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Calcinose cútis distrófica universal associada a lúpus eritematoso sistêmico: um caso exuberante

Resumos

Calcinose cutânea é uma doença incomum, de fisiopatologia incerta e, muitas vezes, incapacitante. Caracteriza-se pela deposição de sais de cálcio na pele ou tecido subcutâneo. É classificada em quatro subtipos: metastática, distrófica, idiopática e iatrogênica. Pode ser vista em várias doenças sistêmicas como hiperparatireoidismo e hipervitaminose D, ocorrendo com maior frequência na dermatomiosite, esclerodermia e síndromes overlap, sendo uma complicação infrequente no lúpus eritematoso sistêmico. O manejo das complicações secundárias, assim como o sucesso terapêutico, constituem desafios constantes no seguimento destes casos.

Calcinose; Doenças reumáticas; Lúpus eritematoso sistêmico


Calcinosis cutis is an uncommon disease of unclear pathophysiology that is often disabling. It is characterized by the formation of calcium deposits in the skin or subcutaneous tissue. It is classified into four subtypes: dystrophic, metastatic, idiopathic or iatrogenic. It may be seen in a variety of systemic diseases such as hyperparathyroidism and hypervitaminosis D, but is most commonly found in dermatomyositis, scleroderma and overlap syndromes and is a rare complication of systemic lupus erythematosus. The management of secondary complications and the success of therapy are constant challenges in the follow-up of these cases.

Calcinosis; Systemic lupus erythematosus; Rheumatic diseases


CASO CLÍNICO

Calcinose cútis distrófica universal associada a lúpus eritematoso sistêmico: um caso exuberante* * Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) - Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil.

Ana Paula Gonçalves CarochaI; Daniel Moscon TorturellaII; Gimelly Ribeiro BarretoIII; Rogerio Ribeiro EstrellaIV; Mayra Carrijo RochaelV

IPós-graduanda do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil

IIPós-graduando do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil

IIIAcadêmica de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil

IVProfessor Adjunto do Serviço de Dermatologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil

VProfessora Associada do Departamento de Patologia (UFF), Dermatopatologista, Doutora em Anatomia Patológica pela UFF - Niterói (RJ), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Paula Gonçalves Carocha Endereço: Rua Almirante Tamandaré, 67, aptº 1106 - Flamengo Rio de Janeiro, RJ, Brasil Tel: 21 9762 3527 / 21 2225 2649 e-mail: anapaula.carocha@gmail.com

RESUMO

Calcinose cutânea é uma doença incomum, de fisiopatologia incerta e, muitas vezes, incapacitante. Caracteriza-se pela deposição de sais de cálcio na pele ou tecido subcutâneo. É classificada em quatro subtipos: metastática, distrófica, idiopática e iatrogênica. Pode ser vista em várias doenças sistêmicas como hiperparatireoidismo e hipervitaminose D, ocorrendo com maior frequência na dermatomiosite, esclerodermia e síndromes overlap, sendo uma complicação infrequente no lúpus eritematoso sistêmico.

O manejo das complicações secundárias, assim como o sucesso terapêutico, constituem desafios constantes no seguimento destes casos.

Palavras-chave: Calcinose; Doenças reumáticas; Lúpus eritematoso sistêmico

INTRODUÇÃO

Calcinose cutânea é a deposição de sais de cálcio na pele ou tecido subcutâneo. Quando a pequena área das extremidades e articulações é isolada, é denominada circunscrita; na sua forma difusa, é denominada universal, acometendo o subcutâneo e estruturas fibrosas dos músculos e tendões. É classificada em quatro tipos: metastática, distrófica, idiopática e iatrogênica.1-11

No lúpus eritematoso sistêmico (LES), a formação de depósitos ectópicos de cálcio é um achado raro. Os primeiros casos foram descritos, em 1961, ocorrendo, em média, após 9,8 anos do diagnóstico.8,12

Apresentamos um caso com evolução para calcinose cutânea distrófica universal exuberante após 13 anos de diagnóstico de LES. Como terapêutica, foram iniciados diltiazem e hidróxido de alumínio, tendo a paciente evoluído no seguimento de 6 meses, com resultados desanimadores.

RELATO DO CASO

Paciente de 30 anos, feminina, professora. Apresenta, há 13 anos, diagnóstico definitivo de LES, em uso irregular de prednisona 30 mg/dia e hidroxicloroquina 400 mg/dia. Relata que há quatro anos surgiram placas eritematosas e dolorosas nos braços, pernas e coxas, que se tornaram endurecidas à palpação. Nega queixas anteriores compatíveis com miopatia.

