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Tireoidectomia total para bócio multinodular

Total thyroidectomy for multinodular goiter

Resumos

INTRODUÇÃO: Preservar tecido tireóideo em cirurgias para bócio multinodular (BM) não evita a complementação hormonal e pode gerar recidiva. A reoperação aumenta em até 20 vezes o risco de complicações. Propomos no BM, a tireoidectomia total (TT) como tratamento definitivo quando existe acometimento bilateral do parênquima posterior à veia tireóidea média. OBJETIVO: Avaliar e justificar a utilização da TT em portadores de BM. MATERIAL E MÉTODO: Estudo retrospectivo de 1.789 pacientes submetidos a tireoidectomias de 06/90 a 12/00. A indicação cirúrgica foi avaliada conforme a apresentação clínica, a extensão da tireoidectomia, a incidência de câncer e as complicações. RESULTADOS: A TT foi realizada em 81,2% de 872 portadores de BM atóxicos, 93,9% de 33 BM tóxicos e 93,9% de 66 bócios recidivados. Houve hipoparatireoidismo transitório ou definitivo, hematoma e lesões transitórias ou definitivas do nervo recorrente em respectivamente 11,5%, 0,5%, 0,4%, 2,7% e 0,2% dos pacientes com BM atóxicos, e 8,3%, 8,3%, zero, 5,0% e 5,0% dos com B recidivados. Complicações definitivas da TT para BM atóxico foram semelhantes à tireoidectomia não total, porém inferiores da TT para B recidivado. Ocorreu aumento da indicação da TT para BM atóxico, com a utilização da veia tireóidea média como referência anatômica, de 53,3% inicialmente para 93,6% atualmente, com elevação do diagnóstico de câncer de 11,1% para 19,8%. CONCLUSÃO: TT é o tratamento de escolha para o BM, quando acomete extensamente a glândula, isto é, posteriormente às veias tireóideas médias; com baixo índice de complicações definitivas.

Bócio multinodular; Doença tireóidea benigna; Tireoidectomia total


INTRODUCTION: Preservation of thyroid tissue in surgeries for multinodular goiter (MG) does not avoid hormonal replacement and may have nodular recurrence. Reoperations have a complication rate 20 times higher. We propose total thyroidectomy (TT) for MG as a definitive treatment. OBJECTIVE: To evaluate and justify the TT in patients with MG. MATERIAL AND METHOD: Retrospective study of 1,789 patients who underwent thyroidectomies, from 06/90 to 12/00. Indication, extension of thyroidectomy, cancer incidence and complications were analyzed. RESULTS: TT was performed in 81.2% of 872 patients with nontoxic and 93.9% of 33 with toxic MG and 93.9% of 66 with recurrent goiter. Transient and permanent hypoparathyroidism, hematoma, transient and permanent recurrent laryngeal nerve injury occurred in 11.5%, 0.5%, 0.4%, 2.7% and 0.2% of the patients with nontoxic MG and 8.3%, 8.3%, zero, 5.0% and 5.0% of those with recurrent goiter. Permanent complication of TT for non-toxic MG was similar to non-total thyroidectomy. Utilization of TT for non-toxic MG increased from 53.3% to 93.6% at present, with a concomitant increase of cancer diagnosis from 11.1% to 19.8%. CONCLUSION: TT is the treatment of choice for MG, when there is bilateral gland involvement posterior to middle thyroid veins, because it decreases the likelihood of future reoperations and associated risks due to recurrent disease, when performed safely.

Multinodular goiter; Benign thyroid disease; Total thyroidectomy


ARTIGO ORIGINAL

Tireoidectomia total para bócio multinodular

Total thyroidectomy for multinodular goiter

Celso U.M. Friguglietti; Chin Lin; Marco A.V. Kulcsar

Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC-SP) e Faculdade de Medicina da UNISA, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Celso U.M. Friguglietti Av. Paulista 1159, cj. 1514 São Paulo, SP e.mail: frigugli@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Preservar tecido tireóideo em cirurgias para bócio multinodular (BM) não evita a complementação hormonal e pode gerar recidiva. A reoperação aumenta em até 20 vezes o risco de complicações. Propomos no BM, a tireoidectomia total (TT) como tratamento definitivo quando existe acometimento bilateral do parênquima posterior à veia tireóidea média.

