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Ultra-sonografia pélvica em 140 meninas normais pré e pós-puberais

Resumos

Realizamos ultra-sonografia (USG) pélvica em tempo real e de alta resolução em 140 meninas normais pré e pós-puberais, entre 2 e 18 anos incompletos, para descrever as mudanças da morfologia e do tamanho do útero e dos ovários com a idade e durante o desenvolvimento puberal. Os volumes do útero (VU) e dos ovários (VO) foram calculados, a morfologia uterina foi descrita como pré-puberal (corpo/colo <1) ou não e a estrutura ovariana foi classificada como homogênea (até 3 cistos < 9mm), microcística (4-10 cistos < 9mm), multicística (+10 cistos < 9mm), policística (+10 cistos e estroma hiperecogênico) e folicular (pelo menos uma área cística ³ 9mm). Na fase pré-puberal, os volumes do útero e ovários foram de 1,0±0,7cm³ e 0,9±0,5cm³, respectivamente, mas aumentaram com a puberdade. Consideramos como normal pré-puberal os volumes até 2DP da média (VU £ 2,5cm³ e VO £ 2,0cm³) e como sinal de puberdade os volumes maiores que 4DP da média pré-puberal (VU ³ 4cm³ e VO ³ 3cm³). A morfologia uterina, a presença de eco endometrial e a freqüência das classes ovarianas dependem do status puberal (p<0,005). Os ovários homogêneos foram encontrados somente em pré-puberes (52%); a classe microcística foi a mais comum no início (Tanner II-III, 51%) e a multicística no final da puberdade (Tanner IV-V, 47%); a estrutura policística foi achada em todos os estádios puberais (4-11%) e a folicular (6%) apenas na puberdade. O útero e os ovários aumentam progressivamente durante a infância e a puberdade. O desenvolvimento normal do ovário é contínuo e dinâmico. Ainda não é claro se a presença de ovários policísticos na infância possa representar uma predisposição futura para a síndrome dos ovários policísticos.

USG pélvica; Critérios de normalidade; Pré-puberal; Pós-puberal


Real-time ultrasonography of the pelvic organs was performed in 140 healthy girls aged 2-18 years. The aim of this study was to define the volumes and to relate the uterine and ovarian morphological changes to chronological age and the normal pubertal development. Uterine and ovarian volumes (UV and OV) were calculated; uterine morphologic was described as prepubertal (corpus/cervix < 1) or not and the ovarian structure was classified as homogeneous (less than 3 cysts < 9mm), microcystic (4-10 cysts < 9mm), multycystic (+ 10 cysts < 9mm in diameter), polycystic (+ 10 cysts and increased stroma) and follicular (at the least one cystic area > 9mm). Prepubertal UV and OV were 1.0±0.7cm³ and 0.9+0.5cm³, respectively. We considered volumes up to 2SD (UV £ 2.5cm³ and OV £ 2cm³) as prepubertal normal standards and volumes up to 4SD (UV ³ 4cm³ and OV ³ 3cm³) as indicators of puberty. Uterine morphology, presence of endometrial echo, and ovarian structure related to sexual development (p<0.005). Homogeneous ovaries were visualized only in prepubertal girls (52%); microcystic class was the most common finding in the beginning (Tanner stage II-III, 51%) and the multicystic in the end of puberty (Tanner stage IV-V, 47%); polycystic class was found in 4-11%, and the follicular (6%) was visualized only in pubertal girls. Uterus and ovaries grow in volume throughout childhood and puberty. In the course of normal puberty the ovarian development is dynamic. It has been speculated whether girls with polycystic ovaries, by ultrasound, are at risk to develop polycystic ovary syndrome in adulthood.

