Open-access Imunidade celular em vacas Holandesas soropositivas para o Vírus da Leucose Bovina (BLV) durante o período de transição

Cellular immunity in Holstein cows seropositive for Bovine Leukosis Virus (BLV) during the transition period

RESUMO

Esta pesquisa avaliou a dinâmica dos leucócitos e das subpopulações de linfócitos em vacas Holandesas soropositivas para o BLV no período de transição. Amostras de sangue (n=72) provenientes de 12 vacas foram coletadas entre as semanas -2 e +3 para a realização do leucograma, imunofenotipagem, dosagem de cortisol e haptoglobina (Hp). O perfil leucocitário foi caracterizado por leucocitose, neutrofilia, monocitose e eosinopenia próximo ao parto. Linfocitose e elevada proporção de linfócitos B CD21+ foram achados constantes entre as semanas -2 e +3; assim, as vacas foram testadas e confirmadas soropositivas para o BLV. Os valores das subpopulações de linfócitos T apresentaram-se baixos durante o período de transição, observando-se dois picos máximos que coincidiram com as elevações nas concentrações de cortisol no parto (2,11µg/dL) e semana +3 (1,97µg/dL). Hp apresentou aumento crescente de -2 (166µg/mL) a +3 (576µg/mL), provavelmente associada à elevada taxa de infecções uterinas observadas nas semanas +2 e +3. As vacas soropositivas para o BLV apresentaram leucograma de estresse próximo ao parto, exceto para linfócitos. A linfocitose e as elevadas proporções de células B CD21+, associadas com as baixas proporções de células T, podem ser indicativo de imunossupressão e predisposição aos processos inflamatórios no período pós-parto.

Palavras-chave: periparto; haptoglobina; cortisol; subpopulações de linfócitos

ABSTRACT

This research evaluated the dynamics of leukocytes and lymphocytes subsets in seropositive Holstein cows for BLV during the transition period. Blood samples (n=72) from 12 cows were harvested from week -2 up to week +3 to perform leukogram, immunophenotyping, cortisol and haptoglobin (Hp). Leukocytes pattern was characterized by leukocytosis, neutrophilia, monocytosis and eosinopenia around calving. Lymphocytosis and high proportions of B cells CD21+ were a constant finding between week -2 and +3, thus cows were tested and confirmed seropositive for BLV. The values of T lymphocytes subsets were low during the transition period, observing two peaks that coincided with high levels of cortisol at delivery (2.11µg/dL) and week +3 (1.97µg/dL). Hp had gradual increase from week -2 (166µg/mL) until week +3 (576g/mL) probably due to high rate of uterine infection detected between week +2 and +3. The seropositive cows for BLV presented stress leukogram around delivery, except for lymphocytes. Lymphocytosis and the high proportions of B cells, associated with the low proportions of T lymphocytes, can be indicative of immunosuppression and predisposition to the inflammatory process observed in the post-partum period.

Keywords: peripartum; haptoglobin; cortisol; lymphocytes subsets

INTRODUÇÃO

O crescimento da indústria leiteira nas últimas décadas exigiu a seleção genética por produção, o que resultou em aumento dos requerimentos energéticos. Esse fenômeno é intensificado no período de transição devido à nutrição fetal, colostrogênese e lactogênese (Ingvartsen e Moyes, 2013). O atendimento às demandas energéticas impostas no período de transição é dependente de mecanismos homeostáticos e homeorréticos, regulados pela secreção das catecolaminas, pelo cortisol, pela insulina, pelo glucagon, pelo hormônio do crescimento e pelo hormônio semelhante à insulina do tipo I (Drackley, 1999).

A adaptação metabólica das vacas ocorre em concomitância com uma série de fatores estressantes, incluindo mudanças na dieta, reagrupamentos sociais e alterações físicas, hormonais e fisiológicas associadas ao parto. Esses eventos resultam na liberação do cortisol e em situação de alerta orgânico, no qual as células de defesa são redistribuídas, observando-se o influxo dos neutrófilos e efluxo dos linfócitos dos tecidos para os vasos sanguíneos (Davis et al., 2008). Os glicocorticoides também alteram a transcrição gênica da interleucina 12, que estimula a resposta proliferativa dos linfócitos mediante estímulo antigênico. Esse mecanismo está associado com a diminuição da proporção de linfócitos auxiliares (CD4+) e citotóxicos (CD8+), observados ao redor da parição (Van Kampen e Mallard, 1997; Kimura et al., 2002).

