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Efeito da inclusão do caroço de algodão sobre o consumo, digestibilidade e balanço da energia em dietas para ovinos

Effect of levels of whole cottonseed in the diet of sheep on intake, digestibility and energy balance

Resumos

Vinte e cinco carneiros castrados, em delineamento inteiramente ao acaso, foram utilizados para avaliar o efeito de níveis crescentes de inclusão (0, 12, 24, 35 e 45%) de caroço de algodão integral (Gossypium hirsutum) à dieta básica de feno de "Tifton 85" (Cynodon spp.) sobre a digestibilidade aparente da energia bruta, sobre os consumos de energia digestível e metabolizável por unidade de tamanho metabólico, e sobre o balanço energético. O consumo de energia digestível aumentou até o nível de 24% de inclusão de caroço de algodão integral (192,58 Kcal/kg0,75/dia). O balanço energético foi positivo para todas as dietas em virtude do atendimento aos requisitos energéticos de mantença. Os animais que receberam 24% de inclusão do caroço de algodão integral à dieta tiveram maior consumo de energia e melhores digestibilidade e balanço energético.

Ovino; lipídeos; energia; Tifton 85


Twenty five castrated male sheep in a completely randomized design were used to evaluate the effect of increasing level of whole cottonseed (Gossypium hirsutum) (0, 12, 24, 35 and 45%) to a basic diet of Tifton 85's hay (Cynodon spp.) on apparent digestibility of crude energy and consumption of digestible and metabolizable energy per unit of metabolic size and energy balance. Consumption of digestible energy increased to 24% of addition of whole cottonseed (192.58 Kcal/kg0,75/day). Since the energy requirements were supplied, the energy balance was positive for all diets. Animals fed on 24% whole cottonseed diets had higher energy comsuption, digestibility and energy balance.

Sheep; fat; energy; Tifton 85


Efeito da inclusão do caroço de algodão sobre o consumo, digestibilidade e balanço da energia em dietas para ovinos

[Effect of levels of whole cottonseed in the diet of sheep on intake, digestibility and energy balance]

M.C.P. Rogério, I. Borges, D.A.B. Teixeira, N.M. Rodriguez, L.C. Gonçalves, A.G.M. Silva

Escola de Veterinária da UFMG

Caixa Postal 567

31310-200 - Belo Horizonte, MG

Recebido para publicação em 28 de setembro de 2001

Recebido para publicação, após modificações, em 15 de julho de 2002

Apoio financeiro: FAPEMIG, CAPES.

E-mail: mcpr75@hotmail.com

RESUMO

Vinte e cinco carneiros castrados, em delineamento inteiramente ao acaso, foram utilizados para avaliar o efeito de níveis crescentes de inclusão (0, 12, 24, 35 e 45%) de caroço de algodão integral (Gossypium hirsutum) à dieta básica de feno de "Tifton 85" (Cynodon spp.) sobre a digestibilidade aparente da energia bruta, sobre os consumos de energia digestível e metabolizável por unidade de tamanho metabólico, e sobre o balanço energético. O consumo de energia digestível aumentou até o nível de 24% de inclusão de caroço de algodão integral (192,58 Kcal/kg0,75/dia). O balanço energético foi positivo para todas as dietas em virtude do atendimento aos requisitos energéticos de mantença. Os animais que receberam 24% de inclusão do caroço de algodão integral à dieta tiveram maior consumo de energia e melhores digestibilidade e balanço energético.

Palavras-chave: Ovino, lipídeos, energia, Tifton 85

ABSTRACT

Twenty five castrated male sheep in a completely randomized design were used to evaluate the effect of increasing level of whole cottonseed (Gossypium hirsutum) (0, 12, 24, 35 and 45%) to a basic diet of Tifton 85's hay (Cynodon spp.) on apparent digestibility of crude energy and consumption of digestible and metabolizable energy per unit of metabolic size and energy balance. Consumption of digestible energy increased to 24% of addition of whole cottonseed (192.58 Kcal/kg0,75/day). Since the energy requirements were supplied, the energy balance was positive for all diets. Animals fed on 24% whole cottonseed diets had higher energy comsuption, digestibility and energy balance.

Keywords: Sheep, fat, energy, Tifton 85

INTRODUÇÃO

A inclusão de caroço integral de algodão em alta concentração em dietas para ovinos (50% do total) faz com que a energia bruta seja mais baixa do que em dietas contendo baixa concentração de caroço de algodão (24% do total). Isso ocorre em função da maior quantidade de caroço de algodão nas sobras (maior refugo). Sabe-se ainda que a quantidade de energia bruta dissipada como metano é significativamente mais baixa na dieta com alta concentração de caroço de algodão (3,9%; Arieli, 1992). Esses resultados indicam a tendência de maior metabolizabilidade da energia bruta a partir do consumo de alta concentração.

Mudanças no balanço energético induzidas pela inclusão do caroço integral de algodão nas dietas foram mais pronunciadas em níveis de inclusão do caroço de algodão superiores a 25% do total em matéria seca da dieta. Quando o caroço de algodão foi incluído como 250g/kg de dieta em ovinos houve decréscimo de 8% na produção de calor metabólico (Arieli, 1994).

