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Condrossarcoma mesenquimal extraesquelético em um gato: relato de caso

Extraskeletal mesenchymal chondrosarcoma in a cat: case report

Resumos

Condrossarcoma mesenquimal extraesquelético (CME) é um neoplasma maligno e raro em animais domésticos. Descreve-se um caso de CME em uma gata que apresentava uma massa firme, branco-amarelada, medindo 18cm de diâmetro, aderida à musculatura do membro pélvico esquerdo. O exame citológico revelou presença de células fusiformes individualizadas pleomórficas e agregados de pequenas células ovais, sem bordas definidas em meio à matriz intercelular amorfa. Devido à impossibilidade de tratamento e ao prognóstico desfavorável, foi realizada eutanásia. Microscopicamente foram observadas células fusiformes indiferenciadas e agregados de células condroides pleomórficas. O diagnóstico de CME foi confirmado pelas técnicas de azul alciano, tricrômico de Masson e pela prova imunoistoquímica, utilizando-se anticorpos antivimentina.

gato; neoplasia; condrossarcoma extraesquelético


Extraskeletal mesenchymal chondrosarcoma (EMC) is a rare malignant tumor in domestic animals. We described a case of EMC in a cat with a mass measuring 18cm in diameter, yellowish-white and firm attached to the muscles in left hind limb. Cytological examination revealed the presence of individual pleomorphic spindle cells and clusters of small oval cells with no hard edges in the midst of an amorphous intercellular matrix. Due to the impossibility of treatment and poor prognosis, the cat was euthanized. Microscopically undifferentiated spindle cells and clusters of pleomorphic chondroid cells were observed. The CME diagnosis was confirmed with thealcian blue, Masson's trichrome and immunohistochemistry techniques, using antivimentin antibodies.

cat; neoplasm; extraskeletal chondrosarcoma


MEDICINA VETERINÁRIA

T.N. GuimI; C.B. CartanaII; C.G. FernandesI; T.N. GuimIII; L.F.J. GasparI

IFaculdade de Veterinária - Universidade Federal de Pelotas - UFPel - Pelotas, RS

IIFaculdade de Itapiranga - FAI - Itapiranga, SC

IIIFaculdade de Medicina Veterinária - Unipampa - Uruguaiana-RS

RESUMO

Condrossarcoma mesenquimal extraesquelético (CME) é um neoplasma maligno e raro em animais domésticos. Descreve-se um caso de CME em uma gata que apresentava uma massa firme, branco-amarelada, medindo 18cm de diâmetro, aderida à musculatura do membro pélvico esquerdo. O exame citológico revelou presença de células fusiformes individualizadas pleomórficas e agregados de pequenas células ovais, sem bordas definidas em meio à matriz intercelular amorfa. Devido à impossibilidade de tratamento e ao prognóstico desfavorável, foi realizada eutanásia. Microscopicamente foram observadas células fusiformes indiferenciadas e agregados de células condroides pleomórficas. O diagnóstico de CME foi confirmado pelas técnicas de azul alciano, tricrômico de Masson e pela prova imunoistoquímica, utilizando-se anticorpos antivimentina.

Palavras-chave: gato, neoplasia, condrossarcoma extraesquelético

ABSTRACT

Extraskeletal mesenchymal chondrosarcoma (EMC) is a rare malignant tumor in domestic animals. We described a case of EMC in a cat with a mass measuring 18cm in diameter, yellowish-white and firm attached to the muscles in left hind limb. Cytological examination revealed the presence of individual pleomorphic spindle cells and clusters of small oval cells with no hard edges in the midst of an amorphous intercellular matrix. Due to the impossibility of treatment and poor prognosis, the cat was euthanized. Microscopically undifferentiated spindle cells and clusters of pleomorphic chondroid cells were observed. The CME diagnosis was confirmed with thealcian blue, Masson's trichrome and immunohistochemistry techniques, using antivimentin antibodies.

