Acessibilidade / Reportar erro

Histiocitose de células de Langerhans com acometimento vulvar e com resposta terapêutica à talidomida: relato de caso

Resumos

A histiocitose de células de Langerhans é representante de um raro grupo de síndromes histiocitárias, sendo caracterizada pela proliferação das células de Langerhans. Suas manifestações variam de lesão solitária a envolvimento multissistêmico, sendo o acometimento vulvar incomum. Segue-se o relato de caso refratário da doença limitada à pele, em mulher de 57 anos. A paciente apresentava história de pápulas eritematosas ulceradas em couro cabeludo, face, vulva, tronco e axila há seis anos. O diagnóstico da doença é difícil, sendo confirmado neste caso através de estudo imuno-histoquímico e se obteve resposta terapêutica e eficaz, com a administração de talidomida

Histiocitose; Histiocitose de células de Langerhans; Histiócitos


Langerhans cell histiocytosis is a member of a group of rare histiocytic syndromes and is characterized for the proliferation of histiocytes called Langerhans'cells. Its manifestations vary from a solitary injury to systemic involvement, and vulvar lesions are uncommon. We describe a refractory case of cutaneous limited disease in a 57-year-old woman. She presented with a 6-year history of an erythematous papular eruption of the scalp, face, vulva, trunk and axillae. The diagnosis is difficult and in this case it was confirmed through immunohistochemical study and clinical improvement was achieved with thalidomide

Histiocytes; Histiocytosis; Histiocytosis, Langerhans-cell


CASO CLÍNICO

Histiocitose de células de Langerhans com acometimento vulvar e com resposta terapêutica à talidomida : relato de caso* * Trabalho realizado no: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC - UFG) - Goiânia (GO), Brasil.

Lana Bezerra FernandesI; Jackeline Gomes GuerraII; Maurício Barcelos CostaIII; Isadora Guimarães PaivaI; Fernanda Paglia DuranIV; Diogo Neves JacóV

IMédica residente em dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC -UFG) - Goiânia (GO), Brasil

IIDoutora em Dermatologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Profa. Adjunta do Depto. de Medicina Tropical e Dermatologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública - Universidade Federal de Goiás (IPTSP - UFG) - Chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC -UFG) - Goiânia (GO), Brasil

IIIMestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública - Universidade Federal de Goiás (IPTSP - UFG) - Profº. e chefe do serviço de Patologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC - UFG) - Goiânia (GO), Brasil

IVAcadêmica de medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) - Goiânia (GO), Brasil

VMédico em radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC - UFG) - Goiânia (GO), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lana Bezerra Fernandes Primeira Avenida, s/n - Setor Leste Universitário Goiânia - Goiás (GO). CEP: 74.605-020 E-mail: lanabezerra@hotmail.com

RESUMO

A histiocitose de células de Langerhans é representante de um raro grupo de síndromes histiocitárias, sendo caracterizada pela proliferação das células de Langerhans. Suas manifestações variam de lesão solitária a envolvimento multissistêmico, sendo o acometimento vulvar incomum. Segue-se o relato de caso refratário da doença limitada à pele, em mulher de 57 anos. A paciente apresentava história de pápulas eritematosas ulceradas em couro cabeludo, face, vulva, tronco e axila há seis anos. O diagnóstico da doença é difícil, sendo confirmado neste caso através de estudo imuno-histoquímico e se obteve resposta terapêutica e eficaz, com a administração de talidomida.