Pelvic ultrasonography; Normality standards; Prepubertal; Postpubertal


artigo original

Ultra-Sonografia Pélvica em 140 Meninas Normais Pré e Pós-Puberais

Rosimere J. Teixeira

Valéria C.G.Silva

Josele R. Freitas

Jodélia L.S. Henriques

Marília M. Guimarães

Disciplinas de Endocrinologia e

Radiologia do Hospital Universitário

Pedro Ernesto (HUPE) /

Universidade do

Estado do Rio de Janeiro e

Universidade Federal do

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.

Recebido em 15/10/98

Revisado em 20/04/99

Aceito em 11/06/99

RESUMO

Realizamos ultra-sonografia (USG) pélvica em tempo real e de alta resolução em 140 meninas normais pré e pós-puberais, entre 2 e 18 anos incompletos, para descrever as mudanças da morfologia e do tamanho do útero e dos ovários com a idade e durante o desenvolvimento puberal. Os volumes do útero (VU) e dos ovários (VO) foram calculados, a morfologia uterina foi descrita como pré-puberal (corpo/colo <1) ou não e a estrutura ovariana foi classificada como homogênea (até 3 cistos < 9mm), microcística (4-10 cistos < 9mm), multicística (+10 cistos < 9mm), policística (+10 cistos e estroma hiperecogênico) e folicular (pelo menos uma área cística ³ 9mm). Na fase pré-puberal, os volumes do útero e ovários foram de 1,0±0,7cm3 e 0,9±0,5cm3, respectivamente, mas aumentaram com a puberdade. Consideramos como normal pré-puberal os volumes até 2DP da média (VU £ 2,5cm3 e VO £ 2,0cm3) e como sinal de puberdade os volumes maiores que 4DP da média pré-puberal (VU ³ 4cm3 e VO ³ 3cm3). A morfologia uterina, a presença de eco endometrial e a freqüência das classes ovarianas dependem do status puberal (p<0,005). Os ovários homogêneos foram encontrados somente em pré-puberes (52%); a classe microcística foi a mais comum no início (Tanner II-III, 51%) e a multicística no final da puberdade (Tanner IV-V, 47%); a estrutura policística foi achada em todos os estádios puberais (4-11%) e a folicular (6%) apenas na puberdade. O útero e os ovários aumentam progressivamente durante a infância e a puberdade. O desenvolvimento normal do ovário é contínuo e dinâmico. Ainda não é claro se a presença de ovários policísticos na infância possa representar uma predisposição futura para a síndrome dos ovários policísticos. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/3: 210-216)

Unitermos: USG pélvica; Critérios de normalidade; Pré-puberal; Pós-puberal.

ABSTRACT

Real-time ultrasonography of the pelvic organs was performed in 140 healthy girls aged 2-18 years. The aim of this study was to define the volumes and to relate the uterine and ovarian morphological changes to chronological age and the normal pubertal development. Uterine and ovarian volumes (UV and OV) were calculated; uterine morphologic was described as prepubertal (corpus/cervix < 1) or not and the ovarian structure was classified as homogeneous (less than 3 cysts < 9mm), microcystic (4-10 cysts < 9mm), multycystic (+ 10 cysts < 9mm in diameter), polycystic (+ 10 cysts and increased stroma) and follicular (at the least one cystic area > 9mm). Prepubertal UV and OV were 1.0±0.7cm3 and 0.9+0.5cm3, respectively. We considered volumes up to 2SD (UV £ 2.5cm3 and OV £ 2cm3) as prepubertal normal standards and volumes up to 4SD (UV ³ 4cm3 and OV ³ 3cm3) as indicators of puberty. Uterine morphology, presence of endometrial echo, and ovarian structure related to sexual development (p<0.005). Homogeneous ovaries were visualized only in prepubertal girls (52%); microcystic class was the most common finding in the beginning (Tanner stage II-III, 51%) and the multicystic in the end of puberty (Tanner stage IV-V, 47%); polycystic class was found in 4-11%, and the follicular (6%) was visualized only in pubertal girls. Uterus and ovaries grow in volume throughout childhood and puberty. In the course of normal puberty the ovarian development is dynamic. It has been speculated whether girls with polycystic ovaries, by ultrasound, are at risk to develop polycystic ovary syndrome in adulthood. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/3:210-216)

Keywords: Pelvic ultrasonography; Normality standards; Prepubertal; Postpubertal.

