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Estratégias alimentares na larvicultura do peixe ornamental amazônico acará-severo (Heros severus) (Heckel, 1840)

Feeding strategies on larval rearing of severum (Heros severus) (Heckel, 1840), Amazonian ornamental fish

RESUMO

Com o presente estudo, objetivou-se avaliar o tempo de fornecimento de náuplios de artêmia e o período de transição alimentar para pós-larvas de acará-severo (Heros severus). Foram utilizadas 450 pós-larvas de acará-severo, distribuídas em 45 aquários, em delineamento inteiramente ao acaso, em esquema fatorial 3x5, com três repetições. Foram avaliados três períodos de fornecimento de náuplios de artêmia: zero, cinco e 10 dias. Além disso, foram testados cinco períodos de transição alimentar: um, dois, três, quatro e cinco dias, quando os animais receberam alimentação conjunta de náuplios de artêmia e dieta farelada. Ao final do experimento, os peixes foram contados, pesados e fotografados, para avaliação do desempenho produtivo e das variáveis morfométricas. Para todos os parâmetros avaliados, não foi constatada interação entre o tempo de fornecimento de artêmia e o período de transição alimentar. Os animais alimentados por 10 dias com náuplios de artêmia apresentaram os melhores resultados de desempenho e as maiores variáveis morfométricas. Os peixes que receberam alimentação conjunta por três dias apresentaram desenvolvimento satisfatório. Dessa forma, recomendam-se 10 dias de fornecimento de náuplios de artêmia e três dias de transição alimentar, antes de se iniciar o fornecimento exclusivo de dieta inerte para pós-larvas de acará-severo.

Palavras-chave:
náuplios de artêmia; transição alimentar; piscicultura ornamental; manejo alimentar

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the supply time of artemia and the period of food transition to post-larvae of severum (Heros severus). A total of 450 post-larvae of severum were distributed in 45 aquaria, in a completely randomized design, in a 3x5 factorial scheme, with three replicates. Three feeding periods with artemia nauplii were evaluated: zero, five, and ten days. In addition, five feeding transitions were tested: one, two, three, four and five days, when the animals received joint feeding of artemia nauplii and dry diet. At the end of the experiment the fish were counted, weighed and photographed, to evaluate the productive performance and the morphometric variables. For all parameters evaluated, no interaction between the time of artemia supply and the feeding transition period was observed. Animals fed for 10 days with artemia nauplii showed the best performance results and the highest morphometric variables. The fish that received joint feeding for three days presented satisfactory development. Thus, 10 days of artemia nauplii supply and three days of feeding transition is recommended before starting the exclusive supply of diet inert to post-larvae of severum.

Keywords:
artemia nauplii; food transition; food management; ornamental fish farming

INTRODUÇÃO

Na piscicultura ornamental, o acará-severo (Heros severus), peixe da família dos ciclídeos, destaca-se pela boa adaptação ao cativeiro. Além disso, essa espécie é procurada no mercado devido à grande exuberância e coloração de seus exemplares. O acará-severo é originário dos rios Orinoco, Amazonas e Negro, e encontrado principalmente no Brasil, na Venezuela e na Colômbia (Kullander, 2003KULLANDER, S.O. Family Cichlidae (Cichlids). In: REIS, R.E.; KULLANDER, S.O.; FERRARIS, C.J.J. (Eds.). Check list of the freshwater fishes of South and Central America. Porto Alegre: Edipucrs, 2003. p.605-654.). Na natureza, alimenta-se de pequenos invertebrados e material vegetal; quando criados em cativeiro, aceitam facilmente qualquer tipo de dieta (Alishahi et al., 2014ALISHAHI, M.; KARAMIFAR, M.; MESBAH, M.; ZAREI, M. Hemato-immunological responses of Heros severus fed diets supplemented with different levels of Dunaliella salina. Fish. Physiol. Biochem., v.40, p.57-65, 2014.). É um peixe pacífico, mas pode apresentar territorialismo nos períodos de reprodução (Stawikowski e Werner, 1998STAWIKOWSKI, R.; WERNER, U. (Eds.). Die Buntbarsche Amerikas, band 1. Stuttgart, Germany: Verlag Eugen Ulmer, 1998. 50p.). As fêmeas dessa espécie podem depositar entre 200 e 1000 ovos, apresentam cuidado parental e têm preferência por desovar em substratos como rochas ou galhos (Kullander, 2003).