Palavras-chave: Histiocitose; Histiocitose de células de Langerhans; Histiócitos

INTRODUÇÃO

A histiocitose de células de Langerhans (HCL) é definida como proliferação clonal das células de Langerhans, em diversos tecidos, e sua etiopatogenia é desconhecida.1,2,3 Tem incidência estimada em 1:200.000, sendo, raramente, vista em adultos.4 Acomete cerca de duas vezes mais o sexo masculino, com tendência a maior agressividade em mulheres.5 A apresentação clínica da HCL é muito variável, praticamente, todos os tecidos podem ser acometidos pela doença, pois pode manifestar-se como lesão isolada em um único órgão ou como doença disseminada com disfunção orgânica. A doença sistêmica ocorre, mais frequentemente, em lactentes; 60% a 70% dos casos são diagnosticados em menores de dois anos. Já a HCL confinada ao osso tende a ocorrer em crianças acima de dois anos, mas 50% dos casos ocorrem naquelas abaixo de cinco anos. Os locais mais comumente envolvidos são: os ossos, a pele e os linfonodos.6 O acometimento ósseo é o mais observado, apresentando- se como lesões osteolíticas em ossos chatos, mais habitualmente, no crânio.7 Seguem-se em ordem de frequência as lesões pulmonares e cutâneas, sendo não usual o envolvimento primário e exclusivo da pele. 8 A doença no trato genital é bastante incomum e a vulva é o principal sítio envolvido. Estudo recente identificou apenas 52 casos com acometimento genital, descritos na literatura até sua conclusão.9,10 Relata-se caso raro de HCL em paciente feminina, adulta, apresentando envolvimento cutaneomucoso, de diversos sítios, incluindo a vulva, sem lesões ósseas típicas e com boa resposta ao tratamento com talidomida.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, sessenta anos, branca, há seis anos apresentava pápulas eritematosas recidivantes nos grandes e pequenos lábios e com ardência local. Após dois anos do início do quadro, surgiram, nos mesmos locais, lesões semelhantes a nódulos secretantes, que evoluíram com ulceração dolorosa, sinéquias esparsas e traves fibróticas cicatriciais, alterando a conformação vulvar fisiológica (Figura1).


Associadas ao quadro descrito, surgiram pápulas eritematodescamativas e pruriginosas, na face, próximas à implantação do cabelo e ulcerações em couro cabeludo e região temporal, além de tumefação glandular em axila esquerda com formação de fibrose e drenagem de secreção purulenta, semelhante a um quadro de hidradenite (Figura2). Há dois anos, também com lesão ulcerada em mucosa oral, indolor e persistente, além de otalgia e otorreia recorrentes.


Aos exames laboratoriais: hemograma, proteína C reativa, funções hepática e renal normais; VDRL e sorologias para hepatites B e C e HIV não reagentes; fator antinúcleo, fator reumatoide e antiENA negativos; cultura de secreção de ouvido, colhida por swab, positivo para Pseudomonas aeruginosa e de secreção axilar para Staphylococcus aureus. Radiografias de crânio, quadril, ossos longos e tórax normais e tomografia computadorizada de cabeça e pescoço sem alterações.

O exame histopatológico de fragmento do grande lábio demonstrou epiderme com grandes áreas de ulceração, derme adjacente infiltrada por numerosas células (algumas volumosas, com citoplasma eosinofílico abundante e núcleos claros, alguns deles com formato reniforme e nucléolos evidentes) permeadas por eosinófilos e neutrófilos e moderado infiltrado inflamatório mononuclear perilesional (Figura 3).


O estudo imuno-histoquímico apresentou CD20, CD03 e CD10 positivos em subpopulação de linfócitos, CD34 positivo em vasos, e proteína S-100, KI-67 e CD1a positivos nas células estudadas, confirmando o diagnóstico de HCL (Figura 4).


Foi iniciado o tratamento com dexametasona tópica e talidomida 100mg/dia, com resolução completa das lesões cutâneas em quatro meses (Figura 5). Feita tentativa de suspensão total da talidomida, com piora importante do quadro e retorno para dose de manutenção de 50mg/dia até os dias atuais, com boa tolerância.


DISCUSSÃO

A HCL é também conhecida como histiocitose X, termo proposto por Lichtenstein, em 1953, reunindo as três formas da doença descritas até então: Granuloma Eosinofílico - acúmulo benigno de histiócitos com localização primária óssea, mas podendo comprometer outros órgãos como pele, pulmões e linfonodos; doença de Hand-Schüller-Christian forma crônica e progressiva, cursando com lesões ósseas no crânio, exoftalmia e diabetes insidus, além de comprometimento de outros órgãos; doença de Letterer-Siwe, forma aguda, disseminada e frequentemente fatal, com múltiplo envolvimento visceral. 3 Tal classificação segue em desuso, sendo recomendada apenas a descrição dos sítios comprometidos.1