NO PASSADO, O EXAME DA GENITÁLIA interna era realizado através de métodos invasivos e nem sempre muito elucidativos, o que dificultava o estudo de crianças normais. Contudo, isto mudou bastante graças ao advento dos métodos de imagem de alta resolução, especialmente da USG. A USG pélvica tem provado ser um método seguro e adequado para determinar o tamanho e o aspecto do útero e dos ovários, assim como para monitorizar o crescimento folicular e a ovulação. Por isso, cada vez mais tem sido adicionada à investigação hormonal em ginecologia endócrinopediátrica como parte da avaliação inicial de desordens, tais como, genitália ambígua, precocidade sexual e irregularidade menstrual, entre outras (1-3). Entretanto, sua interpretação requer a compreensão da relação entre a maturação da genitália interna, o crescimento e o desenvolvimento puberal normal.

Os relatos da literatura sobre o desenvolvimento normal do útero e dos ovários na infância, através da USG, são limitados e não costumam descrever em detalhes as alterações morfológicas ovarianas que ocorrem durante a puberdade (1,4-8). Na prática diária não existem critérios bem estabelecidos para descrever a estrutura ovariana. Os termos "ovários microcísticos, micropolicísticos e policísticos" são comumente usados, mas de maneira confusa, sempre que se encontram cistos periféricos ao ultra-som. Este estudo tem como objetivo descrever os volumes do útero e dos ovários pré e pós-puberais, assim como as mudanças da morfologia uterina e da estrutura ovariana, que ocorrem com a idade e durante o desenvolvimento puberal normal.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospective, descritivo e de corte transversal, que foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Erncsto-UERJ. Foram selecionadas 140 meninas pré e pós-puberais saudáveis, entre 2 a 18 anos incompletos, que foram encaminhadas ao Ambulatório de Endocrinologia pelo Serviço de Ginecologia Infanto-puberal para participar do estudo. Foram excluídos os casos com desordens puberais ou endócrinas, irregularidade menstrual -definido como ciclo <21 ou >40 dias, doenças crônicas e em uso de pílula anti-concepcional ou outras drogas. Foram avaliados os estádios puberais de Tanner; a idade da menarca e o ciclo menstrual; a estatura, o peso e o índice de massa corporal (IMC, em kg/m2). Foi considerado como sinal clínico de puberdade a presença de mamas ³ ao estádio de Tanner II.

A USG pélvica foi realizada e interpretada sempre pelo mesmo profissional, através do método convencional com bexiga repleta, obtida após a administração oral de fluidos e retenção urinaria voluntária. Foi utilizado equipamento ultra-sonográfico de alta resolução em tempo real: LOGIC 500 GE com sonda de 3,5 MHZ e Hitachi modelo EUB 305 com transdutor de 3,5 ou 5,0 MHZ. Os volumes do útero (VU) e dos ovários (VO) foram calculados por meio da fórmula do clipsóide: V= L x AP x T x 0,5233 (onde V= volume, L= diâmetro longitudinal, AP= diâmetro antero-posterior e T= diâmetro transversal). A morfologia uterina foi descrita como pré-puberal quando a relação entre o diâmetro antero-posterior do corpo e do colo foi £ 1 e como pós-puberal em caso de relação >1 (6). A textura acústica uterina foi analisada para a individualização do eco endometrial. A estrutura ovariana foi dividida em 5 classes:

1 ou homogênea: aspecto sólido ou com até 3 cistos < 9mm;

2 ou microcística: de 4 até 10 cistos < 9mm;

3 ou multicística: mais de 10 cistos < 9 mm e ecogenicidade do estroma normal;

4 ou policística: mais de 10 cistos < 9 mm e estroma ovariano hiperecogênico;

5 ou folicular: presença de pelo menos um cisto dominante ³ 9mm.

