimento tardio, 29 indivíduos foram acompanhados. Nesta fase, houve adequado controle clínico do refluxo, independente do ganho de peso. Em ambas as fases houve melhora nos critérios de Visick.

Conclusão:   A fundoplicatura foi segura e efetiva, precoce e tardiamente. Houve ganho de peso tardio, o que não influenciou no controle efetivo dos sintomas.

DESCRITORES: Refluxo gastroesofágico; Fundoplicatura; Endoscopia

ABSTRACT

Background:   Gastroesophageal reflux disease is defined by the abnormal presence of gastric content in the esophagus, with 10% incidence in the Western population, being fundoplication one treatment option.

Aim:   To evaluate the early (six months) and late (15 years) effectiveness of laparoscopic fundoplication, the long term postoperative weight changes, as well as the impact of weight gain in symptoms control.

Methods:   Prospective study of 40 subjects who underwent laparoscopic Nissen’s fundoplication. Preoperatively and early postoperatively, clinical, endoscopic, radiologic, manometric and pHmetric evaluations were carried out. After 15 years, clinical and endoscopic assessments were carried out and the results compared with the early ones. The presence or absence of obesity was stratified in both early and late phases, and its influence in the long-term results of fundoplication was studied, measuring quality of life according to the Visick criteria.

Results:   The mean preoperative ages, weight, and body mass index were respectively, 51 years, 69.67 kg and 25.68 kg/m2. The intraoperative and postoperative complications rates were 12.5% and 15%, without mortality. In the early postoperative period the symptoms were well controlled, hernias and esophagitis disappeared, the lower esophageal sphincter had functional improvement, and pHmetry parameters normalized. In the late follow-up 29 subjects were assessed. During this period there was adequate clinical control of reflux regardless of weight gain. In both time periods Visick criteria improved.

Conclusion:   Fundoplication was safe and effective in early and late periods. There was late weight gain, which did not influence effective symptoms control.

HEADINGS: Gastroesophageal reflux; Fundoplication; Endoscopy

INTRODUÇÃO

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é definida pela presença anormal de conteúdo gástrico acima do esfíncter esofagiano inferior (EEI), causando espectro variável de sintomas e complicações30. Acomete a população ocidental em incidência aproximada a 10%18,19. As manifestações clínicas mais frequentes são pirose e regurgitação29. A doença, frequentemente, é controlada através de medidas clínicas12, reservando-se o tratamento cirúrgico aos pacientes com falha do manejo clínico, esofagites erosivas avançadas, esôfago de Barrett, estenose péptica ou quando é o desejo do paciente12,20,28,29,34. Alguns fatores de risco para a progressão da doença, a despeito do tratamento clínico, são o refluxo noturno, EEI com baixa pressão e a presença de esofagite erosiva já no início do quadro9.

O surgimento da cirurgia minimamente invasiva, tornou a fundoplicatura mais frequente9, mostrando resultados semelhantes aos da técnica laparotômica3,30. Entretanto, a efetividade cirúrgica em longo prazo, ainda é motivo de discussão30.

O aumento de peso no pós-operatório pode levar à falha da fundoplicatura em conter o refluxo, pelo decorrente aumento da pressão intra-abdominal e modificação do gradiente de pressão gastroesofágico14,23. Nesta eventualidade, pode ser necessária nova operação, com o objetivo de controlar do peso e preservar o mecanismo antirrefluxo, O bypass gástrico com derivação jejunal parece ser a melhor opção para este fim, entretanto com morbidade associada relevante29.

Os objetivos deste estudo foram avaliar a segurança da fundoplicatura laparoscópica, sua efetividade no controle precoce (seis meses) e tardio (15 anos) dos sintomas de refluxo, e a influência do ganho de peso pós-operatório na contenção tardia do refluxo.

MÉTODOS

Foram avaliados, de modo prospectivo, 40 indivíduos com sintomatologia compatível com DRGE (pirose, regurgitação, disfagia), diagnosticada por investigação clínica e exames complementares, e que apresentavam falha do tratamento clínico. Estes indivíduos submeteram-se à fundoplicatura total (Nissen) por videolaparoscopia, no período de março a setembro de 2001. O estudo foi aprovado pelo comitê local de ética e pesquisa do Hospital Prontocord, em Manaus, AM, Brasil, e todos os pacientes aceitaram participar, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.

