Resumos
Fibro-histiocitoma maligno é o sarcoma de tecidos moles mais encontrado em jovens. Raramente confina-se com exclusividade à pele e ao subcutâneo. O diagnóstico, na maioria das vezes, só é feito após excisão e estudo da peça cirúrgica. É agressivo, apresentando alto grau de recorrência local e metástases. Este artigo relata o caso de um paciente jovem com fibro-histiocitoma maligno de extremidade.
dermatofibroma; neoplasias; sarcoma
Malignant fibrous histiocytoma is the most common soft tissue sarcoma found in young adults. It is rarely confined exclusively to the skin and subcutis. In most cases it is only diagnosed after excision and analysis of the tumor. It is aggressive, presenting a high degree of local recurrence and metastasis. This article reports a case of malignant fibrous histiocytoma on an extremity of a young adult patient.
dermatofibroma; neoplasms; sarcoma
CASO CLÍNICO
Fibro-histiocitoma maligno de extremidade: relato de caso* * Trabalho realizado no Hospital das Clínicas. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Roberta Cardoso de SiqueiraI; Márcio Lobo JardimII; Valdir BandeiraIII; Rosana Maria de Cássia X. das Chagas FerreiraI; Luciano Tavares MontenegroIII; Patrícia GuimarãesI; Virgínia BatistaI;
IMédica Dermatologista
IIChefe da disciplina de Dermatologia da UFPE
IIIProfessor da disciplina de Patologia da UFPE
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Roberta Cardoso de Siqueira Av. Agamenon Magalhães, 4775 - SL. 201 CEP 50070-160 - Ilha do Leite , Recife - PE Tel.: (81) 3222-2602 / 3231-0180 - Fax: (81) 2125-7402 E-mail: robertasiqueira@allbynet.com.br
RESUMO
Fibro-histiocitoma maligno é o sarcoma de tecidos moles mais encontrado em jovens. Raramente confina-se com exclusividade à pele e ao subcutâneo. O diagnóstico, na maioria das vezes, só é feito após excisão e estudo da peça cirúrgica. É agressivo, apresentando alto grau de recorrência local e metástases. Este artigo relata o caso de um paciente jovem com fibro-histiocitoma maligno de extremidade.
Palavras-chave: dermatofibroma; neoplasias; sarcoma.
INTRODUÇÃO
Fibro-histiocitoma maligno (FHM) ou histiocitoma fibroso maligno é sarcoma de tecidos moles agressivo, que incide mais freqüentemente no músculo esquelético das extremidades, cavidade abdominal ou retroperitôneo de adultos jovens.1-6
A maioria dos FHM está localizada abaixo da fáscia. Raramente confina-se à pele e ao tecido subcutâneo.2,5,7
Dificilmente é diagnosticado antes da excisão e do exame anatomopatológico, e tem prognóstico reservado em alguns casos.1,4
Este trabalho relata o caso de um adulto jovem com FHM cutâneo e reforça a importância do diagnóstico precoce dessa neoplasia.
RELATO DO CASO
Paciente de 26 anos, do sexo masculino, comerciante, faiodérmico, natural e procedente de Recife, foi atendido na clínica dermatológica da UFPE em março de 1999. Apresentava história de lesão ulcerada no quinto quirodáctilo direito há 11 meses, sem tendência à cicatrização, apesar de todas as medidas de antissepsia local. Referia também que, um ano antes, foi submetido à exérese de pápula no mesmo local da atual lesão ulcerada. Na ocasião, o paciente foi informado ter sido tratado de "dermatofibroma", porém não foi realizado estudo anatomopatológico da peça. Logo após a cirurgia houve cicatrização da lesão com retração progressiva entre as falanges medial e proximal.
Ao exame clínico, a lesão apresentava-se como úlcera de bordas infiltradas, com fundo granuloso, vermelho-vivo, bastante friável, medindo cerca de dois centímetros de diâmetro, localizada no terço médio do quinto quirodáctilo direito (Figura 1), sugerindo, clinicamente, a hipótese diagnóstica de carcinoma epidermóide.
A partir de biópsia incisional na borda da lesão, o exame histopatológico revelou tumor formado à custa de células pleomorfas, em parte fusiformes ou poligonais. Núcleos irregularmente configurados, hipercromáticos e presença de mitoses. Rica vascularização em fendas, infiltrado por mononucleares e presença de raras células espumosas. Escassa presença de colágeno (Figuras 2 e 3).