A classificação aqui proposta é baseada no número de cistos, volume dos folículos e estroma ovariano, sendo uma modificação de outras já apresentadas previamente (9-11). A medida e a classe de cada ovário foram consideradas separadamente devido as variações existentes entre volume, número e diâmetro dos folículos por par de ovário. Os ovários com macrocistos (cistos > 20mm) foram excluídos para a avaliação da média do VO.

Para a análise estatística foram utilizados: teste paramétrico ANOVA, teste não paramétrico Qui-quadrado (c2) com correção de Yates, teste de correlação de Pearson na interligação entre as variáveis paramétricas e de Sperman para as não paramétricas. Os resultados foram expressos em média ± desvio padrão (DP), sendo adotado o nível de significância de 95%, onde p<0,05.

RESULTADOS

A USG pélvica foi realizada em 140 meninas: 57 impúberes e 83 púberes. As características clínicas de acordo com o estádio puberal são mostradas na tabela 1. No grupo puberal, a menarca ocorreu em 31 meninas (11,8 ± 1,4 anos), sendo a USG realizada no 1oano da menarca em 12 e após 1-5 anos em 19 casos.

Os volumes do útero e ovários aumentaram significativamente com os estádios puberais, como mostra a tabela 2. Em geral, o VU e o VO foram menores que 2DP da média nas meninas pré-puberais e, raramente ultrapassaram este limite (figura 1). Entretanto, VU ³ 4 cm3 e VO ³ 3 cm3, que representam aproximadamente 4DP da média pré-puberal, foram encontrados apenas em meninas com mais de 8 anos de idade e que já haviam iniciado a puberdade (figura 2 e 3).




O volume uterino apresentou boa correlação com: IC (Tanner I: r=0,23; p=0,08; II/III: r=0,38; p=0,02 e IV/V: r=0,50; p=0,0002); estatura (Tanner I: r=0,35; p=0,009; II/III: r=0,41; p=0,01 e IV/V: r=0,58; p<0,0001); peso (Tanner I: r=0,32; p=0,01; II-III: r=0,29; p=0,08 e IV-V: r=0,43; p=0,02) e VO (Tanner I: r=0,35; p=0,009). O VO apresentou correlação positiva com: IC (Tanner I: r=0,46; p=0,0003; II/III: r=0,41; p=0,01 e IV-V: r=0,32; p=0,03); estatura (Tanner I: r=0,47; p=0,0003; II/III: r=0,39; p=0,02 e IV-V: r=0,39; p= 0,006) e peso (Tanner I: r=0,24; p=0,009).

A morfologia uterina foi do tipo pré-puberal em 82% dos casos no estádio de Tanner I, enquanto foi pós-puberal em 74% e 100% nos estádios II/III e IV/V, respectivamente (p<0,005). Em 10 casos, 8,0 ± 1,3 anos, a morfologia pós-puberal foi observada antes do aparecimento dos caracteres sexuais secundários. O eco endometrial estava presente em 12%, 60% e 98% nos estádios de Tanner I, II/III e IV/V, respectivamente (p<0,005).

A distribuição das classes ovarianas varia de acordo com o estádio puberal (p<0,005 - figura 4). A classe homogênea (classe 1- 52%) foi observada apenas em idade pré-puberal, sendo que em 14% nenhum cisto foi visualizado - aspecto sólido. No grupo puberal as classes mais freqüentes foram a microcística (classe 2- 51%) no estádio II/III e a multicística (classe 3- 47%) no estádio IV/V de Tanner. A estrutura policística (classe 4) foi encontrada em 4% no grupo pré-puberal e em 11% no pós-puberal, mas somente após os 8 anos de idade. A presença de folículo dominante (classe 5- 6%) foi notada após a puberdade, sendo que 2% dos casos eram macrocistos (> 20mm). Em 95% dos casos a classe ovariana foi a mesma por par de ovário. Em 11 casos um dos ovários não foi visualizado (4%), mais comumente o esquerdo (9/11). A freqüência da estrutura ovariana por faixa etária é mostrada na figura 5.



