Acessibilidade / Reportar erro

Estudo retrospectivo de 19 casos de polioencefalomalácia, em bovinos, responsivos ao tratamento com tiamina

Retrospective study of 19 cases of polioencephalomalacia in cattle, responsive to the treatment with thiamine

Resumo

Nineteen bovines of both sexes aging from 5 month-old to 5 year-old, were referred to a veterinary hospital. Clinical signs were observed from 6 hours to 10 days before. Thirteen animals were found in permanent lateral recumbency, five showed motor incoordination, 15 were exclusively fed on grass pasture, three showed partial loss of visual acuity, 14 were blindness, 16 showed presence of normal pupillary reflex, 16 decreased ruminal motility, 14 decreased sensorium (depression, semicoma or coma) and eight showed opisthotonos. Dehydration and dried feces were directly related to the time of evolution of the process. All the animals were administrated vitamin B1 and showed a marked improvement of the clinical status within 4 to 48 hours after treatment. The longer the time between the onset of the clinical signs and treatment, the greater the delay for the restoration of the vision. The treatment was very effective for a rapid response of the animal.

bovine; polioencephalomalacia; thiamine


bovine; polioencephalomalacia; thiamine

bovino; polioencefalomalácia; tiamina

COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Estudo retrospectivo de 19 casos de polioencefalomalácia, em bovinos, responsivos ao tratamento com tiamina

Retrospective study of 19 cases of polioencephalomalacia in cattle, responsive to the treatment with thiamine

L.C.N. MendesI; A.S. BorgesII; J.R. PeiróI; F.L.F. FeitosaI; C.R. AnhesiniIII

IDepartamento de Clínica, Cirurgia e Reprodução Animal - UNESP. Rua Clóvis Pestana 793 16050-680 – Araçatuba, SP

IIFaculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - UNESP – Botucatu, SP

IIIResidente do Hospital Veterinário - UNESP – Araçatuba, SP

Palavras-chave: bovino, polioencefalomalácia, tiamina

ABSTRACT

Nineteen bovines of both sexes aging from 5 month-old to 5 year-old, were referred to a veterinary hospital. Clinical signs were observed from 6 hours to 10 days before. Thirteen animals were found in permanent lateral recumbency, five showed motor incoordination, 15 were exclusively fed on grass pasture, three showed partial loss of visual acuity, 14 were blindness, 16 showed presence of normal pupillary reflex, 16 decreased ruminal motility, 14 decreased sensorium (depression, semicoma or coma) and eight showed opisthotonos. Dehydration and dried feces were directly related to the time of evolution of the process. All the animals were administrated vitamin B1 and showed a marked improvement of the clinical status within 4 to 48 hours after treatment. The longer the time between the onset of the clinical signs and treatment, the greater the delay for the restoration of the vision. The treatment was very effective for a rapid response of the animal.

Keywords: bovine, polioencephalomalacia, thiamine

A polioencefalomalácia, enfermidade degenerativa que afeta a substância cinzenta do sistema nervoso central de ruminantes, caracteriza-se por necrose cerebrocortical (Tanwar et al., 1993; Gould, 1998; Loneragan e Gould, 2002).

O aparecimento da doença está ligado a distúrbios no metabolismo da tiamina sintetizada no rúmen. Uma das causas mais comuns é a destruição da vitamina por tiaminases bacterianas no rúmen, além de deficiência na dieta de bezerros pré-ruminantes, ingestão de plantas com atividade tiaminolítica e produção de enzimas tiaminolíticas devido ao excessivo consumo de concentrados ou baixa ingestão de volumosos, comuns em animais de confinamento. Mais recentemente, o aparecimento da enfermidade foi associado, em casos naturais ou experimentais, ao excesso de enxofre na dieta, sem alterações detectáveis no metabolismo da tiamina (McAllister et al., 1997; Loneragan et al., 1998; Gonçalves et al., 2001; Loneragan e Gould, 2002).

Os sinais clínicos da polioencefalomalácia podem ocorrer de forma aguda ou crônica. A evolução dessa condição está associada com cegueira, pressão da cabeça contra obstáculos, opistótono, estrabismo dorsomedial, excitabilidade, mastigação repetitiva, fasciculação dos músculos da face e decúbito lateral. Apesar da ausência de reflexo de ameaça visual, o reflexo pupilar está presente devido à cegueira originar-se da lesão do córtex occipital (Moro et al., 1994; George, 1996; Nakazato et al., 2000; Gonçalves et al., 2001; Loneragan e Gould, 2002).

