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Avaliação dos critérios diagnósticos hormonais da forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilase através do estudo molecular do gene CYP21A2

Hormonal criteria for the diagnosis of nonclassical 21-hydroxylase deficiency compared to the molecular study of the CYP21A2 gene

Resumos

O diagnóstico da forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilase (NC-21OH) é realizado na presença de manifestações hiperandrogênicas e valores da 17-hidroxiprogesterona (17OHP) basais >5ng/mL ou pós-ACTH >10ng/mL. Apresentamos os casos de duas crianças com pubarca precoce e com diagnóstico hormonal de forma NC-21OH, cujo estudo molecular do gene CYP21A2 confirmou o diagnóstico em apenas um caso. Isto nos levou a reavaliar o diagnóstico hormonal da forma NC-21OH através do estudo molecular em 58 pacientes com 17OHP pós-ACTH >10ng/mL. Apenas 37 (67%) pacientes tiveram mutações identificadas em ambos os alelos. Nestes, os valores basais da 17OHP foram francamente elevados (>5ng/mL) em 70%, normais em 11% e, nos demais, entre 2 e 5ng/mL. O menor valor da 17OHP pós-ACTH neste grupo foi de 17ng/mL. Ao analisarmos 59 indivíduos heterozigotos obrigatórios para a deficiência da 21-hidroxilase, observamos dois casos com valores da 17OHP pós-ACTH de 11 e 15ng/mL, respectivamente. Estes dados sugerem que o atual critério diagnóstico hormonal da forma NC-21OH possa estar superestimando seu diagnóstico.

Pubarca precoce; Deficiência de 21-hidroxilase; Forma não clássica; 17-Hidroxiprogesterona; Gene CYP21A2


Diagnosis of the nonclassical form of 21-hydroxylase deficiency (NC-21OH) is based on clinical hyperandrogenism and basal 17-hydroxyprogesterone (17OHP) levels >5ng/mL or >10ng/mL after ACTH-stimulation. We present two children with precocious pubarche and a hormonal diagnosis of NC-21OH, whose molecular study of the CYP21A2 gene confirmed the diagnosis in just one case. After that, we re-evaluated the diagnosis of 58 patients with ACTH-stimulated 17OHP levels >10ng/mL with molecular studies of CYP21A2 gene. Only 37 (67%) of these patients had mutations detected in both alleles: basal 17OHP levels were >5ng/mL in 70%, normal in 11% and between 2 and 5ng/mL in the remaining patients. The lowest ACTH-stimulated 17OHP level in this group was 17ng/mL. We then analyzed 59 obligate carriers for 21-hydroxylase deficiency and found two asymptomatic subjects with ACTH-stimulated 17OHP levels of 11 and 15ng/mL, respectively. Based on these findings, we suggest that the current cut-off value for ACTH-stimulated 17OHP level overestimates the diagnosis of NC-21OH.

Precocious puberty; 21-Hydroxylase deficiency; Nonclassical form; 17-Hydroxyprogesterone; CYP21A2 gene


CASO ESPECIAL

Avaliação dos critérios diagnósticos hormonais da forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilase através do estudo molecular do gene CYP21A2

Hormonal criteria for the diagnosis of nonclassical 21-hydroxylase deficiency compared to the molecular study of the CYP21A2 gene

Fernanda de Azevedo Corrêa; Tânia A.S. Sanchez Bachega

Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria Adelaide Albergaria Pereira Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 255 PAMB 8º andar, bloco 3 05403-000 São Paulo, SP Fax: (011) 3088-6964 e.mail: slmnendoc@hcnet.usp.br

RESUMO

O diagnóstico da forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilase (NC-21OH) é realizado na presença de manifestações hiperandrogênicas e valores da 17-hidroxiprogesterona (17OHP) basais >5ng/mL ou pós-ACTH >10ng/mL. Apresentamos os casos de duas crianças com pubarca precoce e com diagnóstico hormonal de forma NC-21OH, cujo estudo molecular do gene CYP21A2 confirmou o diagnóstico em apenas um caso. Isto nos levou a reavaliar o diagnóstico hormonal da forma NC-21OH através do estudo molecular em 58 pacientes com 17OHP pós-ACTH >10ng/mL. Apenas 37 (67%) pacientes tiveram mutações identificadas em ambos os alelos. Nestes, os valores basais da 17OHP foram francamente elevados (>5ng/mL) em 70%, normais em 11% e, nos demais, entre 2 e 5ng/mL. O menor valor da 17OHP pós-ACTH neste grupo foi de 17ng/mL. Ao analisarmos 59 indivíduos heterozigotos obrigatórios para a deficiência da 21-hidroxilase, observamos dois casos com valores da 17OHP pós-ACTH de 11 e 15ng/mL, respectivamente. Estes dados sugerem que o atual critério diagnóstico hormonal da forma NC-21OH possa estar superestimando seu diagnóstico.

