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Cútis laxa granulomatosa: relato de caso

Granulomatous slack skin: a case report

Resumos

A cútis laxa granulomatosa é variante de linfoma T cutâneo com características histopatológicas semelhantes às da micose fungóide, além da presença de infiltrado granulomatoso e perda de fibras elásticas. Caracteriza-se clinicamente por placas endurecidas, eritêmato-vinhosas, que evoluem para flacidez cutânea, acometendo preferencialmente as regiões axilar e inguinal. Em mais da metade dos casos há associação com linfoma de Hodgkin. Relata-se o caso de paciente de 47 anos com cútis laxa granulomatosa, com manifestação sistêmica, que respondeu parcialmente à terapia com interferon-alfa e corticosteróides.

Cútis laxa; Linfoma de células T; Micose fungóide


Granulomatous slack skin is a cutaneous T cell lymphoma variant with histopathologic findings similar to those of mycosis fungoides, in addition to granulomatous infiltrate and loss of dermal elastic tissue. Clinically, it begins with indurated purplish plaques that evolve into areas of hanging bulky skin masses, preferentially affecting axillary and inguinal folds. In more than half of cases there is an association with Hodgkin’s disease. Here, we report the case of a 47-year-old woman with granulomatous cutis laxa and systemic manifestations that partially responded to therapy with interferon alpha and steroids.

Cutis laxa; Lymphoma, T-cell; Mycosis fungoides


CASO CLÍNICO

Cútis laxa granulomatosa – Relato de caso* * Trabalho realizado no departamento de Clínica Médica – seção Hematologia do Hospital Geral de Goiânia (HGG) – Goiânia (GO), Brasil Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None

Granulomatous slack skin – A case report

Maria do Rosário Ferraz RobertiI; Cristiane Araújo TumaII

IDoutora em Clínica Médica pela Universidade de São Paulo. Professora da disciplina de Práticas Integradoras da Universidade Federal de Goiás. Médica Hematologista do Hospital Geral de Goiânia – Goiânia (GO), Brasil

IIEspecialista em Hematologia e Hemoterapia. Médica Hematologista do Hospital Geral de Goiânia – Goiânia (GO), Brasil. Professora da disciplina de Práticas Integradoras da Universidade Federal de Goiás – Goiânia (GO), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria do Rosário Ferraz Roberti Rua L, nº. 53, apto. 501, Setor Oeste. 74120 050 - Goiânia – GO Tel.: (62) 3229-0004 E-mail: familia.roberti@ig.com.br

RESUMO

A cútis laxa granulomatosa é variante de linfoma T cutâneo com características histopatológicas semelhantes às da micose fungóide, além da presença de infiltrado granulomatoso e perda de fibras elásticas. Caracteriza-se clinicamente por placas endurecidas, eritêmato-vinhosas, que evoluem para flacidez cutânea, acometendo preferencialmente as regiões axilar e inguinal. Em mais da metade dos casos há associação com linfoma de Hodgkin. Relata-se o caso de paciente de 47 anos com cútis laxa granulomatosa, com manifestação sistêmica, que respondeu parcialmente à terapia com interferon-alfa e corticosteróides.

Palavras-chave: Cútis laxa; Linfoma de células T; Micose fungóide

ABSTRACT

Granulomatous slack skin is a cutaneous T cell lymphoma variant with histopathologic findings similar to those of mycosis fungoides, in addition to granulomatous infiltrate and loss of dermal elastic tissue. Clinically, it begins with indurated purplish plaques that evolve into areas of hanging bulky skin masses, preferentially affecting axillary and inguinal folds. In more than half of cases there is an association with Hodgkin’s disease. Here, we report the case of a 47-year-old woman with granulomatous cutis laxa and systemic manifestations that partially responded to therapy with interferon alpha and steroids.

Keywords: Cutis laxa; Lymphoma, T-cell; Mycosis fungoides

INTRODUÇÃO

A cútis laxa granulomatosa (CLG) é enfermidade rara, caracterizada por progressão lenta de placas endurecidas que evoluem para lesões pendulares nas dobras cutâneas, preferencialmente nas regiões axilares e inguinais. Observa-se nas lesões iniciais denso infiltrado de monócitos e linfócitos T na derme, permeado por eosinófilos e, eventualmente, plasmócitos e linfócitos B. Tardiamente, encontram-se linfócitos cerebriformes entre as células inflamatórias, células gigantes e células epitelióides, apresentando em seu interior fibras elásticas fagocitadas, o que resulta em flacidez cutânea. A concomitância de CLG e outras desordens linfoproliferativas pode ocorrer em aproximadamente metade dos casos.1 Alguns estudos revelaram clonalidade em oito pacientes,2,3 fato que corrobora a possibilidade de se tratar de linfoma T cutâneo indolente.

