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A terminologia relativa à hanseníase

Resumos

A padronização internacional de doenças é um processo complexo que necessita de uma equipe especializada. Esta comunicação visa a esclarecer e sugerir correções de um provável equívoco na tradução, para o português da CID-10, do código A30, no qual os termos "borderline" e "dimorfo" são utilizados como subcategorias distintas e não como sinônimos, assim como substituir a designação "lepromatosa" por "virchoviana" pois, no Brasil, o vocábulo "lepra" foi abolido dos textos oficiais, por uma lei federal em 1995.

Classificação internacional de doenças; Hanseníase; Terminologia


The international standardization of diseases is a complex process that requires a specialized team. The aim of this work is to clarify and suggest some corrections for a probable misunderstanding during the translation of ICD-10 code A30 into Portuguese, in which the terms borderline and dimorfo (dimorphous) are used as different subcategories and not as synonyms; moreover, the designation lepromatosa (lepromatous) should be replaced by virchoviana (virchowian) considering that in Brazil, the word lepra (leprosy) was abolished from official texts by a Federal Act in 1995.

International classification of diseases; Leprosy; Terminology


COMUNICAÇÃO

A terminologia relativa à hanseníase* * Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima - Bauru (SP) - Brasil.

Paula Araujo OpromollaI; Antonio Carlos Ceribelli MartelliII

IBióloga. Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Doutoranda em Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo - USP. Assistente Técnica de Saúde I

IIMédico dermatologista. Chefe de Seção Técnica de Saúde - Seção de Dermatologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Paula Araujo Opromolla Instituto Lauro de Souza Lima - Bauru - SP Caixa Postal 3021 17034-971 - Bauru - SP Tel.: (14) 3103-5852 / Fax: (14) 3103-5914 E-mail: assistencia@ilsl.br

RESUMO

A padronização internacional de doenças é um processo complexo que necessita de uma equipe especializada. Esta comunicação visa a esclarecer e sugerir correções de um provável equívoco na tradução, para o português da CID-10, do código A30, no qual os termos "borderline" e "dimorfo" são utilizados como subcategorias distintas e não como sinônimos, assim como substituir a designação "lepromatosa" por "virchoviana" pois, no Brasil, o vocábulo "lepra" foi abolido dos textos oficiais, por uma lei federal em 1995.

Palavras-chave: Classificação internacional de doenças; Hanseníase; Terminologia

ABSTRACT

The international standardization of diseases is a complex process that requires a specialized team. The aim of this work is to clarify and suggest some corrections for a probable misunderstanding during the translation of ICD-10 code A30 into Portuguese, in which the terms borderline and dimorfo (dimorphous) are used as different subcategories and not as synonyms; moreover, the designation lepromatosa (lepromatous) should be replaced by virchoviana (virchowian) considering that in Brazil, the word lepra (leprosy) was abolished from official texts by a Federal Act in 1995.

Keywords: International classification of diseases; Leprosy; Terminology

Classificar significa distribuir em classes e nos respectivos grupos, de acordo com um sistema ou método de classificação; colocar em determinada ordem; arrumar. Classificar uma doença é uma das maneiras de conhecê-la melhor e, à medida que novos conhecimentos sobre a doença se acumulam, mais sua classificação se altera e se completa.1

A padronização da classificação internacional das doenças (CID) remonta ao século XVIII e periodicamente há revisões, com a participação de vários países e de centros colaboradores da Organização Mundial da Saúde (OMS), para atualização de novos termos, melhor enquadramento de doenças com o aprimoramento de diagnósticos e inserção de novas patologias descobertas.2

A classificação da hanseníase adotada pela 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10, classificação essa aprovada pela Conferência Internacional para a 10ª Revisão em 1989 e sancionada pela 43ª Assembléia Mundial de Saúde, tem como código A30 e emprega a nomenclatura utilizada na classificação de Ridley e Jopling3 para essa doença, apresentando-se, na tradução portuguesa, atualmente, como segue:2

A30 Hanseníase [doença de Hansen] [lepra]

Inclui: infecção pelo Mycobacterium leprae

Exclui: seqüelas de hanseníase (B92)

A30.0 Hanseníase [lepra] indeterminada

Hanseníase I

A30.1 Hanseníase [lepra] tuberculóide

Hanseníase [lepra] TT

A30.2 Hanseníase [lepra] tuberculóide borderline

Hanseníase [lepra] BT

A30.3 Hanseníase [lepra] dimorfa

Hanseníase [lepra]:

- BB

- "borderline"

A30.4 Hanseníase [lepra] lepromatosa borderline

Hanseníase [lepra] BL

A30.5 Hanseníase [lepra] lepromatosa

Hanseníase [lepra] LL

A30.8 Outras formas de hanseníase [lepra]

A30.9 Hanseníase [lepra] não especificada

Em relação a esse documento, são feitas as seguintes considerações:

1. Os termos "borderline" e "dimorfo" são usados como subcategorias distintas, porém têm o mesmo significado.

2. Em A30.2 borderline é termo inglês, sendo dimorfo o correspondente em português; dessa forma, a palavra borderline deveria, no mínimo, ser escrita entre aspas, e a sigla para essa subcategoria deveria, então, ser DT.

