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Sulfato de condroitina e hialuronato de sódio no tratamento da doença articular degenerativa experimental em cães: aspectos clínicos e radiológicos

Chondroitin sulfate and sodium hialuronate in treatment of the degenerative joint disease in dogs: clinical and radiological aspects

Resumos

Avaliaram-se clínica e radiograficamente os efeitos do sulfato de condroitina e do hialuronato de sódio no tratamento da articulação femorotibiopatelar de cães com doença articular degenerativa (DAD) induzida experimentalmente. Foram utilizados 15 cães, sem raça definida, de ambos os sexos, pesando entre 18 e 25 kg, submetidos à secção artroscópica do ligamento cruzado cranial (LCCr) para desestabilização articular e indução da DAD. Após três semanas de instabilidade articular, o LCCr foi substituído utilizando-se a técnica intra-articular com emprego da fáscia lata. Os animais foram divididos em três grupos de cinco. Nos do grupo I fez-se somente a substituição do LCCr. Os do grupo II receberam 24mg/animal de sulfato de condroitina, via IM, de cinco em cinco dias, totalizando seis aplicações. Os do grupo III foram tratados com hialuronato de sódio na dose de 20mg/animal, via IV, de cinco em cinco dias, num total de três aplicações. Os animais foram observados por 90 dias, e avaliados clinicamente quanto à claudicação, à capacidade de suportar peso no membro afetado, à mensuração da atrofia muscular e à amplitude de movimento articular. Ao final, foram encaminhados para novo exame radiográfico. Os resultados demonstraram que os animais que receberam hialuronato de sódio apresentaram menor grau de claudicação quando comparados com os demais. Ao exame radiográfico observaram-se osteofitose periarticular e esclerose óssea subcondral. Essas alterações foram evidenciadas de forma mais acentuada nos animais tratados com hialuronato de sódio. Clinicamente, pôde-se observar melhor resultado com o hialuronato de sódio do que nos demais grupos, possivelmente devido à sua maior ação na membrana sinovial, reduzindo a dor e o grau de claudicação. O exame radiográfico não foi compatível com a sintomatologia clínica nos cães tratados com hialuronato de sódio.

cão; doença articular degenerativa; sulfato de condroitina; hialuronato de sódio


The aim of this study was the evaluation of the effects of chondroitin sulfate and sodium hyaluronate in the knee joint of dogs with experimentally induced degenerative joint disease (DJD). Fifteen mongrel dogs, weighing 18 to 25kg were used. DJD was induced by cranial cruciate ligament (CCL) arthroscopical transection. After three weeks, CCL was repaired by an intrarticular technique, which uses fascia lata. The dogs were then divided into three groups as follows: group I received no other treatment, but the CCL reconstitution, group II received 24mg/animal of chondroitin sulfate/IM every five days, totaling six injections, and group III received 20mg/animal of sodium hyaluronate /IV every five days, totaling three injections. All dogs were examined clinically and radiographically for 90 days after the repairment surgery. The clinical evaluation was performed by assessment of lameness, weight-bearing, limb muscle atrophy and range of motion. The results demonstrated that the group treated with sodium hyaluronate had lower degree of lameness in comparison with other groups. The radiographic evaluation showed marginal osteophytes and subchondral bone sclerosis. These changes were more severe in the group treated with sodium hyaluronate. The better clinical results observed in this group, compared with the others, was probably due to the greater action of the drug in the synovium, decreasing the pain and lameness. Radiographic findings correlated poorly with the clinical signs in the group treated with sodium hyaluronate.

dog; degenerative joint disease; chondroitin sulfate; sodium hyaluronate


Sulfato de condroitina e hialuronato de sódio no tratamento da doença articular degenerativa experimental em cães. Aspectos clínicos e radiológicos

[Chondroitin sulfate and sodium hialuronate in treatment of the degenerative joint disease in dogs. Clinical and radiological aspects]

E.G. MeloI; C.M.F. RezendeI; M.G. GomesII; P.M. FreitasIII; S.A. Arias S.III

IEscola de Veterinária da UFMG Caixa Postal 567 30123-910, Belo Horizonte, MG

IIGraduanda em Ciências Biológicas no ICB-UFMG

IIIMestrando em Medicina Veterinária EV-UFMG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência E.G. Mel E-mail: eliane@vet.ufmg.br

