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Incidência e mortalidade por câncer de tireóide no Brasil

Incidence and mortality from thyroid cancer in Brazil

Resumos

Esse estudo visou avaliar a incidência e a mortalidade por câncer de tireóide (CT) no Brasil através análise dos dados de sete Registros de Câncer de Base Populacional e do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Taxas de mortalidade qüinqüenais por CT, ajustadas para idade, foram calculadas dentro de um período de 20 anos (1980-1999) para o país como um todo. Calculamos taxas trienais de incidência ajustadas por idade empregando os dados disponíveis desde 1993. As taxas de mortalidade ajustadas por idade decaíram de 0,22/100.000 para 0,28/100.000 (-21%) entre os homens, e de 0,42/100.000 para 0,51/100.000 (-17%) entre as mulheres. Entre os homens, as taxas de incidência ajustadas por idade variaram de 0,7/100.000 em Belém até 3,0/100.000 em São Paulo. Essas cidades também apresentaram a mais baixa (0,8/100.000) e a mais alta (10,9/100.000) taxas de incidência ajustada por idade entre as mulheres. A tendência de queda de mortalidade é provavelmente explicada pela melhoria do diagnóstico e do tratamento do CT ao longo do período do estudo, enquanto as variações geográficas da incidência estão provavelmente relacionadas à disponibilidade de recursos de cuidados médicos nas diferentes regiões e na qualidade dos dados dos registros de câncer.

Câncer de tireóide; Neoplasias; Incidência; Mortalidade


In this study we evaluated the incidence and mortality due to thyroid cancer (TC) in Brazil using incidence data provided by seven Brazilian cancer registries and mortality data from the Brazilian Mortality Information System. Five-year age-adjusted mortality rates were calculated over a 20-year period (1980-1999) for the country as a whole. We have calculated a 3-year age-adjusted incidence rate using data available since 1993. Age-adjusted mortality rates decreased from 0.22/100,000 to 0.28/100,000 (-21%) among males, and from 0.42/100,000 to 0.51/100,000 (-17%) among females. Among males, age-adjusted incidence rates varied from 0.7/100,000 in Belém to 3.0/100,000 in São Paulo. These cities also presented the lowest (0.8/100,000) and the highest (10.9/100,000) age-adjusted incidence rates among females. The downward tendency of mortality is probably explained by an improvement in diagnosis and treatment of TC over the study period, whereas geographical variations in incidence are probably related to availability of medical care resources in the different regions and the quality of cancer registers’ data.

Thyroid carcinoma; Neoplasms; Incidence; Mortality


ARTIGO ORIGINAL

Incidência e mortalidade por câncer de tireóide no Brasil

Incidence and mortality from thyroid cancer in Brazil

Cláudia M. Coeli; Alexandre S. Brito; Flávia S. Barbosa; Michele G. Ribeiro; Ana Paula A.V. Sieiro; Mário Vaisman

Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (CMC, APAVS, MV); e Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (CMC, ASB, FSB, MGR), Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Cláudia Medina Coeli Rua Afonso Pena 141, apto. 402 20270-244 Rio de Janeiro, RJ

RESUMO

Esse estudo visou avaliar a incidência e a mortalidade por câncer de tireóide (CT) no Brasil através análise dos dados de sete Registros de Câncer de Base Populacional e do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Taxas de mortalidade qüinqüenais por CT, ajustadas para idade, foram calculadas dentro de um período de 20 anos (1980–1999) para o país como um todo. Calculamos taxas trienais de incidência ajustadas por idade empregando os dados disponíveis desde 1993. As taxas de mortalidade ajustadas por idade decaíram de 0,22/100.000 para 0,28/100.000 (-21%) entre os homens, e de 0,42/100.000 para 0,51/100.000 (-17%) entre as mulheres. Entre os homens, as taxas de incidência ajustadas por idade variaram de 0,7/100.000 em Belém até 3,0/100.000 em São Paulo. Essas cidades também apresentaram a mais baixa (0,8/100.000) e a mais alta (10,9/100.000) taxas de incidência ajustada por idade entre as mulheres. A tendência de queda de mortalidade é provavelmente explicada pela melhoria do diagnóstico e do tratamento do CT ao longo do período do estudo, enquanto as variações geográficas da incidência estão provavelmente relacionadas à disponibilidade de recursos de cuidados médicos nas diferentes regiões e na qualidade dos dados dos registros de câncer.