RELATO DO CASO

Mulher branca, de 47 anos, com lesões cutâneas há oito anos iniciadas em regiões axilar e inguinal, progredindo para abdômen inferior e mama direita. Ao exame, observavam-se placas eritêmato- violáceas na face medial dos membros superiores, regiões axilares, inguinais e pubiana (Figura 1). A pele era atrófica, enrugada, com telangiectasias, xerótica, com descamação difusa e sem ulcerações. Havia assimetria mamária (Figura 2) devida ao comprometimento cutâneo. A pele era frouxa e pendular nas regiões axilar e inguinal e nas fossas antecubitais (Figura 3). O espaço de Traube estava ocupado, e não havia linfonodomegalias. O acometimento foi tratado inicialmente como hanseníase, sem melhora. Por questões estéticas, a paciente foi submetida à dermolipectomia da região axilar, em junho de 2001. O exame histopatológico da lesão demonstrou processo inflamatório crônico, com grande número de células gigantes do tipo Langhans e do tipo corpo estranho (Figura 4). Não foram identificados bacilos álcool-ácido-resistentes (BAAR) ou fungos. O estudo imuno-histoquímico mostrou infiltrado linfóide T, com positividade para CD45RO e CD3 nos linfócitos e CD68 nas células gigantes multinucleadas, além de negatividade para CD20. Apresentava plaquetopenia leve (95 x 109/L), sem evidência de infiltração medular ou doença auto-imune. Não foram observadas células de Sézary no sangue periférico ou na medula óssea. Os exames bioquímicos permaneceram normais do diagnóstico até os dias atuais. As sorologias para hepatite B e C, HIV e HTLV1 foram negativas. A tomografia computadorizada do abdômen revelou apenas esplenomegalia. O cariótipo das células cutâneas não foi realizado. Baseado no quadro clínico e histopatólogico, concluiu- se pelo diagnóstico de CLG. A paciente foi tratada com prednisona 60mg/dia por 15 dias e 30mg/dia por mais 15 dias, e interferon 2α três vezes por semana, sendo 6.000.000U nas primeiras oito semanas e 3.000.000 nas 16 semanas subseqüentes. Houve melhora do eritema e estabilização das lesões cutâneas. A plaquetopenia permaneceu estável durante todo o seguimento. A esplenomegalia manteve-se inalterada. A paciente encontra-se viva há sete anos e 10 meses desde o início dos sintomas, sem sinais de progressão da enfermidade ou evidência de doenças linfoproliferativas concomitantes. Não houve recorrência nas áreas submetidas à exérese cirúrgica.





DISCUSSÃO

Em 1973, Convit e cols. descreveram, pela primeira vez, dermatose que se apresentava com placas endurecidas, com características de cútis laxa. Histopatologicamente, essas lesões apresentavam infiltrado granulomatoso peculiar em toda a derme,4 sendo esse considerado o primeiro relato de CLG.

A CLG é entidade rara, caracterizada pelo aparecimento de placas indolores, eritematosas ou violáceas, com superfície atrófica, que usualmente acomete as regiões axilar e inguinal, sendo mãos e pálpebras pouco acometidos. A apresentação extracutânea ocorre com menos freqüência, sendo o baço e linfonodos os mais acometidos,1 podendo ocorrer infiltração da mucosa brônquica.5 Com a evolução, as lesões cutâneas progridem para massas tumorais flácidas e pendulares.2 Nesse estádio, a pele torna-se enrugada e macia. Ulcerações ocorrem eventualmente. 6,7 O caso aqui descrito apresentava localização cutânea preferencial e esplenomegalia, sem evidência de doença em outros sítios anatômicos.

A idade de aparecimento da CLG varia desde a infância7,8 até a idade adulta,1,8,9 com média de 37 anos, sendo 2,9 vezes mais freqüente no sexo masculino. 1,2,6,10 O tempo médio de instalação da doença é variável. Embora a descrição da CLG em caucasianos seja predominante, há relatos em pacientes orientais 3 e indianos.11

Do ponto de vista histopatológico, as lesões iniciais mostram infiltrado linfo-histiocítico, confinado principalmente à derme superior. Os linfócitos são de pequeno a médio porte com núcleo pouco convoluto e hipercromático. Os achados mais proeminentes dessa doença incluem a perda dos tecidos reticular e elástico da derme e células gigantes multinucleadas com fagocitose das fibras elásticas.1,2,6,9 Nas lesões tardias, observa-se infiltrado linfocitário, localizado na derme e no tecido celular subcutâneo. 1 Células linfóides com epidermotropismo também são observadas, e microabscessos de Pautrier podem ser encontrados. Células gigantes multinucleadas são vistas nas lesões tardias, espalhadas dentro do infiltrado, com núcleos aleatoriamente distribuídos no citoplasma; porém, arranjos periféricos também são descritos. Podem ser observados eosinófilos, plasmócitos e linfócitos B em meio ao infiltrado. 1 Os achados histopatológicos da pele do caso descrito demonstraram a presença de infiltrado linfo-histiocítico, com perda dos tecidos elástico e reticular da derme. Células gigantes com material elástico em seu interior também foram observadas. Na biópsia subseqüente não houve alteração no padrão histopatológico ou concomitância de micose fungóide no material.

