Accessibility / Report Error

Edema agudo hemorrágico da infância: relato de três casos

Resumos

O Edema Agudo Hemorrágico da Infância é uma vasculite leucocitoclástica pouco frequente, que ocorre, quase exclusivamente, em crianças entre 4 meses e 2 anos de idade. Caracteriza-se, clinicamente, pela tríade febre, lesões purpúricas na face, pavilhões auriculares e extremidades e edema. Embora os achados cutâneos sejam dramáticos e de surgimento rápido, o prognóstico é favorável, com resolução espontânea dentro de 1 a 3 semanas. Descrevem-se três casos cujos achados clínicos e histopatológicos são característicos de edema agudo hemorrágico da infância.

Edema; Púrpura de Schoenlein-Henoch; Vasculite


Acute Hemorrhagic Edema of Infancy is an infrequent leukocytoclastic vasculitis which occurs almost exclusively in children between 4 months and 2 years of age. It is clinically characterized by the triad fever, purpuric lesions on the face, auricular pinna and extremities, and edema. Although the cutaneous findings are dramatic and of rapid onset, the prognosis is favorable, with spontaneous resolution within 1 to 3 weeks. Three cases are described in which clinical and histopathological findings are characteristic of acute hemorrhagic edema of infancy.

Edema; Purpura, Schoenlein-Henoch; Vasculitis


CASO CLÍNICO

Edema agudo hemorrágico da infância: relato de três casos* * Trabalho realizado no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG) - Vitória (ES), Brasil.

Paulo Sergio EmerichI; Patricia Almeida PrebianchiII; Luciene Lage da MottaIII; Elton Almeida LucasIV; Leonardo Mello FerreiraV

IMédico dermatologista - Preceptor de ensino e Responsável pela Clínica Dermatológica do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG) - Vitória (ES), Brasil

IIMédica Pediatra Infectologista do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG) - Vitória (ES), Brasil

IIIMédica patologista do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG) - Vitória (ES), Brasil

IVMédico patologista - Professor adjunto IV de Patologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Vitória (ES), Brasil

VMédico dermatologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Vitória (ES), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Patricia Almeida Prebianchi Alameda Mary Ubirajara s/n - Praia do Canto CEP 29.055-130 - Vitória /ES E-mail: patt.ap@bol.com.br

RESUMO

O Edema Agudo Hemorrágico da Infância é uma vasculite leucocitoclástica pouco frequente, que ocorre, quase exclusivamente, em crianças entre 4 meses e 2 anos de idade. Caracteriza-se, clinicamente, pela tríade febre, lesões purpúricas na face, pavilhões auriculares e extremidades e edema. Embora os achados cutâneos sejam dramáticos e de surgimento rápido, o prognóstico é favorável, com resolução espontânea dentro de 1 a 3 semanas. Descrevem-se três casos cujos achados clínicos e histopatológicos são característicos de edema agudo hemorrágico da infância.

Palavras-chave: Edema; Púrpura de Schoenlein-Henoch; Vasculite

INTRODUÇÃO

O Edema Agudo Hemorrágico da Infância (EAHI) é uma enfermidade cutânea pouco frequente que ocorre, quase exclusivamente, em crianças entre 4 meses e 2 anos de idade. 1

Descrita, inicialmente, por Snow, em 1913, nos EUA, sob o título "Púrpura, urticária e edema angioneurótico de mãos e pés de um bebê". 2 Desde então, alguns casos têm sido relatados na Europa também com a denominação de Doença de Finkelstein e Síndrome Seidlmayer. Raramente, é relatado na literatura americana, provavelmente por ser nos EUA, o EAHI denominado de Púrpura de Henoch-Schonlein (PHS) da infância. 3

As causas do EAHI são desconhecidas, alguns autores consideram a doença como uma forma puramente cutânea da PHS, e outros acreditam ser uma entidade distinta, dentro do espectro das vasculites leucocitoclásticas.4

Caracteriza-se, clinicamente, pela tríade: febre, lesões purpúricas e edema. As lesões purpúricas localizam- se na face, pavilhões auriculares e extremidades, com escassa participação do tronco e são acompanhadas de edema em couro cabeludo, extremidades e, ocasionalmente, em região genital. 5

Embora os achados cutâneos sejam dramáticos e de surgimento rápido, o prognóstico é favorável, com resolução espontânea dentro de 1 a 3 semanas. 1

A associação de febre e lesões purpúricas constitui um desafio para o clínico. Dentro do universo das doenças das quais cursam com esta associação, devemos lembrar sempre da Púrpura de Henoch-Schönlein, da meningococcemia e da septicemia, principais diagnósticos diferenciais do EAHI.