Este trabalho objetivou analisar os consumos de energia bruta, de energia digestível e de energia metabolizável e determinar os coeficientes de digestibilidade e o balanço energético de dietas contendo níveis crescentes de caroço integral de algodão.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi conduzido no Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária da UFMG. O caroço de algodão (Gossypium hirsutum), proveniente do sul da Bahia, caracteriza-se como do tipo comercial "alto línter", com maior conteúdo de fibra, segundo classificação de Arieli (1998). O feno foi feito a partir da gramínea Tifton 85 (Cynodon spp.) e adquirido da empresa Haras Sahara, localizada no município de Matozinhos-MG.

Foram utilizados 25 carneiros machos castrados com média de peso vivo de 40kg. O delineamento experimental foi inteiramente ao acaso, com cinco tratamentos e cinco repetições. A composição química das dietas consta da Tab. 1. Os tratamentos consistiram de caroço de algodão em níveis 0, 12, 24, 35 e 45% de inclusão à dieta básica de feno de Tifton 85.

Os ovinos foram previamente desverminados, tosquiados, pesados no início do período de adaptação e alojados em gaiolas metabólicas contendo dispositivos apropriados para colheita de urina e fezes. O período de adaptação às dietas e às gaiolas foi de 15 dias e o período de colheita (experimental) de sete dias. O peso foi utilizado para o cálculo do consumo em gramas por unidade de tamanho metabólico (UTM) e conseqüente ajuste da quantidade de sobras. As dietas foram divididas em duas refeições iguais e oferecidas às 7 e 18h. Buscou-se sempre deixar sobra média (em matéria seca) entre 15 e 20% por dia. Água e sal mineralizado estiveram disponíveis à vontade. Amostras do alimento oferecido e sobras foram retiradas diariamente às 6h e 30min, pesadas e guardadas em sacos plásticos.

A produção total de fezes foi recolhida dos coletores fecais e pesada, retirando-se alíquota de 20%. Este material foi embalado em sacos plásticos individuais e guardados em câmara frigorífica (-10ºC). No final do experimento foram descongeladas à temperatura ambiente por cerca de 14 horas, passadas em peneira de malha grossa, homogeneizadas e pesadas. Após isso, foram acondicionadas em bandejas de alumínio e levadas à estufa de ventilação forçada (55 a 60ºC) para a determinação da matéria pré-seca e, em seguida, moídas com peneira de 1mm e acondicionadas em recipientes plásticos para futuras análises.

Nos baldes coletores de urina foram adicionados 100ml de ácido clorídrico (HCl 2N) na véspera de cada colheita, evitando-se assim possíveis processos fermentativos. O volume total de líquido foi pesado, retirando-se para cada carneiro uma alíquota de 20% do volume total colhido a cada dia, a qual foi filtrada em gaze, acondicionada em frascos plásticos e imediatamente guardados em câmara frigorífica.

A determinação dos coeficientes de digestibilidade da energia bruta foi feita a partir da fórmula: [ (Consumo do nutriente em gramas - quantidade em gramas do nutriente nas fezes)/Consumo do nutriente em gramas] /100.

Obteve-se a energia bruta (EB) em calorímetro adiabático tipo PARR 2081. A urina foi previamente desidratada em recipientes plásticos para permitir sua combustão na bomba calorimétrica. Fez-se a queima de seis frascos vazios para referenciação da produção de calor do frasco individualmente. Utilizando-se a técnica direta de determinação de energia com bomba calorimétrica, calculou-se o valor da energia digestível e da energia metabolizável medindo-se a energia contida nas fezes, no alimento oferecido, na sobra do alimento e na urina.

Para o cálculo da energia metabolizável utilizou-se a fórmula de Blaxter & Clapperton (1965). A produção de metano foi estimada pela equação: Cm = 0,67 + 0,062 D, na qual Cm = produção de metano em Kcal/100 Kcal de energia consumida e D = digestibilidade aparente da energia bruta do alimento.

As análises estatísticas foram feitas mediante o uso do software SAEG 7.0 (Sistem..., 1995) para o processamento, e o teste SNK a 5% para comparação de médias. Foi também observado o coeficiente de correlação entre as variáveis para se saber se a variação de uma delas acompanha proporcional ou inversamente a variação da outra conforme recomendou Sampaio (1998).

Foram realizadas regressões dos consumos e dos coeficientes de digestibilidade em relação aos níveis de caroço de algodão das dietas, por meio de diferentes modelos (lineares, polinomiais, logarítmicos e exponenciais) para escolha daquele que melhor se ajustasse às observações, respeitando-se a interpretação da característica biológica estudada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo o Nutrient... (1985), a exigência de mantença de ovinos é de 128,7Kcal de ED/UTM/dia, e essa ingestão foi ultrapassada em todos os tratamentos.

Os consumos de matéria seca e energia e os coeficientes de digestibilidade da energia são apresentados na Tab. 2.