O infiltrado linfocítico consiste principalmente de células CD3+/CD4+/CD45RO+.1,2,6,7,10,11 A perda de determinantes antigênicos, tais como CD3, CD5 e CD7 tem sido descrita.1,7,8 As células gigantes presentes no granuloma expressam CD141,8 e CD68.1,2,6,8-11 Nessa paciente, o quadro clínico associado às alterações histopatológicas e imuno-histoquímicas confirmam o diagnóstico de CLG.

O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com a micose fungóide granulomatosa (MFG), em que se observa distribuição de placas e nódulos por toda a pele, sem preferência por áreas flexurais.9 Do ponto de vista histopatológico, a CLG envolve a derme e o subcutâneo, enquanto a MFG apresenta afinamento da derme, podendo o tecido celular subcutâneo não estar envolvido.9 A presença de granulomas na CLG é sempre exuberante e na MFG em geral é focal.8 As células gigantes multinucleadas são sempre abundantes e distribuídas por toda a lesão cutânea, podendo conter acima de 40 núcleos por célula na CLG; na MFG a infiltração é focal, com quantidade menor de núcleos por célula, em geral de cinco a 10.1,8,12 Os microabscessos de Pautrier presentes na MF raramente são encontrados na CLG.1 Quanto à linfofagocitose, na CLG está sempre presente e na MFG é variável.8,9 Infiltrado mononuclear histiocitário ao redor das células gigantes multinucleadas é encontrado na CLG , mas é pouco observado na MFG.9 As fibras elásticas estão ausentes, com alargamento da derme na CLG, e na MFG há perda variável das fibras elásticas.1,9,12,13

Além da MFG, outras doenças que se acompanham de granulomas deveriam ser consideradas no diagnóstico diferencial, tais como sarcoidose8 e hanseníase. A paciente foi inicialmente tratada como se apressentasse hanseníase, sem melhora. A presença de granulomas cutâneos em área endêmica de hanseníase pode induzir ao erro diagnóstico e atraso no tratamento.11

A trissomia do cromossomo 8 já foi demonstrada nas células tumorais da CLG.2,10 Essa alteração cromossômica está associada com a patogênese do linfoma de Hodgkin (LH), assim como dos linfomas não Hodgkin, leucemias e sarcoma de Ewing.6,8 Rearranjos para os genes TCR β6,9 e TCR δ7 nas lesões cutâneas da CLG têm sido encontrados, confirmando a possibilidade de doença clonal T. A clonalidade não pôde ser estabelecida em todos os casos,8 havendo desacordo na literatura quanto à possibilidade de se firmar diagnóstico de linfoma cutâneo. No caso descrito, não foi possível avaliar a clonalidade.

A associação da CLG com outras neoplasias, principalmente com LH, é descrita.1,8 A paciente, até o presente momento, não apresentasse associação com qualquer outro tipo de neoplasia.

O tratamento ainda não pode ser estabelecido com precisão, já que é pequeno o número de casos descritos. O uso do interferon α é eficaz,1 porém nos casos refratários, o interferon γ tem-se demonstrado alternativa no tratamento.3 O uso do interferon α nessa paciente apenas melhorou o quadro de hiperemia cutânea. Outras modalidades de tratamento tópico ou sistêmico podem ser empregadas, com mono ou poliquimioterapia, uso de corticosteróides, azatioprina e psoraleno-UVA.1,2,8 A exérese das lesões é paliativa, já que há tendência a recidivas.1 Até o presente momento, não houve recrudescimento nas áreas submetidas ao tratamento cirúrgico. A radioterapia oferece pouco benefício nessa doença.9

A CLG tem evolução lenta, sendo descritos casos com mais de 10 anos. A paciente apresenta, até o presente momento, sete anos e 10 meses de seguimento clínico, sem progressão da doença ou evidência de outra neoplasia concomitante.

Na metade dos casos de CLG descritos há associação com doenças linfoproliferativas, sendo a maioria LH.1,8 A CLG não apresenta risco de vida, porém sua associação com doenças linfoproliferativas malignas pode determinar o prognóstico.1,8,11

Recebido em 10.07.2006

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 14.09.2007

Suporte financeiro: Nenhum / Financial funding: None

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  • Endereço para correspondência
    Maria do Rosário Ferraz Roberti
    Rua L, nº. 53, apto. 501, Setor Oeste.
    74120 050 - Goiânia – GO
    Tel.: (62) 3229-0004
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    Trabalho realizado no departamento de Clínica Médica – seção Hematologia do Hospital Geral de Goiânia (HGG) – Goiânia (GO), Brasil
    Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Set 2007
    • Recebido
      10 Jul 2006
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