A produção de juvenis de peixes de alta qualidade e em larga escala constitui fator-chave para o crescimento sustentável da indústria da aquicultura (Conceição et al., 2009CONCEIÇÃO, L.E.C.; ARAGÃO, C.; RICHARD, N. et al. Avanços recentes em nutrição de larvas de peixes. Rev. Bras. Zootec., v.38, p.26-35, 2009. ). Na produção de peixes, a larvicultura pode ser considerada uma das fases mais críticas, principalmente devido à falta de conhecimentos básicos sobre as necessidades e os manejos nutricionais durante essa fase (Mohamed et al., 2012MOHAMED, A.A.; EL-GALIL, A.; ABOELHADID, S.M. Trials for the control of trichodinosis and gyrodactylosis in hatchery reared Oreochromis niloticus fries by using garlic. Vet. Parasitol., v.185, p.57-63, 2012.). Larvas de peixes altriciais apresentam escassa reserva de vitelo e não aproveitam, de maneira eficiente, o alimento inerte (Kolkovski, 2001KOLKOVSKI, S. Digestive enzimes in fish larvae and juveniles-implications and applications to formulated diets. Aquaculture, v.200, p.181-201, 2001), uma vez que não possuem sistema digestório completamente formado no momento em que iniciam a alimentação exógena, sendo dependentes de alimentos vivos (Cahu e Zambonino, 2001CAHU, C.; ZAMBONINO-INFANTE, J.L. Substitution of live food by formulated diets in marine fish larvae. Aquaculture, v.200, p.161-180, 2001.; Tesser et al., 2005TESSER, M.B.; CARNEIRO D.J.; PORTELLA, M.C. Co-feeding of pacu (Piaractus mesopotamicus, Holmberg, 1887) larvae with Artêmia nauplii and microencapsulated. J. Appl. Aquacult., v.17, p.47-59, 2005. ).

A substituição muito precoce do alimento vivo pelo inerte pode levar à redução no crescimento e na sobrevivência das pós-larvas (Puello-Cruz et al., 2010; Jelkic et al., 2012JELKIC, D.; OPACAK, A.; STEVIC, I. et al. Rearing carp larvae (Cyprinus carpio) in closed recirculatory system. Croatian J. Fish., v.70, p.9-17, 2012.). Dessa forma, torna-se importante a adoção de estratégias para substituir gradualmente o alimento vivo pelo alimento inerte, assim como determinar o período ideal para se realizar a supressão total do alimento vivo (Portella e Dabrowski, 2008PORTELLA, M.C.; DABROWSKI, K. Diets, physiology, biochemistry and digestive tract development of freshwater fish larvae. In: CYRINO, J.E.P.; BUREAU, D.; KAPOOR, B.G. (Eds.). Feeding and digestive functions in fishes. Londres: Science Publishers, 2008. p.227-279.). A lógica do emprego da alimentação conjunta é adaptar precocemente o peixe à captura, ingestão, digestão e absorção dos nutrientes do alimento inerte, evitando a redução das taxas de crescimento e o aumento das taxas de mortalidade que uma transição alimentar brusca pode gerar (Tesser e Portella, 2006TESSER, M.B.; PORTELLA, M. Ingestão de ração e comportamento de larvas de pacu em resposta a estímulos químicos e visuais. Rev. Bras. Zootec., v.35, p.1887-1892, 2006.; Jomori et al., 2008JOMORI, R.K.; CARNEIRO, D.J.; GERALDO-MARTINS, M.I.E.; PORTELLA, M.C. Stable carbon (δ13C) and nitrogen (δ15N) isotopes as natural indicators of live and dry food in Piaractus mesopotamicus (Holmberg, 1887) larval tissue. Aquacult. Res., v.39, p.370-381, 2008. ). Assim, com o presente trabalho, objetiva-se avaliar o tempo ideal de fornecimento de náuplios de artêmia e o melhor período de transição entre o alimento vivo e a dieta inerte, para pós-larvas de acará-severo (Heros severus).