Linfócitos B (CD21+) apresentam padrão variável durante o periparto. Foram relatados valores constantes e similares ao período de lactação plena (Van Kampen e Mallard, 1997; Kimura et al., 2002), enquanto outros autores observaram decréscimo na população de células B (Ohtsuka et al., 2010) ou acréscimo (Meglia et al., 2005).

O balanço e a interação entre as diferentes células do sistema imune, especialmente as subpopulações de linfócitos, são fundamentais para a defesa do organismo contra os agentes infecciosos. Alterações nas proporções e migração das subpopulações de linfócitos podem afetar a resposta imune local e a sistêmica (Van Kampen e Mallard, 1997), tornando os animais susceptíveis aos processos inflamatórios pós-parto devido à mastite e à metrite.

O desequilíbrio entre as subpopulações de linfócitos sanguíneos em vacas Holandesas, independentemente do ciclo de lactação, pode ser afetado pelo vírus da leucose bovina (BLV). Esse vírus infecta células B e compromete a homeostase das subpopulações de linfócitos pelo desequilíbrio entre a proliferação e a morte celular (Souza et al., 2011). A soroprevalência para o BLV em rebanhos leiteiros, na região Sudeste do Brasil, é de aproximadamente 49,53 - 79,75% (Rajão et al., 2014). Apesar da elevada ocorrência, ainda não existem descrições sobre o perfil dos leucócitos sanguíneos em vacas soropositivas para o BLV no período de transição.

A dinâmica e a atividade funcional das células imunes no período de transição possuem destaque na literatura internacional, entretanto pesquisas nacionais que consideram as condições sanitárias de criação brasileiras são escassas e incluem um curto período de avaliação. Assim, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a resposta imune celular em vacas Holandesas soropositivas para o BLV durante o período de transição.

MATERIAL E MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (Protocolo #2767/2012).

Este estudo foi conduzido entre setembro e novembro de 2013, em fazenda experimental pertencente à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), localizada na cidade de Nova Odessa - São Paulo (latitude 2275’S e longitude 4727’W). Para tanto, foram selecionadas 12 vacas da raça Holandesa, entre a segunda e a quarta parição, de acordo com a data da inseminação e a previsão de parto.

As condições de manejo adotadas durante o experimento foram conduzidas de acordo com a rotina da fazenda. As vacas foram transferidas para piquete maternidade, composto por capim do gênero Cynodon (coast-cross e tifton), aos 30 dias do parto previsto. Em relação às condições de bem-estar das vacas, observaram-se variações de acordo com as condições climáticas do período, considerando-se a ausência de cobertura no piquete maternidade, exceto pela existência de algumas árvores. Não existiam áreas específicas para a parição e os partos não eram assistidos no período noturno.

A composição da dieta oferecida para as vacas no pré e pós-parto era igual (Tab. 1), entretanto as quantidades de silagem de milho (pré-parto: 20kg; pós-parto: 35kg) e concentrado (pré-parto: total equivalente a 3kg; pós-parto: 1kg para cada litro de leite produzido) eram diferentes. A produção de leite diária dos animais variou de 25 a 30 litros entre as semanas +1 e +3. O balanço aniônico da dieta não era considerado, devido à alegação de baixos índices de ocorrência para hipocalcemia e retenção de placenta. Drench pós-parto também não era fornecido.

Tabela 1
Composição da dieta oferecida para as vacas Holandesas no período de transição

As análises relativas a esta pesquisa foram realizadas entre as semanas -2 e +3 em relação ao parto. A ocorrência das doenças nesse período foi estimada pelos registros da propriedade.

Amostras de sangue (n=72) foram coletadas semanalmente por meio da punção da artéria coccígea em tubos sem e com o anticoagulante Ethylene Diamine Tetraacetic Acid (1,5mg/mL). Os tubos sem anticoagulante foram centrifugados a 800xg por 20 minutos, sendo o soro armazenamento e congelado a -80°C.