OBJETIVO: Avaliar e justificar a utilização da TT em portadores de BM.

MATERIAL E MÉTODO: Estudo retrospectivo de 1.789 pacientes submetidos a tireoidectomias de 06/90 a 12/00. A indicação cirúrgica foi avaliada conforme a apresentação clínica, a extensão da tireoidectomia, a incidência de câncer e as complicações.

RESULTADOS: A TT foi realizada em 81,2% de 872 portadores de BM atóxicos, 93,9% de 33 BM tóxicos e 93,9% de 66 bócios recidivados. Houve hipoparatireoidismo transitório ou definitivo, hematoma e lesões transitórias ou definitivas do nervo recorrente em respectivamente 11,5%, 0,5%, 0,4%, 2,7% e 0,2% dos pacientes com BM atóxicos, e 8,3%, 8,3%, zero, 5,0% e 5,0% dos com B recidivados. Complicações definitivas da TT para BM atóxico foram semelhantes à tireoidectomia não total, porém inferiores da TT para B recidivado. Ocorreu aumento da indicação da TT para BM atóxico, com a utilização da veia tireóidea média como referência anatômica, de 53,3% inicialmente para 93,6% atualmente, com elevação do diagnóstico de câncer de 11,1% para 19,8%.

CONCLUSÃO: TT é o tratamento de escolha para o BM, quando acomete extensamente a glândula, isto é, posteriormente às veias tireóideas médias; com baixo índice de complicações definitivas.

Descritores: Bócio multinodular; Doença tireóidea benigna; Tireoidectomia total

ABSTRACT

INTRODUCTION: Preservation of thyroid tissue in surgeries for multinodular goiter (MG) does not avoid hormonal replacement and may have nodular recurrence. Reoperations have a complication rate 20 times higher. We propose total thyroidectomy (TT) for MG as a definitive treatment.

OBJECTIVE: To evaluate and justify the TT in patients with MG.

MATERIAL AND METHOD: Retrospective study of 1,789 patients who underwent thyroidectomies, from 06/90 to 12/00. Indication, extension of thyroidectomy, cancer incidence and complications were analyzed.

RESULTS: TT was performed in 81.2% of 872 patients with nontoxic and 93.9% of 33 with toxic MG and 93.9% of 66 with recurrent goiter. Transient and permanent hypoparathyroidism, hematoma, transient and permanent recurrent laryngeal nerve injury occurred in 11.5%, 0.5%, 0.4%, 2.7% and 0.2% of the patients with nontoxic MG and 8.3%, 8.3%, zero, 5.0% and 5.0% of those with recurrent goiter. Permanent complication of TT for non-toxic MG was similar to non-total thyroidectomy. Utilization of TT for non-toxic MG increased from 53.3% to 93.6% at present, with a concomitant increase of cancer diagnosis from 11.1% to 19.8%.

CONCLUSION: TT is the treatment of choice for MG, when there is bilateral gland involvement posterior to middle thyroid veins, because it decreases the likelihood of future reoperations and associated risks due to recurrent disease, when performed safely.

Keywords: Multinodular goiter; Benign thyroid disease; Total thyroidectomy

A INDICAÇÃO DA TIREOIDECTOMIA TOTAL (TT) no tratamento do carcinoma bem diferenciado da tireóide não é unânime, sendo ainda mais controversa quando utilizada para doença benigna. Vários autores apoiam o aumento da indicação da TT nas doenças benignas, ressaltando que bócio multinodular (BM), tireoidite de Hashimoto (TH) e doença de Graves (DG) acometem difusamente o parênquima tireóideo (1-10).

O Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer de São Paulo (SCCP-IBCC-SP), sob a supervisão dos autores, indicava a TT no tratamento de pacientes com BM quando existia acometimento bilateral do parênquima posteriormente à veia tireóidea média, e dúvida no exame intra-operatório de congelação. Revisamos a utilização da TT na doença benigna com o objetivo de demonstrar sua segurança e justificar a conduta dos autores.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo retrospectivo dos prontuários de 1.789 pacientes, sendo 1.044 operados e seguidos no SCCP do IBCC-SP, por estagiários sob a supervisão dos autores 1 e 3 no período de 06/1990 a 12/1997, e do autor 2 no período de 01/1998 a 02/1999; e 745 pacientes operados e seguidos pelos autores 1 e 3 em clínica privada, de 02/1999 a 12/2000. As indicações cirúrgicas foram: laudo suspeito em exame citológico obtido por punção aspirativa por agulha fina, paciente com sintomas compressivos ou bócio mergulhante.

A conduta cirúrgica foi classificada como istmectomia (ISTM), lobectomia total com istmectomia (LT), lobectomia total e parcial contralateral (quando não houve ligadura de nenhum pedículo arterial) (LT/LP), tireoidectomia parcial bilateral (quando houve ressecção e ligadura de pedículos arteriais bilaterais) (TST) e tireoidectomia total (incluindo a cápsula tireóidea) (TT); e comparada conforme apresentação clínica, presença de câncer e complicações.

Nos pacientes portadores de BM, durante a avaliação intra-operatória, utilizamos a veia tireóidea média (VTM) para definir a extensão da ressecção:

Tecido macroscopicamente normal posterior à veia — não é feita dissecção além do plano de secção, na VTM; portanto, não manipulamos as paratireóides e o recorrente, se houver recidiva no futuro, este lado se comporta como virgem de tratamento (figura 1);

Tecido macroscopicamente alterado posterior à veia, necessita dissecção das paratireóides e do recorrente para preservar coto (figura 2) — preferimos, no entanto, retirar todo o lobo para prevenir recidiva;

Tecido macroscopicamente alterado posterior à veia, em ambos os lados — TT.



Foram consideradas complicações pós-operatórias queixas de parestesias, espasmos musculares e aparecimento de sinal de Chvostek como hipoparatireoidismo transitório (PT) e disfonia como lesão do nervo recorrente transitória (RT). Após o diagnóstico clínico de PT, iniciava-se reposição de cálcio, sendo utilizada dosagem sérica apenas nos casos resistentes ao tratamento clínico. Todos os pacientes disfônicos eram submetidos a laringoscopia indireta para confirmação diagnóstica. A manutenção dos sintomas e alterações laboratoriais após dois meses foram consideradas complicações definitivas, respectivamente hipoparatireoidismo definitivo (PD) e lesão do nervo recorrente definitiva (RD). TSH maior que 4,0mUI/L, após dois meses, foi considerado hipotireoidismo definitivo (TD) e indicada complementação hormonal. Consideramos apenas os casos de hematoma que necessitaram exploração cirúrgica imediata. Foi realizado o teste Qui-quadrado e considerado estatisticamente significante um valor de p<0,05.

RESULTADOS

Os 1.789 pacientes foram separados, conforme apresentação clínica, em BM atóxico, bócio uninodular atóxico (BUA), BU tóxico (BUT), bócio recidivado, BM tóxico, BUT e dis-hormonogenético. A conduta cirúrgica inicial foi preferencialmente da lobectomia total em 46,3% dos BUA e 61,1% dos BUT; e da TT em 81,2% dos BMA, em 93,9% dos BMT e em 93,9% dos bócios recidivados. A incidência de câncer foi de 25,9% nos BUA e 16,6% nos BMA (tabela 1).

As complicações PT, PD, RT e RD ocorreram respectivamente em 1,9%, 0,6%, 1,5% e 0,4% dos pacientes submetidos a tireoidectomias não totais (NTT); e em 12,3%, 1,6%, 1,9% e 0,4% daqueles submetidos a TT (tabela 2A); com diferença estatística apenas para PT (p<0,001). O hipotireoidismo definitivo surgiu em 9,5% dos submetidos a ISTM, em 38,1% dos submetidos a LT e em 59,3% dos submetidos a LT/LP (tabela 2B).