Como critérios de inclusão, a faixa etária aceita foi de 18-70 anos e o tempo mínimo de evolução da doença de seis meses. Foram excluídos pacientes com doenças graves pulmonares ou cardíacas, coagulopatias, operação esofagogástrica prévia, aperistalse esofagiana e obesidade mórbida.

Realizou-se avaliação pré-operatória do refluxo gastroesofágico através de endoscopia digestiva alta, estudo radiológico contrastado do esôfago, manometria esofagiana e pHmetria esofagiana prolongada. A indicação cirúrgica baseou-se nos sintomas de refluxo e na presença de, ao menos, duas avaliações complementares alteradas, quanto aos seguintes achados: hérnia de hiato e/ou esofagite erosiva em qualquer grau, segundo a classificação de Savary-Miller modificada; EEI hipotônico; refluxo patológico e/ou refluxo fisiológico com índice de sintomas positivo.

Empregou-se fundoplicatura a Nissen laparoscópica em todos os casos. Utilizou-se anestesia geral venosa e inalatória, posicionando-se o paciente em decúbito dorsal horizontal e com os membros inferiores entreabertos, ficando o cirurgião entre eles. O acesso à cavidade abdominal deu-se, após o pneumoperitônio realizado com CO2, com a inserção de cinco portais dispostos como se segue: abaixo do apêndice xifóide (5 mm), hipocôndrio direito (5 mm), flanco esquerdo (5 mm), hipocôndrio esquerdo (10 mm) e supra-umbilical (10 mm). Procedeu-se à aproximação dos pilares diafragmáticos utilizando-se dois a três pontos separados com fio Ethibond 2-0, calibrado por sonda Fouchet 36F. Liberou-se os vasos curtos proximais, construindo-se válvula de 3600 com o fundo gástrico, que circundou o esôfago distal por extensão de 3 cm, moldado por sonda de Fouchet 36F (floppy). Foram utilizadostrês a quatro pontos separados de fio Ethibond 2-0. Todos os procedimentos foram realizados pelo mesmo cirurgião e equipe, bem como as avaliações pré e pós-operatórias.

Avaliou-se o desempenho cirúrgico através do tempo operatório, índice de complicações cirúrgicas e de conversões. A efetividade do procedimento em corrigir o refluxo foi avaliada, em média, aos seis meses, através de inquérito clínico quanto aos sintomas de refluxo e a necessidade do uso de inibidores de bomba de prótons (IBP`s), empregando-se também os critérios de Visick, como se segue: grau I - ausência de sintomas gastrointestinais após a operação; grau II - sintomas leves, como desconforto após as refeições, intolerância alimentar, mal-estar, controlados com repouso e restrição alimentar; grau III - presença de sintomas não-controláveis com cuidados gerais, como diarreia, vômitos ou dor epigástrica, necessitando de medicações para controle; grau IV - sintomas iguais ou piores que os anteriores à operação, recidiva ou complicação da doença.

No pós-operatório precoce (seis meses) foram realizados os exames complementares mencionados anteriormente para comparação com os resultados obtidos no pré-operatório. Houve seguimento subsequente por 15 anos, sendo observada a evolução ponderal dos indivíduos, e o possível impacto do ganho de peso no controle dos sintomas de refluxo. Diante de quadro de obesidade mórbida, com ou sem recidiva do refluxo, seriam propostas operações bariátricas por videolaparoscopia e os pacientes que a realizassem seriam excluídos do estudo. A avaliação clínica tardia da amostra, decorridos 15 anos, foi realizada através de inquérito clínico, quanto à recidiva ou não dos sintomas de refluxo e a necessidade ou não do uso de IBP`s, empregando-se também os critérios de Visick. Também realizou-se endoscopia digestiva alta para análise da válvula, alterações do hiato esofagiano e presença ou não de esofagite erosiva. Estratificou-se estas avaliações conforme a presença ou não de obesidade. A busca dos pacientes ocorreu através de contato telefônico e e-mail.

Análise estatística

Para as análises estatísticas utilizou-se o software SAS (System Analysis Statistical). Na análise dos dados quantitativos, quando aceita a hipótese de normalidade, por meio do teste de Shapiro-Wilk, foi calculada a média, desvio-padrão e aplicado o teste t-student para dados pareados. Quando da rejeição da hipótese de normalidade, foi calculada a mediana e aplicado o teste não-paramétrico de Wilcoxon. Já na análise das variáveis categóricas, foi aplicado o teste do qui-quadrado ou o exato de Fisher, na impossibilidade de se aplicar o primeiro. Considerou-se o nível de significância de 5% na aplicação dos testes estatísticos.

