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O compromisso da SBD com a eliminação da hanseníase no Brasil: somos também responsáveis pelo fracasso dessa meta?

EDITORIAL

O compromisso da SBD com a eliminação da hanseníase no Brasil: somos também responsáveis pelo fracasso dessa meta?

Fernando Terra, fundador da SBD em 1912, também foi o pioneiro da articulação docente-assistencial na hanseníase ao criar o cargo de interno do então Hospital dos Lázaros no Rio de Janeiro, em 1913. Consta que Aguiar Pupo e Oswaldo Portugal foram seus primeiros internos. Da mesma forma, Eduardo Rabello, em 1920, no bojo da reforma Carlos Chagas, coordenou a "Inspectoria de Profillaxia da Lepra e Doenças Venéreas", primeira política pública nacional de controle da endemia, vigente até o final da década – duramente criticada pelos sanitaristas da época não apenas pela permissão de isolamento domiciliar, que contrariava a recomendação de segregar os doentes, como também pelo tratamento conjunto com as doenças venéreas. Outro aspecto era a descentralização administrativa, deixando para os estados a incumbência de executar ações de controle.

No Estado Novo, o isolamento compulsório inserido em um programa vertical foi implantado com prioridade por Getúlio Vargas, e a condução da política de controle da hanseníase passou a ser responsabilidade dos sanitaristas. Somente 56 anos depois, já na Nova República, voltou a ser conduzida por dermatologistas, inicialmente por sete anos e, depois de breve interregno, por mais três anos. Nesse período, a implantação da poliquimioterapia/OMS e a difusão do conceito de cura da doença exigiram uma grande reestruturação do programa. Os planos de ação nacional passaram a ser formulados por comitês assessores, que incluíam as gerências estaduais (representação macrorregional), o recém-criado MORHAN, as sociedades científicas e diferentes categorias profissionais envolvidas em ações especiais. Tal esforço resultou em grande aumento da massa crítica envolvida com o problema e foi responsável pela implantação de um único esquema terapêutico vigente no país, com redução de 80% da prevalência e de 15% das deformidades entre os casos novos, além das primeiras iniciativas de municipalização dos planos de eliminação.

Essa breve visita à história do controle da lepra/hanseníase tem a finalidade de esclarecer sobre a real participação de membros da SBD na condução nacional dessas políticas, tendo em vista a existência de documentos da Organização Mundial da Saúde que nos apontam como responsáveis pelo insucesso no impacto da meta da eliminação e, conseqüentemente, do controle da endemia brasileira. É preciso salientar que a participação local e regional dos dermatologistas em toda a história vem sendo reduzida e, nesse momento, apenas três estados têm a gerência estadual ocupada por dermatologistas. Uma pesquisa recente da SBD via internet, atingindo 22% dos sócios (1.122), obteve a retorno de 28% deles à resposta de participação em atividades de controle da hanseníase – positiva em 54% dos respondentes.

Não obstante, a SBD, que em 1948 estimulou os dermatologistas/leprologistas a fundarem a então Associação Brasileira de Leprologia, criou seu Departamento de Hansenologia em 2003. Em continuidade, a próxima gestão da SBD terá entre suas prioridades a inclusão da hanseníase nos temas de educação continuada, o fortalecimento dos serviços universitários, a participação em atividades de divulgação e o apoio ao diagnóstico precoce da hanseníase, mediante realização de campanhas.

Dessa forma, a SBD não pode deixar de manifestar sua perplexidade em relação à extinção da Área Técnica de Dermatologia Sanitária, no Ministério da Saúde, substituída por um programa vertical de eliminação da hanseníase. Diante desse fato, a SBD reivindica a participação na formulação dos planos atuais de eliminação da doença, responsabilidade pertinente em se tratando de política pública de área afim. Desnecessário referir a alta magnitude das dermatoses que, em geral, estão entre as três primeiras causas de demanda ambulatorial dos serviços de saúde. Em nossa experiência de contato com as equipes de PSF, as demandas por informações relativas à hanseníase também se estendem às DST/Aids, leishmaniose tegumentar, piodermites, pênfigo foliáceo, micoses superficiais e profundas, farmacodermias, dermatoses da infância – entre as dermatoses mais prevalentes. A descentralização dos serviços de saúde não deve excluir a participação de especialistas e sim realocá-los em um sistema de referência e contra-referência que minimize os possíveis erros de condutas diagnósticas e terapêuticas, além de favorecer a educação multidisciplinar permanente.

Somos da opinião de que a dicotomia histórica existente entre os modelos clínico e preventivo na medicina, e entre a academia e o serviço tem provocado conflitos desnecessários, por vezes comprometendo a efetividade das políticas públicas. Independentemente da formação do gestor, o esforço deve ser para incluir, e não excluir parcerias.

Maria Leide Wand Del Rey

Profª Adjunta de Dermatologia/FM/UFRJ e Coordenadora do Departamento de Hanseníase da SBD

Sinésio Talhari

Prof. Dr. da Universidade do Amazonas/Dep. de Saúde Coletiva, Diretor da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e Presidente da SBD

Gerson Penna

Doutor em Medicina Tropical - Universidade de Brasília e Vice-presidente da SBD

Heitor de Sá Gonçalves

Doutorando em Dermatologia da Universidade Federal do Ceará e 2º Secretário da SBD

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 2005
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