Ao avaliarmos PT, PD, RT e RD separadamente nos BMA benignos, encontramos 2,4%, 1,2%, 1,2% e 0,6% nos pacientes submetidos a NTT; e em 11,5%, 0,5%, 2,7% e 0,2% naqueles submetidos a TT (tabela 4); da mesma forma com diferença estatística apenas para PT (p<0,001). Nos bócios recidivados, predominantemente submetidos a TT, temos 8,3% de PT, 8,3% de PD, 5,0% de RT e 5,0% de RD; com diferença significante de PD e RD (p<0,001) quando comparado aos BMA benignos submetidos a TT (tabela 6).

A TT foi utilizada para tratamento de BMA em, inicialmente, 53,3% dos pacientes e, ultimamente, em 93,6% (tabela 3). As complicações PT, PD, RT e RD da TT em BMA benigno foram 12,6%, 1,2%, 3,2% e zero quando realizada por estagiários supervisionados; e de 10,6%, zero, 2,3% e 0,3% quando realizada em clínica privada; não demonstrando diferença estatística (tabela 5).

DISCUSSÃO

Os fatores etiológicos causadores das doenças benignas, fatores genéticos, de crescimento, TSH, anticorpos anti-tireoperoxidase, anti-tireoglobulina, anti-receptor de TSH (Trab), e demais, agem em todo tecido tireóideo. Porém, as células foliculares, devido à sua heterogeneidade, respondem de forma e ritmo diversos, gerando nódulos com tamanhos e diferenças funcionais em períodos distintos.

Ao avaliarmos macroscopicamente a tireóide no intra-operatório, é lógico realizar uma TT quando encontramos todo o tecido tireóideo ocupado por nódulos, micronódulos ou um parênquima fibroso. Porém, bócios nos quais encontramos, além das áreas nodulares, outras supostamente normais, por vezes heterogêneas ao ultra-som e à palpação, são submetidos por muitos cirurgiões a técnicas não totais (NTT). Tais técnicas consistem na abertura da tireóide e dissecção destas áreas nodulares do parênquima normal, apesar de serem tecnicamente difíceis. Estas áreas normais preservadas são, na realidade, também alvo dos mesmos agentes etiológicos, porém respondem mais lentamente; e se fossem examinadas por congelação intra-operatória, fatalmente já demonstrariam alterações microscópicas como presença de bócio, tireoidite, infiltrado linfocitário ou fibrose.

A grande vantagem de preservar tais áreas seria manter o eutireoidismo; alguns alegam manter um ritmo circadiano bem como uma melhor resposta ao stress (comunicação pessoal de Ferraz, AR), porém, sem confirmação científica. Todavia, o insucesso é freqüente; em nossa casuística tivemos hipotireoidismo definitivo em ressecções parciais, 38,1% naquelas unilaterais e 59,3% nas bilaterais (tabela 2B). Nesses pacientes, torna-se necessária utilização de hormonioterapia complementar pós-operatória que, a longo prazo, mesmo supressiva, nem sempre é efetiva em limitar o crescimento do parênquima remanescente (11), principalmente se houver influência de outros fatores não TSH, como insulin-like growth factor e epidermal growth factor, o que gera um potencial de recorrência (12-14).