RESULTADOS

Foram avaliados preoperatoriamente 40 indivíduos, sendo 29 mulheres (72,5%). O tempo médio pré-operatório de evolução da DRGE foi de 76 meses, a média de idade foi de 51 anos e o IMC médio de 25,68 kg/m2.

Resultados clínicos do pré-operatório e pós-operatório precoce

No pré-operatório 90% dos indivíduos queixavam-se de pirose moderada, 47,5% de regurgitação e 55% de disfagia. Aos seis meses de pós-operatório, as queixas de pirose e regurgitação reduziram para 2,5% cada, e a disfagia declinou para 7,5%. Empregando-se os critérios de Visick, nesta fase, 77,5% dos indivíduos foram classificados em grau I, 15% em grau II e 7,5% em grau III.

Resultados dos exames complementaresdo pré-operatório e pós-operatório precoce

Nos achados endoscópicos avaliou-se a presença de hérnia de hiato e de esofagite. Comparando-se os dados do pré-operatório com os do pós-operatório precoce, observou-se redução no percentual de hérnias de 97,5% para 10% (p<0,001), detectando-se um caso de hérnia paraesofagiana após a fundoplicatura. Quanto à esofagite, houve redução de 77,5% para 7,5%, permanecendo apenas os casos de esôfago de Barrett. No controle pós-cirúrgico por esofagograma, houve redução significativa das hérnias hiatais e a manometria demonstrou incremento no percentual de indivíduos com tônus normal do EEI (Tabela 1).

TABELA 1
Distribuição segundo os resultados dos exames complementares pré-operatórios e pós-operatórios precoces

Ainda no estudo manométrico esofagiano, que avaliou o tônus do EEI e seus comprimentos total e abdominal, observou-se melhora pós-operatória significativa nestes parâmetros (p<0,001). Quanto à pHmetria, ficou demonstrado significativo controle pós-operatório do refluxo (Tabela 2).

TABELA 2
Comparação segundo os resultados dos exames complementares pré e pós-operatórios precoce (seis meses)

Resultados relacionados à técnica cirúrgica

Realizou-se fundoplicatura Nissen laparoscópica nos 40 indivíduos. Ocorreram complicações intra e pós-operatórias em 12,5% e 15%, respectivamente (Tabela 3). Houve um caso de trauma hepático provocado pelo afastador de fígado, que ocasionou sangramento hepático e levou à conversão para laparotomia, com resolução da hemorragia. O tempo cirúrgico médio foi de 97,4 min e o de internação de 17,9 h. O início da dieta ocorreu 9 h após o procedimento, em média.

TABELA 3
Frequência de complicações intra e pós-operatórias da fundoplicatura

Seguimento tardio

Decorridos 15 anos da fundoplicatura, foram avaliados aspectos clínicos, endoscópicos e ponderais de 29 indivíduos (72,5% da amostra inicial). Não foi possível avaliar 11 pacientes da amostra inicial, dois dos quais por terem sido excluídos do estudo, após se submeterem a técnicas bariátricas, para tratamento da obesidade.

Em relação à evolução ponderal observou-se incremento médio no IMC de 3,64 kg/m2 na avaliação final (p<0,001), com significativo desenvolvimento de obesidade (Tabela 4).

Quanto aos sintomas de pirose e regurgitação, observou-se significativa redução no pós-operatório tardio, em detrimento ao pré-operatório (Tabela 4). Os indivíduos que referiram pirose tardiamente, relataram ser de menor intensidade e frequência quando comparada ao período pré-operatório. Houve outras queixas esporádicas que incluíram disfagia, dor torácica não-cardíaca e globo faríngeo.

TABELA 4
Comparação do IMC e dos sintomas em relação ao pré-operatório e pós-operatório tardio

A Tabela 5 retrata a comparação entre os achados endoscópicos obtidos no pré-operatório e na avaliação tardia de 15 anos, demonstrando consistente manutenção da anatomia cirúrgica e controle efetivo da esofagite erosiva.

Um dos casos de esofagite tardia referia-se a paciente com esôfago de Barrett que persistiu após a fundoplicatura, não sendo evidenciado displasia ao histopatológico. Ressalte-se que outros dois casos de Barrett, encontrados no período pré-operatório, estavam entre os indivíduos não avaliados nesta fase.

