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Situação epidemiológica da brucelose bovina no Estado de Goiás

Epidemiological status of bovine brucellosis in the State of Goiás, Brazil

Resumos

Realizou-se um estudo para caracterizar a situação epidemiológica da brucelose no Estado de Goiás. O Estado foi estratificado em três circuitos produtores. Em cada circuito foram amostradas aleatoriamente 300 propriedades e, dentro dessas, foi escolhido de forma aleatória um número pré-estabelecido de animais, dos quais foi obtida uma amostra de sangue. No total, foram amostrados 10.744 animais, provenientes de 900 propriedades. Em cada propriedade visitada aplicou-se um questionário epidemiológico para verificar o tipo de exploração e as práticas de criação e sanitárias que poderiam estar associadas ao risco de infecção pela doença. O protocolo de testes utilizado foi o da triagem com o teste do antígeno acidificado tamponado e a confirmação dos positivos com o teste do 2-mercaptoetanol. O rebanho foi considerado positivo quando pelo menos um animal foi reagente às duas provas sorológicas. No estrato 1, a prevalência foi de 7,7% [4,7-10,7%] para propriedades, e de 1,4% [0,99-1,7%] para animais. No estrato 2, foi de 19,5% [15,0-24,0%] para propriedades e de 2,6% [2,0-3,1%] para animais. No estrato 3, foi de 21,4% [16,7-26,1] para propriedades e 4,3% [3,7-5,0%] para animais. A prevalência obtida para o Estado foi de 17,5% [14,9-20,2%] para propriedades e de 3,0% [2,7-3,3%] para animais. Os fatores de risco (odds ratio, OR) associados à condição de foco, segundo a análise multivariada, foram: compra de reprodutores a comerciantes de gado (OR = 2,06 [1,12-3,52]), ocorrência de abortos nos últimos 12 meses (OR = 5,83 [3,86-8,8]) e prática de vacinação contra brucelose (OR = 2,07 [1,38-3,09]). Tanto a ocorrência de aborto quanto a vacinação são, neste caso, consequência da presença de brucelose no rebanho.

bovino; brucelose; prevalência; fatores de risco; Goiás


A study to characterize the epidemiological status of brucellosis in the State of Goiás was carried out. The State was divided in three regions. Three hundred herds were randomly sampled in each region and a pre-established number of animals was sampled in each of these herds. A total of 10,744 serum samples from 900 herds were collected. In each herd, it was applied an epidemiological questionnaire focused on herd traits as well as husbandry and sanitary practices that could be associated with the risk of infection. The serum samples were screened for antibodies against Brucella spp. by the Rose-Bengal Test (RBT), and all positive sera were re-tested by the 2-Mercaptoethanol test (2-ME). The herd was considered positive if at least one animal was positive on both RBT and 2-ME tests. For region 1, the herd prevalence was 7.7% [4.7-10.7%] and the animal prevalence was 1.4% [0.99-1.7%]. For region 2, the herd prevalence was 19.5% [15.0-24.0%] and the animal prevalence was 2.6% [2.0-3.1%]. For region 3, the herd prevalence was 21.4% [16.8-26.1%] and the animal prevalence was 4.3% [3.7-5.0%]. For the whole state, the herd prevalence was 17.5% [14.9-20.2%] and the animal prevalence was 3.0% [2.7-3.3%]. The multivariate analysis identified the following risk factors (odds ratio, OR) associated with positive herds: purchase of breeding stock from cattle traders (OR = 2.06 [1.12-3.52]), occurrence of abortions over the last 12 months (OR = 5.83 [3.86-8.8]), and vaccination against brucellosis (OR = 2.07 [1.38-3.09]). Both the abortions and the vaccination are, in this case, a consequence of the herd being infected with brucellosis.

cattle; brucellosis; prevalence; risk factors; Goiás; Brazil


Situação epidemiológica da brucelose bovina no Estado de Goiás

Epidemiological status of bovine brucellosis in the State of Goiás, Brazil

W.V. RochaI; V.S.P. GonçalvesII, * * Autor para correspondência ( corresponding author) E-mail: vitorspg@unb.br ; C.G.N.F.L. CoelhoI; W.M.E.D. BritoIII; R.A. DiasIV; M.K.V.C. DelphinoII; F. FerreiraIV; M. AmakuIV; J.S. Ferreira NetoIV; V.C.F. FigueiredoV; J.R. LôboV; L.A.B. BritoIII

