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Perfil de suscetibilidade a antifúngicos de dermatófitos isolados de pacientes com insuficiência renal crônica

Resumos

FUNDAMENTOS: As dermatofitoses apresentam alta prevalência na população em geral e, principalmente, em pacientes com insuficiência renal crônica, necessitando tratamento com antifúngicos tópicos e/ou sistêmicos, cuja eficácia precisa ser avaliada. Estudos in vitro para avaliar a ação de antifúngicos são raros, especialmente, em fungos filamentosos. OBJETIVO: Avaliar o perfil de suscetibilidade de diferentes espécies de dermatófitos, isolados de pacientes com insuficiência renal crônica, em relação a nove antifúngicos disponíveis comercialmente para o tratamento de dermatofitoses. MÉTODO: Analisaram-se 26 isolados de dermatófitos de pacientes com insuficiência renal crônica em relação a nove antifúngicos (cetoconazol, ciclopirox olamina, fluconazol, griseofulvina, itraconazol, miconazol, piroctona olamina, terbinafina e tioconazol) pelo método de microdiluição em caldo proposto pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI), com modificações para dermatófitos. RESULTADOS: Entre os antifúngicos testados, a terbinafina e o tioconazol obtiveram os melhores resultados de sensibilidade e o fluconazol apresentou baixa atividade, especialmente para as amostras da espécie M. gypseum. O ciclopirox olamina, apesar de menos eficaz que a terbinafina, também mostrou resultados satisfatórios. CONCLUSÕES: De modo geral, o perfil de sensibilidade dos antimicóticos testados seguiu o padrão de resultados mostrados por estudos anteriores, ratificando a necessidade de conhecimento da espécie causadora de dermatofitose, devido à variação do perfil de suscetibilidade entre as espécies. Além disso, nossos resultados demonstram a importância da realização de ensaios de sensibilidade in vitro, pois alguns isolados da mesma espécie apresentaram diferente perfil de sensibilidade

Antimicóticos; Arthrodermataceae; Insuficiência renal crônica; Micoses


BACKGROUND: The prevalence of dermatophytosis in the general population is high, particularly in patients with chronic renal failure. Treatment requires the use of topical and/or systemic antifungal drugs. The efficacy of antifungal agents for the treatment of dermatophytosis has yet to be evaluated. Studies evaluating the in vitro activity of antifungal agents are rare, particularly in filamentous fungi. OBJECTIVE: To evaluate the susceptibility profile of different species of dermatophytes isolated from patients with chronic renal failure to nine antifungal drugs available on the market for the treatment of dermatophytosis. METHODS: Twenty-six isolates of dermatophytes obtained from patients with chronic renal failure were analyzed with respect to their susceptibility to nine antifungal agents (ketoconazole, ciclopirox olamine, fluconazole, griseofulvin, itraconazole, miconazole, piroctone olamine, terbinafine and tioconazole), using the broth microdilution method proposed by the Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) and adapted for dermatophytes. RESULTS: Of the antifungal agents tested, the best results in terms of sensitivity were found with terbinafine and tioconazole, while the antifungal activity of fluconazole was found to be weak, particularly against strains of M. gypseum. Ciclopirox olamine, although less effective than terbinafine, also yielded satisfactory results. CONCLUSIONS: In general, the sensitivity profile of the antifungal agents tested in this study was similar to results obtained in previous studies, confirming the need to determine which species is causing the dermatophytosis given that antifungal susceptibility varies from one species to another. Furthermore, the present findings show the importance of conducting in vitro sensitivity tests, since the sensitivity profile may differ among isolates of the same species

Antifungal agents; Arthrodermataceae; Kidney failure chronic; Mycoses


INVESTIGAÇÃO

Perfil de suscetibilidade a antifúngicos de dermatófitos isolados de pacientes com insuficiência renal crônica* * Trabalho realizado no laboratório de fungos patogênicos humanos do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil.

Cibele Massotti MagagninI; Cheila Denise Ottonelli StopigliaII; Fabiane Jamono VieiraIII; Daiane HeidrichIV; Madeline MachadoV; Gerson VetorattoVI; Flávia Maria LambVII; Maria Lúcia ScrofernekerVIII

IBiomédica; mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

IIFarmacêutica-bioquímica; doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

IIIAcadêmica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

IVFarmacêutica; mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

VAcadêmica da Faculdade de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC - RS) - Porto Alegre (RS), Brasil

VIMédico dermatologista do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - Porto Alegre (RS), Brasil

VIIMédica dermatologista; mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

VIIIProfessora associada do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cheila D. O. Stopiglia Rua Sarmento Leite, 500 - laboratório 210 90050-170 Porto Alegre - RS E-mail: cheila.dos@gmail.com / scrofern@ufrgs.br

RESUMO

FUNDAMENTOS: As dermatofitoses apresentam alta prevalência na população em geral e, principalmente, em pacientes com insuficiência renal crônica, necessitando tratamento com antifúngicos tópicos e/ou sistêmicos, cuja eficácia precisa ser avaliada. Estudos in vitro para avaliar a ação de antifúngicos são raros, especialmente, em fungos filamentosos.