Descritores: Pubarca precoce; Deficiência de 21-hidroxilase; Forma não clássica; 17-Hidroxiprogesterona; Gene CYP21A2

ABSTRACT

Diagnosis of the nonclassical form of 21-hydroxylase deficiency (NC-21OH) is based on clinical hyperandrogenism and basal 17-hydroxyprogesterone (17OHP) levels >5ng/mL or >10ng/mL after ACTH-stimulation. We present two children with precocious pubarche and a hormonal diagnosis of NC-21OH, whose molecular study of the CYP21A2 gene confirmed the diagnosis in just one case. After that, we re-evaluated the diagnosis of 58 patients with ACTH-stimulated 17OHP levels >10ng/mL with molecular studies of CYP21A2 gene. Only 37 (67%) of these patients had mutations detected in both alleles: basal 17OHP levels were >5ng/mL in 70%, normal in 11% and between 2 and 5ng/mL in the remaining patients. The lowest ACTH-stimulated 17OHP level in this group was 17ng/mL. We then analyzed 59 obligate carriers for 21-hydroxylase deficiency and found two asymptomatic subjects with ACTH-stimulated 17OHP levels of 11 and 15ng/mL, respectively. Based on these findings, we suggest that the current cut-off value for ACTH-stimulated 17OHP level overestimates the diagnosis of NC-21OH.

Keywords: Precocious puberty; 21-Hydroxylase deficiency; Nonclassical form; 17-Hydroxyprogesterone; CYP21A2 gene

Data da Reunião: 20 de Março de 2003

Local da Reunião: Serviço de Endocrinologia e Metabologia, HC-FMUSP

Edição: Maria Adelaide Albergaria Pereira

O OBJETIVO DESTA APRESENTAÇÃO É DISCUTIR o diagnóstico da forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilase (NC-21OH). Pretendemos discutir os critérios hormonais propostos na literatura e no nosso serviço para o diagnóstico desta patologia, e como o diagnóstico hormonal pode não ser confirmado pelo estudo molecular. Para tanto apresentaremos dois casos clínicos, seguidos da discussão dos critérios diagnósticos hormonais e moleculares da NC-21OH.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS

Caso 1

Paciente do sexo feminino, branca, com 7 anos e 8 meses, com aparecimento de pêlos pubianos e acne aos 6 anos de idade. Antecedentes pessoais: negava uso de medicação; nasceu de parto normal, peso normal e evoluiu sem intercorrências até os 6 anos. Antecedentes familiares: filha de pais não consangüíneos, a mãe apresentou menarca aos 14 anos.

Exame físico: altura = 133,9cm (+2 DP), peso = 30kg (0 DP), idade estatural de 9,5 anos, estatura alvo = 159cm. Acne discreta em face (+/++++), ausência de pêlos axilares, mamas Tanner I, pêlos pubianos Tanner II e clitóris normal.

Avaliação laboratorial: 17-hidroxiprogesterona (17OHP) basal = 26ng/mL, androstenediona = 1,7ng/mL, testosterona = 26ng/dL, estradiol <13,6pg/mL, LH <0,6UI/L e FSH <1,0UI/L (tabela 1). Idade óssea (IO) = 10 anos.

Feito diagnóstico de pubarca precoce devido à hiperplasia adrenal congênita, forma NC-21OH, e iniciado tratamento com acetato de cortisona, 20mg/m2/dia dividido em 3 doses. Evoluiu com bom controle hormonal, normalização dos níveis de androstenediona e testosterona, e controle do avanço da IO. Desenvolveu telarca aos 8,7 anos (IO = 11 anos) e menarca aos 12,1 anos (IO = 13,5 anos), mantendo ciclos menstruais regulares; atingiu a estatura final de 159cm, compatível com a estatura alvo.

O estudo molecular do gene CYP21A2 (21-hidroxilase) identificou as mutações G424S e V281L em heterozigose composta.

Caso 2

Paciente feminina, negra, de 9 anos, com aparecimento de pêlos pubianos aos 7 anos e pêlos axilares e acne aos 8 anos. Negava odor axilar e aumento da velocidade de crescimento. Antecedentes pessoais: nasceu de parto normal com peso normal e sem outros antecedentes mórbidos; nega uso de drogas. Antecedentes familiares: filha de pais não consangüíneos, a mãe apresentou menarca aos 12 anos.

Exame físico: altura = 133,5cm (+0,4 DP), peso = 28kg (0 DP), idade estatural = 9 anos, acne em face ++/++++, pêlos axilares ++/++++, mamas T I, pêlos pubianos T III, ausência de hipertrofia de clitóris.

Avaliação laboratorial: 17OHP basal = 2,1ng/mL, androstenediona = 0,4ng/mL, testosterona = 12ng/dL, DHEAS = 714ng/mL e valores pré-puberais de LH, FSH e estradiol (tabela 1). O teste agudo da Cortrosina evidenciou resposta elevada da 17OHP (14ng/mL, tabela 2). IO de 11 anos.

Feito diagnóstico de pubarca precoce devido à hiperplasia adrenal congênita, forma NC-21OH, e iniciado tratamento com acetato de cortisona 20mg/m2/dia, havendo normalização do DHEAS e controle do avanço da IO. A paciente desenvolveu telarca aos 10 anos (IO = 12 anos) e menarca aos 12,4 anos (IO = 13 anos).

