Acessibilidade / Reportar erro

Terapia fotodinâmica para tratamento de múltiplas lesões no couro cabeludo na síndrome do nevobasocelular: relato de caso

Resumos

A terapia fotodinâmica é uma alternativa eficaz de tratamento para neoplasias cutâneas não melanoma e tem como princípio a utilização de substâncias fotossensibilizantes que, após serem irradiadas com uma fonte de luz de comprimento de onda adequado, destroem seletivamente as células neoplásicas. A Síndrome do Nevobasocelular é uma genodermatose que cursa com o desenvolvimento de inúmeros carcinomas basocelulares em uma idade precoce, submetendo os pacientes a vários procedimentos cirúrgicos, muitas vezes desfigurantes. Este artigo tem como objetivo demonstrar o excelente resultado do tratamento de carcinomas basocelulares no couro cabeludo de uma paciente com a Síndrome do Nevobasocelular.

Carcinoma basocelular; Fotoquimioterapia; Síndrome do nevo basocelular


Photodynamic therapy is an effective alternative for the treatment of non-melanoma skin cancer, selectively destroying the neoplastic cells through the use of photosensitizer substances that are irradiated with a source of light of adequate wave length. Nevoid Basal Cell Carcinoma Syndrome is a genodermatosis characterized by multiples basal cell carcinomas occurring at an early age, compelling patients to various surgeries, some of them disfiguring. The aim of this article is to show the excellent result of the treatment of multiple basal cell carcinomas on the scalp of a patient suffering from Nevoid Basal Cell Carcinoma Syndrome.

Basal cell nevus syndrome; Carcinoma, basal cell; Photochemotherapy


CASO CLÍNICO

Terapia fotodinâmica para tratamento de múltiplas lesões no couro cabeludo na síndrome do nevobasocelular - relato de caso* * Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte - Belo Horizonte (MG), Brasil.

Daniela Rezende NevesI; Daniel Gontijo RamosII; Geraldo Magela MagalhãesIII; Rogério da Costa RodriguesIV; Joana Barbosa Alves de SouzaV

IMédica especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia - Belo Horizonte - (MG), Brasil

IIPreceptor de Dermatologia Cirúrgica da Santa Casa de Belo Horizonte - Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIPreceptor de Dermatologia Cirúrgica e Cosmiátrica da Santa Casa de Belo Horizonte - Belo Horizonte (MG), Brasil

IVMédico especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia - Belo Horizonte - (MG), Brasil

VMédica especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia - Belo Horizonte - (MG), Brasil. Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Dermatologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daniela Rezende Neves Rua Rio Grande do Sul 1030 / apt. 2002 - Santo Agostinho 30170 111 Belo Horizonte - MG, Brasil Tel.: 31 9427 77-44 31 329249-05 E-mail: dani_rez_neves@hotmail.com

RESUMO

A terapia fotodinâmica é uma alternativa eficaz de tratamento para neoplasias cutâneas não melanoma e tem como princípio a utilização de substâncias fotossensibilizantes que, após serem irradiadas com uma fonte de luz de comprimento de onda adequado, destroem seletivamente as células neoplásicas. A Síndrome do Nevobasocelular é uma genodermatose que cursa com o desenvolvimento de inúmeros carcinomas basocelulares em uma idade precoce, submetendo os pacientes a vários procedimentos cirúrgicos, muitas vezes desfigurantes. Este artigo tem como objetivo demonstrar o excelente resultado do tratamento de carcinomas basocelulares no couro cabeludo de uma paciente com a Síndrome do Nevobasocelular.