Descritores: Câncer de tireóide; Neoplasias; Incidência; Mortalidade

ABSTRACT

In this study we evaluated the incidence and mortality due to thyroid cancer (TC) in Brazil using incidence data provided by seven Brazilian cancer registries and mortality data from the Brazilian Mortality Information System. Five-year age-adjusted mortality rates were calculated over a 20-year period (1980–1999) for the country as a whole. We have calculated a 3-year age-adjusted incidence rate using data available since 1993. Age-adjusted mortality rates decreased from 0.22/100,000 to 0.28/100,000 (-21%) among males, and from 0.42/100,000 to 0.51/100,000 (-17%) among females. Among males, age-adjusted incidence rates varied from 0.7/100,000 in Belém to 3.0/100,000 in São Paulo. These cities also presented the lowest (0.8/100,000) and the highest (10.9/100,000) age-adjusted incidence rates among females. The downward tendency of mortality is probably explained by an improvement in diagnosis and treatment of TC over the study period, whereas geographical variations in incidence are probably related to availability of medical care resources in the different regions and the quality of cancer registers’ data.

Keywords: Thyroid carcinoma; Neoplasms; Incidence; Mortality

UM NÓDULO DE TIREÓIDE PALPÁVEL pode ser diagnosticado em 4 a 7% da população adulta. Quando se consideram séries de autópsia, essa prevalência pode chegar a 50%. Apesar de comuns, apenas 5% do total de nódulos é maligno (1).

Os carcinomas tireoidianos são classificados em diferenciados (papilífero e folicular), não diferenciados (anaplásico) e medulares (2), sendo os carcinomas papilíferos os mais freqüentemente observados, seguidos pelos foliculares (3). Exceto pelos carcinomas anaplásicos, que apresentam alta letalidade, o prognóstico é geralmente bom. Estima-se uma sobrevivência global de 95% para carcinomas papilíferos, de 77% em 10 anos para carcinomas foliculares e de 85% em 10 anos para os carcinomas medulares com linfonodos negativos, porém de apenas 40% para aqueles que apresentam invasão ganglionar (3).

A exposição à radiação na região da cabeça e pescoço, a história pessoal de bócio e nódulo tireoidiano e a história familiar são fatores identificados como positivamente associados ao câncer de tireóide (4). Outros fatores de exposição, tais como a ingesta de iodo, o tabagismo, o consumo de álcool e a história menstrual e reprodutiva, têm sido investigados, porém as evidências sobre a sua importância na determinação do câncer tireoidiano são menos consistentes (4-6).

O projeto GLOBOCAN (7) estimou para o ano de 2002 a ocorrência no mundo de 141.013 casos novos de câncer de tireóide e de 35.575 óbitos por essa causa. Estes números correspondem a estimativas da taxa de incidência de câncer de tireóide ajustada para idade no sexo feminino de 5,5/100.000 nas regiões desenvolvidas (inclui, por exemplo, América do Norte e Europa) e de 2,6/100.000 nas regiões menos desenvolvidas (inclui, por exemplo, África e América do Sul). Para homens as estimativas foram, respectivamente, de 2,1/100.000 e de 1,0/100.000. Já com relação à mortalidade, foram estimadas taxas ajustadas por idade no sexo feminino de 0,5/100.000 nas regiões mais desenvolvidas e de 0,8/100.000 nas regiões menos desenvolvidas. A estimativa da taxa de mortalidade na população masculina foi a mesma nas duas regiões, sendo igual a 0,4/1000.000.

No Brasil, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) (8) e os Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) (9) representam fontes de dados de grande importância para o conhecimento do perfil epidemiológico do câncer no país. O SIM é gerido pelo Departamento de Análise de Situação de Saúde, da Secretaria de Vigilância em Saúde (MS), em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. O sistema dispõe de dados consolidados a partir de 1979. Atualmente existem no Brasil 22 RCBP implantados em vinte capitais, no Distrito Federal e em Campinas. O início da atividade desses registros é variável, sendo responsabilidade do Instituto Nacional do Câncer/MS (INCA/MS) viabilizar a integração, padronização e continuidade operacional dos RCBP no país (9).