O estudo molecular do gene CYP21A2, realizado posteriormente, identificou a mutação I2 splice em um alelo, não sendo identificada mutação no outro alelo, mesmo após o seqüenciamento de todo gene.

Na puberdade, foi suspensa a terapia de reposição, os ciclos menstruais permaneceram regulares e a paciente não apresentou quadro de hiperandrogenismo. Não houve comprometimento da estatura final, que foi igual à estatura alvo, de 157cm.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS HORMONAIS E MOLECULARES DA FORMA NÃO CLÁSSICA DA DEFICIÊNCIA DA 21-HIDROXILASE

Dra. Tânia A.S. Sanchez Bachega

Foram apresentadas duas pacientes com pubarca precoce. Na primeira, o diagnóstico hormonal foi realizado através do valor basal da 17OHP e, na segunda, foi necessária a realização do teste de estímulo com ACTH sintético. Entretanto, a biologia molecular confirmou o diagnóstico hormonal apenas no primeiro caso. No segundo, após a verificação da presença de apenas uma mutação em heterozigose, suspendemos a terapia de reposição hormonal e a paciente não apresentou quadro de hiperandrogenismo.

Essas diferenças entre os dois casos nos motivou a fazer uma reavaliação hormonal e molecular dos nossos pacientes com diagnóstico de hiperplasia adrenal congênita, forma NC-21OH, baseado exclusivamente nos critérios hormonais.

A forma NC-21OH é uma das doenças autossômicas recessivas mais freqüentes, incidindo em aproximadamente 1% da população geral e em 6% das mulheres com hiperandrogenismo (1). É classificada em formas sintomática e assintomática ou críptica. A primeira se manifesta na infância por pubarca precoce e na puberdade ou na vida adulta através de hirsutismo, acne, alterações menstruais e infertilidade. Quando as manifestações ocorrem nos dois últimos períodos, essa condição não pode ser diferenciada, clinicamente, da síndrome de ovários policísticos (SOP). A forma assintomática é diagnosticada, geralmente, durante a investigação dos familiares de um paciente afetado, indicada em toda doença com herança autossômica recessiva.

O diagnóstico da forma NC-21OH é baseado na combinação de hiperandrogenismo e níveis elevados da 17OHP, basais ou após estímulo com ACTH. Segundo a literatura, valores basais da 17OHP >5ng/mL confirmam o diagnóstico e valores basais <2ng/mL, praticamente excluem esta forma clínica de HAC-21OH, sendo o teste de estímulo com ACTH indicado quando os níveis basais deste hormônio estão entre 2 e 5ng/mL (1). Neste teste, é considerado diagnóstico o valor de pico da 17OHP >10ng/mL. Este valor foi obtido através da média +2DP da 17OHP após-ACTH, obtida em heterozigotos obrigatórios para a HAC-21OH (2). Chamamos a atenção para o fato de que, na mulher adulta, a avaliação da 17OHP deve ser feita sempre na fase folicular do ciclo menstrual, para evitar a interferência da produção da 17OHP da fase lútea.

Salientamos que esses critérios diagnósticos foram estabelecidos antes da caracterização molecular do gene CYP21A2. Com a realização dos estudos moleculares, observou-se uma sobreposição entre os níveis da 17OHP após-ACTH encontrada em indivíduos heterozigotos para mutações da forma clássica, e pacientes com diagnóstico de forma não clássica. A partir deste fato, passou-se a questionar os valores de 17OHP após-ACTH utilizados para o diagnóstico da forma não clássica.

A deficiência da 21-hidroxilase é causada por mutações no gene CYP21A2, o qual, juntamente com o seu pseudogene CYP21A1P, está localizado no braço curto do cromossomo 6, dentro do locus dos genes que codificam o HLA classe III (3,4). Ambos os genes alternam com os genes C4A e C4B que codificam o 4º componente do complemento sérico. Entretanto, somente o gene adjacente ao C4B (CYP21A2) codifica a enzima. O gene CYP21A1P é considerado um pseudogene porque apresenta mutações que impedem que codifique a enzima. Estes genes apresentam alto grau de homologia entre si, 98% nas seqüências exônicas e 96% nas seqüências intrônicas, o que favorece o emparelhamento desigual durante a meiose, levando à formação de deleções, conversões e duplicações do gene, sendo este um dos mecanismos que tornam essa doença muito freqüente.

Na forma NC-21OH identificamos, principalmente, mutações de ponto. Atualmente, existem mais de 56 mutações de ponto descritas e, nos diferentes estudos populacionais, nove delas são as mais freqüentes, sendo estas comumente encontradas no pseudogene. Admite-se que elas sejam transferidas do pseudogene para o gene ativo através de processos de microconversão gênica (5-7). Os pacientes com genótipo definido de forma NC-21OH apresentam, em geral, uma das seguintes mutações de ponto em pelo menos um alelo: P30L no exon 1, V281L no exon 7 e P453S no exon 10.