Palavras-chave: Carcinoma basocelular; Fotoquimioterapia; Síndrome do nevo basocelular

INTRODUÇÃO

Uma variedade de condições cutâneas malignas e pré-malignas, incluindo carcinoma basocelular (CBC), ceratoses actínicas (CA) e doença de Bowen têm sido efetivamente tratadas com terapia fotodinâmica (TFD).1,2

O ácido-5-aminolevulínico (ALA) e o seu derivado metilaminolevulinato (MAL) são fotossensibilizadores tópicos usados na TFD. Quando aplicadas, são seletivamente absorvidas pelas células neoplásicas e são convertidas em uma porfirina fotoativa: a protoporfirina IX.1 Após a iluminação do tecido sensibilizado com uma fonte de luz de comprimento de onda adequado, as porfirinas fotoativas são excitadas e produzem grande quantidade de energia . Esta energia é então transferida para as moléculas de oxigênio, resultando na formação de espécies reativas de oxigênio, especialmente de oxigênio singlet que, por serem citotóxicas, causam a destruição dos tecidos doentes. 1,3 A protoporfirina IX é metabolizada em heme, porque se torna inativo fotodinamicamente dentro de 24 a 48 horas.4

Os efeitos adversos mais comuns são reações fototóxicas, localizadas como sensação de queimação durante o tratamento e eritema, persistindo por mais de 7 dias. Alterações pigmentares são raras e, quando ocorrem, apresentam curta duração. Outras reações são bastante incomuns.5

A aplicação de anestésicos tópicos, antes da irradiação, não deve ser feita uma vez que o pH ácido dos anestésicos pode inativar quimicamente os fotossensibilizadores.6 Em geral, a TFD é bem tolerada e, em alguns casos, a dor pode ser aliviada pelo uso de analgésicos orais, administrados uma hora antes do procedimento.

Embora a cirurgia continue sendo o padrão ouro no tratamento do CBC, a TFD é uma alternativa eficaz para aqueles pacientes com inúmeras lesões, com lesões grandes ou quando o tratamento cirúrgico causará grande dano estético. Uma outra indicação é para os pacientes sem condições clínicas de se submeterem a procedimentos cirúrgicos (idosos, marca passo, distúrbios de coagulação).7

A Síndrome do Nevo Basocelular (SNBC) ou Síndrome de Gorlin-Goltz é uma genodermatose rara, de herança autossômica dominante, com penetrância variável. Mutações no gene PTCHED têm sido implicadas na sua patogênese. Caracteriza -se pelo surgimento de múltiplos CBC em idade precoce e vários estigmas de desenvolvimento anormal.4

A TFD é uma opção terapêutica que oferece excelentes ou bons resultados estéticos,1 o que é de particular importância, quando se trata do CBC, pois é uma neoplasia mais frequente em pacientes relativamente mais jovens, como por exemplo, os portadores da Síndrome do Nevobasocelular.

RELATO DO CASO

S.R, 50 anos, sexo feminino, com várias lesões no couro cabeludo, relatava início do quadro aos 15 anos, com inúmeros procedimentos cirúrgicos desde então.

Ao exame físico, observamos uma lesão eritêmato-ulcerada, medindo 6,0 x 5,0 cm, e três lesões menores medindo, em média, 1,5 x 1,0 cm na região temporal direita e dez lesões eritêmato-peroladas, com tamanho médio de 1,0 x 1,0 cm na região temporal esquerda. A paciente apresentava ainda pits palmo-plantares, hipertelorismo ocular, polidactilia e sindactilia do terceiro e quarto quirodáctilos.

O estudo radiológico não evidenciou cistos odontogênicos e calcificações intracranianas. Foram realizadas biópsias incisionais nas lesões, cujo diagnóstico histopatológico revelou CBC sólido infiltrando a derme (Figura 1), assim, confirmando nossa hipótese clínica de Síndrome do Nevobasocelular.


A paciente foi encaminhada ao serviço de cirurgia plástica para avaliação terapêutica. Em decorrência do grande número de lesões no couro cabeludo, foram sugeridas duas abordagens: exérese das lesões com cicatrização por segunda intenção ou uso de expansores de pele com posterior ressecção das lesões e reconstrução por fechamento primário.

Devido à agressividade destes procedimentos cirúrgicos, de alta morbidade, propusemos a TFD com MAL e luz vermelha de banda estreita para o tratamento das lesões do couro cabeludo.

