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Microalbuminúria e a síndrome metabólica

EDITORIAL

Microalbuminúria e a síndrome metabólica

Jorge Luiz Gross

Professor Titular do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS

A NEFROPATIA DIABÉTICA é uma complicação importante do diabetes pois acomete cerca de 30 a 40% dos pacientes, está associada a um aumento da mortalidade e evolui inexoravelmente para a perda progressiva de função renal, necessitando o uso de medidas de reposição da função renal (1).

Diversos fatores de risco tem sido descritos para a nefropatia diabética, entre eles, o grau de hiperglicemia, a duração do diabetes, a presença de hipertensão arterial, o fumo e fatores genéticos (1). Marcadores de nefropatia diabética estão sendo enfaticamente procurados e a presença de microalbuminúria, isto é, um aumento da excreção urinária de albumina acima de 20 µg/min e menor do que 200 µg/min (2), é um dos fatores predisponentes mais estudados. Além disto é também um fator de risco para a doença cardiovascular (3), a principal causa de morte em pacientes com diabetes do tipo 2 (4). A presença de microalbuminúria está associada aos mesmos fatores de risco da nefropatia diabética e também à resistência insulínica e síndrome metabólica (5).

A Organização Mundial da Saúde considera a presença de micro albuminúria como um dos componentes necessários para definir a presença de Síndrome Metabólica (6). Especula-se que a resistência insulínica determine disfunção endotelial e, por conseguinte, cause um aumento da permeabilidade da membrana glomerular. De fato, níveis séricos de endotelina-1, um marcador da função endotelial, estão mais elevados em pacientes com diabetes do tipo 2 e dislipidêmicos do que em pacientes apenas dislipidêmicos ou indivíduos normais. Os principais determinantes da elevação da endotelina são os níveis mais elevados de excreção urinária de albumina e o índice HOMA de resistência insulínica (7).

Outro possível marcador precoce de nefropatia diabética é a hiperfiltração glomerular, que antecederia ainda o aparecimento da micro albuminúria. No entanto, estudos prospectivos de longa duração não conseguiram estabelecer um papel do aumento da taxa de filtração glomerular como fator de risco, quer seja para a microalbuminúria como para a nefropatia diabética (8).

Neste número dos ABE&M, Cruz e colaboradores (9) testaram a hipótese de que alterações precoces da função renal – hiperfiltração glomerular e microalbuminúria – poderiam estar presentes em estágios iniciais da alteração da homeostase glicêmica, como a tolerância a glicose diminuída. Observaram que pacientes com tolerância a glicose diminuída apresentavam um índice de massa corporal maior, maior proporção de indivíduos com relação cintura quadril alterada, e níveis tensionais mais elevados. Alem disto, os índices de resistência insulínica também eram mais elevados neste grupo. Embora a prevalência de microalbuminúria nos pacientes com tolerância a glicose diminuída (21,1%) tenha sido maior do que no grupo controle (3,3%), esta diferença não atingiu a significância estatística convencional (9).

Entretanto, estes resultados poderiam ser analisados de uma outra forma, sem que os pacientes fossem separados em dois grupos distintos. O emprego de uma análise de regressão múltipla utilizando todos os pacientes e com a excreção urinária de albumina como variável dependente e índices de resistência insulínica, valores de glicose de 2h após a sobrecarga de glicose, índice de massa corporal e razão cintura quadril como variáveis independentes, poderia mostrar uma associação estatísticamente significante.

De qualquer maneira, estes dados são fortemente sugestivos de que os pacientes com tolerância a glicose diminuída (e com Síndrome Metabólica) apresentem um aumento da excreção urinária de albumina. Esta hipótese deve continuar sendo pesquisada em um número maior de pacientes, pois é um assunto relevante na medida em que a presença de microalbuminúria pode ser um dos fatores de risco relacionados ao aumento da mortalidade cardiovascular em pacientes com tolerância a glicose diminuída.

Além disto, há tratamentos específicos para a microalbuminúria, como o emprego de agentes que bloqueiam o sistema renina-angiotensina (10) ou substituindo a carne vermelha da dieta por carne de frango (11). Estas medidas poderiam reduzir a elevada mortalidade cardiovascular nos pacientes diabéticos pois estariam sendo utilizadas numa etapa ainda mais precoce da doença cardiovascular.

REFERÊNCIAS

1. Ritz E, Orth SR. Nephropathy in patients with type 2 diabete mellitus. N Engl J Med 1999;341:1127-33.

2. American Diabetes Association. Diabetic nephropathy. Position Statement. Diabetes Care 2002;25 (suppl 1):S85-S89.

3. Valmadrid CT, Klein R, Moss S, Klein BEK. The risk of cardiovascular disease mortality associated with microalbuminuria and gross proteinuria in persons with older-onset diabetes mellitus. Arch Intern Med 2000;160:1093-100.

4. Panzram G. Mortality and survival in type 2 (non-insulin-dependent) diabetes mellitus. Diabetologia 1987;30:123-31.

5. Isomaa B, Henricsson M, Almgren P, Tuomi T, Taskinen MR, Groop L. The metabolic syndrome influences the risk of chronic complications in patients with type II diabetes. Diabetologia 2001;44:1148-54.

6. World Health Organization: Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Geneva: WH Organization, 1999.

7. Seligman BG, Biolo A, Polanczyk CA, Gross JL, Clausell N. Increased plasma levels of endothelin 1 and von Willebrand factor in patients with type 2 diabetes and dyslipidemia. Diabetes Care 2000;23:1395-400.

8. Murussi M, Baglio P, Gross JL, Silveiro SP. Risk factors for microalbuminuria and macroalbuminuria in type 2 diabetic patients: a 9-year follow-up study. Diabetes Care 2002;25:1101-3.

9. Cruz NS, Sartori MS, Santos ML, Aragon FF, Padovani CR, Pimenta WP. Avaliação quanto à presença de microalbuminúria e hiperfiltração glomerular no estágio de tolerância à glicose diminuída. Arq Bras Endocrinol Metab 2003;47/2:158-65.

10. Parving HH, Lehnert H, Brochner-Mortensen J, Gomis R, Andersen S, Arner P. Irbesartan in patients with type 2 diabetes and microalbuminuria study group. The effect of irbesartan on the development of diabetic nephropathy in patients with type 2 diabetes. N Engl J Med 2001;345:870-8.

11. Gross JL, Zelmanovitz T, Moulin CC, De Mello V, Perassolo M, Leitão C, et al. Effect of a chicken-based diet on renal function and lipid profile in patients with type 2 diabetes: a randomized crossover trial. Diabetes Care 2001;25:645-51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jun 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 2003
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