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Herpes hipertrófico perianal tratado eficazmente com imiquimod

Resumos

A infecção pelo vírus herpes simples tipo 2 (HSV-2) é frequente em pacientes infetados pelo vírus de imunodeficiência adquirida (VIH). Nestes casos, o herpes genital pode ter uma apresentação clínica atípica. As variantes hipertróficas e vegetantes são pouco habituais. Os autores relatam um caso de herpes hipertrófico perianal em paciente infetada pelo VIH, com resposta insatisfatória ao aciclovir e valaciclovir, tratado eficazmente com imiquimod tópico. O herpes genital hipertrófico é, frequentemente, refratário aos tratamentos antivirais. Na nossa experiência, o imiquimod é um tratamento eficaz, seguro e bem tolerado que deverá ser considerado na abordagem terapêutica destes pacientes.

Antivirais; Eficácia; Herpes genital; Herpesvírus humano 2; Terapia combinada


Herpes simplex virus type 2 (HSV-2) infections are frequent in HIV (human immunodeficiency virus) infected patients. In those cases, genital herpes may have an atypical clinical presentation. Hypertrophic and vegetating variants are unusual. The authors describe a case of hypertrophic perianal herpes in an HIV patient with unsatisfactory response to acyclovir and valacyclovir, successfully treated with imiquimod. Hypertrophic genital herpes cases are frequently refractory to antiviral treatments. In our experience, imiquimod is an efficient, safe and well tolerated treatment that should be considered in therapeutic approach of these patients.

Antiviral agents; Combined modality therapy; Efficacy; Herpes genitalis; Herpesvirus 2, human


CASO CLÍNICO

Herpes hipertrófico perianal tratado eficazmente com imiquimod* * Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia Hospital Santo António dos Capuchos - Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - Lisboa, Portugal.

Sara Isabel Alcântara LestreI; Alexandre JoãoII; Célia CarvalhoIII; Vasco Vieira SerrãoII

IResidente de Dermatovenereologia Hospital Santo António dos Capuchos - Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - Lisboa, Portugal

IIEspecialista em Dermatovenereologia - Assistente Hospitalar Hospital Santo António dos Capuchos - Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - Lisboa, Portugal

IIIEspecialista em Infecciologia - Chefe de Serviço do Hospital Fernando da Fonseca - Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sara Isabel Alcântara Lestre Serviço de Dermatologia, Hospital de Santo António dos Capuchos Alameda Santo António dos Capuchos 1150 - 314 Lisboa E-mail: saralestre@gmail.com

RESUMO

A infecção pelo vírus herpes simples tipo 2 (HSV-2) é frequente em pacientes infetados pelo vírus de imunodeficiência adquirida (VIH). Nestes casos, o herpes genital pode ter uma apresentação clínica atípica. As variantes hipertróficas e vegetantes são pouco habituais. Os autores relatam um caso de herpes hipertrófico perianal em paciente infetada pelo VIH, com resposta insatisfatória ao aciclovir e valaciclovir, tratado eficazmente com imiquimod tópico. O herpes genital hipertrófico é, frequentemente, refratário aos tratamentos antivirais. Na nossa experiência, o imiquimod é um tratamento eficaz, seguro e bem tolerado que deverá ser considerado na abordagem terapêutica destes pacientes.

Palavras-chave: Antivirais; Eficácia; Herpes genital; Herpesvírus humano 2; Terapia combinada

INTRODUÇÃO

A infecção pelo Vírus Herpes Simples (HSV) é a principal causa de úlcera genital em todo o Mundo, sendo o HSV-2, o serotipo mais frequentemente implicado na sua etiologia. 1 O sinergismo entre a infecção pelo HSV-2 e a infecção pelo vírus de imunodeficiência adquirida (VIH) tem sido demonstrado em vários estudos epidemiológicos e clínicos, com um aumento da frequência das reativações do HSV-2 em indivíduos VIH-positivos. Por outro lado, a infecção pelo HSV-2 aumenta o risco de aquisição do VIH e acelera a própria progressão da doença. 2 A forma ulcerativa é a apresentação clínica mais habitual do herpes genital, traduzindo-se pela presença de pequenas vesículas agrupadas que resultam em úlceras superficiais dolorosas acompanhadas por linfadenopatias inguinais. 1 Nos indivíduos coinfectados pelo VIH, os aspectos clínicos são assiduamente atípicos, podendo observar-se úlceras extensas as quais tendem para a cronicidade com sobreinfecção bacteriana. 3 Mais raramente, têm sido descritas formas hipertróficas pseudotumorais as quais simulam carcinoma espinocelular ou outras infecções virais. 4,5 Nestes casos, é necessário um elevado grau de suspeição clínica. O sinergismo entre a infecção por HSV e VIH reflete-se também na abordagem terapêutica do herpes genital, particularmente, em indivíduos com baixas contagens de linfócitos T CD4+. Nestes pacientes, os antivirais sistêmicos são usados em doses mais elevadas e por períodos mais prolongados, existindo também uma maior taxa de prevalência de casos resistentes ao aciclovir. 6 O herpes genital hipertrófico surge, habitualmente, no contexto de imunodepressão e é, frequentemente, resistente às terapias antivirais, com recidivas constantes.4,5,7 Os autores relatam um caso de herpes genital hipertrófico perianal em paciente VIH positiva, em que a utilização de imiquimod tópico se revelou eficaz.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, de 49 anos de idade, raça negra, natural de Guiné-Bissau, residente em Portugal (Lisboa) desde há oito anos, referenciada para Consulta de Dermatologia, em Fevereiro de 2010, com tumor vegetante doloroso, localizado na região perianal esquerda, com dois meses de evolução e de agravamento progressivo.