DISCUSSÃO

A determinação dos valores normais para os parâmetros ultra-sonográficos é essencial para a avaliação da puberdade e de suas desordens, isto e, saber se a genitália interna está sendo estimulada adequada ou inadequadamente para a idade.

O útero típico infantil e caracterizado pelo predomínio do colo sobre o corpo e pela ausência de eco endometrial (8). Entretanto, as mudanças da morfologia uterina podem representar um dos primeiros sinais de puberdade. Nesta fase o corpo é um dos primeiros a desenvolver, mas o seu crescimento é mais acentuado nos estádios de Tanner III e IV (8-12). Na menarca o crescimento uterino ultrapassa a qualquer outra parte da genitália feminina (7), o eco endometrial é visível e o útero torna-se semelhante ao do adulto (10-12).

O útero e os ovários começam a crescer ainda em fase pré-puberal, precedendo o aparecimento dos caracteres sexuais secundários (13,14). O útero permanece inalterado até os 8-10 anos e os ovários aumentam a partir dos 6-8 anos, mas tornam-se progressivamente maiores com a puberdadé, como também tem sido descrito por outros (6,8,13-16). Na infância, o útero e os ovários apresentam um discreto aumento com a idade, então, podemos considerar como normal pré-puberal os volumes até 2DP da média, isto é, até 2,5 cm3 e 2 cm3, respectivamente. Nesta casuística, volumes ³ 2DP foram observados em algumas meninas impúberes, mas volumes ³ 4DP da média foram notados apenas após o início da puberdadc. Além disso, demonstramos em outro estudo, que a presença de útero ³ 4 cm3 e/ou ovário ³ 3 cm3 é comum na puberdadé precoce central (PPG), em contraste, com meninas pré-puberais normais, com telarca e pubarca precoces isoladas (2). Segundo Stanhope e col. (5) o útero com área transversal maior que 4 cm2 e o ovário maior que 3 cm2 confirmam o diagnóstico de PPC. Por isso, consideramos que volumes ³ 4SD (VU ³ 4 cm3 e VO ³ 3 cm3) estão bem além dos limites da normalidade pré-puberal e podem ser utilizados como um critério ultra-sonográfico bastante sugestivo de puberdade.

A insulina, os fatores de crescimento semelhantes a insulina (IGF) e o hormônio de crescimento (GH) afetam a estatura assim como o tamanho do útero e dos ovários pré-puberais (11). Durante puberdade os níveis de gonadotrofinas e estrogênio influenciam os volumes desses órgãos (17) e, em combinação, com GH, IGF-I e insulina também estimulam o crescimento ovariano (4). Salardi e col. (7) mostraram relação entre o VU e a idade em meninas pré-puberais e com a idade, a altura e os níveis de estradiol nas pós-puberais. Holm e col. (13) descreveram que o útero e os ovários se relacionam com a altura mas não com a idade e o peso. Neste estudo, o VU se correlacionou com a altura e o peso em todos os estádios puberais; com a idade cronológica em meninas puberais, mas mostrando tendência nas pré-puberais. Já o VO mostrou correlação com a idade e a altura em todos os estádios puberais e com o peso somente na fase pré-puberal. Fatores nutricionais também influenciam o volume ovariano (4). Nossos dados sugerem que o útero acompanha o crescimento somático, assim como o ovário que depende tanto da maturidade biológica quanto do desenvolvimento folicular, como discutiremos a seguir.