TABELA 5
Comparação dos achados endoscópicos do pré-operatório e pós-operatório tardio (15 anos)

Na Tabela 6 observa-se a avaliação tardia comparativa, entre os pacientes que desenvolveram ou não obesidade, considerando-se os achados clínicos e endoscópicos, o índice de satisfação com os resultados cirúrgicos, segundo os critérios de Visick, bem como a necessidade ou não do uso de IBP’s. Nestas avaliações, não se observou diferenças significativas entre os dois grupos, em nenhum destes aspectos.

TABELA 6
Comparação das variáveis clínicas e endoscópicas em relação ao peso no pós-operatório tardio (15 anos)

DISCUSSÃO

Usualmente, a DRGE é abordada através de tratamento clínico, objetivando o controle dos sintomas de refluxo e a cicatrização da esofagite. Já o tratamento cirúrgico tem como objetivos adicionais restaurar a anatomia e a função da transição esofagogástrica21.

Existem algumas incertezas, entretanto, em relação ao procedimento cirúrgico no que diz respeito a durabilidade de seus resultados e aos seus efeitos colaterais28. Assim, ainda há controvérsias com relação às indicações da fundoplicatura para o tratamento da DRGE28,30. Segundo Holscher et al.12 a intervenção cirúrgica se daria quando não obtido o controle clínico adequado do refluxo - parâmetro utilizado no estudo atual - em concordância com outros autores1,6.

A introdução do método minimamente invasivo para correção do refluxo gastroesofágico otimizou sua indicação cirúrgica8,21. Os índices de complicações intra-operatórias, variam de 2-13%, e os de conversão, de 1- 10%5. Os índices de complicações do presente estudo mativeram-se compatíveis com a literatura, não se observando mortalidade.

Há controvérsias quanto ao tipo de válvula a empregar para a correção do refluxo, podendo elas envolverem total ou parcialmente a transição esofagogástrica 4,18,31,32,. Em revisão sistemática Ramos et al. 25 concluíram que a fundoplicatura parcial apresenta menos efeitos colaterais obstrutivos, quando comparada à total. Em contrapartida, partidários da fundoplicatura total (Nissen) afirmam ser este tipo de válvula mais eficaz na contenção do refluxo5,21. No estudo atual empregou-se a fundoplicatura total, exclusivamente.

Ciovica et al.7 avaliaram 550 pacientes submetidos à fundoplicatura laparoscópica com seguimento pós-operatório de um ano. Observaram melhora dos sintomas da DRGE e da qualidade de vida, sendo necessário antiácidos em apenas 3,2% dos casos. Moore et al. 18 demostraram que o tratamento cirúrgico da DRGE apresenta bom controle do refluxo, com melhora dos sintomas em 85-93% dos casos, impactando favoravelmente na qualidade de vida. Na amostra atual, observou-se no pós-operatório precoce melhora significativa das queixas de pirose e regurgitação utilizando-se os critérios de Visick 5,27,32 para graduar a melhora dos sintomas de refluxo. Nele houve redução significativa das hérnias de hiato e remissão das esofagites. No entretanto e em conformidade com a literatura17,33, persistiram os casos de esôfago de Barret que não parecem regredir após a operação e merecem acompanhamento sistemático.

Ainda na avaliação em curto prazo deste estudo, a pHmetria pós-operatória indicou níveis fisiológicos de refluxo em todos os casos, demonstrando contenção efetiva do refluxo, em conformidade com alguns autores11,16. Quanto à manometria esofágica observou-se significativa restauração do EEI no que diz respeito ao seu comprimento e pressão, denotando a importância da operação em restaurar a funcionalidade da transição esofagogástrica28.

O esofagograma foi realizado em todos casos no pós-operatório precoce com o intuito de avaliar a anatomia da região transicional esofagogástrica e verificar a posição e extensão da válvula. Detectou-se hérnia hiatal paraesofágica em um caso. Awad et al. 2 reforçam a importância do estudo contrastado do esôfago no diagnóstico destas hérnias e a necessidade de seu emprego rotineiro no pós-operatório.