RESUMO

Avaliaram-se clínica e radiograficamente os efeitos do sulfato de condroitina e do hialuronato de sódio no tratamento da articulação femorotibiopatelar de cães com doença articular degenerativa (DAD) induzida experimentalmente. Foram utilizados 15 cães, sem raça definida, de ambos os sexos, pesando entre 18 e 25 kg, submetidos à secção artroscópica do ligamento cruzado cranial (LCCr) para desestabilização articular e indução da DAD. Após três semanas de instabilidade articular, o LCCr foi substituído utilizando-se a técnica intra-articular com emprego da fáscia lata. Os animais foram divididos em três grupos de cinco. Nos do grupo I fez-se somente a substituição do LCCr. Os do grupo II receberam 24mg/animal de sulfato de condroitina, via IM, de cinco em cinco dias, totalizando seis aplicações. Os do grupo III foram tratados com hialuronato de sódio na dose de 20mg/animal, via IV, de cinco em cinco dias, num total de três aplicações. Os animais foram observados por 90 dias, e avaliados clinicamente quanto à claudicação, à capacidade de suportar peso no membro afetado, à mensuração da atrofia muscular e à amplitude de movimento articular. Ao final, foram encaminhados para novo exame radiográfico. Os resultados demonstraram que os animais que receberam hialuronato de sódio apresentaram menor grau de claudicação quando comparados com os demais. Ao exame radiográfico observaram-se osteofitose periarticular e esclerose óssea subcondral. Essas alterações foram evidenciadas de forma mais acentuada nos animais tratados com hialuronato de sódio. Clinicamente, pôde-se observar melhor resultado com o hialuronato de sódio do que nos demais grupos, possivelmente devido à sua maior ação na membrana sinovial, reduzindo a dor e o grau de claudicação. O exame radiográfico não foi compatível com a sintomatologia clínica nos cães tratados com hialuronato de sódio.

Palavras-chave: cão, doença articular degenerativa, sulfato de condroitina, hialuronato de sódio

ABSTRACT

The aim of this study was the evaluation of the effects of chondroitin sulfate and sodium hyaluronate in the knee joint of dogs with experimentally induced degenerative joint disease (DJD). Fifteen mongrel dogs, weighing 18 to 25kg were used. DJD was induced by cranial cruciate ligament (CCL) arthroscopical transection. After three weeks, CCL was repaired by an intrarticular technique, which uses fascia lata. The dogs were then divided into three groups as follows: group I received no other treatment, but the CCL reconstitution, group II received 24mg/animal of chondroitin sulfate/IM every five days, totaling six injections, and group III received 20mg/animal of sodium hyaluronate /IV every five days, totaling three injections. All dogs were examined clinically and radiographically for 90 days after the repairment surgery. The clinical evaluation was performed by assessment of lameness, weight-bearing, limb muscle atrophy and range of motion. The results demonstrated that the group treated with sodium hyaluronate had lower degree of lameness in comparison with other groups. The radiographic evaluation showed marginal osteophytes and subchondral bone sclerosis. These changes were more severe in the group treated with sodium hyaluronate. The better clinical results observed in this group, compared with the others, was probably due to the greater action of the drug in the synovium, decreasing the pain and lameness. Radiographic findings correlated poorly with the clinical signs in the group treated with sodium hyaluronate.

Keywords: dog, degenerative joint disease, chondroitin sulfate, sodium hyaluronate

INTRODUÇÃO

A doença articular degenerativa (DAD) ou osteoartrose é uma condição potencialmente debilitante que atinge porcentagem significativa de cães e seres humanos, caracterizada pela degradação da cartilagem articular, acompanhada por alterações do osso e dos tecidos moles da articulação, incluindo esclerose óssea subcondral, formação de osteófitos marginais e sinovite (Mcllwraith, 1996). Clinicamente pode resultar em disfunção da articulação afetada (Mcllwraith, 1996; Innes et al., 2000).

A abordagem clínica do paciente com suspeita de DAD envolve avaliação cuidadosa do histórico médico, dos sinais clínicos e dos exames físicos e de laboratório. Geralmente a osteoartrose caracteriza-se por alterações lentas e progressivas do caminhar, com claudicação, dor e disfunção articular, atrofia muscular, redução da amplitude de movimento, relutância ao exercício, letargia, inapetência, anorexia, mal estar geral e alterações no temperamento. Uma vez identificadas as alterações podem ser utilizadas como critério subjetivo para avaliação da evolução da osteoartrose ou da resposta ao tratamento (Mcllwraith, 1996; Harari, 1997; Innes et al., 2000).

