Resumos
RACIONAL:
Os pacientes em unidade de terapia intensiva estão em risco de desenvolver hipertensão intra-abdominal e síndrome compartimental abdominal.
OBJETIVOS:
Descrever a relação entre o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) com a pressão intra-abdominal e a relação do SOFA com fatores de risco para hipertensão intra-abdominal.
MÉTODO:
Com base nas recomendações da World Society of Abdominal Compartment Syndrome, foram medidas as pressões intra-abdominais dos pacientes nas 24h e 48h da admissão na UTI e calculado o SOFA ao final das 24h e 48h. O tempo de coleta foi de dois meses.
RESULTADOS:
Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal. Foram 70% de homens com idade média de 44 anos, sendo 10% oriundos da cirurgia geral (pressão intra-abdominal média de 11) e 65% da neurocirurgia (pressão intra-abdominal média de 6,7). Apenas três (7,5%) apresentaram hipertensão intra-abdominal. O SOFA máximo foi de 15 e a falência orgânica mais frequente foi a neurológica com 77%. Houve forte correlação entre o SOFA das 24h e 48h com a pressão de pico respiratória (ρ=0,43/p=0,01; ρ=0,39/p=0,02).
CONCLUSÕES:
Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal nos pacientes aqui estudados; contudo, sinalizou ser possível em pacientes com operação abdominal ou naqueles com sepse abdominal.
Hipertensão Intra-abdominal; Falência de múltiplos órgãos; Síndrome compartimental abdominal; Unidade de terapia intensiva; Estudos transversais
BACKGROUND:
Patients in the intensive care unit are at risk of developing intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome.
AIM:
To describe the relation between Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) vs. intra-abdominal pressure and the relation between SOFA and risk factors for intra-abdominal hypertension.
METHOD:
In accordance with the recommendations of the World Society of the Abdominal Compartment Syndrome, the present study measured the intra-abdominal pressure of patients 24 h and 48 h after admission to the unit and calculated the SOFA after 24 h and 48 h. Data was collected over two-month period.
RESULTS:
No correlation was found between SOFA and intra-abdominal pressure. Seventy percent of the patients were men and the mean age was 44 years, 10% had been referred from general surgery (with a mean intra-abdominal pressure of 11) and 65% from neurosurgery (with a mean intra-abdominal of 6.7). Only three (7.5%) presented with intra-abdominal hypertension. The highest SOFA was 15 and the most frequent kind of organ failure was neurological, with a frequency of 77%. There was a strong correlation between the SOFA after 24 h and 48 h and peak respiratory pressure (ρ=0.43/p=0.01; ρ=0.39/p=0.02).
CONCLUSION:
No correlation was found between SOFA and intra-abdominal pressure in the patients covered by the present study. However, it is possible in patients undergoing abdominal surgery or those with abdominal sepsis. Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal nos pacientes aqui estudados; contudo, sinalizou ser possível em pacientes com operação abdominal ou naqueles com sepse abdominal.
Intra-abdominal hypertension; Multiple organ failure; Abdominal compartment syndrome; Intensive care unit; Cross-sectional studies
INTRODUÇÃO
O conceito de "Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas" surgiu nos anos 70 e sua fisiopatologia ainda não foi totalmente elucidada. O estado de choque relacionado à sepse leva à essa disfunção na maioria das vezes, mas existem casos onde ela não está evidente; nessa situação o intestino já foi sugerido como "motor" alternativo 11. Burch J. The abdominal compartiment syndrome. Surgery Clinical North American. 1996: p. 833-842. , 22. Cecchi A, Anichini V, Batachi S. Intra-abdominal pressure and Sequential Organ Failure Assessment score: is there a correlation? Critical Care. 2006 March: p. P310. , 33. De Laet I, Hoste E, De Wahele J. Ultralow volumes in transvesical intra-abdominal pressure measurement. Critical Care Medicine. 2006: p. P307. do processo de disfunção orgânica. Recentemente foi desenvolvido um modelo experimental capaz de produzir em ratos, a hipertensão intra-abdominal associada à hipovolemia. Posteriormente, em estudo anatomopatológico, foram encontrados sinais de congestão e necrose de vilosidades intestinais44. De Waele J, De Laet I, Kirkpatrick A, Hoste E. Intra-abdominal hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. American Journal of Kidney Disease. 2010 August: p. 159-169..
O Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) é o escore mais usado atualmente nas UTI gerais. Ele avalia as funções respiratória, hematológica, hepática, cardiovascular e neurológica. Importante diferencial nesse escore é o seguimento diário de cada função desses órgãos, que é a característica mais determinante para o diagnóstico, tratamento e custo hospitalar. Outros escores consideram apenas o valor final sem evidenciar qual o órgão/sistema está mais ou menos comprometido, nem têm o dinamismo do SOFA em avaliar que segmentos estão em piora ou em melhora. Este escore permite avaliação simples, rápida e contínua para as funções orgânicas separadamente. A pontuação 3 ou 4 para cada função indica falência orgânica e a falência de 3 ou mais órgãos/sistemas tem mortalidade maior que 70%. A complexidade da disfunção intestinal e do compartimento abdominal como um todo não permitiu sua inclusão no escore nem por medidas diretas nem indiretas11. Burch J. The abdominal compartiment syndrome. Surgery Clinical North American. 1996: p. 833-842. , 55. Japiassú A, Falcão H, Freitas F, Freitas S, Souza P, Lannes R. Mensuração da Pressão Intra-Abdominal nas Unidades de Tratamento Intensivo. A opnião dos médicos intensivistas. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2007 Março: p. 186-191..
Uma forma de avaliar o abdome é medir a pressão intra-abdominal (PIA). A World
Society of Abdominal Compartment Syndrome define como método padrão a técnica
vesical, usando uma sonda urinária de Foley, com o zero na linha axilar média, a
infusão de não mais que 25 ml de água na bexiga vazia, em posição supina a 0º, com
medida ao final da expiração estando o paciente calmo no leito sem contrações
abdominais. Uma torneira de três vias deve ser conectada a equipo em Y com régua
milimetrada, a um Jelco(r) calibre 16 e a um equipo para infusão de
solução salina. O Jelco(r) é introduzido na conexão da sonda vesical com a
bolsa coletora sob técnica asséptica, estando o tubo coletor clampeado próximo à
conexão com a sonda de Foley. Quando o menisco da solução salina estabilizar na régua
milimetrada, o valor é registrado considerando o zero na linha axilar média66. Kirkpatrick Aw, Roberts Dj, De Waele J, Jaeschke R, et al.
Intra-abdominal hypertension and abdominal comportament syndrome: Updated consensus
definitions and clinical practice guidelines from the world society of the abdominal
comportment syndrome. Intensive care Med 2013 Jul; 39(7): 1190-206. DOI: 10.1007/s
00134-013-2906-z.
https://doi.org/10.1007/s00134-013-2906-...
.. Originalmente descrita por Kron e
cols. a técnica tinha o zero na sínfise púbica e instilava de 50 a 100 ml, o que
ainda gera divergências na prática diária77. Kron IL, Harman PK, Nolan SP. The measurement of intra-abdominal
pressure as a criterion for abdominal re-exploration. Annals of Surgery. 1984 June:
p. 28-30..
Estudos mais recentes sugerem que instilar 50-100 ml superestima a PIA e que volumes
tão baixos quanto 2 ml são suficientes para aferir a PIA em dispositivos de
monitoramento eletrônicos88 8. LFA P, A AJ, ES C, RS A. Pressão Intra-abdominal em pacientes com
trauma Intra-abdominal. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2005 Jan: p.
83-89.. A World Society of
Abdominal Compartment Syndrome define hipertensão intra-abdominal (HIA) Grau I se
entre 12-15 mmHg, Grau II se 16-20 mmHg, Grau III se 21-24mmHg e Grau IV se>25
mmHg, e estabelece um protocolo de investigação e tratamento66. Kirkpatrick Aw, Roberts Dj, De Waele J, Jaeschke R, et al.
Intra-abdominal hypertension and abdominal comportament syndrome: Updated consensus
definitions and clinical practice guidelines from the world society of the abdominal
comportment syndrome. Intensive care Med 2013 Jul; 39(7): 1190-206. DOI: 10.1007/s
00134-013-2906-z.
https://doi.org/10.1007/s00134-013-2906-...