A desvantagem de tal preservação é uma maior incidência de recidiva. A recidiva é progressivamente maior conforme o tempo passado da primeira operação, Torre e cols. encontraram-na em 32,5% dos pacientes seguidos após 5 anos (12); Waldstron e cols. (15), Botelho e cols. (16) e Reeve e cols. (17) obtiveram-na, respectivamente, em 12, 15 e 23% dos pacientes em seguimento de dez anos; Jenny e cols. encontraram-na em 15% em seguimento de 15 anos (18) e Röjmark & Järhuklt tiveram 41% e 45% de recorrência em pacientes sem e com T4 após 30 anos de NTT (19). É claro que poderíamos obter maiores percentuais se utilizassemos, além da avaliação clínica, a ultrassonografia. Obviamente, nem todos os casos recidivados terão indicação cirúrgica, mas deverão ser eternamente acompanhados e provavelmente submetidos à punção aspirativa periodicamente. Normalmente, a recidiva causa descontentamento ao paciente, que acaba procurando outro endocrinologista e outro cirurgião de cabeça e pescoço. Na literatura, apenas Waldstron e cols. referem o percentual 50%, de pacientes com indicação cirúrgica no grupo recidivado (15). Gemsenjäger e cols. (20) e Barbier e cols. (21) concordam que a melhor forma de prevenir a recidiva pós-cirúrgica do bócio é a retirada, tão extensa quanto possível, do tecido patológico, já que a maioria das recorrências é resultante do crescimento contínuo do tecido remanescente.

As principais complicações da tireoidectomia são previnidas pela visualização e proteção dos nervos recorrentes, bem como individualização e manutenção da irrigação das paratireóides. Quanto maior foi a área de dissecção e de ressecção, maior o indíce de complicações definitivas obtidas (tabela 2A), porém inferiores à literatura, onde temos lesão unilateral do nervo recorrente de zero até 5,2% (22-28) e hipoparatireoidismo definitivo de 1,0% até 8,0% (22,24,25, 29,30). Em relação ao nervo recorrente, chamamos apenas de lesão, já que, atualmente, muitos advogam que é indispensável o uso de estroboscopia e eletromiografia para diferenciar paresia de paralisia (31) e que não tivemos lesão bilateral. Ao adotarmos dois meses de seguimento, como divisor entre complicações transitórias e definitivas, provavelmente elevamos nossos índices de complicações tanto transitórias como definitivas, o que valoriza ainda mais a comparação com dados da literatura, onde normalmente os autores aguardam de 6 a 12 meses para recuperação das lesões transitórias.

Ao estudarmos os pacientes com BM atóxicos, e compararmos TT com NTT, só observamos diferença estatística no percentual de hipoparatireoidismo transitório (tabela 4). Na literatura, tal incidência depende do método de avaliação, quando apenas clínico é de até 15% (32,33) e de até 80% quando considerados critérios laboratoriais (dosagens de cálcio e PTH) (34). McHenry e cols. (32) confirmaram que hipocalcemia transitória é seqüela comum nas ressecções uni e bilaterais, ocorrendo em 40% e 49% dos pacientes, respectivamente, entretanto hipocalcemia sintomática ocorreu apenas em 15% dos pacientes; Delbridge e cols. (9) tiveram 32% de pacientes submetidos a TT por BM que necessitaram suplementação de cálcio de três a seis semanas após a operação.

A morbidade da tireoidectomia está relacionada com a experiência e técnica do cirurgião. Inicialmente, apesar das complicações serem comparáveis à literatura, achávamos que a elevada incidência de hipoparatireoidismo transitório estivesse relacionada às cirurgias realizadas pelos estagiários; porém, as TT realizadas pelos autores, período IV, tiveram complicações semelhantes estatisticamente daquelas realizadas pelos estagiários sob supervisão (tabela 5). Tal semelhança foi encontrada por Shaha & Jaffe (35) e por Mishra e cols. (36), que confirmam a segurança da TT quando realizada por residentes sob supervisão. Reeve e cols. (37) encontraram, também, baixo índice de complicações quando a TT foi realizada por cirurgiões gerais com prática mínima de 16 TT ao ano. Lamadé e cols. (38) foram mais além, e concluíram que as complicações inicialmente são baixas no grupo de residentes, se elevam nos assistentes novos e decrescem nos mais experientes.

Nas recidivas que necessitam nova dissecção da face posterolateral da tireóide, devido à fibrose, existe dificuldade em visualizar e preservar as estruturas, o que pode causar maior incidência de lesão unilateral do nervo recorrente, até 10%, e hipoparatireoidismo definitivo, até 20%; portanto elevando em até 20 vezes as complicações (7,8,17,26,39-44).