No exame dermatológico, havia placas endurecidas, eritemato-violáceas, com telangiectasias, e áreas atróficas e ulceradas nos braços, nádegas e região posterior das coxas (Figuras 1 e 2). Apresentava também livedo reticular nos braços, nádegas, coxas e dorso. Na face, apresentava eritema periorbitário e rash malar. Nas mãos, havia pápulas eritematosas sobre as articulações interfalangeanas e metacarpofalangeanas.



Foram solicitados: hemograma, VHS, bioquímica, FAN, Anti-RNP, Anti-Jo1, Anti-Mi e radiografia de membros, e foi feita biópsia por punch de lesão cutânea, no braço esquerdo. As alterações encontradas nos exames laboratoriais foram: leucopenia com 2,98x103/mm3 leucócitos [VR: 5-11 x103/mm3], VHS 40 mm/h [VR: até 20 mm/h], FAN 1/200 padrão citoplasmático pontilhado [VR: > 1/80], Fosfatase alcalina 233 U/L [VR: 35-104 U/L] e gama-GT 70 U/L [VR: 8-41 U/L]. O Anti-DNA, Anti-RNP, Anti-Jo1 e Anti-Mi foram não reagentes. Os níveis séricos de creatina fosfoquinase (CPK) e transaminases (TGO e TGP) eram normais. Os níveis séricos de cálcio e fósforo eram de 9,4 mg/dL e 3,4 mg/dL, respectivamente. [VR cálcio: 8,5-10 mg/dL, VR fósforo 2,5-4,3 mg/dL]. As radiografias das mãos, cotovelos, joelhos e bacia evidenciaram imagens radiopacas, múltiplas, bem delimitadas nos tecidos subcutâneos (Figuras 3 e 4).



A biópsia revelou intenso infiltrado inflamatório em toda a derme, com inúmeros pontos de calcificação, na derme e no tecido subcutâneo, corroborando o diagnóstico (Figuras 5 e 6).



DISCUSSÃO

A calcinose é classificada em quatro subtipos: metastática, distrófica, idiopática e iatrogênica. O tipo metastático ocorre em tecidos normais, como resultado do aumento dos níveis séricos do cálcio e/ou do fosfato e um produto cálcio/fósforo, igual ou maior que 70mg/dL. O idiopático ocorre na ausência de alterações teciduais e metabólicas. A calcinose iatrogênica ocorre por causa do extravasamento intravenoso de gluconato de cálcio e da deposição de sais de cálcio, na pele subsequente, à eletromiografia ou eletroencefalografia. O tipo distrófico ocorre quando há deposição de sais de cálcio, na vigência de dano ou desvitalização tissular na pele, tecido subcutâneo, músculos e tendões; o metabolismo do cálcio e do fósforo são normais e não há envolvimento visceral.1-11 A deposição de sais de cálcio na pele e tecido subcutâneo ocorre numa variedade de doenças reumáticas, sendo mais comumente associada à esclerodermia, dermatomiosite e síndromes overlap, sendo uma complicação infrequente no LES.1-3

No lúpus, a calcinose é uma manifestação cutânea rara.1,2 Geralmente, acomete o paciente com diagnóstico estabelecido por um tempo médio de 9,8 anos.8,12 Caracteriza-se pela presença de nódulos endurecidos de tamanhos variados, móveis ou aderidos aos planos profundos. Podem formar placas e algumas lesões podem ulcerar espontaneamente, liberando o seu conteúdo: material brancacento endurecido composto por sais de cálcio. Além da pele, pode atingir fáscia e músculo, gerando uma dor incapacitante pelo processo inflamatório em alguns pacientes. Geralmente, surge em áreas de trauma (joelhos, cotovelos, dedos, glúteos). Em alguns casos, podem surgir outras complicações: inflamação crônica, infecções e atrofia, além do comprometimento estético.1-3,13,14

No caso relatado, a calcinose surgiu após 13 anos de diagnóstico do lúpus. As lesões são compatíveis com calcinose universal, pela extensão do quadro e visualização através das radiografias de partes moles o acometimento de planos mais profundos. O exame histopatológico confirmou o diagnóstico. Não há alterações nos seus níveis de cálcio e fósforo e foi descartada a hipótese de doença mista do tecido conjuntivo (Anti-RNP negativo). Apesar da paciente possuir lesões cutâneas que poderiam sugerir dermatomiosite, não houve relatos de sintomas compatíveis com miopatia em nenhum momento da doença. A dosagem das enzimas musculares foram normais e os autoanticorpos Anti-Mi e Anti-Jo 1 não reagentes, afastando, assim, tal diagnóstico. O fato de estar associada a uma colagenose e não haver alterações no metabolismo do cálcio a caracteriza como calcinose distrófica. A paciente apresenta lesões nas áreas de trauma e nas superfícies extensoras conforme as descrições da literatura,1,2 sem nenhum sinal clínico ou laboratorial de infecção. Além da terapêutica específica do LES, foram introduzidos diltiazem e hidróxido de alumínio.

