Acessibilidade / Reportar erro

Você conhece esta síndrome?

SÍNDROME EM QUESTÃO

Você conhece esta síndrome?* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre - (RS), Brasil.

Roberto Rheingantz da Cunha FilhoI; Roberto Lopes GerviniII; André CartellIII

IMédico Dermatologista; Mestre em Saúde e Comportamento pela Universidade Católica de Pelotas - UCPel - Pelotas - (RS), Brasil

IIProfessor de Dermatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre - (RS), Brasil

IIIProfessor de Patologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre - (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Roberto Rheingantz da Cunha Filho Bela Pele Clínica Dermatológica® Rua Dr Luiz de Freitas Melro, 395 / 604 – Ed Columbia Center - Centro 89010-310 Blumenau SC Tel.: (47) 3035-4053 E-mail: robertodermatologista@yahoo.com.br

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 70 anos, em quem, a partir da terceira década de vida, surgiram pápulas em forma de domo, assintomáticas, cor da pele ou esbranquiçadas, de tamanhos não uniformes, localizadas na face, no pescoço e tronco superior (Figura 1). Nas axilas e no dorso há pápulas pediculadas castanho-claras ou cor da pele – acrocórdons (Figura 2). Antecedentes mórbidos: carcinomas basocelulares tratados com exérese com margens de segurança. Tabagista dos 18 anos aos 32 anos de idade, 10 cigarros por dia. História de “bolhas de enfizema” e pneumotórax espontâneo há 38 anos. Não há outros achados na história e no exame clínico. Sete biópsias foram realizadas sendo encontrados dois tipos de tumores no exame anatomopatológico: fibrofoliculomas – tumor com folículo dilatado e proliferação da parede epitelial, formação de cordões de células anastomosadas em estroma frouxo (Figura 3). Outro tumor foi fibroma perifolicular – epitélio folicular em estroma proeminente (Figura 4). Lesão axilar foi excisada – histologia de acrocórdon.





A tomografia computadorizada do plano da cartilagem tireóide até o assoalho pélvico mostrou: cistos e múltiplas bolhas de enfizema em ambos os pulmões, calcificação pleural e lesão nodular residual à direita – lado em que refere pneumotórax – com conteúdo cálcico (Figura 5), e doença diverticular no sigmóide. Exames de laboratório sem particularidades. O paciente negou-se a realizar colonoscopia ou estudo contrastado do intestino.


Referiu que o pai, três irmãos e uma irmã também tinham lesões semelhantes no rosto, sendo os mais afetados ele próprio e o pai. Eram 11 irmãos, um falecido por tumores disseminados na pele (não pigmentados), que não soube especificar. A irmã afetada tinha 80 anos e apresentava lesões semelhantes que iniciaram após os 30 anos de idade (Figura 6) Os exames anatomopatológicos demonstraram fibromas perifoliculares. Não apresentava outras alterações clínicas, laboratoriais ou de imagem. O manejo tem sido a orientação e o acompanhamento médico com ênfase para possíveis enfermidades associadas.


COMENTÁRIOS

Em 1977, o dermatologista Birt, o patologista Hogg e o médico internista Dubé descreveram a síndrome que leva seus nomes, caracterizada por erupção de tumores na face, no pescoço e tronco superior, com herança autossômica dominante.1 As lesões são fibrofoliculomas, tricodiscomas e acrocórdons. Essa descrição estava associada com câncer de tireóide. Ao longo dos últimos 28 anos, descobriram-se novas e mais freqüentes associações, características histopatológicas e mutações genéticas da síndrome.

Esses três tumores do tecido conjuntivo perifolicular são indistinguíveis clinicamente, apresentam-se como pápulas lisas, cor da pele ou róseas e quase sempre assintomáticas.2 Quanto aos aspectos histológicos, há duas considerações: fibrofoliculoma é o tumor mais freqüente, segundo as evidências disponíveis; há controvérsias em relação à existência desses três tipos de tumores, pois há possibilidade de serem apenas interpretações diferentes de uma mesma lesão conforme o corte histológico adotado. Schulz e Hartschuh3 demonstraram que fibrofoliculomas e fibromas perifoliculares representam a mesma lesão, porém por planos de secção diferentes. O corte horizontal dá a interpretação de fibroma perifolicular, e o corte vertical, de fibrofoliculoma. Collins e cols.4 demonstraram, mediante imuno-histoquímica, que fibrofoliculoma e tricodiscoma possuem a mesma origem, e as diferenças morfológicas são sutis.