A primeira sessão de TFD foi realizada no dia 20 de Agosto de 2007. A paciente foi submetida à tricotomia de todo o couro cabeludo, com curetagem das lesões (Figura 2). Em seguida, foi colocada sobre as lesões uma camada da medicação, com espessura de 1 mm e em 5 a 10 mm da pele normal ao redor. 8 Foi utilizado um tubo para as lesões do couro cabeludo. Um curativo com plástico de PVC e papel alumínio foi colocado sobre as lesões para evitar a exposição da medicação à luz. A paciente recebeu um comprimido sublingual de cetorolaco de trometamina 30 mg (ToragesicR), um anti-inflamatório não hormonal, 30 minutos antes da iluminação. Após 3 horas, retiramos a camada de MAL e a área foi irradiada com uma fonte LED, usando luz vermelha (Aktlite), com comprimento de onda médio de 670 nm e com fluência total de 37J/cm2, durante 7 minutos e 50 segundos. A paciente tolerou muito bem o tratamento não sendo necessária a interrupção, em nenhum momento, da irradiação.


A paciente retornou ao serviço, após 1 semana, sem apresentar queixas. Ao exame físico, apresentava eritema e crostas aderentes no couro cabeludo, sem sinais infecciosos. No dia 10 de Setembro de 2007, foi realizada a segunda sessão. Com uma cureta, foram removidas as crostas e realizado o procedimento da mesma forma que na primeira sessão.

Uma semana após o procedimento, a paciente retornou ao serviço apresentando crostas melicéricas nas áreas tratadas (Figura 3), sendo iniciado tratamento com antibiótico tópico, mupirocina a 2% em creme, duas vezes ao dia durante 10 dias, com melhora do quadro. Novas biópsias para controle de cura foram realizadas, 9 meses após o tratamento com TFD (Figura 4). A paciente permanece em acompanhamento no serviço e, até o momento, não foram identificadas novas lesões, nem áreas de alopecia, na área tratada (Figura 5).




DISCUSSÃO

Existem várias opções de tratamento para os CBC. O tratamento cirúrgico é a opção terapêutica de escolha sempre com margem de segurança, e obedecendo a um planejamento prévio, adequado ao tipo histológico, tamanho e localização do CBC.9 A reconstrução por expansor de pele é útil, em lesões grandes ou múltiplas, em áreas como: couro cabeludo e região cervical . Uma das desvantagens deste procedimento é a realização do tratamento em dois tempos cirúrgicos e o grande desconforto físico e psicológico, durante a expansão da pele, que é lenta e gradual. Em termos gerais, indica-se o uso de expansores, quando se requer o melhor resultado estético, sem que haja outra alternativa de reconstrução com resultado comparável.

A impossibilidade de controle histopatológico e a hiperpigmentação residual são algumas das desvantagens da crioterapia.

Entre as desvantagens da radioterapia, estão: a impossibilidade de assegurar (por exame microscópico); a inclusão de toda a extensão da lesão (dentro do campo de tratamento) e a dificuldade de execução futura de procedimentos cirúrgicos nas áreas irradiadas (em virtude da formação de tecido fibrótico).

Dijkstra et al mostrou tratamento bem sucedido de carcinomas basocelulares com TFD, usando ALA e luz vermelha (400-450 mm) na população que estudou, incluindo três pacientes com SNBC. A possibilidade de tratar grandes áreas em um único procedimento permite aos portadores da síndrome tratar, não só os carcinomas basocelulares clínicos, mas também os subclínicos sem nenhuma cicatriz. 10

A TFD se mostrou a opção mais adequada para o tratamento da nossa paciente, em razão tanto ao número e tamanho das lesões, quanto à localização. As duas sessões foram bem toleradas, tendo como única intercorrência infecção bacteriana secundária, após a segunda sessão. Apesar do CBC pigmentado não ser uma indicação ao tratamento com TFD, observamos uma diminuição importante do tumor o que possibilitou sua remoção com fechamento primário. O resultado estético foi excelente e não houve nenhum prejuízo à repilação do couro cabeludo, particularmente interessante, graças ao sexo da paciente (Figura 5).