. Outra classificação que ainda é utilizada em alguns centros é
a de Burch et al que define HIA Grau I se PIA entre 10-15 mmHg, Grau II se 15-25
mmHg, Grau III se 25-35 mmHg e Grau IV se >35mmHg99. Lima R, Schanaider A, Santana M, Oliveira M, Capelozzi V, Rocco P.
Desenvolvimento de um novo modelo experimental de síndrome do compartimento
abdominal. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões [periódico na Internet]. 2011:
p. 417-421.. A presença de HIA é variável e os valores vão de 18-81%, o que é
influenciado pelo método de medida, pelos critérios de classificação e pelo perfil
dos pacientes da UTI: se predominam os clínicos, os cirúrgicos, os neurocríticos ou
os politraumatizados1010. Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A, Sugrue M, Parr M. Results
from the International Conference of Experts on Intra-abdominal Hypertension and
Abdominal Compartment Syndrome. Intensive Care Medicine. 2006 November: p.
1722-1732..
Apesar de ser recomendada mundialmente como medida de rotina juntamente com os sinais vitais e o balanço hídrico, a medida da PIA é utilizada muitas vezes de forma incorreta nas UTI brasileiras e os motivos são erros de indicação, manejo, interpretação e na técnica1111. Malbrain M, Chiumelo D, Pelosi P, Bichari D, Innes R. Incidence and prognosis of intraabdominal hypertension in a mixed population of critically ill patients: A multiple center epidemiological study. Critical Care Medicine. 2005: p. 315-322.. Os pacientes críticos estão entre os que têm mais fatores de risco para o desenvolvimento de HIA e sua complicação mais grave que é a Síndrome Compartimental Abdominal1010. Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A, Sugrue M, Parr M. Results from the International Conference of Experts on Intra-abdominal Hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. Intensive Care Medicine. 2006 November: p. 1722-1732. , 33. De Laet I, Hoste E, De Wahele J. Ultralow volumes in transvesical intra-abdominal pressure measurement. Critical Care Medicine. 2006: p. P307.. No Pubmed não existe relatado trabalho correlacionando SOFA e PIA.
Assim, o presente estudo tem como objetivo descrever a relação entre o SOFA e a PIA em UTI e a correlação do SOFA com outras variáveis clínicas do paciente crítico.
MÉTODO
A pesquisa foi cadastrada na Plataforma Brasil de acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e não teve financiamento externo.
Trata-se de um estudo de corte transversal e observacional e foi realizado na UTI 28 leitos do Hospital da Restauração em Recife, PE, Brasil. A coleta aconteceu em agosto a setembro de 2012. A UTI admite cerca de 25 pacientes por mês. Foram incluídos pacientes com mais de 18 anos de várias clínicas do hospital. Os critérios de exclusão foram: sonda vesical contraindicada pelo médico da UTI, insuficiência reanal, peritoneostomia ou óbito em menos de 12 h da admissão.
Coleta de Dados
Um questionário foi elaborado para a coleta dos dados demográficos e preenchimento dos critérios do SOFA. Os dados clinicodemográficos pesquisados foram a idade, o sexo, a origem (sala de recuperação anestésica, enfermarias, emergência), a data de admissão no hospital, a data de admissão na UTI e o diagnóstico principal. Os dados laboratoriais investigados foram: albumina, uréia e creatinina. Também foram registrados os volumes de cristalóides, colóides e hemoderivados bem como o débito urinário juntamente com o balanço hídrico registrados nos controles da enfermagem e o uso de droga vasoativa (noradrenalina/dopamina). As aminas vasoativas foram consideradas para preenchimento do SOFA, calculando-se a dose em µg/kg.min a partir da maior velocidade de infusão registrada no período de 24 h e que permaneceu por no mínimo 60 min conforme o protocolo do SOFA. Para efeito de medida da pressão de perfusão abdominal - que é igual à pressão arterial média menos a pressão intra-abdominal -, também foi medida a pressão arterial média. Os parâmetros de ventilação mecânica avaliados foram a positive expiratory end pressure e a pressão de pico respiratória.