Keywords: cat, neoplasm, extraskeletal chondrosarcoma

INTRODUÇÃO

O condrossarcoma é um neoplasma mesenquimal maligno que se origina das células cartilaginosas e contém quantidades variáveis de matriz condroide e fibrilar e não possui matriz osteoide. É o segundo tumor ósseo primário mais frequente em cães e humanos (Dernell et al., 2007). Esse tipo de neoplasma se desenvolve tanto no sistema esquelético como em outros sítios (Thompson e Pool, 2002). Os condrossarcomas são classificados histologicamente em mixoides, mais frequentemente observados em sítios esqueléticos, e mesenquimais, mais comuns em sítios extraesqueléticos (Casadei et al., 1991).

O condrossarcoma mesenquimal extraesquelético (CME) é raro em animais domésticos e foi descrito em cães (Munday e Prahl, 2002), felinos (Romanucci et al., 2005), bovinos (Uno et al., 1989) e equinos (Wilson e Anthony, 2007). A etiologia desses tumores é desconhecida (Nesi et al., 2000), porém é possível que ocorra como uma forma de sarcoma pós-vacinal em felinos (Hendrick e Brooks, 1994).

DESCRIÇÃO DO CASO

Foi atendida no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Pelotas (HV-UFPel) uma gata de raça indefinida, com 12 anos de idade e histórico de claudicação e aumento de volume no membro pélvico esquerdo. Ao exame físico, evidenciou-se uma massa subcutânea firme, com cerca de 15cm de diâmetro, aderida na face lateral da coxa esquerda, projetando-se para a região lombossacra (Fig. 1A). O animal apresentava dor à palpação. O exame neurológico indicou perda proprioceptiva e da função motora do membro afetado. Foram preconizados exames radiológico, hematológico, bioquímicos e citológico, no entanto o proprietário não autorizou sua realização. Foi sugerida a remoção cirúrgica da massa, mas o proprietário optou por não tratar o animal. Dessa forma, prescreveu-se terapia analgésica como medida paliativa.


Quatro semanas após a primeira consulta, o animal foi encaminhado novamente ao HV-UFPel por apresentar aumento evidente da massa neoplásica, além de anorexia, caquexia e estupor. Foi realizado exame citológico por meio de aspiração com agulha fina. Neste, verificaram-se baixa celularidade, presença de células fusiformes individualizadas e agregados de pequenas células ovais, sem bordas definidas, em meio à matriz intercelular amorfa. Foi, então, estabelecido o diagnóstico prévio de sarcoma. Devido à idade avançada da gata, à condição clínica, à impossibilidade de remoção cirúrgica do tumor e ao prognóstico desfavorável, realizou-se a eutanásia.

Na necropsia, observou-se massa subcutânea aderida à musculatura do membro posterior esquerdo, do flanco e da região paravertebral. O tumor era multinodular, branco-amarelado, firme e media 18cm de diâmetro (Fig. 1B). Ao corte, era homogêneo e apresentava área central de necrose. Não foram observadas metástases. Fragmentos do neoplasma foram fixados em formalina a 10%, processados como de rotina e corados para hematoxilina-eosina (HE), azul alciano (AA) e tricrômico de Masson (TM). Adicionalmente, análise imunoistoquímica foi realizada com anticorpo primário antivimentina (1:100, clone V9, DAKO), utilizando-se a técnica da estreptavidina-biotina-peroxidase.

Histologicamente, nos cortes corados pelo HE, foram observados dois padrões distintos de células neoplásicas. Evidenciaram-se proliferação de células fusiformes indiferenciadas, com citoplasma eosinofílico e pouco delimitado, núcleos vesiculosos, pleomórficos ovoides a alongados, nucléolos evidentes e duas a três mitoses por campo (Fig. 1C, objetiva de 400x). Adicionalmente, entremeadas a essas células, foram observadas áreas contendo agregados de células condroides pleomórficas imersas em matriz fibrilar eosinofílica, representadas por lacunas preenchidas por núcleos levemente basofílicos, frequentemente múltiplos e bizarros (Fig. 1D). A avaliação imunoistoquímica revelou positividade difusa da vimentina no citoplasma de células condroides e fusiformes indiferenciadas (Fig. 1E e F). Na coloração de AA, a matriz corou-se fracamente de azul claro (Fig. 1H), e na coloração de TM, as fibras colágenas coraram-se de verde intenso (Fig. 1G).