Exames radiográficos convencionais são essenciais para diagnóstico da osteoartrose devido à sua disponibilidade, baixo custo e sensibilidade, as quais permitem avaliação das principais alterações morfológicas da articulação. Essas alterações associadas aos dados clínicos e de laboratório permitem formular o tratamento com base no diagnóstico clínico presuntivo (Carrig, 1997; Rendano, Shoup, 1998).

As principais alterações a serem avaliadas nas radiografias convencionais são: diminuição do espaço articular, aumento da densidade do osso subcondral (esclerose óssea subcondral), neoformações ósseas nas margens articulares (osteofitose) e remodelação óssea. Entretanto, a avaliação radiográfica convencional não é suficiente para o diagnóstico específico, necessitando de outros procedimentos auxiliares (Carrig, 1997). O grau de DAD definida radiograficamente, às vezes, não tem relação com o grau de claudicação ou alterações observadas clínica, macroscópica ou histologicamente (May, 1996; Mcllwraith, 1996; Rendano, Shoup, 1998). Alguns animais com achados radiográficos mínimos apresentam claudicação acentuada, enquanto outros, com alterações degenerativas graves, claudicam de forma discreta (Rendano, Shoup, 1998).

Nos estádios iniciais da osteoartrose, alterações como sinovite e aumento do líquido sinovial precedem as evidências radiográficas da doença. Portanto, as manifestações precoces dificilmente são avaliadas na radiografia convencional que, nem sempre, fornece dados suficientes para se diagnosticar a DAD (Carrig, 1997). Técnicas avançadas de diagnóstico por imagem como ressonância magnética, tomografia computadorizada, radiografias assistidas fluoroscopicamente, artroscopia e ultrassonografia têm recebido atenção, mas nenhuma delas foi validada ou provada ser capaz de monitorar a evolução da osteoartrite em humanos (Myers et al., 2000).

O tratamento da DAD tem como objetivos primários o controle da dor e melhoria da qualidade de vida, obtidas mais freqüentemente com o uso de drogas anti-inflamatórias e analgésicas (Johnston, Budsberg, 1997; Johnston, Fox, 1997). A conduta terapêutica visa restaurar e manter a função articular pela diminuição da inflamação e alívio da dor e proteger a cartilagem de lesões futuras, isto é, controlar a progressão da doença (Hanson, 1996). Vários agentes farmacológicos previnem o desenvolvimento das alterações estruturais da osteoartrite ou diminuem a progressão das alterações patológicas em modelos animais. Essas drogas têm sido classificadas como modificadoras da doença osteoartrítica (Myers et al., 2000; Smith et al., 1999) ou agentes condroprotetores. A identificação do seu efeito em modelos animais tem sugerido que tais agentes são efetivos em humanos e esforços têm sido feitos para desenvolver parâmetros viáveis para a avaliação da progressão da doença (Myers et al., 2000).

Este trabalho teve como objetivo avaliar clínica e radiograficamente o efeito do sulfato de condroitina e do hialuronato de sódio no retorno à função do membro após a secção experimental do LCCr, indução do processo degenerativo e substituição do ligamento.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 15 cães, sem raça definida, de ambos os sexos, pesando entre 18 e 25 kg, provenientes do canil de zoonoses da Prefeitura de Belo Horizonte.

Os animais foram submetidos a exames clínico e laboratoriais (hemograma, pesquisa de hemoparasitas e leishmaniose), receberam vacinas (Recombitek (Merial Saúde Animal Ltda)), vermífugo (Drontal Plus (Bayer S/A)) e foram encaminhados para canis individuais tipo solário, onde permaneceram recebendo ração comercial (Hill's (Colgate Palmolive Ltda.)) em quantidade sugerida pelo fabricante. Após o período de adaptação, realizaram-se exames radiográficos nas incidências crânio-caudal e médio-lateral de ambas as articulações femorotibiopatelares (FTP). Após a constatação de articulações FTP radiograficamente normais, as articulações dos membros esquerdos foram submetidas à colheita do líquido sinovial seguida de avaliação artroscópica com subseqüente desestabilização da articulação femorotibiopatelar com secção do ligamento cruzado cranial (LCCr), por essa mesma via.