O exame imuno-histoquímico demonstrou células pleomórficas localizadas na derme, distribuídas de forma difusa com imunofenotipagem citoplasmática positiva para os anticorpos primários Lisozima (Dako, Califórnia, EUA) e Vimentina (Dako, Califórnia, EUA) reveladas pelo método da Streptoavidina-Biotina (Dako, Califórnia, EUA), evidenciando a presença de histiócitos e fibroblastos, respectivamente, no tumor (Figuras 4 e 5). Foram ainda usados os anticorpos primários para células melanocíticas, HMB-45 (Dako, Califórnia, EUA), e para células epiteliais, Citoqueratina AE1-AE3 (Dako, Califórnia, EUA), ambos com resultados negativos.
Na radiografia da mão direita observou-se deformação do quinto quirodáctilo esquerdo, perda de partes moles em projeção da articulação interfalangeana proximal e ausência de alterações ósseas.
Cintilografia óssea revelou área focal de hiperfixação do traçador na quinta articulação interfalangeana proximal da mão direita, em grau acentuado (Figura 6). Concentração focal do marcador no lado direito da mandíbula (interpretado pela equipe de medicina nuclear da UFPE como provavelmente devido a processo inflamatório alvéolo-dentário).
Hemograma, sumário de urina, transaminases, bilirrubinas, uréia, creatinina tomografia computadorizada de crânio, radiografia de tórax e ultra-sonografia de abdômen total foram normais.
O paciente foi encaminhado ao Instituto de Medicina e do Câncer (IMEC) de Pernambuco, onde se optou pelo tratamento radical com desarticulação do quirodáctilo acometido e seguimento do paciente.
Três anos após a cirurgia não havia sinais de recidiva local ou metástases.
DISCUSSÃO
FHM tem sido reconhecido desde 1963. É sarcoma com alto grau de pleomorfismo e capacidade de produzir colágeno, mas sem outras características definidas.8 Aproximadamente dois terços desses tumores estão localizados dentro do músculo esquelético. Poucos casos de origem cutânea, como o descrito neste trabalho, têm sido reportados.9,10 Localizações excepcionais foram relatadas, como conjuntiva,11 úlcera traumática da perna, lábio inferior em local de carcinoma epidermóide tratado previamente com radioterapia, cicatrizes de cirurgias prévias,9 couro cabeludo7 e cicatrizes de queimadura.2,12,13
É classificado, quanto à localização, em superficial e profundo. A forma superficial é muito rara e está confinada à pele e ao subcutâneo, podendo estar aderida à fáscia. A forma profunda estende-se da pele ao longo da fáscia até o músculo ou pode estar localizada inteiramente dentro do músculo.4
A histogênese precisa desse tumor não foi estabelecida. Cinco subtipos histológicos distintos são reconhecidos: pleomórfico, mixóide, células gigantes, inflamatório e angiomatóide.1,14 Estudos ultra-estruturais recentes demonstram a presença de células histiocíticas e mesenquimais.15
Clinicamente e na histopatologia podem assemelhar-se a melanoma maligno, carcinoma epidermóide, dermatofibrossarcoma protuberante, fibroxantoma atípico e leiomiossarcoma. O diagnóstico torna-se possível por meio da correlação clinicopatológica, do uso de critérios adicionais da histologia e da imuno-histoquímica. A correta interpretação é importante, uma vez que prognóstico e tratamento variam significativamente nessas entidades.1,4
Excisão ampla é recomendada, devido ao alto grau de recorrência local (aproximadamente 44%) e metástases, mais comumente para os pulmões, em torno de 42% dos casos.2,5,7,8 A presença de metástase usualmente está associada a prognóstico pobre. FHM primário da pele pode ter prognóstico superior a tumor homólogo originado em tecido mole mais profundo e retroperitôneo.15
A cirurgia micrográfica de Mohs tem mostrado resultados superiores à excisão convencional no que diz respeito à recorrência local.4
Este trabalho demonstra um caso de FHM localizado em extremidade digital de paciente jovem, clinicamente sugestivo de carcinoma epidermóide. Os estudos anatomopatológicos e imuno-histoquímicos, no entanto, revelaram tratar-se de neoplasia maligna, ulcerada, infiltrante, mal diferenciada à custa de histiócitos e fibroblastos. O fato de ter sido extremamente difícil diagnosticar esse tumor antes dos exames microscópicos reforça a importância do "bem documentar".