Realizamos o estudo molecular de 58 pacientes que tiveram diagnóstico hormonal da forma NC-21OH (8). As metodologias utilizadas foram: Southern blotting seguido de hibridação com a sonda genômica do gene CYP21A2 para pesquisar grandes rearranjos (deleção do CYP21A2 e grande conversão gênica), e PCR alelo-específico para identificar 11 mutações de ponto.

As mutações mais freqüentes foram: V281L em 42% dos alelos, I2 splice em 7,5%, conversão e I172N em 4,7%, P30L, V281L e P453S em 3,7% dos alelos. Dos 58 pacientes, 37 (64%) tiveram mutações identificadas nos dois alelos, 13 (22%) tiveram mutação identificada em apenas 1 alelo e 8 (14%) não apresentaram nenhuma mutação identificada. Em nosso estudo populacional de 181 pacientes portadores das diferentes formas clínicas da HAC-21OH (9), a forma NC-21OH apresentou menor freqüência de alelos com mutações identificadas (77%) do que a forma clássica (97%).

Dos 58 pacientes com forma NC-21OH, foi possível analisarmos as características clínicas e laboratoriais de 36 pacientes com genótipo definido, um caso foi excluído por apresentar fenótipo discordante do genótipo (o qual predizia forma virilizante simples). Trinta e dois eram do sexo feminino e as queixas mais freqüentes foram: pubarca precoce em 39%, hirsutismo em 39%, alterações menstruais em 33%; em uma paciente o diagnóstico de forma NC-21OH foi devido à presença de incidentaloma adrenal. Apenas quatro pacientes eram do sexo masculino: 2 apresentaram pubarca precoce e 2 eram assintomáticos. Esses 4 pacientes foram diagnosticados através do estudo dos familiares de um afetado. Houve uma baixa proporção de homens em relação às mulheres (1:9), o que indica, provavelmente, que os homens não estão sendo diagnosticados.

Não existem características clínicas específicas sugestivas da forma NC-21OH, apenas as manifestações de hiperandrogenismo: pubarca precoce, acne, irregularidade menstrual ou infertilidade. Esse diagnóstico deve ser sempre pesquisado quando estivermos diante de um caso de hiperandrogenismo ou da presença de incidentaloma adrenal.

A avaliação laboratorial desses 36 pacientes revelou que os valores basais de 17OHP foram francamente elevados (>5ng/mL) em 26 pacientes, entre 2 e 5ng/mL em 6 pacientes e <2ng/mL em 4 pacientes. Portanto, se tivessemos utilizado os critérios sugeridos pela literatura, segundo os quais valores basais da 17OHP <2ng/mL praticamente afastam a doença, teríamos perdido o diagnóstico de aproximadamente 11% dos casos. Assim, o teste de estímulo com o ACTH deve ser realizado em todos os indivíduos com suspeita clínica da forma não clássica e com valores basais da 17OHP <5ng/mL.

A forma NC-21OH apresenta variabilidade na sua expressão clínica e hormonal, que pode ser determinada por diferenças genotípicas. Atualmente, os estudos da deficiência da 21-hidroxilase têm dado importância à correlação do genótipo com o fenótipo (5-7,10,11) e, para tanto, as mutações são divididas em 3 grandes grupos, de acordo com a atividade enzimática observada em estudos de mutagênese e expressão in vitro. O grupo A contém mutações que determinam nenhuma ou mínima atividade enzimática, o grupo B contém a mutação I172N que determina atividade de 3 a 7% e o grupo C contem as mutações que determinam uma atividade enzimática superior a 18% (P30L, V281L e a P453S).

A maioria dos indivíduos com hiperplasia adrenal congênita são heterozigotos compostos, isto é, apresentam mutações diferentes em cada um dos alelos, e a forma clínica no heterozigoto composto é determinada pelo alelo com maior atividade enzimática. O genótipo dos pacientes com a forma NC-21OH é formado pela combinação de mutações que causam leve comprometimento da atividade enzimática em um alelo (Grupo C) e o outro alelo pode conter mutações que conferem leve (Grupo C), moderado (Grupo B) ou severo (Grupo A) comprometimento da atividade enzimática. Dentre os 37 pacientes com genótipo definido, 18 apresentaram o genótipo A/C, 4 pacientes o genótipo B/C, 15 pacientes o genótipo C/C e apenas uma paciente teve um genótipo discordante que predizia uma forma virilizante simples (B/C), a qual foi excluída para a análise dos dados clínicos e laboratoriais.

