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INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NA CIRURGIA BARIÁTRICA DO IDOSO: RELATO DE CASO

INTRODUÇÃO

O envelhecimento normal sofreu mudança substancial devido à diminuição das infecções fatais e da desnutrição, devido ao uso de antibióticos, de hormônios e da distribuição de alimentos. Com isso, houve diminuição do declínio fisiológico sistêmico específico dos órgãos contribuindo para a longevidade99. Kral JG, Otterbeckb P, Touza MG. Preventing and treating the accelerated ageing of obesity. Maturitas 2010; 66: 223-230.. A obesidade é doença crônica geneticamente caracterizada por acúmulo excessivo de tecido adiposo em relação ao tecido magro44. Canterji MB, Côrrea SPM. Fonoaudiologia e nutrição: trabalhando a qualidade de vida alimentar. In: Franques ARM, Loli MAS. Novos corpos, novas realidades: reflexões sobre o pós-operatório da cirurgia da obesidade. São Paulo: Vetor; 2011. p. 327-37.. Em casos de obesidade associada ao envelhecimento, a cirurgia bariátrica (CB) é tratamento com indicações bem definidas, embora para idosos obesos seja necessária avaliação específica e cuidadosa a fim de identificar os riscos e quais seriam os reais benefícios do referido procedimento1111. Pajecki D, Santo MA, Kanagi AL, Riccioppo D, Cleva R, Cecconello I. Functional assessment of older obese patients candidates for bariatric surgery. Arq Gastroenterol 2014;51(1):25-8.. É fundamental abordar a manutenção da saúde neste extrato etário, pois o envelhecimento é processo biopsicossocial que acomete o indivíduo como um todo, caracterizado por menor eficiência funcional, enfraquecimento dos mecanismos de defesa em relação às variações ambientais e perdas das reservas funcionais1212. Papaleo-Neto M. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002..

O sistema estomatognático também sofre modificações com o avanço da idade. O processo digestório passa a ser mais lento sendo necessária alimentação balanceada e mais adaptada em relação às consistências e texturas para que o idoso possa mastigar de forma efetiva a fim de que a absorção dos nutrientes ocorra dentro do melhor possível11. Amaral AKFJ, Regis RMFL. Sistema estomatognático no idoso. In: Hilton JS, Cunha DA, organizadores. O sistema estomatognático: anatomofisiologia e desenvolvimento. São Paulo: Pulso; 2011. p.129-44..

A fonoaudiologia vem acompanhando pacientes bariátricos recentemente devido às alterações estruturais ou funcionais orofaciais presentes em obesos na morfologia, tônus e/ou mobilidade lábios, língua, mandíbula e na mastigação77. Gonçalves RFM, Chehter EZ. Perfil mastigatório de obesos mórbidos submetidos à gastroplastia. Rev CEFAC 2012; 14(3): 489-497..

O protocolo do Grupo de Estudo das Cirurgias da Obesidade e Metabólicas (GECOM) estabelece intervenção interdisciplinar entre a fonoaudiologia e a nutrição até os seis meses após a operação. O objetivo deste trabalho é apresentar o acompanhamento fonoaudiológico realizado em uma idosa com indicação de cirurgia bariátrica.

RELATO DO CASO

Mulher de 61 anos, psicóloga, 106,2 kg, 1,59 m e IMC 42 kg/m2 tem história de obesidade desde a adolescência. Iniciou o acompanhamento com a avaliação do cirurgião bariátrico apresentando queixas de dispneia e dores nos membros inferiores durante a marcha. Mantinha acompanhamento psicológico e psiquiátrico por depressão com uso de paroxetina, lorazepam e clomipramida.

Após as avaliações médicas, realizou as psicológica, fonoaudiológica, nutricional e fisioterápica. Foi liberada pelo psiquiatra, cardiologista e pneumologista para realização do procedimento cirúrgico realizado três meses após a primeira consulta.