Já foram descritos tricodiscomas múltiplos familiares,5 fibrofoliculomas múltiplos familiares,6 fibromas perifoliculares familiares,7 associação de fibrofoliculoma, tricodiscoma e fibroma perifolicular.8

A associação inicial com carcinoma de tireóide foi descrita apenas no original de Birt-Hogg-Dubé. As ligações mais consistentes são com neoplasia de rim e pneumotórax espontâneo.9,10 Estudo recente indicou risco relativo de nove vezes de neoplasia de rim e até 50 vezes de pneumotórax espontâneo, sendo influenciado pela idade mais avançada do paciente.11 Existem relatos com neoplasia endócrina múltipla tipo II,9 carcinoma basocelular,9 polipose intestinal,5,7,9 bolhas de enfisema,10 cistos pulmonares,10 oncocitoma de parótida,12 nevo do tecido conjuntivo, lipoma, angiolipoma e adenoma de parótida.13 O paciente em questão tem associações já descritas na literatura: pneumotórax, cistos e bolhas de enfisema, e carcinoma basocelular.

Identificaram-se mutações no gene 17p11.2 que resultam na produção de uma proteína anormal, a foliculina, encontrada em pele, pulmões e rins. Isso poderá explicar as associações observadas.10

O tratamento pode ser realizado com YAG laser, laser de CO2 e eletrocauterização com resultados irregulares.14 Aconselhamento genético e controle clínico dos pacientes são essenciais.

REFERÊNCIAS

1. Birt AR, Hogg GR, Dubé WJ. Hereditary multiple fibro-folliculomas with tridiscomas and acrochordons. Arch Dermatol. 1977;113:1674-7.

2. Elder D, Elenitsas R, Jaworsky C, Johson B, editors. Lever´s Histopathology of the skin. 8th ed. Philadelphia: Lippicontt-Raven Publishers; 1997.

3. Schulz T, Harstchuh W. Birt Hogg Dubé Syndrome and Horntein Knickenberg Syndrome are the same. Different sectioning technique as the cause of different histology. J Cutan Pathol. 1999;26:55-61.

4. Collins GL, Somach S, Morgan MB. Histomorphogic and immunophenotypic analysis of fibrofolliculomas and trichodiscomas in Birt Hogg Dubé Syndrome and sporadic disease. J Cutan Pathol. 2002;29:529-33.

5. Le Guyadec T, Dufau JP, Pulain JF, Vaylet F, Grossin M, Lanternier G. Multiple trichodiscomas associated with colonic polyposis. Ann Dermatol Venereol. 1998;125:717-9.

6. Starink TM, Brownstein MH. Fibrofolliculoma: Solitary and multiple types. J Am Acad Dermatol. 1987;17:493-6.

7. Binet O, Robin J, Vicart M, Ventura G, Beltzer-Garelly E. Fibromes périfolliculaires polypose colique familiale pneumothorax spontanés familiaux. Ann Dermatol Venereol. 1986;113:928-30.

8. Korge BP, Smola H, Schulze HJ. Multiple perifollicular fibromas, fibrofolliculomas, trichodiscomas and association with scars of chorioretinitis and colon polyp (Hornstein-Birt-Hogg-Dubé-syndrome). Hautarzt. 1996;47:129-31.

9. Toro JR, Glenn G, Duray P, Darling T, Weirich G, Zbar B, et al. Birt Hogg Dubé Syndrome. A novel marker of kidney neoplasia. Arch Dermatol. 1999;135:1195-202.

10. Schmidt LS, Warren MB, Nickerson ML, Weirich G, Matrosova V, Toro JR, et al. Birt Hogg Dubé Syndrome, a genodermatosis associated with spontaneous pneumothorax and Kidney neoplasia, maps to chromossome 17p11-2. Am J Hum Genet. 2001;69:876-82.

11. Zbar B, Alvord WG, Glenn G, Turner M, Pavlovich CP, Schmidt L, et al. Risk of renal and colonic neoplasms and spontaneous pneumothorax in the Birt-Hogg-Dubé syndrome. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2002;11:393-400.

12. Liu V, Kwan T, Page EH. Parotid oncocytoma in the Birt-Hogg-Dubé syndrome. J Am Acad Dermatol. 2000; 43: 1120-2.

13. Chung JY, Ramos-Caso FA, Beers B, Ford MJ, Flowers F. Multiple lipomas, angiolipomas and parathyroid adenomas in a patient with Birt Hogg Dubé Syndrome. Int J Dermatol. 1996;35:365-8.

14. Jacob CI, Dover JS. Birt-Hogg-Dubé syndrome: treatment of cutaneous manifestations with laser skin resurfacing. Arch Dermatol. 2001;137:98-9.

Recebido em 16.01.2004.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 02.03.2005.

  • Endereço para correspondência
    Roberto Rheingantz da Cunha Filho
    Bela Pele Clínica Dermatológica®
    Rua Dr Luiz de Freitas Melro, 395 / 604 – Ed Columbia Center - Centro
    89010-310 Blumenau SC
    Tel.: (47) 3035-4053
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre - (RS), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br