Tem etiologia desconhecida, sendo cogitada possível condição secundária a infecções virais ou alterações imunológicas, apesar de também questionáveis origens neoplásica e genética.1,4,6,7,9 Podem ocorrer em qualquer idade, mas tem pico de incidência entre 1 e 3 anos.2 Os pacientes com lesões focais, geralmente, apresentam faixa etária maior que aqueles com doença multissistêmica.2 A associação da HCL com doenças malignas tem sido observada, em frequência maior, podendo estar associada a leucemias agudas, síndrome mielodisplásica, doença de Hodgkin e tumores sólidos (adenocarcinoma de pulmão, retinoblastoma), em sua maioria com diagnóstico concomitante.9

O caso relatado é uma apresentação incomum de HCL em paciente do sexo feminino, de início na idade adulta, com acometimento predominantemente cutaneomucoso e sem lesões ósseas típicas da doença. O acometimento cutâneo se caracteriza por erupção papular, frequentemente crostosa, ulcerada ou hemorrágica, distribuída em áreas seborreicas (couro cabeludo, orelhas e tronco superior). São também comuns placas ulceradas em áreas intertriginosas.10 As lesões vulvares são, geralmente, múltiplas úlceras, mas podem ocorrer também pápulas, rash pruriginoso, nódulos ou infiltração.4

O diagnóstico definitivo de HCL faz-se conjugando aspectos clínicos e achados histológicos e imuno-histoquímicos. A doença compartilha os mesmos aspectos histológicos, em todas as suas formas clínicas, os quais se caracterizam por proliferação das células de Langerhans, associada a infiltrado de polimorfonucleares, eosinófilos, neutrófilos, histiócitos e linfócitos, dependendo da duração da lesão.3,4 A confirmação do diagnóstico é obtida com a imuno-histoquímica positiva para CD1a e proteína S100, como observado neste caso, ou quando organelas citoplasmáticas (grânulos de Birbeck) são vistos à microscopia eletrônica.1,3,10

A terapêutica ideal para a HCL ainda não foi estabelecida, havendo debate sobre o uso de drogas citotóxicas ou imunomodulatórias.9 A variante clínica da doença, e o fato de 10 a 20% dos pacientes apresentarem regressão espontânea da afecção, dificultam estudos comparativos entre terapias diferentes e, portanto, a maioria das opções disponíveis se baseia em pequenos relatos de caso.2,3,4, 8,10 Alguns sugerem que o tratamento deve ser conservador e limitado àqueles com sintomas constitucionais, disfunção de órgãosalvo ou, então, baseado nos fatores prognósticos, tais como: a idade, a extensão da doença, os locais comprometidos e as complicações.3,5,7

Para doença unifocal, como lesões de pele ou ósseas, a conduta é expectante ou é instituído tratamento menos agressivo, com curetagem ou tópicos a base de corticoides e mostarda nitrogenada.1,7 A radioterapia local, em baixas doses, pode ser combinada a quimioterápicos, em casos com acometimento ósseo mais extenso.7 A prednisona é a droga de escolha, no caso de envolvimento pulmonar.7 Nas lesões cutâneas extensas, pode-se fazer uso de corticoterapia sistêmica, em baixas doses, e quimioterápicos (em geral, droga única, sendo as principais: a vimblastina, o metotrexato e o etoposídeo).1,7,9

Mais recentemente, alguns estudos mostraram boa resposta com o uso de talidomida.6,11 Esta é uma droga com efeito anti-inflamatório e antineoplásico, que atua através da inibição da produção de TNF e IL6, cuja expressão se encontra aumentada na HCL. 6,11 Tal mecanismo de ação é favorecido por relatos de melhora da HCL, com bloqueadores de TNF como o etanercept.6,11 A remissão da doença ocorre, em geral, em um a três meses de tratamento, sendo comum a recorrência após a suspensão da droga.11 A talidomida parece conduzir a rápida cicatrização das lesões cutaneomucosas, porém, é menos efetiva para manifestações extracutâneas.6 O principal efeito colateral da talidomida é a teratogenicidade, assim, mulheres em idade fértil têm que ser alertadas a não engravidarem durante o uso da talidomida (a legislação brasileira não permite a prescrição para mulheres em idade fértil que possam engravidar).6 A neuropatia periférica é também efeito colateral possível, aparentemente dosedependente e, geralmente, não observada nos relatos de seu uso para tratamento de HCL.6,11 Como vantagens do uso da talidomida, temos: o efeito rápido, a comodidade do uso via oral e possível por anos e o custo baixo.11