IAgência Goiana de Defesa Agropecuária - AGRODEFESA - Goiânia, GO

IIFaculdade de Agronomia e Medicina Veterinária - UnB Caixa Postal 4508 70910-970 - Brasília, DF

IIIEscola de Veterinária - UFG - Goiânia, GO

IVFaculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - USP - São Paulo, SP

VDepartamento de Saúde Animal - SDA-MAPA - Brasília, DF

RESUMO

Realizou-se um estudo para caracterizar a situação epidemiológica da brucelose no Estado de Goiás. O Estado foi estratificado em três circuitos produtores. Em cada circuito foram amostradas aleatoriamente 300 propriedades e, dentro dessas, foi escolhido de forma aleatória um número pré-estabelecido de animais, dos quais foi obtida uma amostra de sangue. No total, foram amostrados 10.744 animais, provenientes de 900 propriedades. Em cada propriedade visitada aplicou-se um questionário epidemiológico para verificar o tipo de exploração e as práticas de criação e sanitárias que poderiam estar associadas ao risco de infecção pela doença. O protocolo de testes utilizado foi o da triagem com o teste do antígeno acidificado tamponado e a confirmação dos positivos com o teste do 2-mercaptoetanol. O rebanho foi considerado positivo quando pelo menos um animal foi reagente às duas provas sorológicas. No estrato 1, a prevalência foi de 7,7% [4,7-10,7%] para propriedades, e de 1,4% [0,99-1,7%] para animais. No estrato 2, foi de 19,5% [15,0-24,0%] para propriedades e de 2,6% [2,0-3,1%] para animais. No estrato 3, foi de 21,4% [16,7-26,1] para propriedades e 4,3% [3,7-5,0%] para animais. A prevalência obtida para o Estado foi de 17,5% [14,9-20,2%] para propriedades e de 3,0% [2,7-3,3%] para animais. Os fatores de risco (odds ratio, OR) associados à condição de foco, segundo a análise multivariada, foram: compra de reprodutores a comerciantes de gado (OR = 2,06 [1,12-3,52]), ocorrência de abortos nos últimos 12 meses (OR = 5,83 [3,86-8,8]) e prática de vacinação contra brucelose (OR = 2,07 [1,38-3,09]). Tanto a ocorrência de aborto quanto a vacinação são, neste caso, consequência da presença de brucelose no rebanho.

Palavras-chave: bovino, brucelose, prevalência, fatores de risco, Goiás

ABSTRAC

A study to characterize the epidemiological status of brucellosis in the State of Goiás was carried out. The State was divided in three regions. Three hundred herds were randomly sampled in each region and a pre-established number of animals was sampled in each of these herds. A total of 10,744 serum samples from 900 herds were collected. In each herd, it was applied an epidemiological questionnaire focused on herd traits as well as husbandry and sanitary practices that could be associated with the risk of infection. The serum samples were screened for antibodies against Brucella spp. by the Rose-Bengal Test (RBT), and all positive sera were re-tested by the 2-Mercaptoethanol test (2-ME). The herd was considered positive if at least one animal was positive on both RBT and 2-ME tests. For region 1, the herd prevalence was 7.7% [4.7-10.7%] and the animal prevalence was 1.4% [0.99-1.7%]. For region 2, the herd prevalence was 19.5% [15.0-24.0%] and the animal prevalence was 2.6% [2.0-3.1%]. For region 3, the herd prevalence was 21.4% [16.8-26.1%] and the animal prevalence was 4.3% [3.7-5.0%]. For the whole state, the herd prevalence was 17.5% [14.9-20.2%] and the animal prevalence was 3.0% [2.7-3.3%]. The multivariate analysis identified the following risk factors (odds ratio, OR) associated with positive herds: purchase of breeding stock from cattle traders (OR = 2.06 [1.12-3.52]), occurrence of abortions over the last 12 months (OR = 5.83 [3.86-8.8]), and vaccination against brucellosis (OR = 2.07 [1.38-3.09]). Both the abortions and the vaccination are, in this case, a consequence of the herd being infected with brucellosis.

Keywords: cattle, brucellosis, prevalence, risk factors, Goiás, Brazil

INTRODUÇÃO

O Estado de Goiás, localizado na região Centro-Oeste do Brasil, ocupa uma área geográfica de 340.086km2. Segundo a Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, o rebanho goiano totalizava, em 2007, 16.684.133 bovinos, distribuídos em 108.489 propriedades (IBGE, 2007). Goiás destaca-se como um dos mais importantes estados na produção de carne e é o segundo na produção de leite (Anualpec, 2003).