Iniciou atendimento fonoaudiológico dois meses antes da operação. Foram realizados três atendimentos pré-operatórios e, ao longo de seis meses, seis atendimentos pós-operatórios. Os atendimentos pós-operatórios foram realizados mensalmente, juntamente com intervenção nutricional.

Coletaram-se informações a partir de um protocolo de avaliação fonoaudiológica. Foram detectadas as seguintes alterações: perda do 1º molar inferior esquerdo; tonicidade da musculatura dos lábios, da língua, das bochechas e do mentual com características de flacidez; língua com incoordenação para movimentos de elevação, abaixamento e lateralização, além de tremores. A paciente apresentava respiração predominantemente nasal, e relatava saída de ar mais à narina esquerda devido a desvio de septo.

No que se referia à avaliação das funções orofaciais como sucção, mastigação e deglutição, observou-se que, durante a ingestão de líquido no copo, sorvia o conteúdo sem vedação labial e com interposição da língua. Apresentava contração excessiva de orbiculares ao sorver com uso de canudo. Na ingestão do alimento pastoso (iogurte), verificou-se que a captação foi realizada com vedação labial e interposição da língua. Já com alimento sólido (pão tipo "massinha doce"), realizava mastigação bilateral alternada, com movimentos rotatórios da mandíbula, embora necessitando de líquido para facilitar a formação e a deglutição do bolo. Queixava-se de engasgos eventuais com qualquer tipo de consistência, mas principalmente com líquidos. Para melhora dos referidos engasgos, foram orientados posicionamento adequado durante as refeições, além de manobra postural facilitadora (cabeça em leve flexão) durante as deglutições. Foi recomendada a adequação da quantidade do alimento colocado no garfo ou colher a ser levado à boca, uso de canudo para evitar grandes quantidades de líquidos a serem ingeridas e manobras facilitadoras para adequação da deglutição com saliva e alimentos com diferentes consistências, volumes, temperaturas, para remissão dos engasgos, e realizada a estimulação gustativa88. Jotz GP, Carrara-de Angelis E, Barros APB. (Org.). Tratado da deglutição e disfagia no adulto e na criança. Rio de Janeiro: Revinter; 2009. p. 364-368..

No segundo atendimento, referiu melhora dos engasgos e, quanto aos exercícios para adequação da sensibilidade, afirmou que era "muito bom ter o que fazer com a boca, que não seja comer". Relatava certa dificuldade com o uso do canudo, pois limitava a quantidade que desejava consumir. Por outro lado, referia preocupação porque bebia em goles muito grandes anteriormente à operação. Após o procedimento, relatou que ingeriu líquido rapidamente e sentiu sensação de entalo, afirmando que deveria manter a atenção durante as refeições.

Ao longo dos seis meses pós-operatórios, a introdução das consistências alimentares ocorreu com eficiência. Houve dois episódios de vômito devido à ingestão de alimentos ainda não liberados pelos profissionais. Após retomar novamente às recomendações, a paciente chegou ao final do tratamento ingerindo alimentos de qualquer consistência e textura. Após seis meses, perdeu 29,2 kg atingindo 77 kg e IMC 30,4 kg/m2 e, três meses após a operação, houve melhora da depressão e realizava exercícios físicos regularmente.

DISCUSSÃO

Em artigo de revisão de literatura, foram apresentados estudos que descrevem estreita relação entre excesso de peso e tendência ao isolamento social, ao estresse, a depressão com piora da capacidade funcional do obeso33. Brito CLS. Aspectos psquiátricos nos cuidados pré e pós-operatórios na cirurgia as obesidade. In: Silva RS, Kawahara NT, organizadores. Cuidados pré e pós-operatórios na cirurgia da obesidade. Porto Alegre: AGE; 2005. p.114-29.. Em contraponto, identificou-se que indivíduos obesos de grau III operados reconquistaram sua autoestima e qualidade de vida por posterior manutenção do peso abaixo dos níveis considerados como obesidade mórbida1414. Tavares TB, Nunes SM, Santos MO. Obesidade e qualidade de vida: revisão da literatura. Rev Med Minas Gerais. 2010; 20: 359-66..