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado no Laboratório de Piscicultura (Lapis), da Faculdade de Engenharia de Pesca, do Instituto de Estudos Costeiros, da Universidade Federal do Pará - Campus Bragança, e aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal do Pará, Ceua/UFPA (Processo nº 7656100517).

Foram utilizadas 450 pós-larvas de acará-severo, com sete dias após a eclosão, apresentando peso e comprimento padrão médios de 2,25±0,35mg e 4,89±0,17mm, respectivamente. As pós-larvas foram obtidas por meio da reprodução dos casais no Laboratório de Piscicultura. Após a absorção do saco vitelínico, os peixes foram distribuídos aleatoriamente em 45 aquários, com volume de 1L, na densidade de uma pós-larva para cada 100mL de água. Os aquários possuíam aeração individual, realizada através de mangueira de 2mm ligadas a um compressor radial. O laboratório foi mantido em fotoperíodo de 12 horas.

O experimento foi conduzido em delineamento inteiramente ao acaso, em esquema fatorial 3x5, com três repetições. Foram avaliados três períodos de fornecimento de náuplios de artêmia: zero, cinco e 10 dias. Além disso, foram testados cinco períodos de transição alimentar: um, dois, três, quatro e cinco dias, quando os animais receberam alimentação conjunta de náuplios de artêmia e dieta seca. Após cada período de transição alimentar, as pós-larvas passaram a receber apenas a dieta, até completarem 30 dias de alimentação.

A frequência alimentar foi de quatro vezes ao dia, nos horários de oito, 11, 14 e 17 horas. A quantidade de alimento vivo fornecida foi de 250 náuplios de artêmia/pós-larva/dia, conforme preconizado por Abe et al. (2016ABE, H.A.; DIAS, A.R.; REIS, R.G.A. et al. Manejo alimentar e densidade de estocagem na larvicultura do peixe ornamental amazônico Heros severus. Bol. Inst. Pesca, v.42, p.514-522, 2016.). No período de transição alimentar, a quantidade foi ajustada para 150 náuplios de artêmia/pós-larva/dia e a ração foi ofertada até a saciedade aparente dos animais. Após a alimentação das 11 e 17 horas, todas as unidades experimentais eram sifonadas, sendo trocados aproximadamente 50% do volume útil de cada aquário, para a eliminação das fezes e possíveis resíduos alimentares, garantindo-se, assim, a qualidade da água e o bem-estar das pós-larvas.

A dieta utilizada foi formulada para conter 42% de proteína bruta e 4200kcal/kg de energia bruta (Tab. 1). Após a formulação, os macroingredientes foram moídos e misturados aos microingredientes nas respectivas proporções. Em seguida, as dietas foram umedecidas, com 25% de água a 50ºC, peletizadas em moedor elétrico (G.PANIZ, MCR-22, SP, Brasil), secas em estufa de ventilação forçada (QUIMIS, SP, Brasil) a 50°C e armazenadas em refrigerador, na temperatura de 10°C. Antes de serem fornecidas aos peixes, as dietas foram trituradas para que o tamanho dos péletes se adequasse à abertura bucal das pós-larvas.

Tabela 1
Valores da composição percentual e química da dieta fornecida às pós-larvas de acará-severo (Heros severus)

Para o cultivo do alimento vivo, foram eclodidos diariamente 5g/L de cistos de artêmia em recipiente transparente com água salinizada na concentração de 35g/L de sal. Os recipientes foram mantidos sob iluminação artificial durante 24 horas, com o auxílio de lâmpadas fluorescentes (15W) e aeração adequada. Após a eclosão, os náuplios de artêmia foram retirados por sifonagem, lavados em água corrente para retirada da água salinizada e transferidos para um béquer de 200mL. Em seguida, foi efetuada a estimativa da densidade de náuplios, determinando-se o número de náuplios contidos em uma amostra de 0,5mL do béquer. A contagem dos náuplios foi realizada com o auxílio de placa de Petri, sob estereomicroscópio com aumento de 40x. Depois de estimada a densidade de náuplios, foi calculado o volume do béquer a ser fornecido em cada unidade experimental.