Leucócitos totais foram determinados por meio de contagem automática (ABX ABC Vet, ABX Diagnostics, Brasil). O exame diferencial dos leucócitos foi realizado por metodologia manual (Birgel, 1982). O fenótipo dos linfócitos sanguíneos foi determinado pela técnica de citometria de fluxo, de acordo com o protocolo descrito por Della Libera et al. (2012). Resumidamente, 100µL de sangue foram lisados, utilizando-se solução salina isotônica (NaCl 0,2% e NaCl 1,6%). Anticorpos (ACs) monoclonais específicos para receptores de superfície dos linfócitos bovinos foram selecionados para a marcação das células (Tab. 2). As células foram incubadas com 100µL de ACs primários previamente diluídos em Phosphate Saline Buffer (PBS), por 30 minutos, a 4°C. As células foram lavadas 3x em PBS, sendo posteriormente incubadas com 100µL de ACs secundários, por 30 minutos, a 4°C, em ambiente escuro. Por fim, as células foram lavadas 2x e suspensas em 300μL de PBS. A aquisição dos eventos foi realizada em citômetro de fluxo FACS Calibur, por meio do programa CellQuest (Becton Dickinson Immunocytometry System, San Jose, EUA). Os eventos adquiridos (15.000) foram avaliados quanto à emissão das fluorescências no programa FlowJo Software (Tree Star, Ashland, EUA). Os resultados foram expressos na porcentagem de células positivas para cada fluorescência associada aos marcadores de superfície. O valor absoluto das populações de linfócitos foi calculado multiplicando-se a proporção (%) das populações determinada por citometria de fluxo pelo número de linfócitos totais (células/μL).

Tabela 2
Anticorpos (Ac) usados para a marcação dos linfócitos sanguíneos

As amostras de soro foram submetidas ao teste imunoenzimático para detecção de anticorpos específicos para a glicoproteína gp 51 do BLV (De Giuseppe et al., 2004).

A haptoglobina foi determinada pela separação eletroforética do soro em gel de poliacrilamida SDS-PAGE (Dodecil-Sulfato de Dódio de Poliacrilamida), de acordo com o proposto por Laemmli (1970). Após a separação das frações proteicas, o gel foi corado com azul de Coomassie a 0,2%. As concentrações das proteínas foram determinadas por densitometria computadorizada (Shimadzu CS9301, Tokyo, Japão).

A concentração de cortisol foi determinada por ensaio quimiluminescente, utilizando-se kit comercial em analisador de imunoensaios Immulite 1000® (Siemens, Brasil), de acordo com as instruções do fabricante. O kit comercial detecta concentrações de cortisol ≥1,0µg/dL.

A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa estatístico SPSS 17.0 (IBM Corporation, Armonk, Nova York). As variáveis não apresentaram distribuição normal pelo teste de Shapiro-Wilk. A análise no tempo foi realizada por meio do teste de Friedman (P≤0,05). A este último teste, quando apresentou pelo menos um tempo significativamente diferente, foram realizadas as comparações múltiplas por meio do teste de Wilcoxon com correção de Bonferroni (P≤0,0033). Tendência estatística foi considerada quando o P<0,0066. Devido ao elevado número de amostras negativas ao cortisol, optou-se pela apresentação descritiva dos dados em mediana, valores mínimos e máximos.

RESULTADOS

As doenças relatadas entre a parição (semana 0) e a semana +3 foram distocia (33,4%, 4/12), retenção de placenta (8,3%, 1/12), hipocalcemia clínica (8,3%, 1/12), cetose clínica (8,3%, 1/12) e metrite (41,7%, 5/12). Duas das quatro vacas com episódios de distocia também apresentaram cetose, e do total de animais que apresentaram metrite, três já haviam desenvolvido distúrbios prévios: duas vacas com distocia e uma com retenção de placenta. Além disso, as 12 vacas desta pesquisa (12/12, 100%) apresentaram reações positivas ao teste imunoenzimático para anticorpos específicos contra o antígeno gp51 do BLV, entretanto nenhuma das vacas apresentava a forma tumoral da doença.

Os valores absolutos e relativos dos leucócitos sanguíneos em vacas Holandesas durante o período de transição estão expressos na Tab. 3. Os leucócitos totais aumentaram gradualmente da semana -2 até a parição, observando-se queda brusca no período pós-parto. Neutrófilos e monócitos apresentaram variações similares aos leucócitos totais. Os valores absolutos de linfócitos aumentaram progressivamente entre as semanas -2 e +1, seguidos por diminuição gradual nas semanas +2 e +3. Os eosinófilos diminuíram gradualmente do pré-parto até a semana +1, observando-se ligeiro aumento nas semanas +2 e +3. Basófilos foram detectados apenas nas semanas +1 e +2.