Publicações com dados sobre incidência (9) e mortalidade por câncer (10), assim como estimativas desses eventos (11), foram recentemente divulgadas. Entretanto, nenhuma destas publicações apresentou uma análise detalhada sobre a situação do câncer de tireóide no Brasil. Por outro lado, realizamos uma pesquisa na base de dados Medline (usando a interface OVID) através da busca em diferentes campos (descritor, título e resumo) da seguinte seqüência de unitermos: (thyroid neoplasm$ or thyroid cancer$) and (incidence or mortality) and Brazil. Essa busca foi repetida na base Lilacs, empregando-se os unitermos equivalentes em português. Nos dois casos não foi possível identificar ao menos um artigo que tivesse por objetivo avaliar as taxas de incidência e de mortalidade por câncer de tireóide na população brasileira. Considerando essa lacuna no conhecimento, o presente estudo tem por objetivos avaliar a mortalidade por câncer de tireóide no Brasil no período compreendido entre 1980 e 2001 e estudar a incidência dessa condição nas cidades brasileiras que contam com Registros de Câncer de Base Populacional.

MATERIAL E MÉTODOS

Desenho do Estudo

Foi desenvolvido um estudo ecológico exploratório combinando-se análises sobre mortalidade por câncer de tireóide em diferentes períodos de tempo (desenho de séries temporais) e sobre incidência e mortalidade em diferentes locais (desenhos de múltiplos grupos). Para a avaliação da mortalidade o período estudado foi compreendido entre 1980 e 2001, sendo utilizado como unidade geográfica de análise o Brasil. O estudo de incidência empregou como unidade de análise as cidades com RCBP que atenderam aos critérios de inclusão (ver abaixo). Adicionalmente, procedeu-se ao cálculo das taxas de mortalidade para essas cidades dentro dos períodos para os quais havia dados dos RCBP disponíveis.

Fontes de Dados

Os novos casos de câncer de tireóide foram captados na publicação "Câncer no Brasil – Dados dos Registros de Base Populacional" (9), que disponibiliza informações dos casos segundo sexo e faixa etária (de cinco em cinco anos). Entre os 16 RCBP com dados disponíveis, foram selecionados aqueles que atendiam aos seguintes critérios de inclusão, a saber: período mínimo de avaliação de três anos e dados disponíveis após 1993. Esses critérios buscaram alcançar maior precisão no cálculo das estimativas das taxas e garantir comparabilidade entre as cidades, já que a maioria dos RCBP apresentava dados disponíveis a partir de 1993. A única exceção foi a cidade de São Paulo que, apesar de apresentar dados disponíveis apenas para dois anos (1997–1998), foi incluída em função do grande número de casos registrados.

As fontes dos dados populacionais foram os Censos Demográficos (1980 e 1991), a Contagem Populacional (1996) e as estimativas populacionais (IBGE). Os dados de mortalidade foram originados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/MS). Os dados populacionais e de mortalidade foram captados a partir do site do Datasus/MS (http://www.datasus.gov.br).

Análise de Dados

Inicialmente foram calculadas as taxas específicas de mortalidade por sexo e faixa etária (0-19, 20-29, 30-39, 40-49, 50-59 e 60 anos ou mais) para o Brasil em cada ano do período compreendido entre 1980 e 2001. A seguir, o período de análise foi dividido em qüinqüênios, sendo calculadas para cada qüinqüênio e sexo as taxas de mortalidade ajustadas por idade e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Taxas de incidência e mortalidade ajustadas por idade e os respectivos intervalos de confiança de 95% foram calculadas para as cidades com RCBP que atenderam aos critérios de inclusão.

As taxas foram ajustadas empregando-se o método direto de padronização (12) utilizando-se como referência a população mundial (9). O método direto de padronização permite que comparações entre períodos ou entre locais possam ser realizadas ajustando para possíveis diferenças na estrutura etária das populações que estão sendo comparadas. Os intervalos de confiança de 95% das taxas padronizadas foram calculados tomando por base o erro-padrão para proporções em amostras estratificadas (13). As análises foram realizadas empregando o programa Stata/SE 8.0 (14).

RESULTADOS

Na tabela 1 são apresentadas as taxas de mortalidade específicas por faixa etária e sexo segundo ano. Pode ser verificado um padrão constante em todo o período analisado com crescimento das taxas a partir da faixa etária de 30 a 39 anos e valores mais elevados para o sexo feminino.