A TFD é uma alternativa terapêutica para as lesões malignas não melanoma11 e extensas, uma vez que outros métodos, como: a radioterapia, criocirurgia ou a cirurgia convencional, podendo acarretar, além de cicatrizes indesejáveis, alopecia cicatricial.12

Recebido em 29.12.2008.

Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 29.01.2010

Conflito de interesse: Nenhum

Suporte financeiro: Nenhum

  • 1. Braathen LR, Szeimies RM, Basset-Seguin N, Bissonnette R, Foley P, Pariser D, et al. Guidelines on the use of photodynamic therapy for nonmelanoma skin cancer: an international consensus. International Society for Photodynamic Therapy in Dermatology, 2005. J Am Acad Dermatol. 2007;56:125-43.
  • 2. Varma S, Wilson H, Kurwa HA, Gambles B, Charman C, Pearse AD, et al. Bowen's disease, solar keratoses and superficial basal cell carcinomas treated by photodynamic therapy using a large-field incoherent light source. Br J Dermatol. 2001;144:567-74.
  • 3. Gandey A. Guidelines support photodynamic therapy for several nonmelanoma skin cancer. 2007;1-3. [cited 2009 Abr. 01]. Avaiable from: http://www.medscape.com/viewarticle/551337
  • 4. Itkin A, Gilchrest BA. delta-Aminolevulinic acid and blue light photodynamic therapy for treatment of multiple basal cell carcinomas in two patients with nevoid basal cell carcinoma syndrome. Dermatol Surg. 2004;30:1054-61.
  • 5. Kormeili T, Yamauchi PS, Lowe NJ. Topical photody namic therapy in clinical dermatology. Br J Dermatol. 2004;150:1061-9.
  • 6. Foley P. Clinical efficacy of methyl aminolaevulinate photodynamic therapy in basal cell carcinoma and solar keratosis. Australas J Dermatol. 2005;46(Suppl3):S8-10.
  • 7. Babilas P, Karrer S, Sidoroff A, Landthaler M, Szeimies RM. Photodynamic therapy in dermatology - an update. Photodermatol Photoimmunol Photomed. 2005;21:142-9.
  • 8. Siddiqui MAA, Perry CM, Scott LJ. Topical Methyl Aminolevulinate. Am J Clin Dermatol 2004;5:127-137.
  • 9. Szeimies RM, Morton CA, Sidoroff A, Braathen LR. Photodynamic therapy for non-melanoma skin cancer. Acta Derm Venereol. 2005;85:483-90.
  • 10. Gold MH, Goldman MP. 5-aminolevulinic acid photodynamic therapy: where we have and we are going. Dermatol Surg. 2004;30:1077-83.
  • 11. Torezan L, Neto CF, Niwa ABM. Terapia fotodinâmica em dermatologia: princípios básicos e aplicações. An Bras Dermatol. 2009;84:445-59.
  • 12. Lui H, Hobbs L, Tope WD, Lee PK, Elmets C, Provost N, et al. Photodynamic therapy of multiple nonmelanoma skin cancers with verteporfin and red light-emitting diodes: two-year results evaluating tumor response and cosmetic outcomes. Arch Dermatol. 2004;140:26-32.
  • Endereço para correspondência:
    Daniela Rezende Neves
    Rua Rio Grande do Sul 1030 / apt. 2002 - Santo Agostinho
    30170 111 Belo Horizonte - MG, Brasil
    Tel.: 31 9427 77-44 31 329249-05
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia do Hospital Santa Casa de Belo Horizonte - Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Dez 2008
    • Aceito
      29 Jan 2010
    Sociedade Brasileira de Dermatologia Av. Rio Branco, 39 18. and., 20090-003 Rio de Janeiro RJ, Tel./Fax: +55 21 2253-6747 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@sbd.org.br