Observamos correlação do genótipo com o quadro clínico em 98% dos casos da forma NC-21OH. Os afetados de uma mesma irmandade, com genótipos iguais, apresentaram o mesmo quadro clínico em 2 de 3 famílias. Na terceira família, os irmãos apresentaram diferentes graus de virilização, e isso pode decorrer de variação individual da sensibilidade dos tecidos aos andrógenos. Numa quarta família observamos diferentes formas clínicas na mesma irmandade (um com forma virilizante simples e dois com forma NC-21OH), que foi devido ao envolvimento de 3 alelos, a mãe era afetada pela forma assintomática e foi diagnosticada através de estudo molecular. O caso índex, portador da forma virilizante simples, recebeu um alelo com mutação do grupo A do pai e um alelo com mutação do grupo A da mãe, os pacientes com a forma não clássica receberam o alelo do grupo A do pai e o alelo com mutação do grupo C da mãe, o que justifica o fato de apresentarem a forma não clássica. A importância desta situação é que a maioria dos pacientes são heterozigotos compostos, isto é, apresentam mutações diferentes em cada um dos alelos. Desta forma, mulheres portadoras da forma NC-21OH podem gerar filhos portadores da forma clássica, o que pode ocorrer numa frequência de 1:600 a 1:1000 de acordo com os diferentes estudos populacionais (12).

Analisamos as características clínicas dos diferentes genótipos da forma não clássica, genótipos A/C e C/C, o grupo B/C foi excluído pelo pequeno número de casos. Observamos que os pacientes com o genótipo A/C apresentaram uma tendência a terem sinais de excesso androgênico mais precoce do que os pacientes com genótipo C/C. Selecionando somente os pacientes que tiveram pubarca precoce, 70% apresentaram o genótipo mais severo (A/C). Analisando também os valores da 17OHP após-ACTH entre os dois grupos, o grupo A/C teve valores significativamente maiores do que o grupo C/C, 66±27,6ng/mL e 41,6±24,6ng/mL (tabela 3), respectivamente (figura 1). Outros estudos da forma NC-21OH que realizaram a comparação do genótipo com o fenótipo também observaram uma tendência do genótipo A/C apresentar manifestações clínicas de hiperandrogenismo mais precoce do que o grupo C/C (8,12-14). Com relação aos valores da 17OHP após-ACTH, todos estes estudos (8,13,14), exceto o de Speiser e cols. (12), encontraram valores maiores no grupo A/C que no grupo C/C. A falta de significado estatístico no trabalho de Speiser e cols. foi atribuída ao pequeno número de pacientes com genótipo C/C.


Embora o heterozigoto composto tenha o seu quadro clínico correspondente ao alelo com maior atividade enzimática, observamos que o alelo com comprometimento severo da atividade enzimática na forma NC-21OH apresenta influência na severidade do fenótipo.

Realizamos um estudo comparando os valores da 17OHP com o número de mutações identificadas. Os pacientes foram classificados em 3 grupos: Grupo 2 (mutações identificadas nos dois alelos - Grupos A/C e C/C, n = 33), Grupo 1 (mutação identificada em apenas um alelo, n = 13) e Grupo 0 (sem mutação identificada, n = 8). Os pacientes com genótipo do Grupo 2 (mutações identificadas nos dois alelos) tiveram valores da 17OHP após-ACTH significativamente maiores do que os do Grupo 1 e Grupo 0, (tabela 3, figura 2). No grupo 2, o menor valor estimulado da 17OHP foi de 17ng/mL. Nenhum paciente com valores de 17OHP após-ACTH <17ng/mL apresentava as 2 mutações identificadas. Entretanto, nos grupos com genótipo não definido (Grupos 1 e 0) havia pacientes com valores da 17OHP após-ACTH >17ng/mL, o que poderia sugerir a presença de mutações novas. Para verificar esta possibilidade, realizamos o seqüenciamento do gene CYP21A2 dos 21 pacientes com genótipo indefinido e encontramos mutações novas em apenas dois pacientes do grupo 1: IVS2 -2 A>G e G424S (15,16).


Em diferentes estudos populacionais que incluíram número significativo de pacientes, a forma NC-21OH apresenta maior freqüência de alelos sem mutações identificadas do que a forma clássica (7,11,17,18). Se considerarmos que o menor valor da 17OHP após-ACTH em paciente com genótipo definido foi de 17ng/mL e que ocorre uma alta freqüência de alelos sem mutações identificadas na forma não clássica, podemos sugerir que o atual critério diagnóstico da forma NC-21OH (valores da 17OHP após-ACTH >10ng/mL) pode estar superestimando este diagnóstico.

Reavaliamos duas de cinco pacientes com pubarca precoce e diagnóstico hormonal da forma NC-21OH (valores da 17OHP no teste de estímulo com ACTH de 11 e de 14ng/mL, respectivamente), com apenas uma mutação identificada em heterozigose, mesmo após seqüenciamento de todo o gene CYP21A2, e, portanto, com genótipo não definido. Ambas tiveram o tratamento com glicocorticóide suspenso na puberdade e não apresentaram quadro clínico de hiperandrogenismo. Isto sugere que essas pacientes possuíam um quadro de pubarca precoce idiopática e eram também heterozigotas para o gene da 21-hidroxilase.