Diariamente foram monitorados os parâmetros de pH, temperatura (ºC) e oxigênio dissolvido (mg/L) da água dos aquários. A medição foi realizada por meio de aparelho multiparâmetro (YSI-556 MPS). Além disso, os níveis de amônia total (mg/L) da água foram mensurados a cada dois dias, por meio de Kit LabconTest (Indústria e Comércio de Alimentos Desidratados Alcon Ltda., Brasil). Os parâmetros de qualidade da água foram semelhantes entre os tratamentos. Os valores de temperatura, oxigênio dissolvido, pH e amônia total foram, respectivamente, 26,34±0,3ºC; 6,95±0,7mg/L; 7,14±0,3 e 0,50±0,2mg/L.

Após término do experimento, os peixes foram contabilizados e pesados em balança analítica com precisão de 0,1mg (GEHAKA AG 200) para determinação dos parâmetros de peso final, ganho de peso (GP), GP = peso final - peso inicial, taxas de crescimento específico (TCE), TCE = ((ln peso final - ln peso inicial)/número de dias) *100, uniformidade do lote para peso (UP), UP = (número de peixes com peso±20% da média)/número total de peixes por unidade experimental) *100 e taxa de sobrevivência (TS), TS = (número final de peixes/número inicial de peixes) *100.

As pós-larvas também foram fotografadas com câmera digital FinePIX S2800HD, por meio de estereomicroscópio. As imagens foram analisadas pelo pacote de análise de imagens ImagePro-Plus®, para determinação das seguintes variáveis morfométricas: comprimento padrão (CP), comprimento de cabeça (CC), comprimento de tronco (CTR), comprimento pós-anal (CPA), altura de cabeça (AC) e altura do corpo (ACO). As referidas medidas estão de acordo com o preconizado por Alvarado-Castillo (2010).

As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o software SAEG (Sistema..., 2007). Foi avaliada a normalidade e a homocedasticidade dos dados pelos testes de Lilliefors e Bartlett, respectivamente. Em seguida, foi realizada análise de variância (ANOVA) e, quando apresentada diferença (P<0,05), foi empregado o teste de Tukey a 5% de significância.

RESULTADOS

Para todos os parâmetros avaliados, não foi constatada interação entre o tempo de fornecimento de náuplios de artêmia e o período de transição alimentar. Em todos os tratamentos, as pós-larvas apresentaram taxas de sobrevivência e uniformidade do peso satisfatório, independentemente do tempo de fornecimento de artêmia e do período de transição alimentar (Tab. 2).

Tabela 2
Desempenho produtivo (média±desvio-padrão) de pós-larvas de acará-severo (Heros severus) submetido a diferentes estratégias de alimentação

Os animais alimentados por 10 dias com náuplios de artêmia apresentaram os melhores resultados de peso final em relação aos animais alimentados por zero e cinco dias; essa mesma tendência foi observada para o ganho de peso e a taxa de crescimento específico. Em relação ao período de transição alimentar, os peixes que receberam alimentação conjunta por cinco, quatro e três dias apresentaram valores de peso final, ganho de peso e taxa de crescimento específico estatisticamente iguais (Tab. 2).

Da mesma forma que para o desempenho produtivo, não foi constatada interação entre o tempo de fornecimento de náuplios de artêmia e o período de transição alimentar para as variáveis morfométricas avaliadas. As pós-larvas que receberam artêmia por 10 dias apresentaram as maiores variáveis morfométricas. Com relação à transição alimentar, os peixes que passaram por quatro e cinco dias de alimentação conjunta apresentaram resultados estatisticamente iguais para comprimento padrão, comprimento de cabeça e comprimento pós-anal (Tab. 3).