Tratava-se de uma paciente com diagnóstico de infecção pelo VIH-1 desde há seis meses. Encontravase sob tratamento com tenofovir/emtricitabina e nevirapina desde há 1 mês (Janeiro de 2010) por baixas contagens de linfócitos T CD4+ (197/mm3) e carga viral de 32000 cópias RNA-VIH/ml. Não havia história prévia de infecções sexualmente transmissíveis ou de infecções oportunistas.

À observação, tinha um tumor de forma arredondada, bem delimitado, com 4 cm de diâmetro, localizado na região perianal esquerda (Figura 1). O restante exame físico não tinha alterações relevantes. Tendo em consideração o contexto clínico, foram equacionadas as hipóteses diagnósticas de herpes genital perianal hipertrófico, carcinoma espinocelular e condiloma genital. Foi realizada uma biópsia cutânea incisional a qual mostrou hiperplasia da epiderme, células epiteliais multinucleadas, degenerescência balonizante focal da epiderme e denso infiltrado inflamatório misto na derme (Figura 2). Foi também efetuada pesquisa lesional por reação de polimerase em cadeia (PCR) de HSV-1, HSV-2 e vírus do papiloma humano (VPH), detectando-se apenas positividade para o HSV-2. A pesquisa de micobactérias e fungos profundos foi também negativa. Na avaliação laboratorial, destacava-se positividade de IgG HSV-2, sendo a IgM HSV-2 negativa. O hemograma e provas bioquímicas eram normais. Foram excluídas outras infecções ativas, particularmente hepatites virais, infecção por citomegalovírus (CMV), Epstein-Barr vírus (EBV) e sífilis. Foi iniciada a terapia com aciclovir na dose máxima (800 mg de 4/4h), com uma boa resposta clínica inicial que se traduziu por uma visível diminuição das dimensões da lesão (Figura 3). No entanto, a partir do segundo mês de tratamento, observou-se uma perda de resposta. O aciclovir foi substituído por valaciclovir 1 g 12/12 horas durante um mês, não se verificando melhoria clínica satisfatória. A partir do 4º mês de tratamento, associou-se o imiquimod tópico ao valaciclovir. O imiquimod foi aplicado em oclusão, trissemanalmente, durante as duas primeiras semanas e depois de cinco dias consecutivos por semana. O tratamento foi bem tolerado pela paciente, sem quaisquer efeitos colaterais locais e/ou sistêmicos significativos. Verificou-se uma excelente resposta clínica, particularmente, evidente após o aumento da frequência de aplicação, com remissão completa às 10 semanas de tratamento (Figura 4).





Após a remissão clínica da lesão perianal, a dose de valaciclovir foi reduzida para 1g/dia. Aos dois meses de follow-up, a paciente mantém-se clinicamente estável, sem sinais de recidiva da doença, com contagem de linfócitos CD4+ 310/mm3 e carga viral inferior a 20 cópias RNA-VIH/ml.

DISCUSSÃO

Em pacientes com infecção por VIH, a presença de lesões vegetantes anogenitais é comum e pode ser a forma de apresentação clínica de infecções ou carcinomas. A infecção por VPH é a causa mais frequente de lesões verrucosas anogenitais, no entanto, as infecções causadas pelo Vírus Varicela-Zoster, CMV, Molusco Contagioso e HSV devem ser consideradas, no diagnóstico diferencial. 8 A variante hipertrófica do herpes genital é rara e tem sido descrita no contexto de imunodepressão, particularmente em pacientes com infecção pelo VIH e/ou síndrome inflamatória de reconstituição imune (SIRI). 4,5,7 O motivo pelo qual esta variante hipertrófica surge quase exclusivamente em pacientes coinfectados pelo VIH não está totalmente esclarecido, uma vez que não parece existir correlação com o grau de imunodepressão e/ou contagem de linfócitos T CD4+. 5,9,10 No entanto, a evolução para formas hipertróficas de herpes genital pode ser parcialmente justificada por uma desregulação imunológica secundária à infecção por VIH, particularmente pela: 1) Produção de TNF-alfa por um número aumentado de células dendríticas plasmocitoides fator XIII-positivas, promovendo o índice de crescimento de queratinócitos e consequente acantose e hiperqueratose e 2) Diminuição da produção de IFNgama, citocina que desempenha um importante papel regulador na atividade dos queratinócitos. 5,11

No presente caso, a evolução clínica da infecção por HSV-2 também não parece estar relacionada com o grau de imunodepressão da paciente, uma vez que a terapia antirretroviral (TAARV) foi iniciada, posteriormente ao aparecimento da lesão, excluindo a hipótese de SIRI. Por outro lado, a progressão inicial do tumor perianal não foi interrompida pela recuperação imunológica induzida pela TAARV.

