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História da indexação dos ABE&M: razão, trabalho e emoção

EDITORIAL

História da indexação dos ABE&M: razão, trabalho e emoção

Valéria Guimarães

Presidente da SBEM - Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Valéria Guimarães SBEM - Associação Médica de Brasília SEPS 713/913 - Bloco E, sala B 70390-135 Brasília, DF Telefax: (61) 245-5544 / 245-5534 E.Mail: endocrino@ambr.com.br

Da Razão

Costumava-se dizer que se um trabalho científico não fosse publicado, ele não existiria. Com o crescimento rápido e a ampla disponibilidade da Internet, o acesso à informação passou a ser instantâneo e ilimitado. De tal forma que, se uma publicação não puder ser encontrada por meio eletrônico, ela hoje é pouco útil e, em termos práticos, também não existe. O desafio que nos resta, como consumidores de informação científica, é julgar o valor e a veracidade da informação com a qual estamos quase constantemente sendo bombardeados.

Hoje, uma pesquisa da palavra endocrinologia no Google revela mais de 162.000 citações de HomePages; da palavra endocrinology, 1.430.000. Há mais de 25.000 revistas que publicam material científico relacionado a biomedicina. Logo, não é mais possível se inteirar de tudo que é publicado e precisamos ser cada vez mais seletivos. Uma da formas mais consagradas de qualificação científica na área médica é a referência pelo Index Medicus.

O primeiro volume do Index Medicus foi publicado em 1879, chamado "The Catalog of the Library of Surgeons General Office USA". Posteriormente, surgiram mudanças no título, bem como na freqüência. Em 1960, a National Library of Medicine (NLM) começou a indexar a literatura biomédica. Uma revista que é incluída no Index Medicus é denominada "Indexada". Enquanto apenas revistas com uma política editorial bem elaborada (peer-reviewed) são consideradas elegíveis para indexação, nem todas são consideradas de qualidade suficientemente alta para inclusão no MEDLINE, a contrapartida eletrônica do Index Medicus (IM/MEDLINE) e, como tal, serem acessíveis através do PubMed. Há um processo anual de revisão, onde novas (e antigas) revistas são consideradas para indexação. O Comitê de Seleção valoriza características como tempo de atividade da revista, regularidade da publicação, qualidade do processo de revisão e importância dos temas publicados.

Tudo somado, depreende-se que a qualificação de uma informação científica hoje depende criticamente de a) sua publicação; b) sua disponibilidade eletrônica; e c) sua veiculação por uma revista indexada.

Publicações científicas são uma parte essencial do mundo da medicina. Projetos de pesquisa simplesmente não estão completos se não tiverem sido submetidos à avaliação de revisores, publicados e expostos à crítica da comunidade médica.

Os Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia (ABE&M), marca registrada e publicação científica oficial da SBEM há 53 anos, tem cumprido esse papel com o mérito que nos orgulha a todos. Desde Waldemar Berardinelli e Thales Martins (1951-1955), passando por Clementino Fraga Filho (1956-1963), Luiz Carlos Lobo (1964-1972), Armando de Aguiar Pupo (1978-1982), Antônio Roberto Chacra (1983-1990), Rui Monteiro de Barros Maciel (1991-1994) e chegando a Claudio Elias Kater (1995-presente), seus Editores e respectivos Conselhos Editoriais têm ensejado crescente aprimoramento e profissionalismo editoriais.

Editores de revistas são freqüentemente visualizados como abnegados pescadores e selecionadores de manuscritos. Eles fazem isso, sim, mas fazem muito mais. Precisam ter espírito criativo, antever o futuro da especialidade e discernir não apenas o que os leitores querem, mas, ainda mais importante, o que eles necessitam. Precisam ainda ter prazer em ajudar outros a melhorar seus trabalhos, adorar ler e escrever e, idealmente, ser imunes a pressões. Claudio Kater, atual Editor-Chefe dos ABE&M, além de todos esses predicados, empenhou-se, diligente e talentosamente, nestes 10 anos, para tornar os ABE&M uma revista de classe e repercussão internacional. Conseguiu. A formalização do processo de indexação dos ABE&M foi um desfecho natural.