Em se tratando das funções orofaciais, o distúrbio motor oral mais referenciado pelos idosos é a alteração de mastigação, pois, embora dentados, os idosos não preparam o alimento para a deglutição com a mesma eficiência do adulto jovem. O aumento do tempo do trânsito oral do bolo alimentar, que precede a fase faríngea da deglutição é comum em idosos1010. Logemann JA, Pauloski BR, Rademaker AW, Colangelo LA, Kahrilas PJ, Smith CH. Temporal and biomechanical characteristics of oropharyngeal swallow in younger and older men. J Speech Lang Hear Res. 2000;43:1264-74.. Também se observou esse aspecto no caso descrito. Além disso, necessitam de número significativamente maior de deglutições para a limpeza da faringe13 13. Plant RL. Anatomy and physiology of swallowing in adults and geriatrics. Otolaryngol Clin North Am. 1998; 31:477-88.e a diminuição na sensibilidade orofaríngea altera o reflexo de tosse favorecendo a microaspirações22. Aviv JE. Effects of aging on sensitivity of the pharingeal and supraglottic áreas. Am J Med. 1997; 103 (5A): 74s-76s., o que foi evidenciado na paciente estudada.

O indivíduo que procura operação como alternativa para melhora de sua qualidade de vida deve ser lembrado da existência das mudanças miofuncionais orais que acontecem no decorrer da vida associadas ao envelhecimento. Isso o leva a realizar de forma consciente e funcional o que ocorria de forma automática e inadequada. Orienta-se nova postura para a ingestão com o propósito de facilitar a reintrodução dos alimentos pós-operatoriamente. Destacam-se as informações fornecidas a respeito do processo mastigatório e as modificações que ocorrem no mesmo, ao longo da vida, enfoque que é de grande relevância para a prevenção de distúrbios ou para evitar que progridam55. Canterji MB, Nisa e Castro SAF. O envelhecimento da motricidade oral: aspectos da mastigação. In: Terra NL, Dornelles B, organizadores. Envelhecimento bem sucedido. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2002. p. 355-60.. A intervenção fonoaudiológica miofuncional, com objetivo de conscientizar e (re)habilitar o indivíduo no desempenho das funções de fala, respiração, sucção, mastigação e deglutição, implica em modificações de vida66. Canterji MB. Avaliação miofuncional orofacial em cirurgia bariátrica. In: Susanibar F, Parra D, Dioses A. Tratado de evaluación de motricidad orofacial, disfagia y voz. 2014..

Esse processo incrementa a habilidade, o que foi confirmado considerando-se o bom desempenho das funções orofaciais na idosa acompanhada.

Com isso, atuação preventiva e/ou reabilitadora tem o propósito de proporcionar bem estar, permanência ativa do idoso no seu ambiente social e satisfação com a vida55. Canterji MB, Nisa e Castro SAF. O envelhecimento da motricidade oral: aspectos da mastigação. In: Terra NL, Dornelles B, organizadores. Envelhecimento bem sucedido. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2002. p. 355-60., indispensável também aos pacientes bariátricos.

É necessário considerar que o indivíduo busca a operação, melhor qualidade física, mental e social, o que também abrange aspectos estéticos e funcionais relacionados à alimentação. Isso é fundamental em idades mais avançados, pois a permanência das interações sociais está intimamente relacionada ao envelhecimento bem-sucedido, também observado em relação à paciente descrita nesse trabalho, pois antes da operação apresentava limitações, diminuindo suas atividades sociais, também em virtude de suas comorbidades. É importante ressaltar que já foi encontrada relação entre excesso de peso e tendência ao isolamento social, ao estresse, a depressão com piora da capacidade funcional do obeso1414. Tavares TB, Nunes SM, Santos MO. Obesidade e qualidade de vida: revisão da literatura. Rev Med Minas Gerais. 2010; 20: 359-66..