Condições geográficas, sociais e econômicas contribuem para a existência de diferentes sistemas de produção no Estado. A população de bovinos concentra-se nas áreas especializadas de pecuária de corte, que incluem as regiões Noroeste, Norte-Nordeste e Centro-Oeste. Nas regiões Sul e Sudeste predomina a atividade de leite e nas Sudoeste e Centro, a atividade mista (corte e leite).

Santana e Veiga (1982) analisaram dados obtidos de 79.958 exames de sangue realizados no Centro de Diagnóstico e Pesquisas Veterinárias (CDPV) entre os anos de 1970 e 1975 e obtiveram prevalência de 9.0% para o Estado. Andrade et al. (1986), em pesquisa realizada com 1.685 fêmeas bovinas adultas, provenientes de 21 municípios do Estado de Goiás, verificaram prevalência de 4,9% de animais soropositivos para brucelose.

Acypreste et al. (2002) utilizaram a prova do antígeno acidificado tamponado, para estimar a prevalência de brucelose, em vacas da bacia leiteira da região de Goiânia, num total de 45 propriedades e 870 animais. Observaram prevalências de 17,8% e 1,7%, respectivamente, para propriedades e animais.

Todos os estudos de prevalência de brucelose bovina em Goiás realizados até o momento foram pontuais, contemplando uma pequena região do Estado ou, então, resultaram da análise de rotina de diagnóstico, sem preocupação com planejamento e precisão amostral. Os objetivos deste trabalho foram realizar um estudo global da situação da brucelose no rebanho goiano, estimar a prevalência e a distribuição regional da doença em fêmeas bovinas adultas, identificar os fatores de risco relacionados à enfermidade e fornecer subsídios para a melhor implementação e gestão do Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT).

MATERIAL E MÉTODOS

Para que fossem conhecidas as diferenças regionais dos parâmetros epidemiológicos da brucelose bovina, o Estado foi dividido em três circuitos produtores de bovinos, levando-se em consideração os diferentes sistemas de produção, práticas de manejo, finalidades de exploração, tamanho médio de rebanhos e sistemas de comercialização. A divisão em regiões correspondentes a circuitos produtores também levou em conta a capacidade operacional e logística do serviço veterinário oficial do Estado para a realização das atividades de campo, baseando-se nas áreas de atuação das suas unidades regionais.

Em cada circuito produtor, estimou-se a prevalência de propriedades infectadas pela brucelose bovina e a de animais soropositivos por meio de um estudo amostral em dois estágios, para detectar focos de brucelose. No primeiro estágio, sorteou-se, de forma aleatória, um número pré-estabelecido de propriedades com atividade reprodutiva (unidades primárias de amostragem) e, no segundo, um número pré-estabelecido de fêmeas bovinas com idade igual ou superior a 24 meses (unidades secundárias de amostragem).

Nas propriedades rurais onde existia mais de um rebanho, foi escolhido o rebanho bovino de maior importância econômica, no qual os animais estavam submetidos ao mesmo manejo, ou seja, sob as mesmas condições de risco. A escolha da unidade primária de amostragem foi aleatória sistemática, baseada no cadastro de propriedades rurais com atividade reprodutiva de bovinos. A propriedade sorteada que, por motivos vários, não pôde ser visitada, foi substituída por outra, nas proximidades, com as mesmas características de produção. O número de propriedades selecionadas foi estimado pela fórmula, para amostras simples aleatórias, proposta por Thrusfield (2007). Os parâmetros adotados para o cálculo foram: nível de confiança de 0,95, prevalência estimada de 0,25 e erro de 0,05. A capacidade operacional e financeira do serviço veterinário oficial do Estado também foi levada em consideração para a determinação do tamanho da amostra por circuito.

