Acessibilidade / Reportar erro

Xantogranuloma necrobiótico solitário sem paraproteinemia

Necrobiotic xanthogranuloma without paraproteinemia

Resumos

O xantogranuloma necrobiótico é doença crônica granulomatosa e xantomatosa, caracterizada por pápulas e placas infiltradas, eritematosas e amareladas, preferencialmente localizadas na região periorbital. É comum associar-se com paraproteinemia e risco aumentado para malignidades hematológicas e linfoproliferativas. Sua patogênese permanece desconhecida. Agentes alquilantes, como clorambucil e melfalan, podem ser utilizados no tratamento com sucesso variável. Relata-se um exemplo dessa rara doença em paciente com lesão única e sem paraproteinemia.

Dermatopatias metabólicas; Granuloma; Paraproteinemias; Xantomatose


Necrobiotic xanthogranuloma is a chronic granulomatous and xantomathous disease, characterized by indurated, nontender, yellowish and erythematous nodules and plaques especially located on the periorbital region. It is commonly associated with paraproteinemia and an increased risk for hematological and lymphoproliferative malignancies. Its pathogenesis remains unclear. Alkylating agents, such as chlorambucil and melphalan may be used to treat the disease with variable success. We report a case of this rare disease in a patient with a solitary tumor and without paraproteinemia.

Granuloma; Paraproteinemias; Skin diseases, metabolic; Xanthomatosis


CASO CLÍNICO

Xantogranuloma necrobiótico solitário sem paraproteinemia* * Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Necrobiotic xanthogranuloma without paraproteinemia* * Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum Suporte financeiro: Nenhum

Danielle Mazziero MacedoI; Sérgio Henrique HirataII; Nílceo S. MichalanyIII; Mílvia Maria Simões e Silva EnokiharaIV; Mauro Y. EnokiharaV

IResidente do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil

IIMestre em Dermatologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e dermatologista do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil

IVDoutora em Patologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e patologista do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil

VDoutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e dermatologista do Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência/Mailing Address Endereço para correspondência/Mailing Address: Danielle Mazziero Macedo Rua José dos Santos Júnior, 544. Campo Belo 04609 011 - São Paulo - SP Tel.: 11 - 5096 5653 E-mail: danimazziero@yahoo.com.br

RESUMO

O xantogranuloma necrobiótico é doença crônica granulomatosa e xantomatosa, caracterizada por pápulas e placas infiltradas, eritematosas e amareladas, preferencialmente localizadas na região periorbital. É comum associar-se com paraproteinemia e risco aumentado para malignidades hematológicas e linfoproliferativas. Sua patogênese permanece desconhecida. Agentes alquilantes, como clorambucil e melfalan, podem ser utilizados no tratamento com sucesso variável. Relata-se um exemplo dessa rara doença em paciente com lesão única e sem paraproteinemia.

Palavras-chave: Dermatopatias metabólicas; Granuloma; Paraproteinemias; Xantomatose

ABSTRACT

Necrobiotic xanthogranuloma is a chronic granulomatous and xantomathous disease, characterized by indurated, nontender, yellowish and erythematous nodules and plaques especially located on the periorbital region. It is commonly associated with paraproteinemia and an increased risk for hematological and lymphoproliferative malignancies. Its pathogenesis remains unclear. Alkylating agents, such as chlorambucil and melphalan may be used to treat the disease with variable success. We report a case of this rare disease in a patient with a solitary tumor and without paraproteinemia.

Keywords: Granuloma; Paraproteinemias; Skin diseases, metabolic; Xanthomatosis

INTRODUÇÃO

O xantogranuloma necrobiótico (XGN) é doença rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por lesões cutâneas infiltradas, tipicamente eritematosas e amareladas, com localização preferencial na região periorbital.1 É doença crônica, pode comprometer órgãos internos e tem associação freqüente com paraproteinemia.1,2 Seu tratamento é controverso,1 e há necessidade de acompanhamento pelo risco de desenvolvimento de malignidades hematológicas.1,2

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, de 65 anos, branca, natural e procedente de São Paulo, dona-de-casa, procurou o serviço de Dermatologia em dezembro de 2005. Relatava aparecimento de lesão única amarelada na face há um ano, assintomática e de crescimento progressivo. Negava antecedentes pessoais de doenças sistêmicas ou uso de medicamentos. Ao exame dermatológico apresentava placa de 3,5cm de diâmetro, eritêmato-amarelada, infiltrada, com superfície ulcerada e teleangiectasias na região frontotemporal esquerda (Figuras 1 e 2). Não foram encontradas linfadenopatia, organomegalia ou alteração da musculatura ocular extrínseca.



A investigação laboratorial com hemograma completo, glicemia, perfil lipídico, função renal e hepática, velocidade de hemossedimentação, proteinograma e dosagem de imunoglobulinas apontou normalidade. Realizadas radiografias de tórax, crânio e ossos longos, que não mostraram lesões líticas. Ressonância nuclear magnética de órbita, ultra-sonografia de abdômen e ecocardiograma não mostraram alterações. Não foi realizado mielograma devido à normalidade do hemograma e à ausência de pico monoclonal na eletroforese de proteínas séricas. A pesquisa de proteinúria de Bence Jones não demonstrou a presença de cadeias leves na urina.