Tabela 3
Variáveis morfométricas (média±desvio-padrão) de pós-larvas de acará-severo (Heros severus) submetido a diferentes estratégias de alimentação

DISCUSSÃO

No presente estudo, os animais alimentados por 10 dias com náuplios de artêmia apresentaram os melhores resultados de peso final, ganho de peso e taxa de crescimento específico. Para pós-larvas de acará-bandeira (Pterophyllum scalare), 20 dias de alimentação com artêmia é o período ideal para iniciar a transição alimentar (Pereira et al., 2016PEREIRA, S.L.; GONÇALVES JUNIOR, L.P.; AZEVEDO, R.V. et al. Diferentes estratégias alimentares na larvicultura do acará-bandeira (Peterolophyllum scalare, Cichlidae). Acta Amaz., v.46, p.91-98, 2016.). Para não prejudicar a sobrevivência e o crescimento de pós-larvas de beta (Betta splendens), foram recomendados 15 dias de oferta de artêmia (Fosse et al., 2013FOSSE, P.J.; MATTOS, D.C.; CARDOSO, L.D. et al. Estratégia de co-alimentação na sobrevivência e no crescimento de larvas de Betta splendens durante a transição alimentar. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.65, p.1801-1807, 2013.). Azevedo et al. (2016AZEVEDO, R.V.; FOSSE FILHO, J.C.; PEREIRA, S.L. et al. Prebiótico, probiótico e simbiótico para larvas de Trichogaster leeri (Bleeker, 1852, Perciformes, Osphronemidae). Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.25, p.795-804, 2016.) constataram que 12 dias de fornecimento de artêmia foram suficientes para pós-larvas de tricogaster (Trichogaster leeri), desde que a dieta seja suplementada com o simbiótico mananoligossacarídeo + B. subtilis.

A presença de enzimas digestivas nos organismos utilizados como alimento vivo pode proporcionar maior digestibilidade e melhor aproveitamento desse tipo de alimento pelos peixes, principalmente para as pós-larvas, que não possuem sistemas digestório e enzimático completamente desenvolvidos (Portella e Dabrowski, 2008PORTELLA, M.C.; DABROWSKI, K. Diets, physiology, biochemistry and digestive tract development of freshwater fish larvae. In: CYRINO, J.E.P.; BUREAU, D.; KAPOOR, B.G. (Eds.). Feeding and digestive functions in fishes. Londres: Science Publishers, 2008. p.227-279.). O alimento vivo também proporciona estímulos visuais e químicos, o que o torna mais atrativo para os peixes quando comparado às dietas artificiais (Tesser e Portella, 2006TESSER, M.B.; PORTELLA, M. Ingestão de ração e comportamento de larvas de pacu em resposta a estímulos químicos e visuais. Rev. Bras. Zootec., v.35, p.1887-1892, 2006.). Dessa forma, para obtenção de taxas de sobrevivência e crescimento satisfatórias, a utilização do alimento vivo se torna extremamente importante no início da alimentação exógena de algumas espécies (Jomori et al., 2005JOMORI, R.K.; CARNEIRO, D.J.; GERALDO-MARTINS, M.I.E.; PORTELLA, M.C. Economic evaluation of Piaractus mesopotamicus juvenile production in different rearing systems. Aquaculture, v.243, p.175-183, 2005. ). Por outro lado, segundo Pereira et al. (2016PEREIRA, S.L.; GONÇALVES JUNIOR, L.P.; AZEVEDO, R.V. et al. Diferentes estratégias alimentares na larvicultura do acará-bandeira (Peterolophyllum scalare, Cichlidae). Acta Amaz., v.46, p.91-98, 2016.), quanto maior o tempo de fornecimento de náuplios de artêmia, menor a uniformidade do lote, devido principalmente ao estabelecimento de dominância entre as pós-larvas. Para o acará-severo, os diferentes tempos de fornecimento de náuplios de artêmia e períodos de transição alimentar não afetaram a uniformidade do peso e a taxa de sobrevivência das pós-larvas.