Dessa forma, surge outra questão: será que mutações no gene da 21-hidroxilase apenas em heterozigose causam manifestações hiperandrogênicas? Sendo este um aspecto controvertido na literatura (19,20), estudamos 59 pais de pacientes com as diferentes formas clínicas da deficiência da 21-hidroxilase. Analisamos as manifestações clínicas, a resposta da 17OHP no teste de estímulo com ACTH e a presença de mutações no gene CYP21A2 (21). Manifestações hiperandrogênicas foram encontradas em 10% dos casos, o que é uma freqüência semelhante à encontrada na população normal. Trinta e dois heterozigotos apresentaram mutações do grupo A, 6 do grupo B e 21 do grupo C. Vinte e três heterozigotos apresentaram níveis da 17OHP após-ACTH acima do normal (>4,3ng/mL), tendo o teste de estímulo discriminado apenas 39% dos heterozigotos. Na tabela 4 está representada a média dos valores basais e após-ACTH nos heterozigotos de acordo com a atividade enzimática da mutação. Observamos dois heterozigotos para mutações da forma clássica que apresentaram valores elevados da 17OHP após-ACTH, 11 e 15ng/mL respectivamente. Ambos eram assintomáticos e, para afastar a possibilidade de serem afetados pela forma críptica da doença, realizamos o seqüenciamento de todo o gene CYP21A2 e nenhuma outra mutação foi identificada, confirmando apenas o estado de heterozigose.

Concluímos que a heterozigose para deficiência da 21-hidroxilase não deve ser a causa de manifestações hiperandrogênicas, e que indivíduos com níveis da 17OHP após-ACTH entre 4,3 e 10ng/mL não devem ser tratados.

Em resumo, o diagnóstico da forma NC-21OH deve ser sempre suspeitado na presença de manifestações hiperandrogênicas e confirmado através da dosagem da 17OHP. Na nossa casuística, valores da 17OHP pós-ACTH >17ng/mL foram diagnósticos desta patologia. Entretanto, para valores da 17OHP após-ACTH entre 10 e 17ng/mL, estaria indicado estudo molecular do gene CYP21A2 para diferenciar heterozigose de forma não clássica da deficiência da 21-hidroxilase.

Confirmado o diagnóstico da forma não clássica, a terapia de reposição com glicocorticóide está indicada para forma sintomática, porém a forma assintomática deve ser mantida em observação. Dos 5 casos que acompanhamos com diagnóstico de forma assintomática, 3 desenvolveram manifestações: 1 desenvolveu pubarca precoce e dois apresentaram nódulo adrenal na idade adulta (<3cm).

O glicocorticóide deve ser reposto em doses fisiológicas, com o objetivo de controlar o hiperandrogenismo sem afetar a velocidade de crescimento, preservando a função gonadal, a fertilidade e a estatura final. Na infância, deve ser utilizado glicocorticóide de curta ação para não inibir a velocidade de crescimento, como o acetato de cortisona 18 a 20mg/m2/dia dividido em 3 doses. Nos adultos utilizamos a dexametasona 0,25 a 0,5mg/dia em dose única à noite.

A avaliação da eficácia de tratamento deve ser feita através de dosagens de androstenediona e testosterona e, apesar da adequada supressão androgênica, a 17OHP pode não normalizar. A tentativa de normalizar a 17OHP pode implicar em hipercortisolismo. Selecionando apenas os pacientes com pubarca precoce que foram tratados desde a infância, a terapia de reposição hormonal permitiu que desenvolvessem telarca e menarca em idades adequadas, e que atingissem a estatura final dentro da variação normal para a estatura alvo.

DISCUSSÃO ABERTA

Dr. José Antonio Miguel Marcondes (Médico Assistente-Doutor do Serviço de Endocrinologia e Metabologia HCFMUSP):

Gostaria de relatar que, no ambulatório de hirsutismo, onde estudamos somente mulheres adultas, a nossa experiência é a mesma. Observamos que pacientes com uma resposta menor da 17OHP apresentam apenas uma mutação. O mais importante é que, quando repetimos a Cortrosina nessas pacientes, a resposta muda totalmente; então, parece que existe uma variabilidade da resposta da 17OHP nesse grupo de pacientes e aí está o cuidado do tratamento.

Como é que você interpreta isso em uma paciente que tem uma hiper-resposta e não tem mutação? Seria uma mutação nova?

Dra. Tânia Bachega:

Não é possível definirmos, ainda, qual o valor da 17OHP após estímulo com ACTH que será diagnóstico. Os critérios anteriores foram estabelecidos antes do estudo do gene, mas nós sabemos que não será 10ng/mL. A nossa hipótese para as que têm uma hiper-resposta com genótipo incompleto é que possam ter uma mutação nova ou em uma outra região reguladora da transcrição do gene da 21-hidroxilase, situada no intron 35 do gene C4B. Foi observado in vitro que deleções desta região diminuem parcialmente a transcrição do gene CYP21A2, o que poderia justificar a apresentação clínica da forma não clássica.

Dr. Marcelo Cidade Batista (Médico Assistente-Doutor do Serviço de Endocrinologia e Metabologia HCFMUSP):

Todos os pacientes que tinham duas mutações possuíam valores da 17-hidroxiprogesterona acima de 17ng/mL, e você fala em outro slide que pacientes com valores <10ng/mL não devem ser tratados. E os com valores entre 10 e 17ng/mL?