Clinicamente, esta variante traduz-se pela presença de tumores exofíticos e dolorosos, de limites bem definidos e superfície ulcerada, localizados na região perianal, vulva, pênis e escroto. No entanto, foram também descritas lesões semelhantes em localizações extragenitais. O diagnóstico baseia-se na correla-ção entre os dados clínicos e histológicos, sendo apoiado pelo isolamento do HSV e pela exclusão de outras causas infecciosas. Histologicamente, observa-se uma hiperplasia variável da epiderme com células epiteliais multinucleadas e denso infiltrado inflamatório misto, constituído por linfócitos, plasmócitos e eosinófilos. 4,7 É aconselhada a realização de uma biópsia cutânea incisional, uma vez que pequenas amostras podem ser insuficientes para o diagnóstico e mascaradas pela intensa resposta inflamatória ao vírus. 12 A demonstração da presença lesional do HSV pode ser efetuada através de métodos imuno-histoquímicos ou por PCR.

Frequentemente, o herpes genital hipertrófico é refratário aos antivirais sistêmicos de primeira linha, tais como: o aciclovir (oral e endovenoso), o valaciclovir e o famciclovir. Nestes casos, o foscarnet, o interferão-beta e cidofovir têm sido utilizados, no entanto, com resultados de eficácia variáveis. 9,10,13,14 Outra alternativa terapêutica a considerar é a talidomida, recentemente descrita por Holmes et al.14 Por fim, a excisão cirúrgica pode ser considerada em tumores de pequenas dimensões.

O imiquimod é um imunomodulador tópico, com atividade antitumoral e antiviral que induz a síntese e libertação de várias citocinas endógenas pró-inflamatórias TH-1, nomeadamente de interferão-alfa. Ainda que não existam estudos randomizados, a eficácia do imiquimod tópico no tratamento do herpes genital crônico em indivíduos imunodeprimidos, tem sido descrita na literatura. 15 Em casos de herpes genital - particularmente resistentes às terapias médicas - , como a variante hipertrófica, o papel do imiquimod continua por esclarecer. Recentemente, este foi utilizado no tratamento de lesões genitais hipertróficas, causadas pelo HSV-2 em dois pacientes VIH-positivos resistentes aos tratamentos médicos convencionais (aciclovir oral, aciclovir endovenoso, valaciclovir e foscarnet). 10,11 O primeiro caso foi relatado em 2007, e descrevia um paciente do sexo masculino, com imunossupressão grave e lesões vegetantes, localizadas no pênis e escroto. 11 Em 2008, Yudin e Kaul relataram o segundo caso numa paciente do sexo feminino com lesões hipertróficas vulvares persistentes após início de TAARV e recuperação imunológica total. 10 Em ambos os pacientes, a aplicação trissemanal de imiquimod foi associada à terapia antiviral sistêmica (famciclovir 500 mg bid e valaciclovir 1 g bid, respectivamente), resultando numa remissão completa das lesões após 2 a 8 semanas de tratamento. No presente caso, observamos também uma excelente resposta ao imiquimod, com regressão completa da lesão após 10 semanas de tratamento. Tal como já tinha sido sugerido anteriormente por Bangsgaard e Skov, verificamos que o aumento do número de aplicações semanais parece estar associado a uma maior rapidez de resposta. 15 No caso acima descrito, optamos pela aplicação em oclusão do imiquimod para potenciar a eficácia do tratamento, que poderia ser limitada pela localização e dimensões da lesão. Esta forma de aplicação é, frequentemente, mal tolerada, no entanto, na nossa paciente, não se observaram quaisquer efeitos colaterais locais e/ou sistêmicos significativos.

O herpes genital hipertrófico é uma variante rara de herpes genital que deverá ser equacionado na presença de lesões vegetantes anogenitais em doentes com coinfecção por VIH. Na abordagem terapêutica destes pacientes, o imiquimod deverá ser considerado sendo um tratamento eficaz, seguro e bem tolerado.

Recebido em 26.08.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 29.08.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

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  • Endereço para correspondência:
    Sara Isabel Alcântara Lestre
    Serviço de Dermatologia, Hospital de Santo António dos Capuchos
    Alameda Santo António dos Capuchos
    1150 - 314 Lisboa
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia Hospital Santo António dos Capuchos - Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - Lisboa, Portugal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Ago 2010
    • Aceito
      29 Ago 2010
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