Tabela 3
Números relativo (%) e absoluto (x103 céls./µL) dos tipos leucocitários sanguíneos em vacas Holandesas no período de transição

Todos os componentes do leucograma apresentaram variações durante o período de transição, segundo o teste de Friedman (P≤0,05), com exceção do número absoluto de linfócitos (P=0,587) e basófilos (P=0,756). A comparação múltipla pelo teste de Wilcoxon com correção de Bonferroni identificou apenas tendências estatísticas entre o dia da parição e a semana -2 (P=0,006) e entre as semanas -1 (P=0,006) e +3 (P=0,006) para os leucócitos totais; entre as semanas 0 e -1 (P=0,005) para os valores relativos de eosinófilos; entre as semanas +1 e -2 para os valores absolutos de eosinófilos (P=0,004); e entre as semanas 0 e +2 para os valores absolutos (P=0,004) de monócitos.

Os valores medianos absolutos e relativos das populações de linfócitos estão apresentadas na Tab. 4. Os valores medianos para os linfócitos (CD3+) aumentaram da semana -2 ao parto, observando-se diminuição nos momentos subsequentes. Apesar das variações observadas, não foi possível detectar diferenças no tempo para CD3+ (P≥0,05). Os valores relativos (%) e absolutos (x103cells/µL) para o linfócito T auxiliar (CD3+CD4+) diminuíram entre as semanas -2 e -1, observando-se picos máximos ao redor da parição e nas semanas +2 e +3. Foi possível detectar variações no tempo para as proporções de CD3+CD4+ (P=0,029), entretanto a comparação múltipla entre os tempos apresentou P≥0,003. Os valores absolutos de T citotóxicos (CD3+CD8+) aumentaram progressivamente do período pré-parto ao parto, observando-se diminuição dos valores no período pós-parto. Os valores relativos para T citotóxico também aumentaram da semana -2 ao parto, em seguida, as proporções celulares diminuíram na semana +1, observando-se pico máximo nas semanas +2 e +3. Foi possível identificar variações no tempo para as proporções de CD3+CD8+ (P=0,016), entretanto a comparação múltipla entre os tempos apresentou P≥0,003.

Tabela 4
Valores relativos (%) e absolutos (x103 céls./µL) das populações de linfócitos, determinados por citometria de fluxo, em amostras de sangue provenientes de 12 vacas Holandesas no período de transição

Os valores relativos e absolutos para células B CD21+ foram relativamente estáveis durante o período de transição. Não foi possível detectar diferenças entre os momentos para células CD21+ (P≥0,05).

Os valores medianos obtidos para a Hp foram de 166 (43-149), 198 (109-508), 320 (180-6780), 457 (286-1145), 609 (160-1009) e 576 (251-940) µg/mL, respectivamente, entre as semanas -2 e +3 (P=0,000). As comparações múltiplas entre os momentos revelaram que os valores obtidos na semana +1 eram diferentes daqueles obtidos nas semanas -1 e +3 (P≤0,0033). As frequências de vacas com concentração de haptoglobina moderada (8,5 - 458µg/mL) e alta (459 - 1757µg/mL) eram de 100 e 0%; 91,67 e 8,33%; 81,82 e 18,18%; 58,33 e 41,67%; 41,66 e 58,34%; 33,33 e 66,67% entre as semanas -2 e +3, respectivamente. As vacas não apresentaram baixas concentrações de haptoglobina (≤8,4µg/mL) ao longo deste estudo (Nightingale et al., 2015).

As concentrações séricas do cortisol ≥1,0µg/dL foram observadas em 25% (3/12) das vacas entre as semanas -2 e -1, entretanto o número de animais com valores acima do ponto de detecção aumentou na parição (11/12, 91,7%). No período pós-parto, a frequência de animais positivos diminuiu para 41,7% (5/12); 33,3% (4/12) e 58,3% (7/12) da semana +1 para a +3, respectivamente. As medianas entre as amostras de cortisol com valores acima de 1,0µg/dL foram de 1,07 (≤1,0-1,25); 1,06 (≤1,0-2,72); 2,11 (≤1,0-4,27); 1,45 (≤1,0-3,81); 1,53 (≤1,0-2,57); 1,97 (≤1,0-2,85) µg/dL entre as semanas -2 e +3, respectivamente.

