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Os pioneiros da dermatologia - Parte 1: A propósito da vida e obra de Ferdinand von Hebra

MEMÓRIA

Os pioneiros da dermatologia - Parte 1 A propósito da vida e obra de Ferdinand von Hebra

Ney Romiti

Professor Emérito. Titular da Disciplina de Clínica e Patologia da Dermatologia da UNILUS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ney Romiti Rua Machado de Assis, 303 11050 - 060 Santos SP

Escrevo estas linhas procurando transmitir algum conhecimento sobre homens que marcaram a história da dermatologia. Para isso, nada mais apropriado seria se pudéssemos voltar no tempo e conhecer fatos e pessoas que contribuíram para a estrutura que norteou e iniciou a base e os conhecimentos que hoje temos e dispomos em nossa formação docente.

Assim, imprescindível se tornaria a todos que visitarem Viena procurar o Museu da História da Medicina, departamento anexo à Universidade.

Esse museu é dirigido por Karl Holubar, professor do departamento de dermatologia e profundo conhecedor da história da dermatologia nesse berço cultural. Aí estive, contando com a amizade de Holubar, percorrendo e conhecendo em detalhes como, quando e onde nasceu a semente dermatológica que hoje desabrocha esplendorosamente. Todo aquele que se interessa pela história da medicina deveria incluir em seu roteiro turístico pela Áustria visita obrigatória a esse templo cultural.

A oportunidade que tive de conhecer com detalhes a vida de Ferdinand von Hebra é o que me permite esta abordagem. Acredito que alguns dos colegas mais antigos têm conhecimento do que se segue, mas para outros mais jovens estas linhas serão não só originais, mas também poderão despertar o interesse cultural por assuntos próprios à dermatologia.

Viena compartilha com Paris e Londres a formação das grandes escolas dermatológicas. Ferdinand von Hebra foi o fundador dessa magnífica escola vienense e é ele a principal figura destas notas, que fornecem detalhes e curiosidades de sua vida. Hebra era filho de militar oficial do regimento austríaco de infantaria, nasceu em Brünn (7 de setembro de 1816), fez estudos iniciais em Graz e colou grau em medicina em Viena (26 de janeiro de 1841). Logo após essa graduação freqüentou o departamento de medicina no Hospital Geral de Viena, dirigido por Josef Skoda, mas logo teve sua dedicação dirigida para aqueles doentes com lesões cutâneas. Profundo conhecedor que era da língua e da literatura francesa e inglesa, associou esse saber à invulgar capacidade de observação e avaliação das doenças, o que fez com que logo iniciasse sua atividade científica, que teve grande significado no conhecimento das doenças dermatológicas. O revolucionário conceito etiológico sobre a sarna, com sua exata dimensão clínica feita em auto-inoculação, e o Sistema de Classificação das Dermatoses são frutos desses primeiros anos.

Em 1848 torna-se primarius de um Departamento de Dermatologia e em 1849 é elevado ao cargo de professor de dermatologia, sendo, nos países de língua alemã, o primeiro a ser assim classificado. Foi viajante incansável; Noruega para estudar lepra, Paris e Londres por diversas vezes. A partir de 1856 publica seu monumental Atlas com a colaboração de Anton Elfinger, pintor-médico responsável pela documentação iconográfica, e de Karl Heitzmann. É do final dos anos 50 seu manual no livro de patologia especial de Virchow, com múltiplas edições e, logo, a colaboração de Moritz Kohn-Kaposi, genro e sucessor na cátedra de dermatologia. Daí, a tradução para outros idiomas (inglês, francês, italiano e russo).

A obra literária de Hebra não foi extensa, e no currículo sucessório de Kaposi (1880) são citados 34 artigos em jornais da especialidade e quatro obras monumentais. Seu grande mérito como professor não está no mundo das publicações, mas principalmente na construção dos fundamentos da especialidade, iniciada e ampliada na clínica vienense, como a sistematização e descrição das dermatoses precisas e originais.

Hebra foi professor e clínico com excepcionais qualificações, o que pode ser avaliado pela ampla repercussão de suas conferências nas mais afamadas universidades européias. Raros foram os dermatologistas da época que não tiveram sua especialização baseada nesses ensinamentos.

Ainda em vida foram inúmeras as honrarias recebidas; russas, suecas e austríacas. Em 1887, foi honrado com o título de Ritter Von (Cavaleiro) da Casa Imperial Austríaca.

De sua numerosa família - sete filhos -, seu filho Johannes foi também dermatologista, e sua filha Martha casou-se com seu discípulo e sucessor na cátedra Moritz Kaposi.

Na certidão de seu registro de nascimento na Igreja católica dos minoritas (franciscanos) no livro número 1814-1839, vol. 2 pg. 892 consta: Ferdinand Karl Franz, filho de Aloisia (Karoline Wilhelmine Frederik Aloisia) Schwarzmann; foi, portanto, filho natural. Sua mãe foi casada com Vinzenz Slawik, ambos nascidos no sul da Polônia (Galícia). Viveram separados, e não se conhece quando Johannes Hebra entrou em sua vida, mas, por ser militar, não lhe era permitido registrar na certidão de nascimento do filho o nome Hebra, e, assim, necessário foi que só com a maioridade deste, aos 24 anos, a paternidade fosse reconhecida, e o casamento, legalizado. Assim, registrado Ferdinand Schwarzmann, tornou-se Ferdinand Hebra como consta em seu diploma de graduação médica.

P.S. - Esses fatos aqui relatados fazem parte das palestras que comemoraram os 100 anos de Ferdinand Hebra, proferidas por K. Holubar e J. Tappeiner. (I Universitaets-Hautklinik, Wien)

Öst Arzteztg. 36/7 1981,444.

Recebido em 04.10.2004

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 20.09.2004

  • Endereço para correspondência
    Ney Romiti
    Rua Machado de Assis, 303
    11050 - 060 Santos SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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