OBJETIVO: Avaliar o perfil de suscetibilidade de diferentes espécies de dermatófitos, isolados de pacientes com insuficiência renal crônica, em relação a nove antifúngicos disponíveis comercialmente para o tratamento de dermatofitoses.

MÉTODO: Analisaram-se 26 isolados de dermatófitos de pacientes com insuficiência renal crônica em relação a nove antifúngicos (cetoconazol, ciclopirox olamina, fluconazol, griseofulvina, itraconazol, miconazol, piroctona olamina, terbinafina e tioconazol) pelo método de microdiluição em caldo proposto pelo Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI), com modificações para dermatófitos.

RESULTADOS: Entre os antifúngicos testados, a terbinafina e o tioconazol obtiveram os melhores resultados de sensibilidade e o fluconazol apresentou baixa atividade, especialmente para as amostras da espécie M. gypseum. O ciclopirox olamina, apesar de menos eficaz que a terbinafina, também mostrou resultados satisfatórios.

CONCLUSÕES: De modo geral, o perfil de sensibilidade dos antimicóticos testados seguiu o padrão de resultados mostrados por estudos anteriores, ratificando a necessidade de conhecimento da espécie causadora de dermatofitose, devido à variação do perfil de suscetibilidade entre as espécies. Além disso, nossos resultados demonstram a importância da realização de ensaios de sensibilidade in vitro, pois alguns isolados da mesma espécie apresentaram diferente perfil de sensibilidade.

Palavras-chave: Antimicóticos; Arthrodermataceae; Insuficiência renal crônica; Micoses

INTRODUÇÃO

Dermatófitos são um grupo de fungos estreitamente relacionados, capazes de invadir tecidos queratinizados como pele, cabelo, pelo e unha, causando infecções denominadas dermatofitoses.1 Estudos epidemiológicos indicam que essa patologia está entre as mais prevalentes no mundo, sendo considerada a segunda doença de pele mais frequente na população adulta.2 Estima-se que 10-15% da população humana poderão ser acometidos por esses micro-organismos no decorrer de sua vida.3,4

Mais de 30 espécies de dermatófitos são conhecidas, mas a maioria está taxonomicamente classificada em três gêneros anamórficos: Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton, sendo que as espécies mais frequentemente relatadas como causadoras de infecção em humanos são Trichophyton rubrum, Trichophyton mentagrophytes, Microsporum canis, Trichophyton tonsurans e Epidermophyton floccosum, as quais apresentam distribuição geográfica bastante variável, dependendo das condições socioeconômicas, higiênicas e ambientais da população.4-6

Entre os fatores de risco associados com a dermatofitose incluem-se: aumento da idade, imunossupressão, histórico familiar para Diabetes mellitus, doença vascular periférica, distúrbios relacionados com a pele, como hiperidrose e psoríase, uso de calçados apertados e traumas nas unhas.7 Estudos têm mostrado que pacientes com insuficiência renal crônica são mais suscetíveis a dermatofitoses, principalmente, onicomicose, a qual é a segunda desordem mais encontradiça em pacientes em hemodiálise, apresentando uma prevalência que varia entre 6,2% e 69,8%.7-9 A onicomicose é uma das condições dermatológicas com maior dificuldade de tratamento e, segundo alguns autores, o fracasso terapêutico oscila entre 20% e 50%.10,11

A escolha do tratamento adequado é determinada pelo local e pela extensão da infecção, pela espécie envolvida, bem como pela eficácia, perfil de segurança e cinética dos medicamentos disponíveis. A terapia com agentes de uso tópico pode ser realizada com antimicóticos imidazólicos, como tioconazol e miconazol, ou com griseofulvina, a qual pode apresentar sucesso terapêutico em 75% dos casos.12 Estudos indicam que a aplicação tópica de ciclopirox olamina pode ser um tratamento alternativo para infecções fúngicas superficiais, particularmente, quando em combinação com outros antifúngicos, como amorolfina, ácido salicílico e cetoconazol.13-15 A terapia oral com agentes antifúngicos como terbinafina, itraconazol, cetoconazol e fluconazol é o tratamento de escolha para dermatofitoses que não respondem às terapias com fármacos de uso tópico.16