O planejamento amostral para as unidades secundárias visou estimar um número mínimo de animais a serem examinados dentro de cada propriedade de forma a permitir a sua classificação como foco ou não foco de brucelose. Para tanto, foi utilizado o conceito de sensibilidade e especificidade agregadas (Dohoo et al., 2003). Para efeito dos cálculos foram adotados os valores de 95% e 99,5%, respectivamente, para a sensibilidade e a especificidade do protocolo de testes utilizado (Fletcher et al., 1998) e 20% para a prevalência estimada. Nesse processo foi utilizado o programa Herdacc version 3 e o tamanho da amostra escolhido foi aquele que permitiu valores de sensibilidade e especificidade de rebanho iguais ou superiores a 90%. Assim, nas propriedades com até 99 fêmeas com idade superior a 24 meses, foram amostrados 10 animais e nas com 100 ou mais fêmeas com idade superior a 24 meses, 15 animais. A escolha das fêmeas dentro das propriedades foi aleatória sistemática.

O protocolo do sorodiagnóstico foi composto pela triagem com o teste do antígeno acidificado tamponado (Rosa Bengala), seguida do reteste dos positivos com o teste do 2-mercaptoetanol, de acordo com as recomendações do PNCEBT (Brasil, 2006).

A propriedade foi considerada positiva quando se detectou pelo menos um animal positivo. As propriedades que apresentaram animais com resultado sorológico inconclusivo, sem nenhum positivo, foram classificadas como suspeitas e excluídas das análises. O mesmo tratamento foi dado aos animais com resultados sorológicos inconclusivos.

O planejamento amostral permitiu determinar as prevalências de focos e de fêmeas adultas (≥24m) soropositivas para brucelose no Estado e também nos circuitos produtores. Os cálculos das prevalências aparentes e os respectivos intervalos de confiança foram realizados conforme preconizado por Dean et al. (1994). Os cálculos das prevalências de focos e de animais no Estado, e de prevalências de animais dentro das regiões foram feitos de forma ponderada (Dohoo et al., 2003).

O peso de cada propriedade no cálculo da prevalência de focos no Estado foi dado por

O peso de cada animal no cálculo da prevalência de animais no Estado foi dado por

Na expressão acima, o primeiro termo refere-se ao peso de cada animal no cálculo da prevalência de animais dentro de região.

As variáveis analisadas foram: tipo de exploração (ou sistema de produção: carne, leite e misto), tipo de criação (confinado, semiconfinado, extensivo), uso de inseminação artificial, raças predominantes, número de vacas com idade superior a 24 meses, número de bovinos na propriedade, presença de outras espécies domésticas, presença de animais silvestres, destino da placenta e dos fetos abortados, compra e venda de animais, vacinação contra brucelose, abate de animais na propriedade, aluguel de pastos, pastos comuns com outras propriedades, pastos alagados, piquete de parição e assistência veterinária.

As variáveis foram organizadas de modo a apresentarem-se em escala crescente de risco. Quando necessário, realizou-se a recategorização dessas variáveis. A categoria de menor risco foi considerada como base para a comparação das demais categorias. As variáveis quantitativas foram recategorizadas em percentis.

Foi feita uma primeira análise exploratória dos dados (univariada) para seleção daquelas com p≤0,20 para o teste do χ2 ou exato de Fisher e, subsequente, oferecimento dessas à regressão logística. Os cálculos foram realizados com o auxílio do programa SPSS, versão 9.0.

O estudo foi planejado por técnicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Universidade de São Paulo e da Universidade de Brasília, em colaboração com os técnicos da AGENCIARURAL. O trabalho de campo foi realizado por técnicos das regionais administrativas da AGENCIARURAL, no período de janeiro a agosto de 2002.

Em cada propriedade amostrada, além da coleta de sangue para a sorologia, foi também aplicado um questionário epidemiológico, elaborado para obter informações sobre o tipo de exploração e as práticas de manejo empregadas. O sangue foi coletado por punção da veia coccígea com agulha descartável estéril em tubo com vácuo, previamente identificado. Os soros, armazenados em microtubos de plástico, foram mantidos a -20ºC até a realização dos testes. Os testes sorológicos foram realizados no Laboratório do Centro de Diagnóstico e Pesquisas Veterinárias (CDPV) da AGENCIARURAL. Todas as informações geradas pelo trabalho de campo e de laboratório foram inseridas em um banco de dados específico, utilizado nas análises epidemiológicas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Estado foi dividido em três diferentes circuitos, conforme proposto pela AGENCIARURAL, embasada na aptidão do rebanho bovino predominante em cada região, como rebanho de corte, leite e misto. A delimitação das três regiões é mostrada na Fig. 1.