As pós-larvas que passaram por um ou dois dias de transição alimentar apresentaram os piores valores de desempenho produtivo e variáveis morfométricas. O desenvolvimento reduzido desses animais pode ser explicado por diversos fatores, como o consumo inadequado de alimento, a redução na absorção de nutrientes devido à rápida taxa de passagem do alimento pelo sistema digestório dos peixes (Luz e Portella, 2005LUZ, R.K.; PORTELLA, M.C. Frequência alimentar na larvicultura do trairão (Hoplias lacerdae). Rev. Bras. Zootec., v.34, p.1442-1448, 2005.), a vantagem estabelecida pelos animais dominantes no momento da alimentação (Gonçalves Júnior et al., 2014), assim como a baixa atratividade do alimento inerte. A estratégia de transição alimentar é utilizada com o objetivo de melhorar a aceitação das pós-larvas ao alimento inerte. Esse procedimento melhora a digestão e a absorção dos nutrientes, uma vez que a presença do alimento vivo influencia diretamente na atratividade, na palatabilidade e na ingestão da dieta, estimulando o apetite e condicionando as pós-larvas ao alimento seco (Jomori et al., 2005JOMORI, R.K.; CARNEIRO, D.J.; GERALDO-MARTINS, M.I.E.; PORTELLA, M.C. Economic evaluation of Piaractus mesopotamicus juvenile production in different rearing systems. Aquaculture, v.243, p.175-183, 2005. ; Tesser e Portella, 2006TESSER, M.B.; PORTELLA, M. Ingestão de ração e comportamento de larvas de pacu em resposta a estímulos químicos e visuais. Rev. Bras. Zootec., v.35, p.1887-1892, 2006.; Conceição et al., 2009CONCEIÇÃO, L.E.C.; ARAGÃO, C.; RICHARD, N. et al. Avanços recentes em nutrição de larvas de peixes. Rev. Bras. Zootec., v.38, p.26-35, 2009. ).

Para pós-larvas de acará-severo, três dias de alimentação conjunta foi suficiente para que os animais apresentassem desenvolvimento semelhante aos que passaram por quatro e cinco dias de transição alimentar. Quanto menor o tempo de fornecimento do alimento vivo, menor os gastos com mão de obra, o que torna a criação das pós-larvas menos onerosa, uma vez que a produção e o fornecimento dos alimentos vivos podem representar quase 80% do custo total da larvicultura (Ruyet, 1993RUYET, J.P.L. Marine fish larvae feeding: formulated diets or live prey. J. World Aquacult. Soc., v.24, p.211-224, 1993.; Coraspe-Amaral et al., 2012). Da mesma forma que no presente estudo, pós-larvas de jundiá (Rhamdia quelen) que receberam alimentação conjunta por três dias apresentaram melhores resultados de desempenho quando comparadas àquelas que passaram por zero e sete dias de transição (Behr et al., 2000BEHR, E.R.; TRONCO, A.P.; NETO, J.R. Ação do tempo e da forma de suplementação alimentar com Artêmia franciscana sobre a sobrevivência e o crescimento de larvas de jundiá. Cienc. Rural, v.30, p.503-507, 2000.). Esses autores concluíram que o fornecimento de alimento vivo é essencial para o desenvolvimento adequado da espécie. O mesmo tempo de transição alimentar, três dias, também foi recomendado por Coraspe-Amaral et al. (2012) e Pereira et al. (2016PEREIRA, S.L.; GONÇALVES JUNIOR, L.P.; AZEVEDO, R.V. et al. Diferentes estratégias alimentares na larvicultura do acará-bandeira (Peterolophyllum scalare, Cichlidae). Acta Amaz., v.46, p.91-98, 2016.), para pós-larvas de piaranha-do-pardo (Brycon sp.) e de acará-bandeira, respectivamente.