Dra. Tânia Bachega:

Na verdade, como há controvérsia na literatura sobre se a heterozigose para a 21OH causa manifestações hiperandrogênicas, às vezes recebemos pacientes utilizando glicocorticóide por se tratar de um quadro de hirsutismo associado à heterozigose. Nós não concordamos com a hipótese que heterozigose causa hiperandrogenismo. Se assim fosse, as mães dos pacientes com forma clássica, as quais possuem as mutações com pior comprometimento da atividade enzimática, teriam freqüência maior de hirsutismo do que a população normal. Para os pacientes com valores entre 10 e 17ng/mL estaria indicado o estudo molecular, a fim de se diferenciar heterozigose de forma NC-21OH e, assim, avaliação da decisão terapêutica quanto ao glicocorticóide.

Dr. Marcelo Cidade Batista:

Se você faz um teste de estímulo com Cortrosina e a resposta é de 13ng/mL, por exemplo, o que você faz com esse paciente? Ela é menor que 17ng/mL e maior que 10ng/mL.

Dra. Tânia Bachega:

Nesse caso ainda não podemos estabelecer uma conduta mas, pelo critério hormonal, ele teria a forma NC-21OH.

Dr. Marcelo Cidade Batista:

Não pelo seu critério hormonal, mas sim pela literatura; pelo seu critério hormonal é acima de 17ng/mL.

Dra. Tânia Bachega:

Como eu citei, não há dados suficientes para estabelecermos um ponto de corte, acima ou abaixo de 17ng/mL. Na casuística de Yves Morel, o ponto de corte é de 20ng/mL (dados não publicados). No trabalho de Deneux e cols., o ponto de corte foi também de 17ng/mL. Avaliar a conduta nos casos de pubarca precoce é mais fácil, porque se for uma pubarca precoce idiopática, quando se interrompe a medicação, não ocorre posterior virilização; o dilema ocorre nos casos de hirsutismo. Faz-se necessário aumentar o nosso número de pacientes estudados para chegarmos a uma definição.

Prof. Dr. Walter Bloise (Médico Assistente-Doutor do Serviço de Endocrinologia e Metabologia HCFMUSP):

Do ponto de vista prático, quando você trata um indivíduo com a forma não clássica, você obtém bons resultados só com a depressão da adrenal? Porque o que nós vemos é que nem sempre você consegue, sendo preciso manter também o ovário em repouso.

Dra. Tânia Bachega:

Dependendo da queixa, se é infertilidade ou pubarca precoce, apenas a terapia de reposição com baixas doses de glicocorticóide é capaz de corrigir essas alterações. Nos casos de hirsutismo, ele só melhora com a terapia com glicocorticóide quando é leve; nos casos mais graves, em geral, é necessário o uso de tratamento coadjuvante.

Prof. Dr. Wilian Nicolau (Professor Associado da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do HCFMUSP):

O acetato de ciproterona tem algum papel na terapêutica, nesses casos em que se fica em dúvida? Vamos dizer que, quando você utiliza corticóide e tem efeitos não desejáveis, você tem outra opção, como o acetato de ciproterona?

Dra. Tânia Bachega:

Poderia ser utilizado, mas na realidade a nossa experiência com o acetato de ciproterona é no tratamento do hirsutismo severo. O acetato de ciproterona tem importante atividade glicocorticóide e, para se evitar problemas de ganho de peso, a dose que utilizamos é de 50mg/dia nos 10 primeiros dias do ciclo.

Dr. José Antonio Miguel Marcondes:

Eu gostaria de comentar a pergunta do Dr. Marcelo, que do ponto de vista prático tem grande importância no sentido do que se fazer nas pacientes que têm uma resposta da 17OHP <17ng/mL. No ambulatório de hirsutismo, em todas as pacientes que foram submetidas novamente ao teste da Cortrosina observamos que a resposta da 17OHP caiu para <10ng/mL ou normalizou.

Dra. Tânia Bachega:

E essas são as mesmas que apresentaram o genótipo não definido.

Dr. José Antonio Miguel Marcondes:

Não tinham o genótipo definido, ou tinham apenas uma mutação.

Dra. Tânia Bachega:

Quando você identifica mutações em ambos os alelos, é simples e, para isto, é importante ter o DNA dos pais para segregar as mutações, pois pode-se ter duas mutações em um alelo. Também é uma boa prática reavaliar o paciente laboratorialmente quando se identificou apenas uma mutação.

Dr. José Antonio Miguel Marcondes:

O problema é que fazer biologia molecular fora de grandes centros é inviável, e então temos uma questão prática: o que fazer com essas pacientes? Eu acho que a repetição do teste de estímulo com ACTH só com uma dosagem de 17OHP conseguiria, eventualmente, solucionar o problema. Se a resposta normalizar (<10ng/mL), o paciente não deve ser tratado. Com relação à eficácia do tratamento, na minha experiência, o hirsutismo em geral não melhora, a acne melhora em 50% e o distúrbio menstrual melhora em 30% com o uso de glicocorticóide.