A Tab. 1 traz um resumo dos dados censitários e da amostra estudada em cada um dos circuitos produtores. Do total de 10.744 fêmeas incluídas na amostra, seis foram classificadas como inconclusivas e excluídas da análise dos dados. Esses animais comprometeram cinco propriedades nas quais não foi observado qualquer resultado positivo. Esses rebanhos também não foram incluídos no cálculo de prevalência.

Na Tab. 2, são apresentados os resultados de prevalência de focos no Estado e nos circuitos produtores. A prevalência de focos por tipo de exploração da propriedade é apresentada na Tab. 3 e, a prevalência de animais, na Tab. 4.

Na Tab. 5 são observados os resultados da análise univariada e na Tab. 6 o modelo final da regressão logística.

A prevalência de focos no Estado de Goiás (Tab. 2) foi estimada em 17,5% [14,9-20,2%]. Essa prevalência aproxima-se dos resultados de testes de rotina publicados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a região Centro-Oeste, no período 1986-1997 (Boletim..., 2001).

A prevalência de focos observada no circuito 1, de 7,7% [4,7-10,7%] é significativamente menor do que nos demais circuitos. Neste estão concentrados 22% das propriedades e 26% dos animais do Estado. As regiões norte e nordeste de Goiás, correspondentes ao circuito 1, são caracterizadas por produção extensiva, principalmente com finalidade de cria. A maior proporção de rebanhos positivos foi encontrada no circuito 3, com 21,0% [16,8-26,0%]. Nesta região estão localizadas 33% das propriedades e 43% do plantel bovino estadual, predominando rebanhos de aptidão mista. Para o circuito 2 foi calculada a prevalência de focos de 19,5% [15,0-24,0%]. Nesta região encontram-se 45% das propriedades e 31% do rebanho goiano, predominando rebanhos de aptidão leiteira. Estes dados não diferem muito dos encontrados por Acypreste et al. (2002), que relataram prevalência de focos de 17,8%, em um estudo de prevalência de brucelose em fêmeas bovinas na bacia leiteira de Goiânia, a qual se insere no circuito 2 do presente estudo.

A diferença de prevalência de focos entre os circuitos 2 e 3 não é estatisticamente significativa, uma vez que os intervalos de confiança apresentam ampla sobreposição de valores extremos.

A prevalência de animais soropositivos (Tab. 4) em Goiás foi de 3,0% [2,7-3,3%]. Estes valores são inferiores aos encontrados no inquérito nacional realizado na década de 1970 (Brasil, 1977) e aos relatados por Santana e Veiga (1982), que estimaram, respectivamente, prevalências de 11,6% e 9,0% no Estado. Vale ressaltar que à época da coleta de dados do presente estudo as ações de controle e erradicação para a enfermidade, preconizadas pelo PNCEBT, ainda não haviam sido implantadas. Por exemplo, a vacinação sistemática de fêmeas entre três e oito meses ainda estava em fase de divulgação e planejamento. Portanto, a diminuição da prevalência observada não pode ser atribuída à ação do PNCEBT, estando possivelmente associada à evolução da pecuária no Estado de Goiás, que nas últimas décadas se profissionalizou, com maiores cuidados sanitários e com animais mais precoces e de vida reprodutiva média mais curta.

Os resultados apresentados na Tab. 3 revelam que a prevalência de focos foi maior nos rebanhos de corte, em todos os circuitos produtores. No entanto, a diferença observada não é estatisticamente significativa, dada a ampla sobreposição dos intervalos de confiança.

A prevalência de 3,0% para animais, encontrada na presente pesquisa, foi também inferior à encontrada por Andrade et al. (1986), 4,9%, ao utilizarem o teste de soroaglutinação rápida em placa. A prevalência de animais positivos foi significativamente menor no circuito 1, à semelhança do observado para a prevalência de focos. O valor de 1,7% encontrado por Acypreste et al. (2002), na bacia leiteira de Goiânia, é inferior à prevalência animal estimada neste inquérito para o circuito 2, cujo limite inferior do intervalo de confiança foi de 2,0% (Tab. 4). No entanto, as diferenças no método de amostragem, assim como de cálculo da prevalência, tornam difícil a comparação direta de resultados.

Deve ser ressaltado que o circuito 3 contribuiu substancialmente para o incremento da prevalência ponderada no Estado, pelo fato de que neste circuito foi observada a maior prevalência de animais positivos, como também por ser o circuito com maior número de bovinos.