No sexo masculino a taxa de mortalidade ajustada foi de 0,22/100.000 habitantes no último qüinqüênio avaliado (1995-1999), sendo verificado um declínio de 21% em relação à taxa de 0,28/100.000 habitantes observada no primeiro qüinqüênio (1980-1984). Já para o sexo feminino, o valor da taxa no último qüinqüênio foi de 0,42/100.000 habitantes, sendo, portanto, observado um declínio de 17% em relação à taxa ajustada de 0,51/100.000 habitantes observada no primeiro qüinqüênio (tabela 2). É interessante notar que no mesmo período os valores das taxas brutas pouco variaram, o que pode ser explicado pelo envelhecimento populacional observado ao longo dos qüinqüênios avaliados (tabela 2).

A análise das taxas de mortalidade ajustadas para a idade nas cidades que contam com RCBP revela uma grande variabilidade, com os maiores valores no grupo dos homens sendo observados em Recife, enquanto Goiânia apresentou a maior taxa de mortalidade ajustada por idade no grupo das mulheres (tabela 3).

Também é observada uma grande variação das taxas de incidência entre os locais estudados, especialmente para o sexo feminino. No grupo dos homens as taxas ajustadas variaram de 0,7/100.000 habitantes em Belém até 3,0/100.000 habitantes em São Paulo (Razão= 4,3) (tabela 2). Considerando-se os intervalos de confiança de 95% das taxas ajustadas, são identificados três grupos de cidades. O primeiro, formado por Belém, Porto Alegre, Recife e Salvador, apresenta as menores taxas de incidência. São Paulo e Distrito Federal se destacam por apresentarem as maiores taxas. Já Goiânia apresenta um valor de taxa que se situa entre esses dois grupos extremos (figura 1).


Belém e São Paulo também são as cidades que apresentam, respectivamente, a menor (0,8/100.000 habitantes) e a maior taxa ajustada no sexo feminino (10,9/100.000 habitantes) (Razão= 13,6) (tabela 3). Entretanto, entre as mulheres verifica-se maior variabilidade entre as cidades que apresentaram as menores taxas (Belém, Porto Alegre, Recife e Salvador). Adicionalmente, Goiânia e Distrito Federal apresentam valores bem mais elevados e semelhantes entre si (figura 2).


DISCUSSÃO

Nossos resultados apontam para uma queda da mortalidade por câncer de tireóide no Brasil ao longo dos últimos 20 anos em ambos os sexos. Embora nossos resultados não nos permitam concluir sobre os determinantes dessa tendência de queda, uma possível explicação seria o aumento da sobrevida dos casos ao longo do período analisado. Yamashita e cols. (15), em um estudo de coorte não concorrente que avaliou 2.423 pacientes com diagnóstico de carcinoma papilífero tratados com cirurgia curativa, entre 1960 e 1990 no Japão, observaram que os casos de câncer foram diagnosticados em um estágio mais precoce e que houve uma melhora na sobrevida de 10 anos ao longo do período estudado. Os autores consideraram que esses achados possam ser explicados prioritariamente por uma evolução das práticas de screening de problemas tireoidianos e do monitoramento e tratamento de condições tireoidianas benignas, levando ao diagnóstico e tratamento precoces e a descoberta de tumores menos agressivos. Essa hipótese está de acordo com os resultados encontrados por Colonna e cols. (16), em uma análise da tendência das taxas de incidência de câncer na França entre 1978 e 1997, onde foi verificado um crescimento da incidência do câncer papilífero, de melhor prognóstico, e um decréscimo da incidência do câncer anaplásico, associado a uma menor sobrevida.

A comparação das taxas de incidência padronizadas, observadas em nosso estudo com aquelas descritas em outros locais, deve ser feita com cautela. Os valores encontrados podem variar de acordo com a população de referência e das faixas etárias utilizadas no processo de padronização. Nesse estudo empregamos a mesma população de referência utilizada no projeto GLOBOCAN (7), porém não a mesma estrutura etária. Adicionalmente, o projeto GLOBOCAN apresenta estimativas para o ano de 2002, as quais tomam por base dados disponíveis em períodos anteriores (de dois a cinco anos). Apesar dessas diferenças metodológicas, podemos considerar que alguns locais apresentaram valores que se aproximam aos verificados no projeto GLOBOCAN para as regiões desenvolvidas (São Paulo, Goiânia, Distrito Federal), enquanto outros apresentam valores que se aproximam daqueles verificados para regiões menos desenvolvidas (Belém, Recife, Salvador e Porto Alegre).

