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Lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama

Amalgam-related oral lichenoid lesion

Resumos

A lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama, condição rara na prática odontológica, constitui importante diagnóstico diferencial no grupo das leucoplasias orais. Relatam-se dois casos que apresentaram rápida resolução clínica após a substituição das restaurações de amálgama.

Amálgama dentário; Erupções liquenóides; Leucoplasia; Líquen plano bucal


Amalgam-related oral lichenoid lesion, a rare disorder in dental practice, is an important differential diagnosis among oral leukoplastic lesions. We report two cases with rapid clinical resolution following the replacement of amalgam fillings.

Dental amalgam; Leukoplakia; Lichenoid eruptions; Lichen planus, oral


CASO CLÍNICO

Lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama** Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None

Amalgam-related oral lichenoid lesion

Vanessa de Fátima BernardesI; Bruna Gonçalves GarciaII; Giovanna Ribeiro SoutoIII; João Batista Novaes-JuniorIV; Maria Cássia Ferreira de AguiarV; Ricardo Alves MesquitaVI

IMestranda em Patologia Bucal. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIMestranda em Patologia Bucal. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIICirurgiã-dentista. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

IVProfessor adjunto. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

VProfessor adjunto. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

VIProfessor adjunto. Departamento de Clínica, Patologia e Cirurgia Odontológicas, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência/Mailing Address Endereço para correspondência/Mailing Address Ricardo Alves Mesquita Faculdade de Odontologia da UFMG, sala 3204 Av. Antônio Carlos, 6627. Pampulha 31270 901 - Belo Horizonte - MG Tel./Fax: (31) 3499 2478 / (31) 3499 2472 E-mail: ramesquita@ufmg.br

RESUMO

A lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama, condição rara na prática odontológica, constitui importante diagnóstico diferencial no grupo das leucoplasias orais. Relatam-se dois casos que apresentaram rápida resolução clínica após a substituição das restaurações de amálgama.

Palavras-chave: Amálgama dentário; Erupções liquenóides; Leucoplasia; Líquen plano bucal

ABSTRACT

Amalgam-related oral lichenoid lesion, a rare disorder in dental practice, is an important differential diagnosis among oral leukoplastic lesions. We report two cases with rapid clinical resolution following the replacement of amalgam fillings.

Keywords: Dental amalgam; Leukoplakia; Lichenoid eruptions; Lichen planus, oral

INTRODUÇÃO

A lesão liquenóide oral relacionada a materiais restauradores, rara na prática odontológica, pode representar manifestação de irritação crônica em alguns pacientes, enquanto em outros resulta de hipersensibilidade tardia de contato.1 Restaurações de amálgama contendo mercúrio e apresentando corrosão são consideradas o principal fator etiológico.2

A lesão liquenóide oral relacionada ao amálgama (LLORA) é bastante polimorfa, podendo apresentar-se clinicamente sob forma estriada, reticular, semelhante à placa, eritematosa, erosiva, vesiculosa e ulcerativa. Os sintomas relatados são, em geral, ardência, desconforto, prurido, dor ou gosto metálico.2 A LLORA ocorre principalmente na mucosa jugal, língua e gengiva.3 O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, incluindo as características da lesão e sua relação direta com restaurações, sendo necessário o exame histopatológico para se confirmar a natureza das lesões.2,4 A substituição das restaurações pode ocasionar a resolução clínica completa da lesão ou alívio dos sintomas em curto período de tempo. Entretanto, em alguns casos, a melhora do quadro é observada após três meses.2,5

RELATO DOS CASOS

CASO 1

Paciente do sexo feminino, 77 anos, compareceu à Clínica de Patologia queixando-se de queimação, presente por dois meses, associada a placas brancas na boca. A história médica foi irrelevante, e o exame intrabucal revelou a presença de placas brancas estriadas na mucosa jugal, localizadas na região correspondente aos dentes primeiro a terceiro molares superiores direitos, primeiro e segundo molares superiores esquerdos, primeiro e segundo pré-molares inferiores esquerdos, primeiro e segundo pré-molares inferiores direitos. Todas as lesões estavam associadas a restaurações de amálgama classe V, que apresentavam corrosão e percolação marginal (Figura 1A). Com as hipóteses diagnósticas de LLORA e líquen plano oral (LPO), realizou-se biópsia incisional com fixação em formol tamponado a 10%. Na coloração de hematoxilina- eosina observou-se epitélio estratificado pavimentoso com áreas focais de degeneração das células da camada basal. A lâmina própria adjacente apresentava intenso infiltrado inflamatório crônico linfocitário, distribuído em banda, e agregados linfóides em profundidade no tecido conjuntivo frouxo. O diagnóstico foi compatível com LLORA. O amálgama foi substituído por resina composta, com resolução clínica completa das lesões após cinco meses, corroborando assim o diagnóstico final de LLORA. O seguimento de 12 meses não revelou sinais de recorrência (Figura 1B).