Dr. Marcelo Cidade Batista:

Uma parte dessa variação na resposta ao ACTH está relacionada ao ensaio que nós utilizamos para dosar a 17OHP. Temos acompanhado mês a mês o coeficiente de variação de todos esses hormônios, e não conseguimos manter um coeficiente abaixo de 20% no ensaio da 17OHP. Embora esse número seja muito alto, ele não é um problema específico do nosso laboratório. No último congresso de patologia clínica, o Dr. Gilberto Vieira comunicou que o coeficiente de variação do Laboratório Fleury é entre 20 e 30%. Apesar de usarem um método diferente do nosso, a variação deles é maior ou igual à nossa. Um coeficiente de variação de 20% significa que um valor de 17OHP de 20ng/mL, pode significar valores de 12ng/mL até 28ng/mL; se repetirmos a dosagem, um valor anterior de 15ng/mL pode ser de 8ng/mL numa segunda determinação. Acredito que esse coeficiente de variação alto explique a grande variação observada.

Prof. Dra. Berenice Bilharinho de Mendonça (Professora Associada da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do HCFMUSP):

Acredito que o erro mais comum é tratar um indivíduo que tem um pico de 17OHP além do valor de normalidade como se ele fosse um doente. Por isso, tivemos esse interesse em estudar indivíduos com heterozigose. A nossa idéia inicial era saber se, eventualmente, o alelo grave daria um pico de 17OHP diferente de um alelo com menor comprometimento da atividade, já que os achados da Dra. Tânia, em pacientes com forma não clássica de hiperplasia adrenal congênita, revelaram que valores de 17OHP pós-ACTH eram mais elevados nos pacientes que possuíam um alelo grave compondo o seu genótipo. Se isso acontecesse, nos obrigaria a ter pontos de corte diferentes para diagnosticar a forma não clássica da hiperplasia adrenal congênita. Nos estudos dos heterozigotos, isso não foi verificado, mostrando que a variabilidade da resposta da 17OHP nos heterozigotos não depende apenas do alelo que o indivíduo apresenta.

É possível rever os pontos de corte e os dados hormonais publicados em trabalhos científicos que realizaram o estudo genotípico, para se ter um diagnóstico de precisão. O que eu gostaria de chamar a atenção é não usar o valor normal da metodologia para indivíduos controle, porque você vai tratar praticamente 50% dos indivíduos que são heterozigotos. Embora a avaliação dos nossos dados não nos permita concluir que o estado de heterozigose possa estar associado a hiperandrogenismo, esta é uma questão ainda discutida na literatura, e a pesquisa dessa anormalidade na população de hirsutas pode levar a conclusões inadequadas. A prevalência de uma mutação no gene que determina a atividade da 21-hidroxilase é alta na população geral, e a probabilidade de se encontrar um heterozigoto está ao redor de 6% nas hirsutas. Isto poderia nos levar à conclusão de que a heterozigose é causa de hirsutismo, mas o hirsutismo e hiperandrogenismo não são encontrados nos heterozigotos obrigatórios. Acreditamos que existem associações de diversos fatores na etiopatogenia do hirsutismo.

Com relação ao comentário do Dr. Marcelo, a nossa conduta com valores da 17OHP entre 10 e 17ng/mL é realizar o estudo do gene. A importância de indicar o estudo genético baseado no resultado hormonal é muito grande. Seqüenciar o gene CYP21A2 de todos os pacientes com suspeita clínica de deficiência da 21-hidroxilase seria muito trabalhoso e oneroso e, além disso, temos problemas de falso-positivos e há um número grande de polimorfismos. O critério hormonal ainda é prevalente.

Prof. Dr. Marcello Delano Bronstein (Professor Livre-Docente do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do HCFMUSP):

Impressionou-me muito o coeficiente de variação indicado pelo Dr. Marcelo. Teoricamente você poderia ter um paciente com 17OHP <2ng/mL, mas que teria indicação de realizar o teste da Cortrosina. Em função desse fato, havendo uma suspeita clínica robusta e, independente do nível basal de 17OHP, devemos fazer o teste de estímulo com ACTH rotineiramente, ou não?

Dra. Tânia Bachega:

Como demonstramos, a grande maioria (77%) já possui valor basal elevado. Se o basal for <5ng/mL, eu indico o teste de estímulo. Os que possuíam valores normais eram 4 pacientes: 2 destes apresentavam pubarca precoce e valores basais da 17OHP <1ng/mL.

AGRADECIMENTOS

Aos colaboradores destes estudos: Dra. Ana Elisa C. Billerbeck, Dra. Guiomar Madureira, Dr. José A.M. Marcondes, Dra. Enecy M.L. Brenlha, Dra. Rosy Ueti, Prof. Dr. Ivo J.P. Arnhold e Profa. Dra. Berenice B. Mendonça.

Recebido em 06/05/03

Revisado em 24/07/03

Aceito em 31/07/03

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2003
    • Revisado
      24 Jul 2003
    • Recebido
      06 Maio 2003
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