Os animais, mantidos em canis solários por três semanas, foram encaminhados e preparados para novo exame artroscópico. Foi colhida amostra de líquido sinovial antes da intervenção. Após visualização das estruturas articulares (membrana sinovial, cartilagem articular, ligamentos, tendão extensor digital longo) realizou-se a artrotomia e substituição do LCCr pela técnica intra-articular com utilização da fáscia lata segundo Schawalder (1989). A estabilização articular foi avaliada pelo teste funcional de deslocamento cranial da tíbia em relação ao fêmur. Foi empregada a Muleta de Thomas modificada por 15 dias e os pontos da sutura de pele foram retirados aos 10 dias. A profilaxia antibiótica foi feita com 30mg/kg de cefalotina, via IV, 30 minutos antes dos procedimentos já citados.

Após a substituição do ligamento, os animais foram divididos em três grupos de cinco. Um não recebeu outro tratamento além do cirúrgico e constituiu-se no grupo controle. O segundo recebeu 24mg/animal de sulfato de condroitina4, via IM, de cinco em cinco dias, totalizando seis aplicações. O terceiro grupo foi tratado com hialuronato de sódio5, na dose de 20mg/animal, via intravenosa, de cinco em cinco dias, num total de três aplicações. Os animais foram mantidos em canis solários individuais e observados por 90 dias.

Ao final, os animais foram submetidos a novo exame radiográfico da articulação FTP esquerda e encaminhados para colheita do líquido sinovial e artroscopia seguida de artrotomia. O exame artroscópico e a artrotomia constaram dos mesmos protocolos anteriormente citados.

O exame clínico foi realizado por um único pesquisador e sem uso de sedativos. Constou de avaliação do grau de claudicação, da mensuração da circunferência da coxa, da amplitude de movimento articular e da pressão de apoio conforme protocolo que se segue: 1- Avaliação clínica da deambulação aos 15, 30, 60 e 90 dias após a cirurgia. Os achados foram classificados (graus I a IV) segundo o esquema de Doig et al. (2000). 2- Mensuração da circunferência da coxa em três pontos determinados no eixo longitudinal do fêmur, imediatamente proximal à patela, 3cm distal do trocânter maior e no ponto médio entre esses dois, com fita maleável de escala métrica graduada em cm (Fig. 1B). 3- Avaliação da amplitude de movimento da articulação femorotibiopatelar mensurada em flexão e extensão total e ângulo da articulação em estação. Para a mensuração utilizou-se goniômetro universal de plástico com círculo completo. Manteve-se o centro do goniômetro na articulação femorotibiopatelar e uma régua no trocânter maior, girando-se a outra régua para avaliar a extensão e a flexão, registrando-se o ângulo formado (Fig. 2A e B ). As mensurações da circunferência da coxa e da amplitude de movimento da articulação foram realizadas antes da secção do LCCr, imediatamente antes da substituição, e 90 dias após. 4- Mensuração da pressão de apoio utilizando uma unidade de pressão sangüínea previamente inflado com 4mm Hg. Colocou-se o membro tratado sobre o cuff, retirou-se o apoio do membro contra-lateral e registrou-se a força marcada no esfingnomanômetro, subtraindo-se os 4mm Hg previamente colocados (Taylor et al., 1998) (Fig. 1A).




Fez-se análise de variância com comparação de DMS entre os valores médios das características da circunferência da coxa, da amplitude de movimento e da pressão de apoio do membro. Para avaliação da claudicação foi utilizado o teste não paramétrico de Kruskall Wallis.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O modelo de desestabilização da articulação femorotibiopatelar pela secção do LCCr, via artroscopia, produziu mobilidade articular anormal, com deslocamento cranial da tíbia em relação ao fêmur. A articulação instável proporcionou trauma similar ao que ocorre após ruptura clínica do LCCr, como evidenciado por McDevitt et al. (1977). A artroscopia permitiu a secção com segurança e mínima lesão da cartilagem e possibilitou a avaliação pré-cirúrgica de alterações sugestivas de DAD não identificadas nos exames clínico ou radiológico, fato já observado por Marshall e Chan (1996). Portanto, o modelo de indução da DAD, como proposto por Abatangelo et al. (1989), foi satisfatório e permitiu acompanhar a evolução do processo e comparar os tratamentos utilizados.