Levando-se em consideração o trabalho realizado da fonoaudiologia em cirurgia bariátrica, as particularidades relacionadas ao envelhecimento orofacial são mais relevantes, tendo em vista que haverá grande modificação na dieta no pós-operatório. Diante do descrito, a atuação fonoaudiológica colabora na possibilidade do paciente submetido à gastroplastia em variar os alimentos quanto às diferentes consistências e texturas, o que pode contribuir na prevenção de riscos à saúde e qualidade de vida66. Canterji MB. Avaliação miofuncional orofacial em cirurgia bariátrica. In: Susanibar F, Parra D, Dioses A. Tratado de evaluación de motricidad orofacial, disfagia y voz. 2014..

REFERENCES

  • 1
    Amaral AKFJ, Regis RMFL. Sistema estomatognático no idoso. In: Hilton JS, Cunha DA, organizadores. O sistema estomatognático: anatomofisiologia e desenvolvimento. São Paulo: Pulso; 2011. p.129-44.
  • 2
    Aviv JE. Effects of aging on sensitivity of the pharingeal and supraglottic áreas. Am J Med. 1997; 103 (5A): 74s-76s.
  • 3
    Brito CLS. Aspectos psquiátricos nos cuidados pré e pós-operatórios na cirurgia as obesidade. In: Silva RS, Kawahara NT, organizadores. Cuidados pré e pós-operatórios na cirurgia da obesidade. Porto Alegre: AGE; 2005. p.114-29.
  • 4
    Canterji MB, Côrrea SPM. Fonoaudiologia e nutrição: trabalhando a qualidade de vida alimentar. In: Franques ARM, Loli MAS. Novos corpos, novas realidades: reflexões sobre o pós-operatório da cirurgia da obesidade. São Paulo: Vetor; 2011. p. 327-37.
  • 5
    Canterji MB, Nisa e Castro SAF. O envelhecimento da motricidade oral: aspectos da mastigação. In: Terra NL, Dornelles B, organizadores. Envelhecimento bem sucedido. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2002. p. 355-60.
  • 6
    Canterji MB. Avaliação miofuncional orofacial em cirurgia bariátrica. In: Susanibar F, Parra D, Dioses A. Tratado de evaluación de motricidad orofacial, disfagia y voz. 2014.
  • 7
    Gonçalves RFM, Chehter EZ. Perfil mastigatório de obesos mórbidos submetidos à gastroplastia. Rev CEFAC 2012; 14(3): 489-497.
  • 8
    Jotz GP, Carrara-de Angelis E, Barros APB. (Org.). Tratado da deglutição e disfagia no adulto e na criança. Rio de Janeiro: Revinter; 2009. p. 364-368.
  • 9
    Kral JG, Otterbeckb P, Touza MG. Preventing and treating the accelerated ageing of obesity. Maturitas 2010; 66: 223-230.
  • 10
    Logemann JA, Pauloski BR, Rademaker AW, Colangelo LA, Kahrilas PJ, Smith CH. Temporal and biomechanical characteristics of oropharyngeal swallow in younger and older men. J Speech Lang Hear Res. 2000;43:1264-74.
  • 11
    Pajecki D, Santo MA, Kanagi AL, Riccioppo D, Cleva R, Cecconello I. Functional assessment of older obese patients candidates for bariatric surgery. Arq Gastroenterol 2014;51(1):25-8.
  • 12
    Papaleo-Neto M. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002.
  • 13
    Plant RL. Anatomy and physiology of swallowing in adults and geriatrics. Otolaryngol Clin North Am. 1998; 31:477-88.
  • 14
    Tavares TB, Nunes SM, Santos MO. Obesidade e qualidade de vida: revisão da literatura. Rev Med Minas Gerais. 2010; 20: 359-66.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2014
  • Aceito
    19 Maio 2015
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