CASO 2

Paciente do sexo feminino, 38 anos, encaminhada à clínica de Patologia Bucal por apresentar há um ano lesão branca, assintomática, na boca. A história médica não foi contributária. O exame intrabucal revelou lesão em placa na mucosa jugal na região correspondente ao segundo molar superior direito e em contato direto com restauração de amálgama classe I (Figura 1C). O dente apresentava- se em posição vestibular, favorecendo o contato da restauração em amálgama com a mucosa jugal durante a oclusão. O material restaurador exibia sinais de corrosão e percolação marginal. Com as hipóteses clínicas de LLORA e LPO, procedeu- se à biópsia incisional. Os achados histopatológicos foram semelhantes aos descritos no caso 1. O diagnóstico foi compatível com LLORA, e, 14 dias após a substituição do amálgama dental por resina composta, houve resolução clínica completa do quadro. A proservação de seis meses não indicou sinais de recorrência (Figura 1D).

DISCUSSÃO

Os achados clínicos e histopatológicos, e a resolução clínica das lesões após a substituição do material restaurador nos casos apresentados suportam o diagnóstico de LLORA. O uso do amálgama dental tem sido discutido durante décadas devido aos efeitos tóxicos de seus componentes, entre eles o mercúrio.4,6 Embora seja empregado há mais de 150 anos, persistem as questões sobre seu potencial alergênico e suas reações tóxicas na mucosa oral.2 Dermatites de contato alérgicas por amálgama têm sido relatadas, sendo o mercúrio o principal fator etiológico.3,7 Tal afirmação baseia-se no aumento da freqüência de hipersensibilidade ao mercúrio em pacientes com LLORA e na resolução das lesões após a substituição do material restaurador. 7,8

Restaurações de amálgama presentes por muitos anos podem sofrer corrosão e reações eletroquímicas que permitem liberação de íons metálicos.3 As restaurações apresentavam corrosão e percolação marginal nos dois casos relatados. Na maioria das vezes, o agente causador é o mercúrio, mas outros componentes do amálgama, como o cobre, estanho ou zinco, podem estar relacionados.3 Outra causa aventada são as reações imunológicas ou tóxicas associadas ao acúmulo de placa na superfície das restaurações.2 Entretanto, os pacientes do presente estudo apresentavam boa higiene oral.

A LLORA pode ser observada em 2% da população adulta,3 sendo mais prevalente em mulheres (7,5:1), com média de idade de 53 anos.2 A lesão localiza-se freqüentemente na mucosa jugal na região de molares e borda de língua. 2,9 Aspectos clínicos incluem lesões brancas, reticulares, erosivas ou em placa.3 Os casos descritos apresentavam os padrões reticular e em placa. As lesões de LLORA são similares às de LPO. Contudo, delas podem ser diferenciadas clinicamente por sua relação direta com restaurações de amálgama e sua tendência à distribuição assimétrica. 4,9

O diagnóstico de LLORA depende de exame histopatológico, para verificação da natureza das lesões, e da remoção de substâncias suspeitas. Tendo sido o diagnóstico histopatológico compatível com o clínico, optou-se pela substituição do amálgama por resina composta. A confirmação final, contudo, só é obtida com a resolução clínica das lesões após a substituição do material restaurador, 4 o que foi observado nos dois casos relatados.

Por ser condição algumas vezes sintomática, a remoção do amálgama é recomendada.9 Um dos casos relatados apresentava sensação de ardência, enquanto o outro era assintomático. Nos dois casos, a remoção do material foi indicada. Outros tratamentos têm sido propostos, incluindo o uso de corticosteróides tópicos, intralesionais e orais, retinóides e antifúngicos tópicos, nenhum demonstrando, porém, resultados significativos na melhora dos sinais e sintomas.3

Os testes de contato (patch tests) mostram valor limitado no diagnóstico da LLORA.3,9 Alguns estudos sugerem que esses testes não são úteis, uma vez que se mostraram negativos em pacientes que se beneficiaram com a remoção do amálgama dental.8-10

A presença de restauração de amálgama em contato com a mucosa bucal e lesão liquenóide adjacente são fatores indicativos para a remoção do material restaurador, objetivando-se a melhora do quadro e o diagnóstico diferencial com outras lesões leucoplásicas orais. q

Recebido em 17.10.2006.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 28.09.2007.

Suporte financeiro / Financial funding: CNPq (301736/2004-9; 502978/2004-0; 302047/2004-2) e FAPEMIG (CDS 895/05).






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  • Endereço para correspondência
    /Mailing Address
    Ricardo Alves Mesquita
    Faculdade de Odontologia da UFMG, sala 3204
    Av. Antônio Carlos, 6627. Pampulha
    31270 901 - Belo Horizonte - MG
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    E-mail:
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    Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil.
    Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      28 Set 2007
    • Recebido
      17 Out 2006
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