O diagnóstico ante-mortem é realizado terapeuticamente devido à complexidade do metabolismo de tiamina. A mensuração da tiamina e da atividade das tiaminases não fornece critério diagnóstico para essa doença, pois a maior parte da tiamina permanece estocada nos eritrócitos. A mensuração da transcetolase do líquido ruminal, ou dos eritrócitos, é um meio específico e sensível da atividade da tiamina (Sager et al., 1990; Hamlen et al., 1993; George, 1996).

Quando diagnosticada e tratada antes do desenvolvimento da necrose neuronal, a polioencefalomalácia, decorrente de alterações no metabolismo da tiamina, responde bem ao tratamento. Animais com lesões avançadas podem responder mais lentamente, permanecendo cegos por semanas ou meses (George, 1996; Singh et al., 2000; Gonçalves et al., 2001; Loneragan e Gould, 2002). Os casos de polioencefalomalácia induzida por enxofre não respondem bem ao tratamento com tiamina. (Jeffrey et al., 1994; Low et al., 1996)

São relatados 19 casos de polioencefalomalácia decorrente da deficiência de tiamina em bovinos, com a confirmação do diagnóstico relacionado à pronta resposta à terapia com tiamina (diagnóstico terapêutico). Este estudo retrospectivo foi realizado com os bovinos encaminhados ao hospital veterinário durante 11 anos (1992-2002).

Foram relacionados apenas os animais que chegaram vivos e responderam à terapia com tiamina. Foram atendidos 19 bovinos de ambos os sexos, com idades variando de oito meses a cinco anos, cujos sinais apareceram de seis horas a 10 dias antes de serem encaminhados ao hospital veterinário. Quinze eram alimentados exclusivamente em pasto (com suplementação mineral em cocho), e em apenas duas propriedades ocorreu mais de um caso clínico. Os sinais clínicos mais importantes foram: decúbito lateral (n=13), incoordenação motora (5), perda parcial da acuidade visual (3), cegueira (14), reflexo papilar presente (16), diminuição da motilidade ruminal (16), diminuição do estado mental (14) e opistótomo (8). A presença de desidratação e fezes ressecadas estava diretamente ligada ao tempo de evolução do processo. Dois animais receberam medicação, ainda na propriedade, contendo pequenas doses de tiamina, o que provavelmente resultou em uma evolução mais lenta do processo.

Todos os animais tratados com vitamina B1, dois gramas, IV, BID, durante dois dias e, depois, dois gramas, IM, SID durante mais quatro dias, apresentaram melhora do quadro clínico entre quatro a 48 horas após a primeira medicação, quando se verificou que os animais em decúbito ficavam em posição quadrupedal espontaneamente. A melhora da acuidade visual foi mais lenta que a recuperação dos outros aspectos clínicos avaliados. Quanto maior o período decorrido entre o início dos sinais e o tratamento, maior a demora para o restabelecimento da visão. Dois animais permaneceram com déficit visual residual mesmo após 20 dias do tratamento.

O diagnóstico terapêutico da polioencefalomalácia, pela administração de tiamina nos casos originados por alterações no metabolismo da tiamina, é aceito por vários autores devido à dificuldade do diagnóstico laboratorial ante-mortem e, também, por atuar como diferencial de outras causas de problemas neurológicos e mesmo da polioencefalomalácia causada por excesso de enxofre (Loneragan et al., 1998; Nakazato et al., 2000; Singh et al., 2000; Gonçalves et al., 2001).

A polioencefalomalácia tem sido considerada enfermidade relacionada a dietas ricas em concentrado e pobres em fibras. Neste estudo, a maioria dos animais era criado em pasto e a doença ocorreu em casos isolados, não em surtos. Talvez a ingestão de tiaminases, ou período prolongado de ingestão de material fibroso de baixa qualidade, possa ter alterado a microbiota ruminal desencadeando o processo fisiopatológico que levou à diminuição da tiamina disponível. Em apenas um bovino da raça Red Angus foi diagnosticado acidose ruminal, devido ao excesso de ingestão de carboidratos, como evento desencadeante da polioencefalomalácia. Esse animal apresentou laminite antes dos sinais neurológicos.