Percebe-se que não houve efeito inibitório da inclusão em altos teores de caroço de algodão sobre os consumos de matéria seca e de energia bruta, conferindo com os trabalhos de Souto et al. (1990) e Sridhar et al. (1996). Rode et al. (1985) postularam haver influência negativa da suplementação com gordura sobre os consumos de matéria seca e energia bruta. Mahgoub et al. (2000) verificaram aumento de consumo com o aumento de proporção de grãos na dieta. Essas controvérsias, segundo Palmquist & Jenkins (1980), são normais em função do impacto da gordura na dieta sofrer influência da fonte, processamento e nível de inclusão do suplemento. Arieli (1998) creditou a influência também às condições ambientais e fatores dietéticos sobre as respostas de consumo. Coppock & Wilks (1991) sugeriram a identificação de causas somente quando há reduções de consumo, associando-as a odores ou gostos desagradáveis e/ou efeitos digestivos sobre a taxa de passagem.

Gagliostro & Chillard (1991) citaram que a regulação do consumo de matéria seca é feita pela ingestão de energia pelo animal, o que está de acordo com a alta correlação entre consumo de energia bruta (kg0,75) e de matéria seca (kg0,75) obtida (r =0,8685; P<0,05).

O consumo de energia digestível alcançou maior valor quando se incluiu caroço de algodão no nível de 24% do total da dieta. Comportamento semelhante foi observado com o coeficiente de digestibilidade que aumentou significativamente já no primeiro nível de inclusão de caroço e se estabilizou a partir daí.

O tratamento que incluiu 24% de caroço de algodão na dieta apresentou maior consumo de energia metabolizável do que aquele com 0% de caroço de algodão. A correlação entre o consumo de energia metabolizável por unidade de tamanho metabólico e o consumo de energia digestível por unidade de tamanho metabólico foi alta (r=0,9322; P<0,05). O aumento do consumo de energia digestível até 24% de inclusão de caroço provavelmente resultou dos maiores valores de digestibilidade da energia bruta das dietas suplementadas com caroço de algodão.

Pentreath (2000) obteve aumento nos consumos de energia bruta e energia digestível até o nível de 9% de inclusão de semente de girassol aos 91% de feno de Tifton 85 e estabilização no consumo a partir desse nível. Os consumos foram inferiores aos encontrados neste trabalho. Quanto ao coeficiente de digestibilidade, Pentreath (2000) encontrou constância nos valores percentuais, evidenciando diminuição no tratamento com maior inclusão de semente de girassol (22,2% de inclusão). Os valores foram bem semelhantes aos aqui encontrados e variaram de 50,3% até 57,5%. A análise de regressão para os coeficientes de digestibilidade da energia bruta determinou uma equação linear ascendente representada na Fig. 1.


No nível zero de inclusão de caroço de algodão o coeficiente de digestibilidade da energia bruta foi de 49,7% (valor mínimo). Na inclusão máxima de caroço de algodão (100%) a digestibilidade máxima foi estimada em 69,5%. Faz-se necessário ressaltar que o R2 da equação não apresentou a mesma confiabilidade da análise de variância que teve significância superior a 95%.

Rodriguez (1984) encontrou valor máximo de digestibilidade da energia de 64,1% com a inclusão de 21,1% de farelo de arroz na ração e valor mínimo de 55,5% quando o nível de farelo de arroz foi de 53,9%.

Para verificação do nível ótimo de inclusão de caroço de algodão às dietas de ovinos quanto ao consumo de energia metabolizável foi obtida a equação de regressão representada pela Fig. 2.


Resolvendo dy/dx=0 encontrou-se como nível ótimo de inclusão 26,6%, que representa consumo médio diário de energia metabolizável por unidade de tamanho metabólico de 179,54 gramas.

Em seguida demonstrou-se a relação existente entre o teor de energia metabolizável e a inclusão de caroço de algodão. Resolvendo dy/dx=0 encontrou-se como nível ótimo de inclusão de caroço quanto ao teor de energia metabolizável 25,1%. É importante destacar que a partir desse percentual de inclusão de caroço começou a ocorrer o declínio do teor de energia metabolizável (Fig. 3).


Baseado nessa informação e com o intuito de estimar o valor energético do caroço e o valor energético do feno incluindo efeitos associativos com o caroço de algodão obteve-se a Fig. 4 com os pontos existentes antes da inflexão da curva.


Em função dessa equação linear, se a quantidade de caroço de algodão (x) fosse de 100%, obter-se-ia para o caroço de algodão valor energético de 5,04 Kcal de EM/kgMS e se fosse 0%, o valor energético do feno incluindo o efeito associativo seria de 2,26 Kcal de EM/kgMS.

CONCLUSÕES

O aumento do nível de caroço de algodão dietético elevou a metabolizabilidade das rações. A inclusão do caroço de algodão em 24% do total das dietas apresentou os melhores resultados quanto ao consumo e digestibilidade da energia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2003
  • Data do Fascículo
    Out 2002

Histórico

  • Revisado
    15 Jul 2002
  • Recebido
    28 Set 2001
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