3. Em A30.3 ta terminologia principal está correta, porém, por que há necessidade de se colocar o dois-pontos e como subitens a sigla BB e depois a palavra borderline? Nesse caso, poder-se-ia até ser colocado o termo borderline entre aspas no subitem, mas simplesmente como uma correspondência ao termo dimorfo em português. Sendo assim, a sigla utilizada deveria ser DD.

4. Em A30.4, além das mesmas considerações ao termo borderline, que deveria ser substituído por dimorfo, a terminologia lepromatosa também não deveria ser utilizada, em consonância com a Lei 9.010,4 que define a substituição do termo "lepromatoso" por virchoviano, e, para essa subcategoria, a sigla deveria ser DV.

5. Em A30.5, dever-se-ia substituir a palavra "lepromatosa" por virchoviana, pelos mesmos motivos acima expostos, e a sigla correspondente, então, deveria ser VV.

Talvez, essas confusões sejam devidas não só à tradução para o português como também à nomenclatura introduzida a partir da década de 1970, visando à diminuição do estigma da doença, quando foi proposta pelo Prof. Abrão Rotberg uma mudança da terminologia "lepra" para "hanseníase".5

Essa medida proposta pelo Prof. Dr. Abrão Rotberg foi corroborada pelo então secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Prof. Dr. Valter Leser, e também pelo comitê técnico desse órgão, que publicou uma resolução determinando a criação de novo vocabulário para classificar essa doença em dezembro de 1970.6 Desde então, a doença passou a denominar-se oficialmente Hanseníase para a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.5

Em 1975, o Ministério da Saúde do Brasil adotou o termo "hanseníase" pelo Decreto n. 76.078, de 04/08/1975, (publicado no Diário Oficial da União - DOU, de 05/08/1975),7 do Governo Geisel.8

Gradativamente, essa nova terminologia também foi sendo aceita pelos demais serviços médicos, e em 29 de março de 1995, por intermédio da Lei federal número 9.010, tornou-se obrigatório o uso da terminologia hanseníase em substituição ao termo "lepra".

Pelo exposto, bem como pelo fato de o Ministério da Saúde e os documentos oficiais relativos à hanseníase seguirem a classificação de Madri (1953)9 e utilizarem-se da CID-10 e do código A30 e suas subcategorias,10 sugerem-se a revisão dessa terminologia e o uso dos termos para sua classificação na CID-10, em língua portuguesa, como designados pela Lei 9.010. q

Recebido em 21.11.2003.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 08.12.2004.

  • 1. Opromolla DVA, editor. Noçőes de hansenologia. Bauru: Centro de Estudos "Dr. Reynaldo Quagliato"; 2000.
  • 2. Organização Mundial da Saúde. CID-10; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Portuguęs. 1. 3ed. São Paulo: EDUSP; 1996.
  • 3. Ridley DS, Jopling WH. Classification of leprosy according to immunity: a five-group system. Int J Lepr. 1966; 34:255-71.
  • 4
    Brasil. Lei Federal nº 9.010 de 29 de março de 1995. Dispõe sobre a terminologia oficial relativa à hanseníase e dá outras providências. Brasília. (DF); 1995.
  • 5. Forgerini E, Rossini C, org. Mestres da Dermatologia Paulista. São Paulo: Editora JSN; 2002.
  • 6
    São Paulo (Estado). Deliberação SS/CTA nº 7: Terminologia referente à hanseníase. 10/12/70. Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo de 11 de dezembro de 1970.
  • 7
    Brasil, Decreto Federal nº 76.078 de 04 de agosto de 1975. Altera a denominação de órgãos do Ministério da Saúde e dá outras providências. Brasília. (DF); 1975.
  • 8. Rotberg A. O pejorativo "lepra" e a grande vítima de grave erro médico-social-histórico: a indefesa América Latina. Rev Hist. 1975;101:293-305.
  • 9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia para o controle da hanseníase. Cadernos de Atenção Básica nş10. Série A. Normas e Manuais Técnicos; nş 111. 1Ş Edição. Brasília. (DF); 2002: p 66-9.
  • 10
    FUNASA. [sítio na Internet]. Guia de Vigilância Epidemiológica. 4ª ed. Cap. 5 - Hanseníase. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/pub/GVE/GVE00ID.htm Acessado em 30/06/2003.
  • Endereço para correspondência
    Paula Araujo Opromolla
    Instituto Lauro de Souza Lima - Bauru - SP
    Caixa Postal 3021
    17034-971 - Bauru - SP
    Tel.: (14) 3103-5852 / Fax: (14) 3103-5914
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Instituto Lauro de Souza Lima - Bauru (SP) - Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      08 Dez 2004
    • Recebido
      21 Nov 2003
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