A maioria dos animais acometidos (aproximadamente 53%) tinha em torno de 18 meses de idade, e apenas cinco eram mais velhos, confirmando os trabalhos anteriores, que descrevem a polioencefalomalácia como doença de animais jovens até 18 meses de idade (McGuirk, 1987; Sager et al., 1990; Moro et al., 1994; Gonçalves et al., 2001).

Gonçalves et al. (2001) observaram como sinais clínicos predominantes cegueira (100%), incoordenação (78,6%) e atonia ruminal (78,6%), esses sinais foram confirmados por este estudo, com exceção da incoordenação motora, só observada em cinco animais. Essa diferença está relacionada ao tempo de evolução da doença quando o animal foi encaminhado ao hospital, pois 13 deles, ao serem atendidos, apresentavam decúbito lateral permanente e um, decúbito esternal permanente.

Conclui-se que o diagnóstico clínico pode ser adequadamente realizado com a cuidadosa observação dos sinais neurológicos, principalmente pela presença de cegueira, com reflexo pupilar intacto, associada à pronta resposta à administração de tiamina. O tratamento instituído nessas condições foi adequado para uma rápida resposta do animal, servindo como diagnóstico diferencial com outras enfermidades do sistema nervoso.

Recebido em 11 de fevereiro de 2005

Aceito em 22 de novembro de 2006

E-mail: lmendes@fmva.unesp.br

  • GEORGE, L.W. Polioencephalomalacia (polio, cerebrocortical necrosis). In: SMITH, B.P. Large animal internal medicine 2.ed. St Louis: Mosby-Year Book, 1996. p.1055-1062.
  • GONÇALVES, R.C.; VIANA, L.; SEQUEIRA, J.L. et al. Aspectos clínicos, anatomopatológicos e epidemiológicos da polioencefalomalácia em bovinos, na região de Botucatu, SP. Vet. Not, v.7, p.53-57, 2001.
  • JEFFREY, M.; DUFF, J.P.; HIGGINS, R.J. et al. Polioencephalomalacia associated with the ingestion of ammonium sulphate by sheep and cattle. Vet. Rec, v.134, p.343-348, 1994.
  • LONERAGAN, G.; GOULD, D. Polioencephalomalacia (Cerebrocortical necrosis). In: SMITH, B.P. Large animal internal medicine 3.ed. St Louis: Mosby, 2002. p.920-926.
  • LONERAGAN, G.H.; GOULD, D.H.; CALLAN, R.J. et al. Association of excess sulfur intake and an increase in hydrogen sulfide concentrations in the ruminal gas cap of recently weaned beef calves with polioencephalomalacia. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.213, p.1599-1604, 1998.
  • McALLISTER, M.M.; GOULD, D.H.; RAISBECK, M.F. et al. Evaluation of ruminal sulfide concentrations and seasonal outbreaks of polioencephalomalacia in beef cattle in a feedlot. J. Am. Vet. Med. Assoc., v.211, p.1275-1279, 1997.
  • McGUIRK, S. M. Polioencephalomalacia. Vet. Clin. N. Am, v.3, p.107-117, 1987.
  • MORO, L.; NOGUEIRA, R.H.G.; CARVALHO, A.U. et al. Relato de três casos de polioencefalomalácia em bovinos. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec, v.46, p.409-416, 1994.
  • NAKAZATO, L.; LEMOS, R.A.; RIET-CORREA, F. Polioencefalomalacia em bovinos nos estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo. Pesq. Vet. Bras., v.20, p.119-125, 2000.
  • SAGER, R.L.; HAMAR, D.W.; GOULD, D.H. Clinical and biochemical alterations in calves with nutritionally induced polioencephalomalacia. Am. Vet. Res., v.51, p.1969-1974, 1990.
  • SINGH, R.K.; SHARMA, S.N.; VASHISHTHA, M.S. Clinical and haemato-biochemical studies in experimental polioencephalomalacia in calves. Indian Vet. J., v.77, p.216-218, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Aceito
    22 Nov 2006
  • Recebido
    11 Fev 2005
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária Caixa Postal 567, 30123-970 Belo Horizonte MG - Brazil, Tel.: (55 31) 3409-2041, Tel.: (55 31) 3409-2042 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: abmvz.artigo@gmail.com