No primeiro período, nossos patologistas não estavam bem treinados com exame de congelação de tireóide, portanto indicávamos a TT baseado na avaliação macroscópica do cirurgião. No segundo período, como a maior parte de nossos pacientes eram oriundos do interior de estados do Nordeste, ficamos preocupados com possíveis recidivas sem seguimento adequado e passamos a utilizar o fator anatômico (VTM) para definir a conduta cirúrgica. Tal uso permite que pacientes submetidos à ressecção não total mantenham coto sem manipulação e, portanto, em eventual recidiva com indicação cirúrgica, não terão maior risco de complicações. Desde então, consolidamos cada vez mais tal reparo anatômico e passamos a tentar evitar recidiva, qualquer irregularidade posterior à VTM é considerada patológica, o que contribui atualmente para realizarmos TT em 93,6% dos pacientes com BMA (tabela 3).

Com o uso da VTM, a conduta cirúrgica mais empregada nos bócios com comprometimento bilateral (BMA, BMT, recidivados e dis-hormonogenéticos) foi a TT, e nos bócios localizados ou unilaterais (BUA e BUT) foi a lobectomia total com istmectomia. Devemos ressaltar que, nos bócios unilaterais, houve discordância entre avaliação clínica pré-operatória e intra-operatória em 11,1% dos BUA e 11,1% dos BUT, sendo considerados multinodulares no intra-operatório e submetidos a TT (tabela 1).

O incremento das ressecções totais, além das vantagens já descritas, permitiram aos patologistas estudar todo o parênquima e, assim, diagnosticar maior percentual de lesões malignas; tivemos, no geral, 16,6% no BMA e 25,9% no BUA superiores aos descritos na literatura (tabela 1), com elevação de 11,1% no primeiro período para 19,8% no quarto período (tabela 3).

A grande dúvida quando existe indicação cirúrgica é: o que é melhor ou menos complicado, TT como primeiro e definitivo tratamento, ou TT nos bócios recidivados com indicação cirúrgica? Ao avaliarmos as complicações da TT no bócio multinodular e no bócio recidivado (pacientes em que o primeiro tratamento foi realizado em outro serviço), encontramos nítido e significativo incremento das complicações definitivas nos recidivados (tabela 6). Não temos seguimento satisfatório dos pacientes submetidos à NTT, já que os tratados no SCCP-IBCC-SP retornaram ao estado de origem e os da clínica privada foram reencaminhados para os endocrinologistas que fizeram o diagnóstico e indicaram o tratamento, por isso, desconhecemos nosso percentual de recidiva.

Na literatura, encontramos Reeve e cols. (1), Pappalardo e cols. (7), Marchesi e cols. (8), Delbridge e cols. (9) e Gough & Wilkinson (10), que publicaram resultados semelhantes com baixo índice de complicações definitivas, maior percentual de hipoparatireoidismo transitório e equivalência da TT quando comparada à NTT, que concordam com nossa opinião, porém sem definir critérios para ressecção (tabela 7). Liu e cols. (4) e Siracusa e cols. (5) publicaram complicações semelhantes na TT, e indicavam-na para BMA, DG e em pacientes com exame de congelação duvidoso. Mishra e cols. (45) sugerem utilização de TT em BM em regiões endêmicas (tabela 8).

CONCLUSÃO

A TT, baseada em conceitos etiológico-anatômico-patológicos, é útil no tratamento das doenças benignas que acometem toda a tireóide, quando apresentam indicação cirúrgica. Tem benefícios, na erradicação do BM, no tratamento de câncer associado e na prevenção de recidivas, desde que realizada sem aumento da morbidade. Quando utilizada como tratamento inicial, apresenta risco de complicações definitivas equivalente à tireoidectomia não total e estatisticamente inferior à reoperação de recidiva.

Recebido em 13/07/01

Revisado em 18/09/01

Aceito em 07/12/01

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  • Endereço para correspondência
    Celso U.M. Friguglietti
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Revisado
      18 Set 2001
    • Recebido
      13 Jul 2001
    • Aceito
      07 Dez 2001
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