EDITORIAL
Precisamos diagnosticar o diabetes Latente Autoimune do Adulto (LADA)?
Maria Elizabeth Rossi da Silva
Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo USP, São Paulo, SP
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Elizabeth Rossi da Silva Laboratório de Investigação Médica LIM-18 Av. Dr. Arnaldo 455, sala 3324 01246-903 São Paulo, SP E-mail: mbeth@usp.br
ROSÁRIO E COLS. (1), Em excelente estudo, compararam 54 portadores de LADA com pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Os pacientes com LADA e títulos elevados de anticorpo anti-GAD tinham idade semelhante àqueles com baixos títulos de anti-GAD, mas menor freqüência dos componentes da síndrome metabólica, representados por menor resistência insulínica e IMC, menor freqüência de hipertensão, menores níveis de triglicérides e maiores de HDL-c. Progrediram para necessidade de insulinoterapia em 84% decorridos 6 anos versus 50% daqueles com baixos títulos de anti-GAD e 40% dos DM2. Pacientes com títulos elevados de anti-GAD insulinizados precocemente mantiveram a reserva insulínica, avaliada pelos níveis de peptídeo C, sugerindo efeito benéfico da insulinização precoce.
Diabetes mellitus é doença heterogênea, com distintos fenótipos, etiologias e determinantes genéticos (2). LADA ainda carece de definição precisa. Situa-se entre DM1 e DM2. Há vários questionamentos sobre LADA. É entidade distinta ou um espectro do diabetes imuno-mediado? Requer diagnóstico e terapia específica? Vamos considerar alguns parâmetros:
1) O fenótipo de LADA contempla magros a obesos. Rosário e cols. (1) verificaram no LADA, em relação ao DM2, menor número de componentes da síndrome metabólica, mas estes dados não foram confirmados por outros autores, particularmente quanto à resistência à insulina, que depende do IMC e controle glicêmico. Em estudo onde avaliamos pacientes com diagnóstico de DM2 (3), os portadores de autoanticorpos não diferiram daqueles sem autoanticorpos quanto à idade de diagnóstico, duração do diabetes ou do tratamento antes da introdução da insulinoterapia e prevalência de complicações crônicas. O perfil lipídico era semelhante, exceto por menores níveis de colesterol no grupo com autoanticorpos. Recentemente, Fourlanos e cols. (4) sugeriram cinco critérios clínicos para diferenciar LADA de DM2: idade do início do diabetes < 50 anos, sintomas agudos ao diagnóstico, IMC < 25 kg/m2, história pessoal e familiar de doença autoimune. Não incluiu outros componentes da síndrome metabólica como critérios diagnósticos. Assim, a definição de LADA ainda baseia-se na presença de anticorpo anti-GAD em pacientes com início de DM acima de 35 anos de idade e que são independentes de insulina por pelo menos 6 meses após o diagnostico (The Immunology of Diabetes Society).
2) Estudos epidemiológicos sobre LADA esbarram em problemas metodológicos. Idade de início da doença e necessidade precoce de insulina não são parâmetros adequados para definir uma patologia. A idade de aparecimento do DM autoimune no adulto depende do grau de falência das células beta e da sensibilidade à insulina.
3) A dosagem do peptídeo C para avaliar secreção residual de insulina requer cautela. Considerando dois indivíduos portadores de anti-GAD, um magro e outro obeso, o magro insulino-sensível, que requer menos insulina para manter glicemia normal, terá menos células beta funcionantes ao diagnóstico, o que reduzirá sua resposta a secretagogos ou sensibilizadores de insulina, encurtando o intervalo de tempo para início da insulinoterapia. O obeso, ao desenvolver DM, terá maior reserva de insulina e poderá se beneficiar do uso prolongado de hipoglicemiantes, e será classificado como DM2. A diferença entre eles é a sensibilidade à insulina e não o processo patológico de base. Também não está claro se o nível de peptídeo C mede acuradamente a massa residual de células beta, pois não há dados de biópsia que estabeleçam relação entre massa de células beta e capacidade secretora de insulina.
4) Marcadores genéticos. Embora diabetes autoimune seja doença poligênica, a maior contribuição vem da região HLA. Em São Paulo, observamos maior freqüência dos alelos de risco HLA-DQB1*0201 e/ou *0302 e -DRB1*03 e/ou DRB1*04 em mais de 80% dos DM1 e dos alelos classe I do VNTR do gene da insulina em 94%, enquanto o alelo de proteção DQB1*0602 foi muito raro nos diabéticos (2,7%) (5). Tais alelos de susceptibilidade, também freqüentes no LADA (6), não ajudam na distinção entre LADA e DM2 porque são comuns na população geral (acima de 35%), ocorrendo freqüentemente no DM2. Também, com a idade, a freqüência de alelos HLA de risco diminui e a de -DQB1*0602, de proteção, aumenta no LADA. Assim, a genética pouco auxilia na identificação de DM autoimune do adulto.