O espectro de atividade desses antifúngicos é variável, podendo levar a falha no tratamento, possivelmente, devido à baixa adesão dos pacientes, falta de penetração do fármaco, biodisponibilidade do medicamento, interações medicamentosas ou resistência.17 A análise in vitro da atividade antifúngica desses agentes permite a comparação entre diferentes antifúngicos, podendo vir a auxiliar na escolha de uma terapia eficaz para os pacientes acometidos por essas infecções. Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil de suscetibilidade de diferentes espécies de dermatófitos, isolados de pacientes com insuficiência renal crônica, em relação a nove antifúngicos disponíveis comercialmente para o tratamento de dermatofitoses.

MATERIAIS E MÉTODOS

Micro-organismos

Foram utilizados 26 isolados clínicos de dermatófitos (quatro Microsporum canis, sete Microsporum gypseum, quatro Trichophyton interdigitale, oito Trichophyton mentagrophytes e três Trichophyton rubrum) oriundos de pacientes com insuficiência renal crônica do Ambulatório de Dermatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, submetidos a exame micológico direto e cultural. Após a identificação das espécies, as culturas foram mantidas em ágar Sabouraud-dextrose (Difco, Detroit, MI, EUA), imersas em óleo mineral (União Química, São Paulo, Brasil) à temperatura ambiente.

Atividade antifúngica in vitro

O ensaio de sensibilidade a antifúngicos foi desenvolvido segundo a técnica de microdiluição em caldo, por meio do protocolo M38-A do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI), modificado para dermatófitos.18 Utilizaram-se nove antifúngicos disponíveis comercialmente para o tratamento de dermatofitoses: cetoconazol (Química Farmacêutica, Bayer, Barcelona, Espanha), ciclopirox olamina (Aventis, Dermik Laboratories, Berwyn, PA, EUA), fluconazol (Sigma, St. Louis, MO, EUA), griseofulvina (Shering-Ploug, Rio de Janeiro, Brasil), itraconazol (Jansen-Cilag, São Paulo, Brasil), miconazol (Jansen-Cilag, São Paulo, Brasil), piroctona olamina (Iffect Chemphar, China), terbinafina (Novartis Research Institute, Viena, Áustria ) e tioconazol (Pfizer Inc., Nova York, NY, EUA).

A solução-estoque dos antifúngicos foi preparada em dimetilsulfóxido (DMSO; Vetec, Brasil) e, posteriormente, realizaram-se diluições no meio RPMI 1640 (Sigma, St. Louis, MO, EUA) tamponado a pH 7,0 com 165mM de ácido morfolinopropanosulfônico (MOPS; Sigma), para obter concentrações de 0,25-128µg/ml para fluconazol e de 0,03-16µg/ml para os demais antifúngicos.

Os isolados clínicos foram repicados em ágar batata-dextrose (Difco, Detroit, MI, EUA), acrescidos de 2% de farinha de arroz (Maninho, Brasil) e mantidos a 28ºC por sete dias. A suspensão de esporos de cada cultura foi preparada em solução salina 0,89% e ajustada em espectrofotômetro (Spectrum Instruments Co., Xangai, China) até atingir densidade celular com transmitância de 80-82% a 530nm. O inóculo foi diluído na proporção 1:50 em caldo RPMI-MOPS.

O ensaio foi realizado em placas estéreis de 96 poços com fundo em U, onde foram adicionados 100µl de cada concentração do antifúngico a ser testado. Posteriormente, inocularam-se alíquotas de 100µl da diluição 1:50 do inóculo em cada um dos poços. A concentração final de micro-organismos atingida foi de 5x103 a 5x104 UFC/ml. Incluíram-se nesses ensaios um controle livre de antifúngico (controle de crescimento) e um controle livre de micro-organismo (controle de esterilidade). As placas foram incubadas a 28ºC por três dias. As cepas C. parapsilosis American Type Culture Collection (ATCC) 22019 e C. krusei ATCC 6258 foram utilizadas como controles da metodologia.

A determinação da concentração inibitória mínima (CIM) foi realizada visualmente por comparação com o crescimento do controle livre de fármaco. A CIM foi definida como a menor concentração de fármaco capaz de inibir totalmente o crescimento fúngico para itraconazol e terbinafina e 80% do crescimento para os demais antifúngicos.19,20 Todos os experimentos foram realizados em triplicata.