A paciente apresentou exame histopatológico de outro serviço com laudo de xantoma. Foi realizada biópsia excisional da lesão para diagnóstico, que revelou formação de granulomas com células gigantes do tipo corpo estranho e do tipo Touton (Figura 3), células xantomizadas, fendas de colesterol (Figura 4) e imuno-histoquímica positiva para CD 68 nos granulomas (Figura 5) e negativa para S100. A pesquisa de micobactérias e fungos nos granulomas foi negativa.




Com base nos dados clínicos e exames complementares foi feito o diagnóstico de xantogranuloma necrobiótico. A paciente está sendo seguida a cada semestre, pela possibilidade de recidiva do quadro ou mesmo aparecimento de novas lesões. Até o momento, permanece assintomática e com exames laboratoriais normais.

DISCUSSÃO

O XGN é doença rara, descrita pela primeira vez em 1980 por Kossard e Winkelmann, como entidade clínica distinta da necrobiose lipoídica atípica.1 Acomete adultos, em geral na sexta década, sem diferença entre sexos e raças,2,3 com curso clínico crônico e progressivo.4

As lesões caracterizam-se por placas ou nódulos eritêmato-amarelados com atrofia e teleangiectasias que, na evolução, podem ulcerar.4 Em geral, são assintomáticas e múltiplas, embora lesões isoladas tenham sido reportadas.5,6 Têm predileção pela face, especialmente região periorbital, podendo ocorrer no tronco e em membros. A pele é afetada em praticamente todos os casos, e podem estar comprometidos órgãos internos como coração, fígado, sistema nervoso central e pulmões. 5,7 Comprometimento ocular ocorre em 50% dos casos, na forma de conjuntivite, esclerite, lesões semelhantes a xantelasmas nas pálpebras e infiltração granulomatosa da órbita e musculatura ocular extrínseca.5,7

Cerca de 80% dos pacientes apresentam gamopatia monoclonal por IgG,8 sendo 65% desses com cadeia kappa.2 Crioglobulinemia, anemia, leucopenia, hipocomplementemia, aumento da velocidade de hemossedimentação, dislipidemia e intolerância à glicose também podem estar presentes.4 O exame da medula óssea pode mostrar plasmocitose ou mesmo doenças hematológicas malignas, como mieloma múltiplo ou doenças proliferativas de linfócitos B.5,7 Essas alterações podem ocorrer em qualquer fase das lesões cutâneas,6 e não existe relação entre a gravidade da doença cutânea e a das alterações hematológicas.4

Os achados histopatológicos compreendem áreas extensas de necrobiose, infiltrado granulomatoso que acomete derme e tecido subcutâneo. Neste último, são encontradas células gigantes do tipo corpo estranho e Touton, células xantomizadas e fendas de colesterol.4,9

O mecanismo de formação das lesões é desconhecido, assim como sua relação com as alterações hematológicas.10 Postula-se que a paraproteína forme complexos com lipídios, levando à esterificação do colesterol dentro dos macrófagos e à formação de xantomas. 4 Quando depositado, o colesterol produz reação granulomatosa do tipo corpo estranho.11 A gamopatia pode ser o evento inicial, seguido da proliferação de macrófagos portadores de receptores para a porção Fc das IgGs,10 embora estudos com imunoperoxidase descartem a produção local de globulinas ou suas cadeias dentro dos granulomas.3 Para explicar alguns casos de dislipidemia, propõe-se a teoria de que o componente monoclonal poderia interferir com a ligação das lipoproteínas aos receptores de HDL e LDL, levando à elevação dos lipídios séricos.3

O diagnóstico diferencial histopatológico é feito com outras doenças granulomatosas e xantomatosas, como a necrobiose lipoídica, granuloma anular, granuloma de corpo estranho.2,7,12 Clinicamente, o diferencial inclui xantelasma, calázio, necrobiose lipoídica, sarcoidose, xantoma disseminatum e xantogranuloma juvenil.12

Não existem estudos controlados e randomizados estabelecidos para o tratamento do XGN, o qual é geralmente dirigido à anormalidade hematológica subjacente. 10 Agentes alquilantes, como melfalan e clorambucil, são os mais utilizados,13 embora outros regimes quimioterápicos (ciclofosfamida, azatioprina, metotrexate, mostarda nitrogenada, etoposide) tenham sido descritos em relatos de casos, com resultados inconsistentes. Tratamentos com corticóides tópicos, intralesionais ou sistêmicos (incluindo altas doses na forma de pulsos), plasmaférese, hidroxicloroquina, talidomida e interferon- alfa têm sido relatados com sucesso variável e efeitos colaterais consideráveis.4,8,14 Clorambucil parece ser o tratamento mais efetivo no combate a lesões cutâneas extensas, mesmo quando não exista indicação de tratamento de doença sistêmica.4,2 Lesões isoladas podem receber infiltração de triancinolona ou radioterapia. Casos tratados apenas com excisão cirúrgica apresentaram altas taxas de recidiva (40% em um ano), não sendo esse tratamento por isso indicado.2,15