Os animais que receberam sulfato de condroitina exibiram sinais de dor à administração intra-muscular, mas não foi verificada reação local. Quanto ao efeito sistêmico, observou-se quadro de anorexia que se iniciou após a terceira aplicação do medicamento. Quatro animais (80%) apresentaram diarréia sanguinolenta uma semana após o término do tratamento, tornando necessário medicação de suporte. Encontrou-se resultado negativo na pesquisa de hemoparasitas e de parasitas fecais. Essas manifestações clínicas sugerem efeito heparinóide do sulfato de condroitina semelhante ao dos glicosaminoglicanos polissulfatos citados na literatura (Huber, Bill, 1994; Todhunter, 1994; McNamara, 1997). Estes resultados diferem daqueles de Haan et al. (1994), que não observaram sinais clínicos dessa natureza em cães que receberam glicosaminoglicano polissulfatado. McNamara et al. (1996), após estudos dos efeitos hematológicos e hemostáticos do sulfato de condroitina e da glicosamina administrados via oral, por 30 dias em cães, sugeriram que esses compostos não causam anormalidades clinicamente importantes. Essas diferenças entre os estudos podem ser devidas à via de administração ou à dose empregada.

Para o estudo estatístico não foram considerados os dados de dois animais, um do grupo tratado com hialuronato de sódio e outro do grupo-controle, por apresentarem luxação de patela e ruptura do LCCr substituído, respectivamente. Essas alterações não tiveram qualquer relação com os tratamentos propostos e poderiam interferir na avaliação dos efeitos das drogas.

Estatisticamente não se observou diferença significativa entre os graus de claudicação dos animais que receberam sulfato de condroitina e hialuronato de sódio quando comparados entre si e com os do grupo-controle. Porém, do ponto de vista clínico, observou-se que três (75%) dos quatro animais tratados com hialuronato de sódio apresentaram grau II de claudicação, enquanto que nos demais grupos os animais atingiram grau III (Tab. 1). A melhora clínica observada nos que receberam hialuronato de sódio ocorreu, possivelmente, devido ao efeito na membrana sinovial, que artroscopicamente mostrava-se lisa, com mínima proliferação ou com discreta fibrina, como mencionado por Melo et al. (2000). Frizziero et al. (1998) observaram clinicamente efeito positivo do ácido hialurônico após administração intra-articular em pessoas com osteoartrite, enquanto Dahlberg et al. (1994), em estudo semelhante, não encontraram diferenças entre os grupos tratados e o grupo-controle. Recuperação clínica mais rápida foi verificada por Souza et al. (1999) após o uso de precursores dos glicosaminoglicanos no tratamento de cães submetidos à sulcoplastia por ressecção, que pode ser devido ao modelo experimental utilizado.

Esta discrepância entre os resultados clínicos e estatísticos também foi mencionada por Innes et al. (2000) e Read et al. (1996) após o emprego de pentosan polissulfato em cães e também por Johnson et al. (1997), após avaliação clínica do efeito da estimulação elétrica muscular em cães submetidos à secção experimental do LCCr e tratados cirurgicamente. Essas diferenças, já mencionadas pelos autores citados, são atribuídas à natureza subjetiva do método de avaliação da claudicação. A avaliação mais precisa como aquela obtida pela placa de força deve permitir dados mais uniformes e, possivelmente, redução dessa diferença entre observações clínica e estudo estatístico.

Quanto às características amplitude de movimento, circunferência da coxa e pressão de apoio do membro, não se observaram diferenças significativas entre grupos. Um animal do grupo sulfato de condroitina apresentou valor elevado (62mmHg) na avaliação da pressão de apoio do membro. Essa discrepância provavelmente advém de alguma falha não detectada no método de mensuração. Mesmo utilizando essas formas de avaliação, consideradas por Todhunter e Lust (1990) como mais objetivas, não foi possível observar diferenças entre efeitos, sugestivas de resposta aos tratamentos, apesar de Haan et al. (1994) sugerirem que as mensurações da circunferência do membro podem ajudar na avaliação de pacientes com doença articular crônica. Outro fator importante foi o número reduzido de animais, já citado por Todhunter e Lust (1990), associado à dificuldade de avaliação, muitas vezes relacionada ao temperamento do animal, impossibilitando melhor interpretação das características. Segundo Haan et al. (1994), a amplitude de movimento pode ser afetada pelo comportamento do cão. Além disso, o uso de critérios subjetivos para avaliação do efeito de drogas, como empregado em seres humanos, torna-se mais difícil nos animais devido à ausência de cooperação do paciente e à incapacidade de comunicação inteligível. Os autores citados mencionaram também que outros aspectos relacionados à não obtenção de diferenças estatísticas são a dificuldade de levantar, com precisão, a gravidade da osteoartrite e as mensurações clínicas subjetivas da resposta ao tratamento.