O modelo final de regressão logística demonstrou que nas fazendas onde se recorre a comerciantes de gado para aquisição de animais para reprodução há maior chance de ocorrência de brucelose bovina (Tab. 6). O verdadeiro problema não é a introdução de animais, prática rotineira nos rebanhos bovinos, mas sim a aquisição de animais sem a realização de testes ou sem o conhecimento da condição sanitária do rebanho de origem. A compra de animais infectados é amplamente reportada como o principal fator de introdução de brucelose em rebanhos livres (Van Wavern, 1960; Nicoletti, 1980). O recurso a comerciantes tende a agravar esse risco, uma vez que esses não têm o hábito de exigir o atestado da condição sanitária do rebanho de origem ou mesmo do animal comprado. Este resultado demonstra bem a necessidade de conscientizar o criador no sentido de exigir teste de diagnóstico antes de comprar animais, ou de adquirir animais apenas de rebanhos certificados como livres. A fiscalização sanitária deve considerar que este é um fator prioritário nas suas ações preventivas.

O modelo confirmou que a ocorrência de abortos nos últimos 12 meses está fortemente associada à presença da infecção, sendo um bom indicador de que a brucelose é endêmica no rebanho. Este resultado deve ser considerado no planejamento do sistema de vigilância da brucelose, que deverá evoluir junto com o PNCEBT. A mesma informação pode também ser usada nas ações educativas junto aos pecuaristas, mostrando que a doença é responsável por perdas produtivas.

A análise também demonstrou que as propriedades que vacinavam tinham maior probabilidade de estar infectadas do que aquelas que não cumpriam essa norma sanitária. Este resultado parece contraditório com a função protetora da vacina, mas, provavelmente, é o resultado da ausência de uma política de vacinação sistemática à época da realização do estudo. Nessa situação, os pecuaristas costumam recorrer à vacina quando descobrem que o rebanho está acometido pela brucelose, seja porque estão ocorrendo abortos ou porque os testes diagnósticos foram positivos. Vale ressaltar que se a vacinação com a B19 for realizada em animais adultos, a probabilidade de encontrar bovinos reagentes aumenta em função da própria vacinação. Porém, como no modelo multivariado a força de associação da variável ocorrência de aborto foi superior à da variável prática de vacinação, é provável que a maioria das propriedades onde se pratica a vacinação de animais adultos estivesse realmente infectada. A efetiva implementação do programa de vacinação sistemática deverá mudar este cenário e espera-se que em alguns anos a vacinação seja identificada como fator protetor e não esteja associada à infecção do rebanho.

É importante ressaltar que, neste estudo, a presença de brucelose em Goiás não se mostrou associada a características produtivas do rebanho, como, por exemplo, aptidão para leite ou corte, criação intensiva ou extensiva, predominância de bovinos europeus ou mestiços e nem mesmo tamanho do rebanho. Isto significa que as autoridades sanitárias terão dificuldade em estabelecer medidas sanitárias muito seletivas, dirigidas a determinado tipo de exploração do rebanho ou a um sistema de produção. Consequentemente, a intensificação do programa obrigatório de vacinação parece ser uma prioridade, com o objetivo de atingir e sustentar cobertura vacinal de bezerras em, pelo menos, 80% do rebanho.

Recomenda-se fiscalizar e desencorajar a compra de reprodutores sem teste para brucelose, ou de propriedades sem controle da doença, com especial atenção para os comerciantes de gado; intensificar o programa de vacinação de bezerras em todo o Estado, sustentando cobertura vacinal acima de 80%; fazer cumprir a proibição da vacinação de animais adultos com amostra B19. Deve ser evitada a vacinação indiscriminada em rebanhos infectados, mesmo que seja usada uma vacina que não induza reação aos testes sorológicos recomendados pelo PNCEBT, ou seja, nas propriedades-foco, que estão passando por rotina de testes visando à certificação, os animais reagentes devem ser sacrificados e apenas os negativos devem ser vacinados. A certificação de propriedades livres deve avançar de forma a promover a segurança sanitária dos produtos de origem animal e aumentar a oferta de fêmeas e machos para reprodução que não sejam fonte de disseminação da brucelose.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP, ao CNPq, à AGRODEFESA-GO e ao MAPA pelo apoio financeiro.

Recebido em 27 de março de 2009

Aceito em 23 de setembro de 2009

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    Autor para correspondência (
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Nov 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Set 2009
    • Recebido
      27 Mar 2009
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