DISCUSSÃO

O período de transição é marcado por uma série de eventos, como a gestação, o parto, a colostrogênese e a lactogênese, que requerem uma série de adaptações metabólicas para o suprimento dessas demandas fisiológicas. A adaptação das vacas pode ser favorecida pelas condições de criação, caso contrário o desequilíbrio entre a demanda e o consumo pode resultar em cetose e hipocalcemia, estritamente relacionadas à intensificação da imunossupressão relatada para vacas no período de transição. A análise das condições oferecidas às vacas no pré-parto permitiu identificar alguns fatores de risco que podem ter contribuído para a elevada taxa de doenças no rebanho, tais como: 1. bem estar - esta pesquisa foi conduzida em meses quentes do ano (primavera e verão), entretanto a área de sombreamento no piquete pré-parto era escassa; além disso, não havia manejo ou área específica que proporcionassem condições favoráveis à privacidade e ao conforto das vacas durante o trabalho de parto. Os partos das vacas não eram assistidos no período noturno e nos finais de semana, propiciando demora na assistência obstétrica dos casos de distocia. Esses eventos, por si só, podem ter intensificado o estresse das vacas ao redor da parição e justificam o pico de cortisol observado nesse período; 2. em relação à dieta das vacas, pode-se dizer que a relação cálcio e fósforo está desequilibrada (1:2), sendo este um dos fatores que podem ter contribuído para a ocorrência de hipocalcemia clínica. Dados a respeito da concentração de cálcio dessas vacas foram apresentados previamente por Baldacim (2014), observando-se hipocalcemia subclínica ao redor de 70% das vacas na parição e na semana +1. Assim, os fatores de risco presentes no sistema de criação das vacas contribuíram para a elevada taxa de ocorrência de doenças observada a partir da parição.

Corassin et al. (2011) verificaram incidência de hipocalcemia e metrite de 1,7% e 19,5%, respectivamente, enquanto, na presente pesquisa, as taxas foram de 8,3 e 41,7% para as mesmas enfermidades. Esses autores observaram ainda que vacas com retenção de placenta tiveram 3,68 vezes mais chance de apresentarem metrite. No presente estudo, essa relação também existiu: das cinco vacas que apresentaram metrite, três manifestaram doenças prévias, como distocia e retenção de placenta.

Diante do perfil sanitário apresentado pelas vacas, pode-se prever que a dinâmica celular observada ao longo do período de transição foi influenciada por uma série de eventos interconectados: estresse ao redor da parição (pico de cortisol), elevada taxa de doenças a partir da parição e soropositividade das vacas ao BLV.

O pico de cortisol ao redor da parição coincidiu com algumas alterações no leucograma compatíveis com o estresse, exceto para linfócitos (Meglia et al., 2001). O principal evento associado à imunossupressão das vacas ao redor da parição é o efeito negativo do cortisol sobre as subpopulações de linfócitos. Geralmente, observa-se linfopenia decorrente da diminuição da resposta proliferativa, especialmente dos linfócitos T CD3+, diante dos antígenos (Van Kampen e Mallard, 1997; Kimura et al., 2002). Esse perfil foi totalmente alterado nesta pesquisa devido à soropositividade das vacas ao BLV, observando-se linfocitose em razão da elevada proporção de células B CD21+.

O número de linfócitos observado ao redor da parição nas vacas desta pesquisa foi três vezes maior que aqueles relatados para vacas saudáveis (3,58x103células/μL) e semelhante ao valores observados em vacas soropositivas (9,16x103células/μL) por Kaczmarczyk et al. (2004). As proporções de células CD21+ (41,3 - 63,6%) aqui obtidas foram semelhantes à proporção de 58% relatada para vacas lactantes e soropositivas para o BLV (Lewin et al., 1988). Esses valores são superiores às proporções de 24,1; 28,9 e 22,8% encontradas nas semanas -3, parto e +3 por Van Kampen e Mallard (1997), em animais não investigados para BLV. As vacas soropositivas para o BLV apresentam aumento da meia-vida dos linfócitos B devido à diminuição da taxa de apoptose (Souza et al., 2011), entretanto alguns mecanismos efetores da resposta imune envolvendo as células B estarão suprimidos, justificando, assim, a linfocitose como compensatória. Droogmans et al. (1994) encontraram baixa expressão do receptor da interleucina 6 nas células B infectadas pelo BLV. Essa citocina é fundamental para a diferenciação das células B em plasmócitos produtores de anticorpos.