Portanto, o resultado clínico encontrado neste trabalho pode ser explicado pela ausência de resposta aos tratamentos ou por resposta discreta, não detectável pelos exames físicos. Assim, o delineamento do estudo para avaliação clínica não foi capaz de reduzir os efeitos do método por causa das mensurações subjetivas utilizadas, como mencionado por Dahlberg et al. (1994) e Haan et al. (1994).

A diversidade de variáveis encontradas nos estudos é outro aspecto que dificulta a comparação dos resultados de tratamento com condroprotetores. Portanto, parte dos conflitos na interpretação dos resultados pode ser devida à inclusão de processos osteoartróticos em diferentes estádios e dos diversos métodos de levantamento dos dados como já mencionado por Lohmander et al. (1996).

O exame radiográfico aos 21 dias após a secção do LCCr não permitiu a identificação de lesões características de osteoartrose, como relatado por Dahlberg et al. (1994) que julgaram ser a radiografia um método inadequado na detecção da DAD em estádios iniciais. Dupuis e Harari (1993) observaram alterações radiográficas após quatro semanas de instabilidade, tempo superior ao avaliado neste experimento, e Abatangelo et al. (1989) verificaram sinais radiográficos de artrose, com presença de osteófitos aos 50 dias após a desmotomia. Elkins et al. (1991) citaram sinais de artrose tão precoce quanto 21 dias de instabilidade articular. Somente pelo exame radiográfico é difícil afirmar que o paciente, no momento da avaliação inicial, esteja inteiramente livre de qualquer processo degenerativo articular em fase incipiente. Isso mostra que o exame radiográfico não se presta como método de diagnóstico das alterações articulares em estádios iniciais da DAD.

Neste experimento as alterações observadas radiograficamente aos 90 dias foram aumento da densidade óssea subcondral (esclerose óssea subcondral), osteófitos pericondrais, como citado por Vasseur et al. (1995), e osteófitos nas regiões proximal e distal da patela. A maioria (75%) dos animais do grupo tratado com hialuronato de sódio apresentou quadro de osteofitose pouco mais acentuado do que o dos demais grupos (Fig. 3 A-F). Esse resultado pode ser devido à melhora do quadro clínico que permitiu maior suporte de peso em uma articulação ainda não preparada para apoio. Achado semelhante foi mencionado por Johnson et al. (1997) com a estimulação elétrica muscular após a substituição do LCCr. Portanto, não se observou correlação entre as alterações radiológicas e os sinais clínicos como mencionado por Mcllwraith (1996) e Rendano e Shoup (1998). Nos processos degenerativos nem sempre se verifica relação entre os achados clínicos e o exame radiográfico.







Além dos fatores já mencionados, Innes et al. (2000) ressaltaram outros aspectos associados à avaliação dos condroprotetores como sua administração após a substituição do LCCr, que por si só já é um fator minimizador da DAD, a ação lenta desses fármacos e a necessidade de avaliação dos efeitos medicamentosos por tempo prolongado no tratamento da osteoartrose.

Apesar de os resultados clínicos relativos à claudicação apontarem o hialuronato de sódio como relativamente superior aos demais, observou-se que, radiograficamente, aos 90 dias de estudo esse grupo apresentou quadro pior em relação ao tratado com sulfato de condroitina e semelhante ao grupo-controle. Estes resultados sugerem que embora o hialuronato de sódio tenha mostrado maior efeito na membrana sinovial, ele não atuou satisfatoriamente na cartilagem, quando comparado com o grupo do sulfato de condroitina (Melo et al., 2000).

Outros estudos que utilizem métodos mais objetivos de avaliação clínica, como emprego da placa de força e avaliações por tempo mais prolongado, são necessários para levantamento mais preciso do quadro clínico e para esclarecimento do efeito das drogas.

Recebido para publicação em 30 de janeiro de 2002

Recebido para publicação, após modificações, em 20 de novembro de 2002

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  • Endereço para correspondência
    E.G. Mel
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2003

    Histórico

    • Aceito
      20 Nov 2002
    • Recebido
      30 Jan 2002
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