Os ovários pré-puberais são similares, segundo estudos anatômicos, pela ausência de mudanças ovulatórias (14). Desde antes do nascimento e durante a infância, existe um estado de equilíbrio dinâmico com alguns ovócitos e folículos amadurecendo e crescendo, enquanto outros regridem e desaparecem, mas com a idade parece haver um aumento na maturação folicular. Os folículos primários não são muitos e seu número é constante até a puberdade, quando começa a cair. Entre 6-8 anos o hormônio folículo estimulante (FSH) e o estrogênio se elevam, há mais folículos secundários e os folículos são maiores (4-8mm), mas entre 8-11 anos grandes folículos (6-12 mm) estão presentes (5,6,14). Na puberdade os ovários tornam-se maiores e periodicamente alguns folículos amadurecem, mas somente um ovula, enquanto os demais degeneram-se e tornam-se atrésicos (13,15). Após os 14 anos há poucos folículos primários e, de fato, o ovário encontra-se sexualmente maduro, exceto pelo fato de que o ovário adulto contém os corpos lúteo e albicans (15).

Apesar dos estudos anatômicos mostrarem atividade folicular desde o nascimento, os relatos ultra-sonográficos são conflitantes. Têm sido demonstrado a presença de múltiplos cistos em meninas pré-puberais normais, provavelmente, folículos imaturos - não estimulados - que sofrem modificações funcionais tormando-se visíveis a USG como cistos muito pequenos (5,13,18). Num estudo recente, somente 3-8% de 1818 meninas pré-puberes apresentavam folículos ovarianos, mas isto pode ser devido ao fato de que as USGs não foram realizadas como parte de um estudo específico da genitália interna, mas, devido a várias indicações clínicas (19).

Em nossa casuística, o ovário homogêneo foi típico do estádio pré-puberal, sendo o mais freqüente até os 6 anos, mas ainda foi encontrado até os 10 anos em meninas impúberes. Segundo Orsini e col. (6) a ausência de cistos é comum até os 6 anos, sendo que a partir desta idade os cistos tornam-se mais comuns, embora a estrutura ovariana sólida predomine até os 11 anos.

A classe microcística foi a mais freqüente nos estádios II-III de Tanner. Contudo, os ovários microcísticos foram observados desde os 4 anos, tornaram-se comuns próximo aos 8 e após os 10 anos sua freqüência diminuiu mas manteve-se constante. Salardi e cols. (9) descreveram que os microcistos são visíveis apartir dos 4 anos, tornam-se progressivamente mais comuns até os 11 anos e após os 12-13 anos estão presentes em menor proporção. Segundo Venturoli e cols. (20), esta morfologia torna-se estável em torno de 25-35% durante a adolescência. A estrutura multicística apareceu quase exclusivamente na puberdade, sendo mais freqüente nos estádios IV/V de Tanner. Alguns autores não têm encontrado ovários multicísticos com freqüência (13). Stanhope e cols. (5) sugerem que os multicistos, definidos aqui como mais de 6 cistos, ocorrem como uma fase normal da maturação ovariana antes da seleção do folículo dominante e são encontrados principalmente em idade pré-puberal tardia e na puberdade. Esta estrutura tem sido referida como uma resposta normal do ovário à secreção de gonadotrofinas, estando associada com pulsos noturnos de alta amplitude e diurnos de baixa freqüência e amplitude, o que estimularia parcialmente a foliculogenese. Logo assim que o padrão adulto de secreção hormonal é atingido, esta resposta torna-se bastante reduzida e, então, os multicistos desaparecem (5,20).