A noção de que a somatória desta já excelente reputação com a almejada indexação despertaria ainda maior interesse entre os leitores e maiorÊdesejo entre os pesquisadores de língua portuguesa para veicular suas pesquisas nos ABE&M, naturalmente constituiu um estímulo a mais. Uma conseqüência natural seria a geração de maior aporte financeiro de patrocinadores e assinantes para os próprios ABE&M/SBEM, possibilitando maiores investimentos no aprimoramento da revista. O exemplo mais conhecido no mercado editorial é o caso do NEJM. The New England Journal of Medicine é uma destas revistas médicas que detém elevadíssimo índice de impacto e também pleno êxito financeiro. Em 1998 obteve um investimento de publicidade e assinantes superior a 70 milhões de dólares.

Do Trabalho

A intenção da atual Diretoria Nacional da SBEM de valorizar prioritariamente os ABE&M veio mesmo antes da posse. Intuímos que muitos de nós associados não tínhamos a exata dimensão da importância dos ABE&M, menos ainda de sua história. Por isso, convidamos o Dr. Claudio Kater a apresentar um retrospecto dos 50 anos dos ABE&M durante a solenidade de abertura do 25º. Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia, em Setembro de 2002. Ao assumirmos a Diretoria Nacional, declaramos o compromisso de que os ABE&M continuariam a publicar e repercutir o melhor da endocrinologia nacional disponível. Todavia, era durante as reuniões ordinárias da Diretoria que a velha e recorrente pergunta sempre vinha à tona: Porque os ABEM não são indexados ? Decidimos buscar a resposta.

Durante o Encontro SBEM/AACE/EndoRecife 2003, a Diretoria apresentou a revista a John P. Bilezikian - Editor-in-Chief do Journal of Clinical Endocrinolgy & Metabolism e convidado do evento, na tentativa de identificar nosso real problema e lhe solicitar orientações para que pudéssemos vencer as dificuldades na National Library of Medicine. Após uma rápida apresentação, Bilezikian disse que iria para o quarto avaliar melhor e que nos encontraria em 30 minutos. Interminável meia hora. Quando voltou, trazia um sorriso no rosto, dizendo que não via qualquer razão para ainda não estarmos indexados; mais: já havia enviado um e-mail para Sheldon Kotzin, Scientific Review Administrator of the National Library of Medicine, nos apresentando e antecipando que em breve estaríamos "aplicando" à indexação.

A partir daí, a pergunta mudou para um tom mais otimista: - Porque não ? Sentíamos que havia chances de indexação e corremos para formalizar o pedido. Claudio tratou de apressar a edição vindoura dos ABE&M, cujo tema era Neuroendocrinologia e que realmente ficou primorosa. Ato contínuo, escreveu uma carta-relato contando toda a trajetória de revista e expondo seu impacto atual e suas perspectivas. Para instruir o processo, buscamos apoio de lideranças nacionais e internacionais da nossa especialidade. Assim, cartas de Leslie DeGroot, John Baxter, John Bilezikian e Shlomo Melmed se juntaram a cartas de Antonio Bianco, Geraldo Medeiros-Neto, Rui Maciel, Hans Graf e Ilan Irony. E que cartas! A Diretoria Nacional preparou também um documento sobre a SBEM, realçando nossa pujança, crescimento e credibilidade. Compunha-se, assim, o dossiê que deveria ser submetido até Setembro de 2003, para que pudesse ser finalmente apreciado em Fevereiro de 2004. Seguiu-se uma série de telefonemas para Sheldon Kotzin, deflagrados pelo Bianco, Bilezikeian e João Lindolfo Borges, monitorizando a chegada das cartas de apoio. Aumentava a perspectiva de o sonho se tornar realidade.