Compreender os processos envolvidos no crescimento animal, como mudanças no tamanho e na forma do corpo, expresso por medidas ou índices morfométricos, é fundamental para o estabelecimento de novas técnicas de manejo (Reist, 1985REIST, J.D. An empirical evaluation of several univariate methods that adjust for size variation in morphometric data. Can. J. Zool., v.63, p.1429-1439, 1985.; Santos et al., 2007SANTOS, V.B.; FREITAS, R.T.F.; LOGATO, P.V.R. et al. Rendimento do processamento de linhagens de tilápias (Oreochromis niloticus) em função do peso corporal. Ciênc. Agrotec., v.31, p.554-562, 2007.). Segundo Nakatani (2001NAKATANI, H.K. (Ed.). Ovos e larvas de peixes de água doce: desenvolvimento e manual de identificação. Maringá: Eletrobrás, 2001. 378p. ), as principais variáveis de crescimento são comprimento total, comprimento padrão, comprimento da cabeça e altura do corpo. Mudanças no manejo nutricional ocorridas durante as fases iniciais de criação podem refletir no crescimento alométrico dos peixes.

No presente trabalho, pós-lavas de acará-severo que receberam náuplios de artêmia por 10 dias apresentaram as maiores variáveis morfométricas. Com relação à transição alimentar, as pós-larvas apresentaram valores satisfatórios para a maioria das variáveis morfométricas a partir de três dias de alimentação conjunta, indicando que esse período é suficiente para realizar a troca do alimento vivo pelo alimento inerte. Pereira et al. (2016PEREIRA, S.L.; GONÇALVES JUNIOR, L.P.; AZEVEDO, R.V. et al. Diferentes estratégias alimentares na larvicultura do acará-bandeira (Peterolophyllum scalare, Cichlidae). Acta Amaz., v.46, p.91-98, 2016.) observaram a mesma relação durante a larvicultura do acará-bandeira e recomendaram três dias de transição alimentar com base no crescimento e na sobrevivência dos animais. Os autores também afirmam que as pós-larvas de acará-bandeira alimentadas com alimento vivo até 10º dia de vida, provavelmente, já apresentavam sistema digestório funcional, o que resultou em melhor aproveitamento do alimento inerte após a substituição do alimento vivo.

Manejo alimentar associando dietas secas a alimentos vivos proporcionam altos índices de crescimento e sobrevivência para diferentes espécies de peixes, principalmente em seus estágios iniciais de desenvolvimento (Furuya et al., 1999FURUYA, V.R.B.; HAYASHI, C.; FURUYA, W.M. et al. Influência de plâncton, dieta artificial e sua combinação sobre o crescimento e sobrevivência de larvas de curimbatá (Prochilodus lineatus). Acta Sci. Anim. Sci., v.21, p.699-703, 1999.). Os resultados do presente estudo corroboram essa afirmação, tendo as pós-larvas de acará-severo alimentadas por um período de 10 dias com alimento vivo, seguido de três dias de transição alimentar, apresentado desenvolvimento muito semelhante àquelas que passaram por um período de transição de quatro e cinco dias.

É importante destacar que, por serem uma espécie ornamental, os peixes de menor tamanho também apresentam valor de mercado (Fujimoto et al., 2014FUJIMOTO, R.Y.; SANTOS, R.F.B.; MARIA, A.N. Densidade de estocagem e manejo alimentar na criação de Acarás-bandeira. Aracajú: Embrapa, 2014. p.3-10. (Comunicado Técnico, n.145).). Como não ocorreram problemas com a uniformidade do peso e a taxa de sobrevivência, a realização de uma análise econômica pode auxiliar na escolha do melhor manejo a ser utilizado. Entretanto, para melhores índices de desempenho produtivo e variáveis morfométricas, pós-larvas de acará-severo devem ser alimentadas por 10 dias com náuplios de artêmia, seguidos de três dias de transição alimentar.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos no presente estudo permitem a implantação de protocolo mais eficaz de manejo alimentar para pós-larvas de acará-severo. O fornecimento de alimento vivo é fundamental durante a alimentação inicial dessa espécie e as pós-larvas apresentaram melhores resultados quando alimentadas por mais tempo com náuplios de artêmia. Recomendam-se 10 dias de fornecimento de náuplios de artêmia seguidos de três dias de transição alimentar, período em que os peixes devem receber alimentação conjunta de náuplios de artêmia e dieta inerte. Esse manejo alimentar é indicado para as pós-larvas de acará-severo estarem aptas a consumir unicamente o alimento inerte, sem prejuízos ao desenvolvimento dos peixes.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2018
  • Aceito
    25 Jan 2019
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