O prognóstico da HCL é pior, em menores de dois anos, e as formas com lesões exclusivamente cutâneas e/ou ósseas tendem a uma melhor evolução.1,2 A morbidade ocorre pelas distorções estruturais relacionadas à doença, tais como: a fibrose pulmonar, a cirrose hepática, as disfunções glandulares e cognitivas. 1,5 O seguimento deve ser feito por tempo indefinido, já que o comportamento após remissão da doença é imprevisível, podendo ser detectada doença sistêmica ou malignidade concomitante.7,9

Apesar de rara, felizmente, na maioria dos casos, a HCL apresenta evolução benigna. Entretanto, há pacientes que apresentam evolução dramática com comprometimento da sua qualidade de vida, como o caso aqui relatado. Assim, é de grande importância que se consiga o diagnóstico precoce da doença, com instituição de terapêutica adequada, para evitar quadros cicatriciais e sequelas definitivas.

Recebido em 23.12.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 05.02.2011.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1
    Quattrino AL, Silveira JCG, Diniz C, Briggs MC, Vilar E. Histiocitose de células de Langerhans: relato de caso e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2007;82:337-41.
  • 2
    Götz G, Fichter J. Langerhans'-cell histiocytosis in 58 adults. Eur J Med Res. 2004;9:510-4.
  • 3
    3) Magno JCC, D'Almeida DG, Magalhães JP, Pires VJ, Araújo ML, Miranda CB, et al. Histiocitose de Células de Langerhans em Margem Anal: Relato de Caso e Revisão da Literatura. Rev Bras Coloproct. 2007;27:83-8.
  • 4
    Pan Z, Sharma S, Sharma P. Primary langerhans cell histiocytosis of the vulva: report of a case and brief review of the literature. Indian J Pathol Microbiol. 2009;52:65-8.
  • 5
    Nezelof C, Basset F. An hypothesis Langerhans cell histiocytosis: the failure of the immune system to switch from an innate to an adaptive mode. Pediatr Blood Cancer. 2004;42:398-400.
  • 6
    Kolde G, Schulze P, Sterry W. Mixed response to thalidomide therapy in adults: two cases of multisystem Langerhans' cell histiocytosis. Acta Derm Venereol. 2002;82:384-6.
  • 7
    Carneiro Filho JO, Leite MS, Andrade Neto JM. Histiocitose X (Síndrome de HandSchuller-Christian): relato de caso. Radiol Bras. 2002;35:109-12.
  • 8
    Howarth DM, Gilchrist GS, Mullan BP, Wiseman GA, Edmonson JH, Schomberg PJ. Langerhans cell histiocytosis: diagnosis, natural history, management, and outcome. Cancer. 1999;85:2278-90.
  • 9
    Walia SS, Gayer K. An unusual presentation of refractory cutaneous Langerhans cell histiocytosis in an adult. J Drugs Dermatol. 2006;5:174-7.
  • 10
    Sander CS, Kaatz M, Elsner P. Successful treatment of cutaneous langerhans cell his tiocytosis with thalidomide. Dermatology. 2004;208:149-52.
  • 11
    Conias S, Strutton G, Stephenson G. Adult cutaneous Langerhans cell histiocytosis. Australas J Dermatol. 1998;39:106-8.
  • Endereço para correspondência:
    Lana Bezerra Fernandes
    Primeira Avenida, s/n - Setor Leste Universitário
    Goiânia - Goiás (GO). CEP: 74.605-020
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC - UFG) - Goiânia (GO), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      23 Dez 2010
    • Aceito
      05 Fev 2011
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br