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Tratamento com hormônio de crescimento: aspectos moleculares, clínicos e terapêuticos

EDITORIAL

Tratamento com hormônio de crescimento - aspectos moleculares, clínicos e terapêuticos

Evandro S. PortesI; Alexander Augusto de L. JorgeII; Carlos Eduardo Martinelli Jr.III

IMédico-doutor, Diretor do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, SP, Brasil

IIMédico da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP, Brasil

IIIProfessor-associado do Departamento de Puericultura e Pediatria do Serviço de Endocrinologia Pediatrica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Evandro S. Portes Av. Rouxinol, 1041, cj. 304/305 04510-001 São Paulo, SP E-mail: evandroportes@uol.com.br

EM 1958, PELA PRIMEIRA VEZ, uma quantidade suficiente de hormônio de crescimento (growth hormone [GH]) obtido de hipófises de cadáveres foi purificado e um paciente de 17 anos, que apresentava deficiência de GH (DGH), foi tratado com o GH hipofisário (1). Nos anos que se seguiram, vários grupos ao redor do mundo iniciaram programas de obtenção de GH de hipófise de cadáveres. Porém, a limitação na quantidade de GH possível de ser obtido dessa forma restringiu o tratamento para poucas crianças com DGH grave.

Em 1985, quatro casos da doença de Creutzfeldt-Jakob foram diagnosticados em pacientes tratados na década de 1960 com GH obtido de hipófise de cadáver (2). Após esses relatos, o uso do GH de cadáveres foi descontinuado em todo mundo e, na mesma época, o GH sintético, produzido por técnica de DNA recombinante humano (hrGH [do inglês human recombinant GH]), passou a ser disponível. A produção ilimitada de hrGH permitiu estender o tratamento para um número maior de crianças com DGH e rapidamente o tratamento começou a ser proposto para crianças com baixa estatura por outras causas não associadas com DGH, assim como para adultos com DGH.

Pesquisando no banco de dados do PubMed http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez/) por artigos sobre o tratamento com hrGH, no período de 1985 a 2008, encontramos mais de 1.800 publicações abordando os diversos aspectos do uso terapêutico desse hormônio. Entre estes, pode-se encontrar alguns consensos que abordam os conhecimentos consolidados nos últimos 30 anos sobre o uso e a segurança do hrGH no tratamento de crianças e adultos (3-6).

Atualmente, o hrGH é utilizado para o tratamento de diversas patologias, variando a aprovação e o uso de um país para o outro. No Brasil, o tratamento com hrGH é aprovado para crianças com DGH, síndrome de Turner ou insuficiência renal crônica, nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG) e adultos com DGH. No nosso meio, vários centros de pesquisa dedicam-se ao estudo dos diversos aspectos do tratamento com hrGH, gerando produção científica com projeção internacional.

Neste número especial dos ABE&M foram convidados pesquisadores nacionais envolvidos em estudos sobre a fisiologia, a genética e os aspectos moleculares, clínicos e terapêuticos do hormônio de crescimento.

A secreção hipofisária do GH encontra-se sob regulação hipotalâmica, principalmente por meio dos hormônios GHRH e somatostatina. Mais recentemente, um terceiro hormônio hipotalâmico, a ghrelina, tem sido investigado quanto ao seu papel no controle da secreção do GH. Neste número dos ABE&M são discutidos os mecanismos de ação desse peptídeo e sua possível ação terapêutica.

A população de pacientes com DGH isolado de causa genética (mutação no gene GHRHR), de Itabaianinha (Sergipe), tem gerado informações importantes quanto ao efeito a longo prazo da DGH em adultos. Este assunto é discutido amplamente nesta edição especial.

O uso do GH para tratamento da baixa estatura em diversas doenças também foi contemplado neste número dos ABE&M. Foram abordadas as indicações já consideradas clássicas do uso do hrGH (síndrome de Turner, síndrome de Prader-Willi, crianças com insuficiência renal crônica ou crianças nascidas PIG), passando por indicações polêmicas (crianças com baixa estatura idiopática) e outras indicações potenciais que se encontram ainda sob investigação (crianças com doenças crônicas, em uso de glicocorticóide, defeitos no gene SHOX, síndrome de Noonan ou com síndrome da imunodeficiência adquirida), o que permite atualização dos aspectos mais relevantes da terapia com hrGH.

Independente da indicação do tratamento com hrGH, uma constante observada em todos os estudos é a grande variabilidade de resposta individual. Nesta edição, um artigo revisa a busca de modelos matemáticos para prever a resposta de cada indivíduo ao tratamento com GH. Outro ponto importante aborda os possíveis efeitos colaterais e a segurança do uso do hrGH.

A necessidade de reavaliação da secreção do GH em pacientes com diagnóstico de DGH na infância que atingem a altura final, bem como a conduta na fase de transição da infância para a vida adulta de pacientes com DGH, assim como o uso de GH em adultos são abordados neste numero dos ABE&M. Um faz ampla revisão da literatura e outro discute os efeitos benéficos da reposição mais especificamente nos pacientes com síndrome de Sheehan. Um terceiro trabalho, este original, demonstra os benefícios e a segurança desta medicação em adultos.

O efeito da reposição do GH sobre os outros eixos hormonais, sobretudo o tireotrófico e o corticotrófico, é importante. Sua reposição em pacientes com DGH pode revelar ou precipitar o hipotireoidismo e o hipocortisolismo latente. Já a utilização de estrógenos nos pacientes em uso do GH leva à diminuição da sua ação terapêutica. Estes aspectos também são abordados nesta edição.

Após 30 anos do uso de hrGH no tratamento de crianças com diversas doenças que causam baixa estatura, assim como em adultos com DGH, encontra-se ainda em intensa investigação. É objetivo desta edição especial dos ABE&M atualizar o endocrinologista clínico com as últimas informações sobre esse tratamento hormonal, trazendo a experiência e o conhecimento de pesquisadores nacionais em suas áreas de estudo.

  • 1. Raben, MS. Treatment of pituitary dwarf with human growth hormone. J Clin Endocrinol Metab. 1958;18:901-3.
  • 2. Frasier SD. The not-so-good old days: working with pituitary growth hormone in North America, 1956 to 1985. J Pediatrics. 1997;131(1):S1-4.
  • 3. Consensus guidelines for the diagnosis and treatment of adults with growth hormone deficiency: summary statement of the growth hormone research society workshop on adult growth hormone deficiency. J Clin Endocrinol Metab. 1998;83(2):379-81.
  • 4. Growth Hormone Research Society. Consensus guidelines for the diagnosis and treatment of growth hormone (GH) deficiency in childhood and adolescence: summary statement of the GH Research Society. J Clin Endocrinol Metab. 2000; 85(11):3990-3.
  • 5. Clayton PE, Cuneo RC, Juul A, Monson JP, Shalet SM, Tauber M. Consensus statement on management of the GH-treated adolescent in the transition to adult care. Eur J Endocrinol. 2005;152:165-70.
  • 6. Molitch ME, Clemmons, DR, Malozowski S, Merriam GR, Shalet SM, Vance ML. Evaluation and treatment of adult growth hormone deficiency: an endocrine society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2006;91(5):1621-34.
  • Endereço para correspondência:
    Evandro S. Portes
    Av. Rouxinol, 1041, cj. 304/305
    04510-001 São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jul 2008
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