Então, depois de todo esse esforço coletivo, compreendemos que o pedido de indexação deveria ser entregue em mãos. Solicitamos uma audiência com Sheldon Kotzin para a apresentação formal (e verbal) da revista. Fui atendida com presteza por Kotzin, que me reservou 30 minutos em sua agenda do dia 12 de Setembro. Fui recebida com um sorriso e com uma exclamação, por um simpático senhor de cabelos brancos: "-Nunca nenhum presidente veio aqui defender sua revista. Estou verdadeiramente surpreso! Os próximos minutos de conversa me mostraram que Sheldon Kotzin estava já sensível ao nosso pleito. Havia estudado com detalhes nossas edições antigas, que o Cláudio lhe enviava ordinariamente. Sabia da regularidade, diversidade e do potencial impacto da mesma sobre os países de língua portuguesa. Enfim, ele também havia feito o dever de casa. Quis esclarecimentos sobre a Comissão Editorial e potenciais conflitos de interesse com a indústria farmacêutica. Pediu para que eu traduzisse tema por tema os artigos originais da Edição de Apresentação, aquela da Neuroendocrinologia. Convenceu-se prontamente da isenção científica dos ABE&M. À minha percepção, iam-se somando pontos nesta seqüência extraordinária de eventos desencadeados apenas 3 meses antes... e sem nenhum obstáculo. Nos despedimos já com o mês de Fevereiro de 2004 pré-agendado. Novamente com um sorriso, disse que eu deveria sinceramente pensar na carreira de advogada. Os Deuses definitivamente estavam do lado dos ABE&M...

Da Emoção

Nos cinco meses que se seguiram experimentamos sentimentos de ansiedade, incertezas e dúvidas. Fevereiro não chegava. O coração dizia que tudo ia dar certo, mas não seria prudente, nem producente, espalhar expectativas. A torcida crescia, mas, como bem disse o Claudio, o grito estava abafado. Fevereiro finalmente chegou e o nosso detetive Bianco novamente entrou em cena. Conseguiu antecipada e extra-oficialmente, da voz do próprio Kotzin, a decisão que queríamos ouvir: havíamos conseguido a indexação! Soltamos a boa notícia via internet, Claudio Kater escreveu o editorial da Folha SBEM e a festa da indexação está programada para o CBEM de Florianópolis.

Em Março último, tivemos uma nova audiência com Sheldon Kotzin. Desta vez, fui acompanhada do Claudio e fomos novamente muito bem recebidos. Kotzin nos contou que o processo de seleção foi duro e que apenas 10% dos periódicos submetidos à avaliação foram aceitos, dentre eles os ABE&M. Disse ainda que passamos com "very good", abaixo apenas de "excelent" Ficamos ainda mais orgulhosos dos ABE&M. Claudio, então, pleiteou a indexação retroativa, incorporando todos os volumes anteriores. O processo agora está em discussão, porém com grande probabilidade de aceitação.

Desde então, o Conselho Editorial dos ABE&M e a Diretoria Nacional da SBEM não pararam. O Conselho com novas idéias prontas para serem executadas. Claudio Kater não para de pensar! A Diretoria Nacional investindo fortemente no melhoramento da estrutura funcional e, principalmente, na regulamentação da revista. Uma regulamentação contemporânea, que atenda preceitos formais e propicie instrumentos facilitadores de uma trajetória ainda mais consagradora.

Ao escrever este relato lembrei-me muitas vezes de Luiz César Povoa, grande entusiasta e permanente incentivador dos ABE&M, além de talentoso historiador da nossa SBEM. Ele constantemente evoca a importância do passado para a construção do futuro, doutrinando que o passado precisa ser escrito para ser valorizado por futuras gerações.

O resultado que agora celebramos não teria sido alcançado se a revista fosse medíocre. A indexação foi obtida exatamente porque a revista é grandiosa. O mérito maior é dos autores, revisores e editores que neste meio século fizeram a grandeza dos ABE&M, contudo a atual Diretoria da SBEM tem a real noção de sua participação.

Não fizemos muito, mas o que fizemos foi decisivo. Em Fevereiro de 2003, Maria Silva Sucupira, Luís Cláudio de Castro, Mariângela Sampaio, Luciana Ansanelli Naves, João Lindolfo Borges e eu achávamos que seria uma honra e um privilégio ímpares dirigir a gestão 2003-2004 da SBEM. Agora, após várias conquistas, mas principalmente após a indexação dos ABE&M, não achamos mais. Temos certeza.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 2004
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