Após a leitura da CIM, determinou-se a concentração fungicida mínima (CFM). Uma alíquota de 100µl dos poços em que não se observou crescimento foi transferida para tubos de ensaio contendo 2ml de caldo Sabouraud-dextrose (Difco, Detroit, MI, EUA). Incluíram-se no teste um controle positivo (controle de crescimento) e um controle negativo (controle de esterilidade). Os tubos foram incubados por sete dias a 28ºC e o crescimento foi visualmente observado. Designou-se como CFM a concentração mínima em que não ocorreu crescimento fúngico.21 Esses ensaios foram realizados em duplicata.

RESULTADOS

O perfil de sensibilidade in vitro de nove antifúngicos comercialmente disponíveis em relação a diferentes espécies de dermatófitos isolados de pacientes com insuficiência renal crônica foi avaliado segundo o ensaio de microdiluição em caldo. De acordo com a tabela 1, entre os antifúngicos azólicos, os melhores resultados para os valores de CIM referemse ao tioconazol, miconazol, itraconazol e cetoconazol. Entre eles, o tioconazol mostrou resultados bastante relevantes, visto que apresentou a menor média geométrica. O fluconazol, por sua vez, apresentou baixa atividade para todas as espécies, com exceção de T. rubrum, sendo que os valores de CIM foram elevados especialmente para as amostras da espécie M. gypseum (Gráfico 1). Quanto aos antimicóticos não azólicos testados, a terbinafina mostrou-se o agente mais eficaz, seguida do ciclopirox olamina.


DISCUSSÃO

Infecções causadas por dermatófitos são, provavelmente, as doenças fúngicas cutâneas mais comuns em seres humanos e animais.1 Nas últimas décadas, tem aumentado o número de agentes antifúngicos utilizados na prática clínica para o tratamento das dermatofitoses.22 No entanto, nem todas as espécies têm o mesmo padrão de suscetibilidade e há evidências de que os dermatófitos tenham adquirido resistência a determinados antimicóticos.16

Embora os pontos de corte para determinar a resistência desses fungos aos diferentes antifúngicos não sejam conhecidos com precisão, consideraram-se, neste estudo, os parâmetros estabelecidos pelo documento M38-A do CLSI para fungos filamentosos, o qual considera como resistência CIM > 64µg/ml para fluconazol e CIM > 8µg/ml para itraconazol e cetoconazol.18

Fluconazol mostrou a menor atividade entre todos os antifúngicos avaliados (Gráfico 1), estando de acordo com outros estudos.23,24 Além disso, 86% dos isolados de M. gypseum, 50% de T. mentagrophytes e 25% de T. interdigitale apresentaram resistência ao fluconazol, o que corrobora o estudo de Da Silva Barros e Hamdan (2005).23

No entanto, T. rubrum, a espécie mais frequente causadora de onicomicoses com altos índices de recidivas, foi mais sensível ao fluconazol do que as outras espécies avaliadas . Os resultados da presente pesquisa concordam com os de outros autores que demonstraram que a suscetibilidade de fluconazol varia muito entre as espécies (Tabela 1).16,17,24

Entre os antifúngicos de uso tópico ciclopirox olamina, miconazol, piroctona olamina e tioconazol, os melhores resultados referem-se ao tioconazol, o qual apresentou as menores médias geométricas de CIM e CFM para as espécies M. gypseum, T. interdigitale e T. rubrum (Gráficos 2, 3 e 4). Esses resultados demonstram que o efeito fungicida do tioconazol é maior que o do miconazol, conforme cita o estudo de Sobue e Sekiguchi (2004).25 As médias geométricas da CFM do cetoconazol, fluconazol e itraconazol ratificam a necessidade de elevadas concentrações desses medicamentos para obtenção do efeito fungistático, conforme se fundamenta o mecanismo dos azólicos.26 Além disso, os resultados deste estudo mostram a problemática de tratar pacientes imunocomprometidos com essa classe de antifúngicos, pois foram obtidos 53,8% de resistência para cetoconazol, 100% para fluconazol e 42,3% para itraconazol.