5) Autoanticorpos, presentes em 11,6% dos adultos com DM (2), são um diferencial. Os anticorpos mais freqüentes são anti-ilhota-ICA e anti-GAD (2). ICA não é mais dosado por ser método difícil e pouco reprodutível. O diagnóstico de LADA depende do anti-GAD. No entanto, o ponto de corte dos valores positivos de anti-GAD é ainda arbitrário. Rosário e cols. (1) definiram níveis elevados como 17,2 U/mL (correspondente à mediana dos valores do anticorpo) e verificaram que anticorpos em baixos títulos não necessariamente prediziam progressão para insulinoterapia. A presença de autoanticorpo é forte preditor de necessidade precoce de insulina nos mais jovens, mas menos importante nos mais idosos (> 55 anos). Metade dos portadores do anticorpo não irão utilizar insulina em 6 anos (2).
O anticorpo anti-GAD tem outras limitações. O LADA que progride para insulinoterapia tem anti-GAD contra a porção média e carboxiterminal da molécula, e grande prevalência de autoanticorpos anti-tireóide. Os portadores de anticorpo anti-GAD contra a porção média da molécula têm comportamento semelhante ao DM2, e baixo risco de dependência de insulina. Tal anticorpo poderia resultar de reatividade cruzada com outro antígeno, talvez justificando o fato de anticorpos em baixos títulos muitas vezes desaparecerem. Considerar ainda que anti-GAD não está sempre presente no DM autoimune e a sua ausência não afasta esta patologia.
6) A determinação do anti-GAD auxilia a decidir quando iniciar a insulinoterapia? Os resultados de Rosário e cols. (1) são animadores. O UKPDS (2) também mostrou que os portadores de autoanticorpos progrediam com maior freqüência para insulinoterapia, mas o tratamento com insulina, dieta ou sulfoniluréia não interferiu nesta progressão num seguimento de 10 anos, contrariando tais resultados. Alguns trials em andamento estão avaliando o uso de rosiglitazona, peptídeo HSP e GAD65 em portadores de LADA, mas ainda faltam estudos multicêntricos para referendar este tratamento.
Assim, DM autoimune é altamente prevalente em adultos. Não sabemos se o mecanismo de destruição das células beta é igual ao dos jovens e se irão responder de forma semelhante à terapia imunomoduladora ou imunossupressora. Não há, ainda, recomendação para dosar autoanticorpos em adultos com DM2. Diagnosticar o diabetes autoimune em indivíduos erroneamente classificados como tipo 2 é importante, pois alerta para provável deficiência de insulina, evitando o atraso na insulinoterapia. A freqüente associação entre LADA e autoimunidade tiroidiana também reforça esta avaliação nesses pacientes. Finalmente, a identificação de LADA permite medidas preventivas em centros especializados, como a aqui apresentada, para proteger a função residual das células beta.
REFERÊNCIAS
1. Rosário PWS, Reis JS, Fagundes TA, Calsolari MR, Amim R, Silva SC, et al. Latent Autoimmune Diabetes in Adults (LADA): usefulness of anti-GAD antibody titers and benefit of early insulinization. Arq Bras Endocrinol Metab 2007; 51(1):52-58.
2. Davis TM, Wright AD, Mehta ZM, Cull CA, Stratton IM, Bottazzo GF, et al. Islet autoantibodies in clinically diagnosed type 2 diabetes: prevalence and relationship with metabolic control (UKPDS 70). Diabetologia 2005; 48(4):695-702.
3. Silva MER, Ursich MJM, Rocha DM, Fukui RT, Correia MRS, Marui S, et al. Diabetes autoimune em adultos: características clínicas e autoanticorpos. Arq Bras Endocrinol Metab 2003; 47(3):248-55.
4. Fourlanos S, Perry C, Stein MS, Stankovich J, Harrison LC, Colman PG. A clinical screening tool identifies autoimmune diabetes in adults. Diabetes Care 2006; 29(5):970-5.
5. Davini E, Silva MER, Alves LI, Latronico AC, Correia MRS, Fukui RT, et al. Locus INS VNTR conferred independent risk to type 1 diabetes mellitus in Brazilians. The Endocrine Society's 81th Annual Meeting, 2006, Boston. Program & Abstracts. 2006. P3-490, p. 760.
6. Desai M, Zeggini E, Horton VA, Owen KR, Hattersley AT, Levy JC, et al. An association analysis of the HLA gene region in latent autoimmune diabetes in adults. Diabetologia 2007; 50(1):68-73.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
12 Abr 2007 -
Data do Fascículo
Fev 2007