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Perfil em ácidos graxos hepáticos de ratos com esteatose induzida pela dieta AIN-93 atenuada pela substituição parcial do óleo de soja por dieptanoína e trieptanoína

Hepatic fatty acid profile of rats with AIN-93 diet-induced steatosis attenuated by the partial substitution of soybean oil by diheptanoin and triheptanoin

CARTA AO EDITOR

Perfil em ácidos graxos hepáticos de ratos com esteatose induzida pela dieta AIN-93 atenuada pela substituição parcial do óleo de soja por dieptanoína e trieptanoína

Hepatic fatty acid profile of rats with AIN-93 diet-induced steatosis attenuated by the partial substitution of soybean oil by diheptanoin and triheptanoin

Nassib Bezerra BuenoI; Maria Adriana Firmino da SilvaI; Ingrid Sofia Vieira de MeloI; Terezinha da Rocha AtaídeI; Suzana Lima de OliveiraI; Antônio Euzébio Goulart Sant'AnaII

IFaculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil

IIInstituto de Química e Biotecnologia, UFAL, Maceió, AL, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Nassib Bezerra Bueno Laboratório de Nutrição Experimental Faculdade de Nutrição Universidade Federal de Alagoas, UFAL Campus A. C. Simões, Cidade Universitária BR 104 Norte, Km 97 57.072-970 - Tabuleiro dos Martins, Maceió, Brasil nassibbb@hotmail.com

Em estudos anteriores foram relatadas as repercussões metabólicas hepáticas do consumo crônico de dieptanoína e trieptanoína, di e triacilgliceróis homogêneos do ácido enântico (heptanoico; 7:0), discutidas no trabalho de Silva e cols. (1) e, posteriormente, no estudo de Ataíde e cols. (2), que mostraram que esses acilgliceróis exercem um potencial efeito hepatoprotetor contra a esteatose, numa feição dose-dependente. O perfil em ácidos graxos (AG) de lipídios dietéticos determina a incorporação e a composição em AG das membranas biológicas, alterando diversas funções celulares (3), principalmente pela modulação dos AG esterificados aos fosfolipídios de membrana (4). Dessa forma, investigar a repercussão do consumo crônico de dieptanoína e trieptanoína sobre a modulação do perfil em AG dos lipídios hepáticos de ratos e se tal modulação guarda alguma relação com a esteatose apresentada pelos animais reveste-se de particular importância.

Naquele estudo (1), os ratos foram alocados em quatro grupos, nomeados conforme a dieta a que haviam sido submetidos: grupo TAGC70, dieta padrão AIN-93 (5), cuja fonte lipídica é o óleo de soja; grupo TAGC730, dieta com 30% de substituição do óleo de soja pelo óleo experimental (64% trieptanoína, 34% dieptanoína, 2% monoeptanoína); grupo TAGC750, dieta com 50% de substituição do óleo de soja pelo óleo experimental; e, grupo controle, com ração para roedores Labina®. Até os dois meses de idade, os animais dos grupos TAGC70, TAGC730 e TAGC750 receberam a versão G (growth) da dieta AIN-93; a partir daí até o final do experimento, a versão M (maintenance).

Os animais dos grupos TAGC70, TAGC730 e TAGC750, cujos teores lipídicos hepáticos totais foram significativamente superiores aos do grupo controle, apresentaram quadro de esteatose hepática (EH), discutido nos trabalhos de Silva e cols. (1) e Ataíde e cols. (2). O grupo TAGC70 apresentou o dobro (80%) do número de casos graves, graus 4 e 5, quando comparado ao grupo TAGC750 (40%), conforme estadiamento da EH em ratos, estabelecido naqueles trabalhos. Os animais do grupo controle não apresentaram EH. Tal achado histológico levou o grupo de pesquisadores a desenvolver o presente estudo, visando determinar se a substituição do óleo da dieta pelo óleo experimental induziu diferenças importantes no perfil em AG dos lipídios hepáticos e se tal perfil guardou relação com a infiltração gordurosa encontrada.

Para a presente proposta, procedeu-se à extração por solventes orgânicos e à determinação dos lipídios totais dos fígados dos ratos oriundos daqueles trabalhos (1,2), seguidas por saponificação, conforme Gilani e cols. (6). Aos extratos lipídicos, adicionou-se solução de KOH 0,1 M, e a mistura reacional foi mantida sob refluxo, por 2 horas. O material saponificado resultante foi acidificado com HCl 0,1 M para obtenção dos AG livres, que foram recuperados com clorofórmio e submetidos à metilação com BF3 em metanol (14%), à temperatura ambiente, por 72 horas. O produto reacional foi purificado por cromatografia em coluna de gel de sílica, utilizando-se clorofórmio como eluente, para obtenção dos ésteres metílicos de AG.