Os autores relatam três casos clínicos de EAHI atendidos no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória/ES. Por se tratar de doença pouco frequente e cujo diagnóstico diferencial se faz com doenças sistêmicas potencialmente graves, chamamos a atenção para o reconhecimento precoce da mesma.

RELATO DOS CASOS

Caso 1

Lactente do sexo masculino, cinco meses de idade, leucoderma, natural e residente em Alfredo Chaves /ES.

Apresentando, há três dias, lesões eritematovioláceas em face, orelhas e extremidades acompanhadas de edema (Figura 1). Febre baixa, irritabilidade e bom estado geral. Antecedentes de infecção de vias aéreas superiores.


Exames complementares: leucograma mostrou leucocitose - com desvio à esquerda - e trombocitose; exame de urina normal e antiestreptolisina O (ASLO) 200uTodd.

Caso 2

Criança do sexo masculino, 22 meses de idade, faioderma, foi atendido em Pronto Socorro, apresentando, há 24 horas, lesões cutâneas purpúricas, localizadas em membros superiores, membros inferiores e face, edema periorbitário, de extremidades e de escroto, febre baixa (Figura 2). Relato de infecção de vias aéreas superiores há 20 dias.


Exames complementares: leucograma normal, anemia discreta e trombocitose; exame de urina normal; provas de coagulações normais. Exame histopatológico evidenciou vasculite leucocitoclástica (Figuras 3 e 4).



Caso 3

Lactente do sexo masculino, 10 meses de idade, apresentando, há 2 dias, lesões purpúricas, em face e membros, com irritabilidade e bom estado geral. Antecedentes de infecção de vias aéreas superiores (Figura 5). Paciente apresentando febre baixa.


Exames complementares: eritrograma, leucograma e plaquetas normais. ASLO 200u Todd. Exame de urina normal. Provas de coagulação normais.

DISCUSSÃO

O EAHI é uma vasculite leucocitoclástica pouco frequente. Desde sua descrição inicial, em 1913, aproximadamente 100 casos desta enfermidade foram relatados em todo o mundo. 6 A maioria dos casos ocorre no inverno, mais provavelmente precipitadas por infecções de vias aéreas superiores, imunizações e hipersensibilidade a drogas. Estafilococos, estreptococos, adenovírus, Escherichia coli e micobactérias também têm sido implicados como prováveis agentes desencadeantes. 1,7

A característica marcante da doença é o aspecto das lesões, semelhantes a medalhões: placas purpúricas anulares, com bordas bem definidas e desenhos vasculares centrais, localizadas em face e extremidades. As lesões atingem até cinco centímetros de diâmetro, não são pruriginosas e surge edema subjacente e doloroso observado, principalmente, nos pés, mãos, couro cabeludo e saco escrotal. Algumas podem apresentar áreas de necrose. Há contraste entre o importante acometimento cutâneo e o bom estado geral da criança. 8-13

O diagnóstico é, essencialmente, clínico. No sangue periférico, podem ocorrer a eosinofilia, a leucocitose e a trombocitose. A velocidade de hemossedimentação é normal ou se encontra pouco elevada. Os níveis de complemento sérico são normais. 14 Os demais exames, tais quais: o coagulograma, o sedimento urinário, a função renal e hepática, o ASLO, a Imunoglobulina A (IgA) e imunoglobulina M (IgM), o Fator antinuclear , o VDRL são normais. O comprometimento sistêmico é raro assim como a recorrência das lesões. 15

Os achados histopatológicos são de uma vasculite leucocitoclástica, com acometimento de pequenos vasos da derme, raramente, se estendendo ao subcutâneo, necrose fibrinoide, extravasamento de hemácias e edema intersticial. A imunofluorescência direta (IFD) revela depósitos de complemento 3 (C3), fibrinogênio e IgM. Imunoglobulina A, Imunoglobulina G e Imunoglobulina E podem ser observados, com frequência bem menor. 9