Todos os pacientes elegíveis foram submetidos a medidas da PIA a cada 6 h durante as primeiras 48 h da admissão na UTI. A PIA foi medida de acordo com a técnica recomendada pela World Society of Abdominal Compartment Syndrome. Ela era medida em cmH2O e depois convertida para mmHg (1 mmHg=1,36 cmH2O) para ser registrada no banco de dados.
O SOFA foi calculado quando completadas as primeiras 24 h e 48 h da admissão considerando o pior valor atribuído ao órgão/função nas últimas 24 h. Como descrito no trabalho original do SOFA, a avaliação neurológica é o parâmetro mais complexo de ser feito devido ao uso frequente dos sedativos na UTI. Vincent e cols. sugeriram então que fossem considerados os escores de coma de Glasgow real e/ou presumido inicialmente e que fossem continuamente reavaliados já que esse é processo dinâmico. Neste trabalho foi considerado como de 6-9 desse escore, o que equivale à pontuação 3 no escore SOFA, para todos os pacientes intubados.
Análise estatística
O tamanho amostral foi baseado na incidência média descrita na literatura de 50% de HIA de qualquer grau em pacientes de UTI geral sendo encontrado o valor de 40 pacientes33. De Laet I, Hoste E, De Wahele J. Ultralow volumes in transvesical intra-abdominal pressure measurement. Critical Care Medicine. 2006: p. P307.. Os resultados foram analisados usando porcentagem, média como medida de tendência central e amplitude ou quartil como medida de dispersão para as variáveis quantitativas, o teste de Kolmogorov-Smirnov para normalidade, o exato de Fisher para medir a significância estatística da associação das variáveis categóricas e a correlação de Pearson para quantificar essas associações (α=5%). Toda informação não encontrada foi considerada ignorada. O programa de análise estatística usado foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, versão Windows 17.0, Chicago, IL).
RESULTADOS
Foram admitidos 55 pacientes no período e excluídos 15, sendo quatro menores de 18 anos, quatro que não precisaram de sonda vesical, três em terapia dialítica, um em peritoneostomia e três óbitos com menos de 12 h da admissão. A amostra teve maioria de homens (70%) com idade média de 44,42 anos; 82,5% foram admitidos em pós-operatório provindos 65% da neurocirurgia e 10% da cirurgia geral. Apenas 7,5% foram decorrentes de sepse grave.
A média da PIA e do SOFA em 24 h e 48 h da admissão estão na Tabela 2, assim como a pressão arterial média e a pressão de perfusão abdominal (PPA). A Figura 1 mostra a distribuição das médias da PIA em 24 h e 48 h da admissão na UTI e a curva de normalidade. As menores pressão arterial média e de perfusão abdominal encontradas foram 55,5 e 43,0 mmHg, respectivamente. Os pacientes no pós-operatório da cirurgia geral tiveram PIA média de 11,0 e da neurocirurgia de 6,7. Somente três tinham HIA e em apenas um foi possível calcular o SOFA, que mostrou três falências: coagulação, cardiovascular e neurológica (Tabela 3). As falências mais frequentes foram a neurológica (77% após 48 h), respiratória (45% após 48 h) e cardiovascular (22,5% após 24 h); 20% dos pacientes tiveram pontuação máxima na função cardiovascular das primeiras 24 h, representando o uso de drogas vasoativas em doses elevadas. Não houve uso de colóides na amostra avaliada.
Histograma da distribuição das médias da pressão intra-abdominal em 24 h e 48 h da admissão na UTI e curva normal.
A associação do SOFA com o sexo, a faixa etária e a PIA foi analisada com o teste exato de Fisher. Não houve significância estatística entre o SOFA e a PIA em 24 h e 48 h (24 h p=0,50; 48 h p=0,29). Apenas entre o SOFA das 48 h e o sexo foi que houve p<0,05 (Tabela 4).
O teste de Pearson foi aplicado para o SOFA das 24 h e 48 h e as demais variáveis estudadas. Houve forte correlação positiva com significância estatística entre o SOFA 24 h e o volume de cristalóides (ρ=0,58; p<0,01). O SOFA 48 h e a albumina tiveram forte correlação negativa (ρ=-0,52; p=0,01). Apenas a pressão de pico respiratória apresentou correlação positiva com o SOFA das 24 h e 48 h (ρ=0,93 p=0,02; ρ=0,43 p=0,01). Não houve correlação significativamente estatística com as demais variáveis inclusive com a PIA das 24 h e 48 h (Tabela 5).