O prognóstico depende da extensão das lesões cutâneas, do envolvimento de órgãos internos e da presença de alterações hematológicas associadas,3 sendo descritas séries de casos com média de 90% de sobrevida em 15 anos. Entre 13 e 20% dos casos com gamopatia monoclonal detectada há o desenvolvimento de doenças linfoproliferativas, 8,11 tendo maior risco aqueles que apresentam paraproteinemia por IgG kappa.4 O paciente deve ser seguido regularmente para detecção precoce de alterações sistêmicas. Apesar de a maior parte dos trabalhos fazer referência à presença de lesões cutâneas múltiplas e associação com paraproteinemia, a paciente apresentada mostrava lesão solitária sem doença hematológica subjacente. Por ter sido retirada completamente na biópsia excisional, optou-se por infiltração local de triancinolona e seguimento com avaliação laboratorial, que até o momento encontra-se normal. O caso ilustra como o dermatologista pode, através do diagnóstico correto das lesões cutâneas, atuar no reconhecimento precoce de doenças sistêmicas que ponham em risco a vida.12

Recebido em 27.11.2006.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 14.08.2007.

  • 1. Kossard S, Winkelmann RK. Necrobiotic xanthogranuloma with paraproteinaemia. J Am Acad Dermatol. 1980;3:257-70.
  • 2. Bullock JD, Bartley GB, Campbell RJ. Necrobiotic xanthogranuloma with paraproteinaemia. Case report and a pathogenetic theory. Ophthalmology. 1986;93:1233-6.
  • 3. Langlois S, Brochot P, Reguiai Z, Bernard Philippe, Moreau E, Gagneux-Lemoussu L, et al. Necrobiotic xanthogranuloma with myeloma. Case report and patho genic hypotheses. Joint Bone Spine. 2006;73:120-2.
  • 4. Stork J, Kodetová D, Vosmík F, Krejca M. Necrobiotic xanthogranuloma presenting as a solitary tumor. Am J Dermatopathol. 2000;22:453-6.
  • 5. McGregor JM, Miller J, Smith NP, Hay RJ. Necrobiotic xanthogranuloma without periorbital lesions. J Am Acad Dermatol. 1993;29:466-9.
  • 6. Burdick AE, Sanchez J, Elgart GW. Necrobiotic xanthogranuloma associated with a benign monoclonal gammopathy. Cutis. 2003 ;72:47-50.
  • 7. Machado S, Alves R, Lima M, Leal I, Massa A. Cutaneous necrobiotic xanthogranuloma (NXG) - successfully treated with low dose chlorambucil. Eur J Dermatol. 2001;11:458-62.
  • 8. Flann S, Wain EM, Halpern S, Andrews V, Whittaker S. Necrobiotic xanthogranuloma with paraproteinaemia. Clin Exp Dermatol 2006;31:248-51.
  • 9. Finan MC, Winkelmann RK. Histopathology of necrobiotic xanthogranuloma with paraproteinemia. J Cutan Pathol. 1987;14:92-9.
  • 10. Meyer S, Szeimies RM, Landthaler M, Hohenleutner S. Cyclophosphamide-dexamethasone pulsed therapy for treatment of recalcitrant necrobiotic xanthogranuloma with paraproteinemia and ocular involvement. Br J Dermatol. 2005;153:443-5.
  • 11. Hohenleutner S, Hohenleutner U, Stolz W, Landthaler M. Nekrobiotisches Xantogranulom mit Augenbeteiligung. Hautarzt. 1995;46:330-4.
  • 12. Mehregan DA, Winkelmann RK. Necrobiotic xan thogranuloma. Arch Dermatol. 1992;128:94-100.
  • 13. Conti A, Póvoa S, Valente NYS, Neto CF, Sotto MN, Sanches Junior JA, et al. Xantogranuloma necrobiótico: relato de caso e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2002;77:211-21.
  • 14. Chang SE, Lee WS, Lee MW, Choi JH, Sung KJ, Moon KC, et al. A case of necrobiotic xanthogranuloma without paraproteinemia presenting as a solitary tumor on the thigh. Int J Dermatol. 2003;42:470-2.
  • 15. Ugurlu S, Bartley GB, Gibson LE. Necrobiotic xan thogranuloma: Long-term outcome of ocular and systemic involvement. Am J Ophthalmol. 2000;129:651-7.
  • Endereço para correspondência/Mailing Address:
    Danielle Mazziero Macedo
    Rua José dos Santos Júnior, 544. Campo Belo
    04609 011 - São Paulo - SP
    Tel.: 11 - 5096 5653
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Escola Paulista de Medicina (EPM) – São Paulo (SP), Brasil.
    Conflito de interesse: Nenhum
    Suporte financeiro: Nenhum
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Ago 2007
    • Recebido
      27 Nov 2006
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br