A etiologia da calcinose ainda é indefinida com várias hipóteses descritas. Apesar das concentrações de cálcio e fosfato nos tecidos serem próximas dos seus níveis de saturação, não é comum ocorrer deposição de sais de cálcio graças a mecanismos locais inibitórios. A calcificação pode surgir por alguma alteração tecidual, mesmo com estes níveis séricos normais. Mudanças na estrutura do tecido, redução da vascularização, hipóxia, alterações próprias do envelhecimento e predisposição genética podem estar envolvidos no processo de formação de depósitos de cálcio na pele.2 A atividade da fosfatase alcalina tecidual inibe a deposição de cálcio através da hidrólise do fosfato extracelular. Havendo áreas de trauma ou inflamação, o fosfato se liga às proteínas desnaturadas das células mortas, originando novos sítios de calcificação.1 Diversas outras anormalidades locais, como: alterações do colágeno, elastina ou gordura subcutânea também estariam envolvidos no processo de depósito ectópico de cálcio.

Alguns autores propõem que a apoptose seria o principal mecanismo de formação de depósito ectópico de sais de cálcio.15

Substâncias como as interleucinas (IL-6 e IL-1) e o fator de necrose tumoral alfa e ativação de macrófagos teciduais também teriam um papel importante na formação da calcinose.

No caso descrito, foi iniciado diltiazem dose inicial de 60 mg/dia até atingir a dose de 240 mg/dia com estreito acompanhamento cardiológico e hidróxido de alumínio 60 mg/dia.

O diltiazem, por ser um bloqueador do canal de cálcio, diminui a entrada de cálcio nas células e, consequentemente, o seu acúmulo, reduzindo então a formação de depósitos de cálcio, por otimizar a ação dos macrófagos de limpar os depósitos existentes.1,2

O sucesso ocasional desta droga é descrito com a diminuição da progressão da calcificação com o tratamento prolongado e doses crescentes.

O hidróxido de alumínio, um quelante do fósforo administrado via oral, atua formando fosfato de alumínio insolúvel, reduzindo a absorção intestinal de fosfato e auxiliando na reversão das reações de precipitação, relacionadas à deposição de cálcio.1

Nenhum efeito colateral foi descrito na literatura, mas cuidado deve-se ter, já que o alumínio pode se acumular e causar osteomalácia, miopatia, ou demência.2

No seguimento de seis meses, os resultados foram desanimadores tendo a paciente evoluído secundariamente com atrofia muscular, contratura articular, e ulceração da pele, com episódios de infecção secundária.

De uma forma geral, o tratamento da calcinose ainda constitui um desafio. Não há estudos controlados até o momento definindo uma terapêutica ideal. Além do hidróxido de alumínio e o diltiazem que empregamos com tentativa terapêutica, são relatadas na literatura tentativas com diversos compostos, mas com resultados bastante controversos como a probenecida, o warfarin, a colchicina, os bifosfonato. A remoção cirúrgica de lesões sintomáticas é considerada o último recurso, pois o trauma local pode estimular ainda mais a calcificação, levando à sua recorrência ou até mesmo piora.1,13,14 Lesões pequenas e superficiais podem ser retiradas com laser de CO2.

A ciclosporina, a imuglobulina intravenosa, o tacrolimus, os inibidores TNF-alfa são alguns exemplos de tratamentos promissores sob estudo2. Estão sendo usados em pacientes com colagenoses de difícil controle, com redução da calcinose secundária em alguns.

AGRADECIMENTO

À professora Sandra Maria Barbosa Durães pela contribuição intelectual e revisão do trabalho. À professora Lúcia Helena Ribeiro pelas inúmeras revisões com a atenção de sempre. À Bechara Jalkh Júnior pelo suporte tecnológico e carinho de sempre.

Recebido em 14.08.2009.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 28.08.09.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Ana Paula Gonçalves Carocha
    Endereço: Rua Almirante Tamandaré, 67, aptº 1106 - Flamengo
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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    Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) - Universidade Federal Fluminense (UFF) - Niterói (RJ), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      14 Ago 2009
    • Aceito
      28 Ago 2009
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