O perfil em AG do tecido hepático dos animais foi determinado por cromatografia gasosa de alta resolução dos ésteres metílicos, utilizando-se um cromatógrafo a gás (HP 5890), equipado com uma coluna capilar SP-2560 (Supelco; 100 m x 0,25 mm x 0,2 μm), acoplado a um detector de ionização de chama. A programação de temperatura foi 130ºC (1 min) a 170ºC (6,5ºC/min), 170ºC a 215ºC (2,75ºC/min), 215ºC (12 min), 215ºC a 230ºC (4ºC/min) e 230ºC (3 min). As temperaturas do injetor e detector foram de 270ºC e 280ºC, respectivamente. As amostras (0,3 μl) foram injetadas pela técnica de injeção direta. Os AG foram identificados por comparação com cromatograma de padrões de AG metilados e eluídos nas mesmas condições. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFAL, tendo sido aprovado sob o número 001316/2002-30.

Os resultados foram avaliados segundo os pressupostos paramétricos de normalidade (teste de Lilliefors) e homogeneidade das variâncias dos resíduos (teste de Levene). Para os AG que apresentaram resíduos com uma distribuição normal padronizada e homocedásticos, realizou-se análise de variância (ANOVA; p < 0,05) e suas médias foram comparadas pelo teste post-hoc de Tukey-HSD (p < 0,05). Para os demais AG, utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis (teste χ2; p < 0,05) e suas médias foram comparadas pelo teste post-hoc de

Nemenyi (p < 0,05). Adicionalmente, foi realizado teste de correlação linear de Spearman entre graus de EH e concentração hepática de AG palmítico e linoleico (p < 0,05).

Diferente dos ácidos heptadecanoico, γ-linolênico, docosa-hexaenoico, mirístico, pentadecanoico, esteárico e α-linolênico, as concentrações hepáticas dos ácidos palmítico, palmitoleico, oleico, linoleico e 11,14,17- eicosatrienoico diferiram significativamente entre os grupos estudados (Tabela 1).

Os fígados dos animais que receberam o óleo experimental, grupos TAGC730 e TAGC750, apresentaram níveis significativamente menores de palmitato e oleato do que aqueles do grupo TAGC70 (p < 0,05). Curiosamente, o grupo TAGC750 apresentou concentrações mais elevadas desses AG do que o grupo TAGC730 (p < 0,05). Com relação ao ácido palmitoleico, os ratos alimentados com o óleo experimental apresentaram valores significativamente menores que aqueles alimentados com dieta sem substituição do óleo de soja, grupo TAGC70, e valores significativamente maiores que aqueles do grupo controle (p < 0,05). Foram observados níveis significativamente maiores de ácido linoleico no grupo TAGC70, em relação aos demais (p < 0,05). O ácido 11,14,17-eicosatrienoico, por sua vez, não pareceu obedecer a um padrão, pois os grupos TAGC70 e TAGC750 foram semelhantes entre si, a exemplo do que ocorreu entre os grupos TAGC730 e controle (Tabela 1). O perfil em AG das dietas ofertadas aos animais, com aproximadamente 4% de lipídios totais, encontra-se na tabela 2.

Quanto à repercussão do perfil em AG das dietas sobre o perfil em AG do fígado dos animais, as concentrações hepáticas dos ácidos palmítico, oleico e 11,14,17-eicosatrienoico poderiam resultar de mecanismos contraditórios associados ao consumo de AG de cadeia média, tais como redução do pool de AG hepáticos, pela rápida β-oxidação, com liberação de energia (efeito termogênico), e síntese de novo e/ou elongação e dessaturação de lipídios hepáticos, pela formação excessiva de grupos acetila liberados pela β-oxidação, conforme discutido por Lucena e cols. (7). A resultante desses mecanismos, no presente trabalho, provavelmente sofreu influência das diferentes concentrações de ácido enântico nas dietas experimentais.