Quanto aos demais antifúngicos, não é possível determinar a taxa de resistência, pois a padronização da faixa de valores que corresponderiam à sensibilidade ou à resistência ainda não foi estabelecida. Entretanto, é possível observar que, entre os antifúngicos não azólicos, a terbinafina mostrou-se o mais eficaz agente antimicótico (Gráfico 5), resultado semelhante ao do estudo descrito por Favre et al.21 O ciclopirox olamina, apesar de menos potente que a terbinafina, apresentou melhores resultados de CIM e CFM em comparação com a griseofulvina e a piroctona olamina para todas as espécies (Gráfico 5).20


De modo geral, os antifúngicos mais eficazes foram tioconazol para M. gypseum e T. rubrum (Gráficos 2 e 3) e terbinafina para as demais espécies (Gráficos 4 e 6 ), inclusive para a M. canis (Gráfico 7), a qual, de acordo com os estudos de Clayton e Hay (1994), apresenta baixa sensibilidade aos antifúngicos azólicos.27 No entanto, observa-se que o perfil de sensibilidade de alguns isolados dentro da mesma espécie é variado (Gráfico 8). Essa questão reforça a importância de realizar análise de sensibilidade em, pelo menos, todas as culturas fúngicas obtidas de pacientes com micoses superficiais associadas a falha terapêutica e, por sua gravidade, em todos os casos de micoses sistêmicas.17



Assim, sabendo-se que as infecções fúngicas têm natureza progressiva e podem apresentar estágios potencialmente graves em pacientes imunodeprimidos, a identificação da espécie causadora da infecção em pacientes com dermatofitose é fundamental para a escolha do tratamento ideal, visto que a sensibilidade a um mesmo antimicótico varia entre as espécies.8 Em pacientes com insuficiência renal crônica submetidos a hemodiálise, a preocupação com o tipo de terapia e a indicação de um medicamento eficaz é ainda maior, dada a elevada prevalência de dermatofitoses que esses pacientes apresentam, seguida da alta taxa de fracasso terapêutico.7-9

A terapia oral com agentes antifúngicos como terbinafina, itraconazol, cetoconazol e fluconazol é o tratamento de escolha para dermatofitoses que não respondem às terapias com fármacos de uso tópico.16 Entretanto, o uso dessas medicações pode causar efeitos indesejáveis ao paciente: a terbinafina, apesar de apresentar baixa toxicidade, pode causar efeitos secundários gastrointestinais e cutâneos;28 já o uso de azóis apresenta desvantagens, como hepatotoxicidade e metabolização hepática via citocromo P450 (CYP), o que influi no metabolismo de outros medicamentos.9,26,28

Tais desvantagens para pacientes com insuficiência renal crônica tendem a ser muito comprometedoras em virtude da deficiência da função renal desses indivíduos.

Dessa forma, considerando-se a variação do perfil de atividade das diferentes espécies de dermatófitos em relação aos antifúngicos avaliados, torna-se imprescindível a identificação, em nível de espécie, do agente causador da infecção para a elaboração de um plano de tratamento adequado. Essa preocupação deve ser ainda maior em pacientes imunocomprometidos, visto que isolados de uma mesma espécie podem apresentar suscetibilidades distintas a um mesmo antimicótico. Para esses pacientes, em especial, a avaliação in vitro da atividade antifúngica dos medicamentos corriqueiramente indicados para tratamento de dermatofitoses pode ser uma forma de auxílio para a indicação do tipo de terapia e do fármaco mais adequado, já que os resultados desses ensaios podem prever a resistência ou a possível sensibilidade do micro-organismo.

No entanto, ainda há poucos relatos da correlação entre a atividade antimicrobiana in vitro e in vivo, visto que a resposta à terapêutica antimicrobiana in vivo pode ser afetada por diversos fatores do hospedeiro, pelo local e pela natureza da infecção, bem como pela farmacocinética do antimicrobiano, pela ligação às proteínas e pela penetração nas áreas de infecção. Em certos casos, as diferenças também são causadas por variáveis relacionadas metodologicamente nos testes de suscetibilidade in vitro.29,30 Dessa forma, deve-se salientar que o sucesso terapêutico previsto in vitro pode não ocorrer in vivo.

CONCLUSÃO

De modo geral, o perfil de sensibilidade dos antimicóticos testados seguiu o padrão de resultados mostrados por estudos anteriores, ratificando a necessidade de conhecimento da espécie causadora de dermatofitose, devido à variação do perfil de suscetibilidade entre as espécies. Além disso, os resultados da presente pesquisa demonstram a importância da realização de ensaios de sensibilidade in vitro, pois alguns isolados da mesma espécie apresentaram diferentes perfis de sensibilidade.

Recebido em 27.07.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 17.09.10.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs) pelo apoio financeiro

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  • Endereço para correspondência:
    Cheila D. O. Stopiglia
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    Trabalho realizado no laboratório de fungos patogênicos humanos do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Set 2010
    • Recebido
      27 Jul 2010
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