DISCUSSÃO
A avaliação do abdome é desafio nas UTI. O SOFA é o escore de mortalidade mais aceito mundialmente, porém não avalia o abdome e essa dificuldade foi reconhecida por Vincent e cols. no estudo original do SOFA. Apesar dessa deficiência, pouco se fez no sentido de encontrar-se um parâmetro que pudesse avaliar o abdome. Não encontra-se na base Pubmed, nenhum artigo estudando essa relação até novembro de 2012.
A amostra avaliada possui vários fatores de risco para HIA como cirurgia abdominal, ventilação mecânica, uso de droga vasoativa, politrauma, gastroparesia, disfunção hepática, acidose, coagulopatia e sepse; apesar disso, a prevalência de hipertensão intra-abdominal foi de 7,5% considerando os critérios da World Society of Abdominal Compartment Syndrome; usando a classificação de Bursh et al. a prevalência seria de 20% nas primeiras 24 h e de 15% nas 48 h. O SOFA por sua vez apresentou valores mais altos começando com 9,5 no 1º quartil, o que representa importante número de disfunções orgânicas entre os pacientes da amostra.
Um estudo brasileiro avaliou a HIA em pós-operatório de trauma abdominal aberto ou fechado em 20 pacientes, encontrando PIA média de 10,4 cmH2O (7,6 mmHg) nas primeiras 6 h e 10,2 cmH2O (7,5 mmHg) em 18 h do pós-operatório. Foi encontrada correlação positiva entre o volume de colóides infundidos e a PIA pelo teste de Pearson1212. Marshall JC, Vincent JL, Fink MP. Measures, markers, and mediators: toward a staging system for clinical sepsis.. Critical Care Medicine. 2003 October: p. 1560-1567.. Não se pode comparar estes resultados com os desse trabalho devido à diferença na técnica; aqui usou-se as recomendações da World Society of Abdominal Compartment Syndrome enquanto naquele a técnica original de Kron77. Kron IL, Harman PK, Nolan SP. The measurement of intra-abdominal pressure as a criterion for abdominal re-exploration. Annals of Surgery. 1984 June: p. 28-30..
Neste estudo não houve correlação significativa na amostra geral nem em subgrupos quando se avaliou o SOFA e a PIA. Apenas entre o SOFA e as variáveis volume de cristalóides, pressão de pico respiratória e albumina, foi que houve correlação significativa, contudo merecendo algumas considerações.
O volume de cristalóides infundidos nas 24 h que antecederam a avaliação do SOFA teve forte correlação positiva com o SOFA das 24 h, o que significaria que quanto mais volume infundido mais alto seria o valor do SOFA. Deve ser observado, no entanto, que nas primeiras 24 h apenas 20 pacientes tiveram registros válidos para o volume de cristalóides (p<0,01). Nas 48 h seguintes foram obtidos registros de 33 pacientes e o valor-p não foi mais significativo. Apesar de haver substrato fisiopatológico para essa associação, esse achado pode ter sido decorrente de número pequeno nas 24 h.
A albumina teve forte correlação negativa com o SOFA 48 h, indicando que quanto menor a albumina do paciente pior seria o SOFA; o mesmo não ocorreu com o SOFA 24 h talvez por conta do número pacientes que possuíam esse exame (7=17,5%). A albumina não varia significativamente em 24 h; logo, apesar de não haver valor-p<0,05 nas primeiras 24 h o achado das 48 h é mais importante e deve ser considerado em detrimento do resultado das 24 h.
A pressão de pico respiratória foi a única variável significativa tanto nas 24 h quanto nas 48h. Foram 82,5% de registros válidos nas 24 h e 80% nas 48 h. O substrato fisiopatológico para essa correlação é que as pressões positivas intra-torácicas decorrentes da ventilação mecânica são transmitidas também para o abdome e, assim, podem contribuir para a elevação da PIA como fator adicional, mas não único; o inverso também é verdadeiro.