Alguns autores documentaram o alívio dos sintomas típicos (pirose e regurgitação) em seguimentos prolongados, após a correção cirúrgica da DRGE11 e demonstraram a superioridade da operação em detrimento ao tratamento clínico7. Specheler et al. 28 atestam, entretanto, que a operação, em longo prazo, não se mostra tão efetiva em conter o refluxo, e que há necessidade de retorno ao uso de medicações antiácidas em número substancial de pacientes. Segundo Lundell et al. 16 este quadro pode denotar aumento de sensibilidade esofágica ao refluxo, sem que, necessariamente, este seja patológico, o que pode ser avaliado pela pHmetria. Na amostra atual observou-se tardiamente que 62,5% dos indivíduos sintomáticos não apresentavam evidências endoscópicas de refluxo, o que poderia refletir aumento da sensibilidade esofágica. Esta assertiva não pode ser confirmada, porém, tendo em vista não ter sido empregada a pHmetria nesta etapa da avaliação, configurando uma limitação deste estudo.

Nas últimas décadas o ganho de peso tem sido tendência mundial23, fato também observado nos indivíduos submetidos à fundoplicatura14. Alguns autores reportaram ser o incremento ponderal fator preditivo de recidiva dos sintomas de refluxo após a fundoplicatura, seja pelo aumento da pressão intra-abdominal, por migração ou ruptura da válvula1,14,22, o que não é corroborado por outros autores10 e também não evidenciado nesta amostra. No estudo atual, após estratificação dos indivíduos segundo o desenvolvimento tardio ou não de obesidade, não se observou correlação significativa entre o ganho de peso e a recidiva da sintomatologia de refluxo ou alteração anatômica da fundoplicatura, após avaliação clínica e endoscópica. O uso de IBP realizou-se por demanda, igualmente nos obesos e não obesos, em parcela restrita da amostra, em concordância com alguns estudos7,11, e divergindo de outros6. O emprego dos critérios de Visick27, na fase tardia desta avaliação, demonstrou a manutenção dos bons resultados, mesmo nos indivíduos que desenvolveram obesidade.

O ganho de peso que se segue à operação antirrefluxo costuma ser tardio, sendo de seis anos o tempo médio para desenvolvimento de obesidade, com possível indicação de cirurgia bariátrica14, condizente com os achados desta amostra. A conversão para técnica bariátrica pode ser indicada pela recidiva do refluxo, pela obesidade em si, ou por ambos15,22, devendo ser realizado por equipe cirúrgica experiente29. Nesta casuística, 41,4% dos indivíduos, seguidos tardiamente, desenvolveram obesidade grau I (p<0,0001).

O pequeno tamanho amostral desta série, bem como a ausência de grupo controle, representam limitações deste estudo, não permitindo inferências conclusivas quanto aos resultados encontrados, recomendando-se que outros trabalhos sejam realizados para confirmação ou não dos achados aqui encontrados.

CONCLUSÃO

A fundoplicatura laparoscópica mostrou-se procedimento seguro, proporcionando controle duradouro e efetivo do refluxo gastroesofágico. O ganho de peso no seguimento tardio não comprometeu o controle dos sintomas de refluxo e nem a preservação anatômica da válvula.

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    não há.
  • 3
    Variáveis Momento operatório p* Pré Pós tardio fi % fi % Esofagite <0,001 Sim 30 75,0 3 10,3 Não 10 25,0 26 89,7 Total 40 100,0 29 100,0 Hérnia hiatal axial <0,001 Sim 39 97,5 2 6,9 Não 1 2,5 27 93,1 Total 40 100,0 29 100,0 Comparação dos achados endoscópicos do pré-operatório e pós-operatório tardio (15 anos)
  • Mensagem central
    Fundoplicatura laparoscópica é uma das melhores opções de tratamento para correção da doença do refluxo gastroesofágico. Contudo é ainda pouco conhecida a influência da obesidade crescente no pós-operatório tardio sobre a eficiência da técnica. Estudo em até 15 anos mostra o impacto do ganho de peso no controle tardio dos sintomas.
  • Perspectiva
    Estudo prospectivo de indivíduos submetidos à Nissen laparoscópico tendo os mesmos dados de avaliação feitos no pós-operatório precoce e após 15 anos - estratificando-se a presença ou ausência de obesidade nestas fases -, mostrou ser a fundoplicatura segura e efetiva, precoce e tardiamente. Nos que ganharam peso no seguimento tardio, verificou-se o que a obesidade adquirida não influenciou no controle efetivo dos sintomas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2019
  • Aceito
    14 Jan 2020
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