Um dos fatores que pode explicar as variações observadas diz respeito à qualidade dos dados dos RCBP. O percentual de localização primária desconhecida, o percentual de idade ignorada, o percentual de casos com verificação por diagnóstico histopatológico, o percentual de casos notificados apenas pela declaração de óbito e a razão mortalidade/incidência são indicadores utilizados para a avaliação da validade e cobertura dos dados dos RCBP (9). No período avaliado, os RCBP que apresentaram todos os indicadores dentro da faixa esperada foram São Paulo e Goiânia. O Distrito Federal apresentou resultados adequados para a quase totalidade dos indicadores, com exceção do indicador percentual de diagnóstico histopatológico, que foi igual a 65,8%, sendo, portanto, ligeiramente abaixo do parâmetro esperado (acima de 70%). Todos os demais RCBP apresentaram valores da razão mortalidade/incidência, que avalia a cobertura dos RCBP, acima do padrão esperado, o que indica uma cobertura inadequada dos casos de câncer (9). Nossos resultados são, portanto, compatíveis com a análise de qualidade dos RCBP, já que os três locais que apresentaram as maiores taxas de incidência são justamente os que apresentaram os RCBP com os melhores indicadores.

O papel do iodo da dieta na determinação do câncer de tireóide é ainda controverso. Dois estudos recentes avaliaram essa questão empregando metodologias adequadas (4,17). Horn-Ross e cols. (4) encontraram um efeito protetor da ingesta elevada de iodo no desenvolvimento de câncer papilífero entre mulheres com baixo risco de desenvolvimento desse tipo câncer, porém não no grupo daquelas que apresentavam outros fatores de risco (história de exposição à radiação, história familiar, história de bócio ou nódulo tireoidiano benigno). Já Bosetti e cols. (17), em um estudo de meta-análise, observaram que o consumo elevado de peixes (proxy da ingesta de iodo) não aumentou o risco de câncer tireoidiano, podendo ter uma influência favorável nas regiões onde a deficiência de iodo é comum. O padrão de variação de regional por nós observado também não parece estar relacionado às variações da disponibilidade de iodo em nosso meio (18,19). Sendo assim, é pouco provável que modificações na ingesta de iodo possam explicar as variações regionais observadas.

Colonna e cols. (15) também encontraram variações das taxas de incidência do câncer de tireóide em diferentes áreas da França. Ao contrário do por nós verificado, os RCBP das diferentes regiões estudadas não apresentavam diferenças nos indicadores de cobertura. Os autores atribuíram a variabilidade da incidência a possíveis diferenciais nas práticas diagnósticas entre as regiões estudadas. Da mesma forma que em nosso estudo, esses autores encontraram maiores variações regionais no grupo das mulheres do que no grupo dos homens. Esse achado corrobora a hipótese de que a disponibilidade e acesso a recursos diagnósticos possa explicar, ainda que parcialmente, as variações regionais por nós observadas, já que mulheres utilizam mais serviços de saúde do que os homens (20). Embora não seja do nosso conhecimento a existência de estudos que busquem avaliar diferenças regionais na utilização de procedimentos diagnósticos para o câncer de tireóide em nosso meio, é interessante notar que existem desigualdades na distribuição de médicos e leitos hospitalares entre as regiões brasileiras com a maior disponibilidade de recursos sendo encontrada nas regiões sudeste, sul e centro-oeste em relação ao norte e nordeste (21).

CONCLUSÕES

Nossos resultados apontam para um perfil de incidência e mortalidade do câncer de tireóide no Brasil compatível com o descrito na literatura mundial. Observou-se ao longo do período estudado uma queda das taxas de mortalidade, que pode estar relacionada à melhora do diagnóstico e tratamento precoce do câncer tireoidiano. Por fim, a variabilidade das taxas de incidência entre locais deve estar relacionada a variações na cobertura dos RCBP, assim como na disponibilidade e acesso a recursos diagnósticos e terapêuticos. Futuros estudos devem ser realizados visando a confirmação das hipóteses levantadas por este estudo exploratório.

AGRADECIMENTOS

A Genzyme pelo apoio ao desenvolvimento do estudo.

Recebido em 10/01/05

Revisado em 08/04/05

Aceito em 13/06/05

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  • Endereço para correspondência
    Cláudia Medina Coeli
    Rua Afonso Pena 141, apto. 402
    20270-244 Rio de Janeiro, RJ
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      13 Jun 2005
    • Revisado
      08 Abr 2005
    • Recebido
      10 Jan 2005
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