DISCUSSÃO

Condrossarcoma extraesquelético (CE) é um neoplasma caracterizado pela proliferação de células malignas com diferenciação condroide, sem associação com o sistema esquelético (Thompson e Pool, 2002). Em cães, o CE tem sido relatado em alguns órgãos e tecidos (Munday e Prahl, 2002), porém em felinos as informações são escassas. Há artigos que relatam a ocorrência desse tumor no tecido subcutâneo da região lombossacra (Romanucci et al., 2005), nas regiões escapular e digital (Brown et al., 1978). Hendrick e Brooks (1994) relataram um caso de condrossarcoma como uma forma de sarcoma pós-vacinal felino. No presente caso, observou-se que a massa apresentava localização subcutânea e na necropsia constatou-se ausência de relação entre o neoplasma e o sistema osseoarticular.

Condrossarcoma tem sido descrito como um possível tipo de sarcoma pós-vacinal felino (Hendrick e Brooks, 1994). No entanto, vacinações ou outros tipos de inoculação e traumas no sítio tumoral não foram relatados pelo proprietário. Além disso, no exame histopatológico, não foram observadas lesões típicas daquelas encontradas em sarcomas associados à vacinação, como infiltrado linfocítico peritumoral e presença de células histiocíticas fagocitando material amorfo (Hendrick e Brooks, 1994).

A citologia foi útil para determinar que se tratava de uma lesão neoplásica maligna de origem mesenquimal. O diagnóstico citológico de CME, no entanto, não foi conclusivo, devido à diversidade de características histomorfológicas dos componentes desse neoplasma. Outros autores também relataram dificuldade para diagnosticar CME em preparados citológicos (Munday e Prahl, 2002).

Histologicamente, dois diferentes subtipos de condrossarcomas são reconhecidos: mixoide e mesenquimal (Casadei et al., 1991). No presente caso, o neoplasma foi classificado como subtipo mesenquimal, devido à diversidade de arranjos das células mesenquimais primitivas, ao padrão da matriz extracelular e à imunopositividade para vimentina. Observou-se matriz condroide evidente, a qual era eosinofílica nos cortes corados em HE. Por meio das colorações de TM e AA, constatou-se que a matriz era composta predominantemente de colágeno e, em menor proporção, de material glicoproteico. Essas características são idênticas às observadas na matriz da cartilagem fibrosa (Junqueira e Carneiro, 2004). Portanto, o diagnóstico de CME foi firmado com base nas características histomorfológicas, tintoriais e imunoistoquímicas do neoplasma.

Existem poucas informações em relação ao comportamento biológico de CME em animais domésticos. Em humanos é descrita alta taxa de recorrência e o desenvolvimento de metástases (Casadei et al., 1991). Por outro lado, na espécie canina, as lesões metastáticas são raramente observadas (Munday e Prahl, 2002). Neste caso, a despeito do tamanho da massa neoplásica e do tempo de evolução, não foram observadas lesões metastáticas, embora houvesse invasão local e características histomorfológicas corroborando o alto potencial de malignidade.

A excisão cirúrgica é a terapia de escolha para CME (Scott et al., 1996). No entanto, nesse caso, não foi possível a adoção dessa modalidade de tratamento. Há descrição de um caso de CME de localização subcutânea em um felino no qual a excisão cirúrgica foi realizada, sem histórico de recorrência e metástase seis meses após o procedimento (Romanucci et al., 2005).

CONCLUSÕES

Em cães e, principalmente, em gatos, as informações referentes ao tratamento, comportamento biológico e prognóstico do CME são escassas. Da mesma forma que são pouco comuns as informações acerca da etiologia. Em razão da arquitetura histomorfológica complexa do CME, o diagnóstico citológico é difícil. A avaliação histológica, aliada às provas histoquímicas e imunoistoquímicas, foi essencial para a realização do diagnóstico. Este relato consta como o primeiro caso de CME em felino descrito no Brasil.

Recebido em 3 de julho de 2012

Aceito em 5 de novembro de 2013

E-mail: thomasguim@hotmail.com

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  • Condrossarcoma mesenquimal extraesquelético em um gato: relato de caso

    Extraskeletal mesenchymal chondrosarcoma in a cat: case report
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Recebido
      03 Jul 2012
    • Aceito
      05 Nov 2013
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