Essas variáveis vistas isoladamente podem sugerir que o paciente está mais comprometido, pois para manter a homeostase estão sendo necessários mais volume, maiores pressões de pico respiratórias, e a albumina evidencia o catabolismo; entretanto, nenhuma delas faz parte do escore SOFA e todas são fatores de risco para HIA. Apesar da correlação SOFAxPIA não ter sido demonstrada, existe substrato fisiopatológico que justifica avaliação mais completa desses parâmetros.
Alguns fatores limitaram esse estudo: realizado em pouco tempo; em um único centro; em UTI que atende principalmente pacientes neurocirúrgicos, de baixo risco para desenvolvimento de HIA quando comparados aos pacientes com sepse abdominal ou operação abdominal.
CONCLUSÃO
Não houve correlação entre o SOFA e a pressão intra-abdominal nos pacientes aqui estudados; contudo, sinalizou ser possível em pacientes com operação abdominal ou naqueles com sepse abdominal.
REFERENCES
-
1Burch J. The abdominal compartiment syndrome. Surgery Clinical North American. 1996: p. 833-842.
-
2Cecchi A, Anichini V, Batachi S. Intra-abdominal pressure and Sequential Organ Failure Assessment score: is there a correlation? Critical Care. 2006 March: p. P310.
-
3De Laet I, Hoste E, De Wahele J. Ultralow volumes in transvesical intra-abdominal pressure measurement. Critical Care Medicine. 2006: p. P307.
-
4De Waele J, De Laet I, Kirkpatrick A, Hoste E. Intra-abdominal hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. American Journal of Kidney Disease. 2010 August: p. 159-169.
-
5Japiassú A, Falcão H, Freitas F, Freitas S, Souza P, Lannes R. Mensuração da Pressão Intra-Abdominal nas Unidades de Tratamento Intensivo. A opnião dos médicos intensivistas. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2007 Março: p. 186-191.
-
6Kirkpatrick Aw, Roberts Dj, De Waele J, Jaeschke R, et al. Intra-abdominal hypertension and abdominal comportament syndrome: Updated consensus definitions and clinical practice guidelines from the world society of the abdominal comportment syndrome. Intensive care Med 2013 Jul; 39(7): 1190-206. DOI: 10.1007/s 00134-013-2906-z.
» https://doi.org/10.1007/s00134-013-2906-z -
7Kron IL, Harman PK, Nolan SP. The measurement of intra-abdominal pressure as a criterion for abdominal re-exploration. Annals of Surgery. 1984 June: p. 28-30.
-
88. LFA P, A AJ, ES C, RS A. Pressão Intra-abdominal em pacientes com trauma Intra-abdominal. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2005 Jan: p. 83-89.
-
9Lima R, Schanaider A, Santana M, Oliveira M, Capelozzi V, Rocco P. Desenvolvimento de um novo modelo experimental de síndrome do compartimento abdominal. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões [periódico na Internet]. 2011: p. 417-421.
-
10Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A, Sugrue M, Parr M. Results from the International Conference of Experts on Intra-abdominal Hypertension and Abdominal Compartment Syndrome. Intensive Care Medicine. 2006 November: p. 1722-1732.
-
11Malbrain M, Chiumelo D, Pelosi P, Bichari D, Innes R. Incidence and prognosis of intraabdominal hypertension in a mixed population of critically ill patients: A multiple center epidemiological study. Critical Care Medicine. 2005: p. 315-322.
-
12Marshall JC, Vincent JL, Fink MP. Measures, markers, and mediators: toward a staging system for clinical sepsis.. Critical Care Medicine. 2003 October: p. 1560-1567.
-
13Vincent JL, De Mendonça A, Cantraine A, Moreno R, Takala J, Sutter P, et al. Use of the SOFA score to assess the incidence of organ dysfunction/failure in intensive care units: Results of a multicenter, prospective study. Critical Care Medicine. 1998 November: p. 1793-800.
-
14Vincent JL, Moreno R, Takala J, Willatts S, De Mendonça A, Bruining H, et al. The SOFA (Sepsis-Related Organ Failure Assessment) score to describe organ dysfunction/failure. Intensive Care Medicine. 1996 July: p. 707-710.
-
Fonte de financiamento: não há
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2014
Histórico
-
Recebido
10 Jul 2014 -
Aceito
16 Set 2014