A Púrpura de Henoch-Schönlein é o principal diagnóstico diferencial do EAHI, existindo diferenças importantes entre as duas enfermidades: a PHS acomete, habitualmente, as crianças entre três e sete anos, as lesões são, principalmente, pápulo-petequiais -localizadas em membros inferiores - e, raramente, apresentam edema subjacente. O envolvimento sistêmico é mais comum na PHS e possui duração média de 30 dias e com recidivas frequentes. Poucas vezes, ocorre necrose fibrinoide e a IFD revela depósitos de IgA. Outros importantes diagnósticos diferenciais do EAHI incluem: lúpus eritematoso neonatal, síndrome de Sweet, eritema multiforme, doença de Gianotti-Crosti e doença de Kawasaki. 15

Não há tratamento específico para o EAHI. Os antibióticos são usados, quando há infecção secundária. Os corticosteroides e anti-histamínicos podem ser usados, porém não há evidências de que estes medicamentos possam trazer algum benefício. 7

Agradecimento especial às Dras. Eloísa Targueta, Valéria Ceotto e Isabel Machado Carvalho por terem referenciado os pacientes ao Serviço de Clínica Dermatológica do HINSG.

Recebido em 04.09.2010.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 12.09.2010.

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1. Lernia VDI, Lombardi M, Scocco GL. Infantile Acute Hemorrhagic Edema and Rotavirus infection. Pediatr Dermatol. 2004; 21:548-50.
  • 2. Caksen H, Odabas D, Kösen M, Arslan S, Ö.ner AF, Atas B, et al. Report of eight infants with Acute Infantile Hemorrhagic Edema and review of the literature. J Dermatol. 2002;29:290-5.
  • 3. Amitai Y, Gillis D, Wasserman D, Kochman RH. Henoch-Schöenlein purpura in infants. Pediatrics. 1993;92:865-67.
  • 4. Paradisi M, Annessi G, Corrado A. Infantile Acute Hemorrhagic Edema of the skin. Cutis. 2001;68:127-9.
  • 5. Cabrera Roca G, Domínguez Ortega F, Perdomo Mesa E, Medina Calvo F, Báez Marrero O. Acute hemorrhagic edema in a nursing infant: a report of 5 cases. An Esp Pediatr. 1998;48:73-5.
  • 6. Roh MR, Chung HJ, Lee JH. A case of acute hemorrhagic edema of infancy. Yonsei Med J. 2004;45:523-26.
  • 7. Gonggryp LA, Todd G. Acute hemorrahagic edema of childhood. Pediatr Dermatol. 1998;15:91-6.
  • 8. Legrain V, Lejean S, Taïeb A, Guillard JM, Battin J, Maleville J. Infantile acute hemorrhagic edema of skin: study of ten cases. J Am Acad Dermatol. 1991;24:17-22.
  • 9. Krause I, Lazarov A, Rachmel A, Grunwald MM, Metzker A, Garty BZ, et al. Acute haemorrhagic oedema of infancy, a benign variant of leucocytoclastic vasculitis. Acta Paediatr. 1996;85:114-7.
  • 10. Lon D, Helm KF. Acute hemorrhagic edema of infancy: Finkelstein disease. Cutis. 1998;61:283-4.
  • 11. Caliskan S, Tasdan Y, Kasapcopur O, Sever L, Tunnessen WW. Acute hemorrhagic edema of infancy. Arch Pediatr Adolesc Med. 1995;149:1267-8.
  • 12. Emerich P, Neves A, Machado I, Fagundes S, Almeida P. Edema agudo hemorragico de la infancia .Dermatol Pediatr Lat. 2005;3:234-38.
  • 13. Criado PR, Valente NYS, Criado RFJ, Sittart JA, Sawaya S. Edema Agudo Hemorrágio do lactente. An Bras Dermatol. 1996;71:403-6.
  • 14. Lantner RR, Simon PR. Acute hemorrhagic edema of unfancy. Pediatr Emerg Care. 1996;12:111-2.
  • 15. Goulart FB, Lage KST, Quintero MV, Pádua PM. Edema Agudo Hemorrágico da Infância. Rev Bras Reumatol. 2004;44:251-4.
  • Endereço para correspondência:
    Patricia Almeida Prebianchi
    Alameda Mary Ubirajara s/n - Praia do Canto
    CEP 29.055-130 - Vitória /ES
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG) - Vitória (ES), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Set 2010
    • Aceito
      12 Set 2010
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br