A desarticulação do dígito foi realizada devido à grande extensão da lesão, atingindo grande parte do mesmo, e ao alto risco de recorrência local e metástases, segundo relatos na literatura.2,4,7,9,11,12 Três anos após a cirurgia não havia sinais clínicos ou laboratoriais de recidiva do tumor ou lesões a distância, reafirmando que a excisão radical desse tipo de lesão é imperativa. No entanto, talvez tivesse sido possível evitar, neste caso, a amputação de todo o quirodáctilo se, por ocasião da primeira tentativa de retirada da lesão, o cirurgião tivesse enviado a peça para exame anatomopatológico, o que teria aumentado a probabilidade se ter diagnosticado o tumor em fase mais precoce, podendo-se indicar uma excisão mais conservadora.
Recebido em 05.12.2002.
Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 07.10.2003.
- 1. Ichikawa E, Asano S, Okabe S, Itami M, Ohara K. A case of cutaneous malignant fibrous histiocytoma. J Dermatol. 1996; 23: 535-8.
- 2. Ugurlu K, Turgut G, Kabukcuoglu F, Ozcan H, Sanus Z, Bas L. Malignant fibrous histiocytoma developing in a burn scar. Burns. 1999; 25: 764-7.
- 3. De Nictolis M, Tommasoni S, Goteri G, Giangiacomi M, Attardo S, Mobili M et al. Angiomatoid malignant fibrous histiocytoma. Clinicopathologic and immunohistochemical study of a case. Minerva Chir. 1993; 48: 649-52.
- 4. Hafner J, Schutz K, Morgenthaler W, Steiger E, Meyer V, Burg G. Micrographic Surgery ('Slow Mohs') in cutaneous Sarcomas. Dermatology. 1999; 198: 37-43.
- 5. Fanburg-Smith JC, Spiro IJ, Katapuram SV, Mankim HJ, Rosenberg AE. Infiltrative subcutaneous malignant fibrous histiocytoma: a comparative study with deep malignant fibrous histiocytoma and an observation of biologic behaviour. Ann Diagn Pathol. 1999; 3: 1-10.
- 6. Rothman AE, Lowitt MH, Pfau RG. Pediatric Cutaneous malignant fibrous histiocytoma. J Am Acad Dermatol. 2000; 42: 371-3.
- 7. Camacho FM, Moreno JC, Murga M, Proano J, Cantillana J, Naranjo M et al. Malignant fibrous histiocytoma of the scalp. Multidisciplinary treatment. J Eur Acad Dermatol Venereol. 1999; 13: 175-82.
- 8. Mackie RM. Soft tissue tumors. In: Champion RH, Burton JL, Ebling FJG, editores. Textbook of Dermatology. 5th ed. Boston: Blackwell Scientific Publications; 1992. p. 2081.
- 9. Berth-Jones J, Fletcher A, Graham-Brown R. Cutaneous malignant fibrous histiocytoma. A rare but serious malignancy. Acta Derm Venereol. 1990; 70: 254-6.
- 10. Kearney MM, Soule EH, Ivins JC. Malignant fibrous histiocytoma. Cancer. 1980; 45: 167-78.
- 11. Pe'er J, Levinger S, Chirambo M, Ron N, Okon E. Malignant fibrous histiocytoma of the skin and the conjuntiva in xeroderma pigmentosum. Arch Pathol Lab Med. 1991; 115: 910-4.
- 12. Cocke WM, Tomlinson JA. Malignant fibrous histiocytoma developing in burn scar of the ear. Burns. 1993; 19: 241-3.
- 13. Yamamura T, Aozosa K, Honda T et al. Malignant fibrous histiocytoma developing in a burn scar. Br J Dermatol. 1984; 110: 725-30.
- 14. Enzinger FM. Angiomatoid malignant fibrous histiocytoma. Cancer. 1979; 44: 2147-57.
- 15. Headington JT, Niederhuber JE, Repola DA. Primary malignant fibrous histiocytoma of the skin. J Cutan Pathol. 1978; 5: 329-38.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Maio 2006 -
Data do Fascículo
Out 2004
Histórico
-
Aceito
07 Out 2003 -
Recebido
05 Dez 2002