O diâmetro máximo dos folículos ovarianos aumenta com a progressão da puberdade (4-6,13). Por volta dos 12-13 anos o ovário pode ser caracterizado pelo folículo dominante - >9mm (9). Entre 14-15 anos, o folículo aumenta ainda mais e varia muito de tamanho, refletindo as diferentes fases do ciclo menstrual. Esta observação está de acordo com o fato de que ciclos anovulatórios são freqüentes de 12-18 meses após a menarca e a variação do tamanho do folículo durante o ciclo menstrual ocorre quando a ovulação começa. Neste estudo, a classe folicular foi observada em meninas púberes e por volta dos 11 anos de idade, mas os macrocistos foram encontrados somente após a menarca e mostraram regressão espontânea no follow-up ultra-sonográfico. Entretanto, grandes folículos, maiores que 12 mm, são encontrados ocasionalmente em meninas pré-puberais como resultado dos baixos níveis de secreção do FSH. Isso limita a utilidade da medida do diâmetro folicular na avaliação do status puberal (4). Esses dados demonstram que o ovário sofre mudanças morfológicas com a maturidade biológica, ou seja, varia de acordo com a idade e o estádio puberal. As classes homogênea, microcística e multicística foram mais comuns nos estádios de Tanner I, II-III e IV-V, respectivamente, sugerindo que o número de cistos aumenta à medida que ocorre um avanço no desenvolvimento puberal. O folículo dominante ou pré-ovulatório (classe folicular) foi observado principalmente próximo a menarca, quando a maturação sexual é mais avançada. Então, o ovário passa por várias fases de desenvolvimento, que pode representar uma resposta normal à secreção das gonadotrofinas. Como a pulsatilidade das gonadotrofinas pode levar ao início da maturação ovariana cedo na infância e mesmo antes de qualquer sinal clínico de puberdade (5), isto poderia explicar porque nem sempre existe uma associação temporal entre as classes ovarianas e o estádio clínico do desenvolvimento puberal.

Os ovários policísticos estão presentes em poucos casos na infância, quando a concentração de gonadotrofinas é baixa. Bridges e cols. (4) encontraram uma prevalência de ovários policísticos que aumentou de 6 para 26% dos 6 aos 15 anos, entretanto em nosso estudo, foi de 4% nas meninas pré-púberes e de 11% nas adolescentes. A síndrome dos ovários policísticos (SOP) pode ser bem mais comum na adolescência do que se imagina. O aumento dos níveis de IGF-I e insulina durante a puberdade podem estar relacionados com o aumento da sua prevalência neste período (4,11,12). Considerando-se que a SOP freqüentemente se desenvolve na adolescência, uma hipótese atrativa, mas que necessita de confirmação através de estudos longitudinais, é se essas meninas com aparência policística na USG são destinadas, em alguns casos, a tornar-se adultas com a SOP.

CONCLUSÃO

Os volumes uterino e ovarianos aumentam gradualmente durante a infância, sendo este aumento discreto em idade pré-puberal e acentuado com o início da puberdade. A morfologia uterina - relação corpo/colo e presença de eco endometrial refletem bem o status puberal. A estrutura ovariana normal passa por várias fases ou classes que parecem corresponder aos estádios de desenvolvimento puberal, sendo assim, o ovário parece assumir transitoriamente o aspecto homogêneo, microcístico, multicístico e folicular. O aumento dos volumes do útero e/ou ovários (VU ³ 4 cm3 e VO ³ 3 cm3) associados às mudanças da morfologia uterina e da estrutura ovariana, especialmente na presença de ovários multicísticos, podem ser considerados como um sinal ultra-sonográfico de puberdade. Como ainda não é claro se a aparência policística ao ultra-som reverte ao normal, então, as meninas com ovários policísticos devem ser acompanhadas para se afastar uma provável evolução para a SOP.

Endereço para correspondência:

Rosimere de Jesus Teixeira

Rua Silva Rabelo, 10 - sala 307

20730-080 Rio de Janeiro, RJ.

FAX: (021)587 6447

e-mail: teixeira@fst.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 1999

Histórico

  • Aceito
    11 Jun 1999
  • Revisado
    20 Abr 1999
  • Recebido
    15 Out 1998
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