O menor consumo de AG de cadeia longa, por sua vez, de maneira geral, parece ter contribuído para a menor concentração desses AG no fígado dos animais submetidos à substituição parcial do óleo de soja pelo óleo experimental. Tais considerações auxiliam o entendimento da relação entre composição em AG da dieta e o quadro de EH, cuja gravidade foi particularmente mais elevada no grupo de animais do grupo TAGC70, que recebeu dieta sem adição de ácido enântico. No entanto, questões outras relacionadas à composição da dieta AIN-93, a exemplo do teor de fatores lipotróficos, devem ter exercido papel relevante na indução do quadro de EH, como apontado por Silva e cols. (1), uma vez que os animais do grupo controle não apresentaram EH, apesar do consumo de fontes alimentares de AG de cadeia longa.

No que diz respeito à associação entre o perfil em AG hepáticos e o quadro de EH, podem ser destacados os ácidos palmítico e linoleico, não apenas pelas concentrações observadas, mas, especialmente, por alguns de seus efeitos metabólicos, que guardam uma possível relação com a infiltração gordurosa. Na presente investigação, foi encontrada correlação linear positiva significativa entre a concentração de ácido palmítico e graus de EH (rSpearman = 0,52; p < 0,01). No entanto, o mesmo não foi observado para o ácido linoleico (rSpearman = 0,34; p > 0,05).

Um dos fatores que parece contribuir de maneira importante para a patogênese e a progressão da esteatose é a disfunção mitocondrial hepática (8), que, por sua vez, parece ter como causa principal a produção excessiva de espécies reativas de oxigênio e de aldeídos reativos, que causam dano mitocondrial, gerando um círculo vicioso (9). O estudo de Li e cols. (10) mostrou que o palmitato é um potente indutor da geração de espécies reativas de oxigênio mitocondriais. Ademais, este ácido graxo induz apoptose de hepatócitos (11), que é uma manifestação evidente e um preditor independente de esteato-hepatite não alcoólica (12). Portanto, a quantidade significativamente maior de palmitato encontrada no grupo TAGC70 e a correlação linear positiva significativa entre a concentração hepática desse ácido graxo e os graus de EH observados nos animais dos diferentes grupos são fatores potencialmente deletérios no que diz respeito ao prognóstico da doença.

A concentração significativamente maior de linoleato no grupo TAGC70, por sua vez, pode ser explicada pelo maior consumo de óleo de soja, quando comparado aos grupos TAGC730 e TAGC750. AG poliinsaturados da família ω-6 e ω-3, de 18 a 22 átomos de carbono, ativam mais fortemente todas as isoformas dos receptores ativados por proliferadores de peroxissoma (PPARs) que os AG saturados e monoinsaturados. Adicionalmente, são mais potentes ativadores da oxidação e supressores da síntese de AG e, portanto, da síntese de triacilgliceróis que aqueles últimos (13), o que promoveria um efeito hepatoprotetor contra a esteatose. No entanto, os potenciais efeitos danosos do acúmulo de linoleato, por ser um ácido graxo poliinsaturado e, portanto, mais suscetível à peroxidação lipídica, parecem ter suprimido uma possível ação benéfica.

Com o intuito de investigar a segurança e a tolerabilidade do consumo de ésteres de glicerol com ácido heptanoico, Lucena e cols. (7) realizaram uma avaliação toxicológica do consumo de trieptanoína, em proporções cetogênicas, em ratos. Os autores concluíram que, apesar do quadro de EH observado, de características mais brandas que aquelas encontradas no presente estudo, a dieta cetogênica rica em trieptanoína não promoveu efeitos metabólicos adversos nos animais. Desdobramentos de tal trabalho, a exemplo da determinação do perfil em AG do tecido hepático, atualmente em curso, poderão auxiliar na elucidação da repercussão do consumo de trieptanoína, no contexto da EH, dada a maior concentração de lipídios dietéticos.

Agradecimentos: Agradecemos aos professores Severino Matias de Alencar (ESALQ-USP), Edma Carvalho de Miranda e Denise Maria Pinheiro (IQB-UFAL) pelas análises cromatográficas; ao professor Cyro Rego Cabral Jr. (FANUT-UFAL) pelo auxílio na análise estatística; e à Fernanda Galdino de Oliveira e Mércia Cruz Santos pelo apoio na execução do trabalho.

Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

Recebido em 12/Fev/2010

Aceito em 25/Maio/2010

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  • Correspondência para:
    Nassib Bezerra Bueno
    Laboratório de Nutrição Experimental
    Faculdade de Nutrição
    Universidade Federal de Alagoas, UFAL
    Campus A. C. Simões, Cidade Universitária
    BR 104 Norte, Km 97
    57.072-970 - Tabuleiro dos Martins, Maceió, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010
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