As proporções de linfócitos T auxiliares (4,4-11%) encontrados nesta pesquisa foram muito menores que os intervalos de 24,8-29,8 e 20,1-38,7% relatados por Kimura et al. (2002) e Van Kampen e Mallard (1997), respectivamente. Em contrapartida, as proporções de linfócitos T citotóxicos (7,2-10,6%) foram semelhantes àqueles relatados por Kimura et al. (2002) (8,6-12,3%) e Van Kampen e Mallard (1997) (5,8-11,5%). A baixa proporção das subpopulações de linfócitos T pode ser consequência da menor resposta proliferativa dessas células durante o período de transição sob o efeito de elevadas concentrações de cortisol (Kimura et al., 2002) ou de desequilíbrio na produção de citocinas devido à influência do BLV (Droogmans et al., 1994). Os dados encontrados nesta pesquisa concordam parcialmente com aqueles relatados por Della Libera et al. (2012), que também encontraram maior proporção de células B CD21+ (41,82%) e baixas proporções de linfócitos auxiliares (3,95%) em vacas soropositivas para o BLV que apresentavam linfocitose persistente, porém esses autores também relataram menores proporções de T citotóxicos (6,47%).

A análise das proporções das subpopulações de células T no tempo estudado revelou dois picos para as células CD3+CD4+ e CD3+CD8+ ao redor da parição e entre as semanas +2 e +3. Provavelmente as oscilações observadas decorreram de processos inflamatórios causados pelas doenças relatadas nesta pesquisa e/ou por outras doenças infecciosas. Não houve descrição de mastite clínica nas fichas de controle sanitário da fazenda, porém tal doença não foi investigada. O segundo pico das subpopulações de linfócitos T no pós-parto provavelmente está associado aos episódios de metrite (41,7%).

O aumento da Hp foi gradual da semana -2 à +3, indicando o agravamento da condição patológica do útero das vacas ao longo do estudo. Nightingale et al. (2015) determinaram as concentrações de haptoglobina em vacas sadias no período de transição e as classificaram conforme o valor encontrado em três grupos distintos: low cows, para valores séricos de Hp abaixo de 84µg/mL; moderate cows, para valores obtidos entre 85 e 458µg/mL; e high cows, para valores entre 459 e 1.757µg/mL. Considerando-se os limiares descritos por esses autores, as vacas desta pesquisa pertenceriam ao grupo moderate cows no pré-parto e ao grupo high cows no pós-parto. A resposta imunológica intensa, porém ineficiente, ao BLV promove a alteração no padrão de expressão das citocinas TNF-α, IFN-γ, L-2, IL-4, IL-6, IL-10 e IL-12 em vacas soropositivas (Amills et al., 2004), a qual, aliada às doenças da produção ocorridas no período, justifica a classificação das vacas analisadas nos perfis estabelecidos pelos autores.

Em geral, o perfil de leucócitos e de subpopulações de linfócitos apresentado pelas vacas no período de transição sofreu influência de fatores fisiológicos relacionados à elevada taxa de cortisol ao redor da parição associada ao BLV e às doenças da produção.

CONCLUSÕES

O perfil leucocitário apresentado pelas vacas Holandesas ao redor da parição foi compatível com as elevadas concentrações de cortisol, exceto para linfócitos. A dinâmica das subpopulações de linfócitos B foi compatível com a infecção pelo BLV. As subpopulações de linfócitos T auxiliar e citotóxico foram influenciadas quantitativamente pelo BLV e pelo cortisol, porém as oscilações (picos) observadas foram concomitantes às doenças da produção. Acredita-se que o BLV pode ter sido um dos fatores de risco para a elevada taxa de doenças observadas nas vacas deste estudo.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa foi financiada pelo CNPq, projeto número 479381/2013.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2016
  • Aceito
    21 Fev 2017
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