Acessibilidade / Reportar erro

Cryptococcus: isolamento ambiental e caracterização bioquímica

Cryptococcus: environmental isolation and biochemical characterization

Resumos

O gênero Cryptococcus caracteriza-se por ser uma levedura responsável por infecção sistêmica, causada pelas espécies Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. O fungo é encontrado em substratos de origem animal e vegetal, e a infecção ocorre com a inalação de basidiósporos ou leveduras desidratadas infectantes presentes no ambiente. O presente trabalho teve por objetivo pesquisar a existência de microfocos de Cryptococcus sp.em amostras ambientais da cidade de Araçatuba, São Paulo, com a finalidade de minimizar os riscos de contaminação do homem e dos animais, buscando o conhecimento da ecoepidemiologia do Cryptococcus. Foram colhidas 50 amostras oriundas de ocos e troncos de árvores (Cassia sp., Ficus sp., Caesalpinea peltophorides) de 10 locais representativos do perímetro urbano, as quais foram encaminhadas ao Laboratório de Bacteriologia e Micologia da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba-Unesp, onde foram processadas e semeadas em placas de Petri contendo ágar semente de Níger e Sabouraud dextrose com clorafenicol e incubadas à temperatura de 30ºC, por um período não inferior a cinco dias. Posteriormente, foram submetidas às provas bioquímicas: produção de urease, termotolerância a 37ºC e quimiotipagem em ágar CGB (L-canavanina-glicina-azul de bromotimol). A análise dos resultados revelaram que 17 (34%) dos cultivos foram positivos para o gênero Cryptococcus, sendo nove (18%) para Cryptococcus gattii e oito (16%) para Cryptococcus neoformans. Outras leveduras correlacionadas, como Rhodotorula sp. e Candida sp., também foram isoladas. Conclui-se que os basidiósporos de Cryptococcusencontram-se dispersos na natureza, constituindo microfocos ambientais, não vinculados necessariamente a um único hospedeiro.

árvore; criptococose; microbiologia ambiental; microfocos


Cryptococcosis is an opportunistic fungal infection caused by Cryptococcus yeasts, especially C. neoformans and Cryptococcus gattii. The fungus is found in substrates of animal and vegetable origin, and infection occurs through inhalation and seedlings present in the environment. The present study aimed to investigate the existence of microfocus Cryptococcus sp. from the environmental samples of Araçatuba city, São Paulo, featuring new niches, by decoupling the direct relationship between fungus and host in order to minimize the risk of contamination of man and animals, understanding the ecoepidemiology of Cryptococcus. Fifty samples from hollows and tree trunks were harvested (Cassia sp., Ficus sp., Caesalpinea peltophorides) from ten representatives in the urban perimeter. The samples were immediately sent to the Laboratory of Bacteriology and Mycology, Faculty of Veterinary Medicine Araçatuba - Unesp where they were processed and plated on Petri dishes containing agar seed Niger and Sabouraud dextrose agar with chloramphenicol, incubated at 30ºC for a period of no less than 5 days. Afterwards they were subimitted to biochemical tests: urease production, thermotolerance at 37°C and quimiotipagem in CGB agar (L- Canavanine-Glycine-Bromothymol blue). The results showed that 17 (34%) cultures were positive for Cryptococcus, 9 (18%) for Cryptococcus gattii and 8 (16%) for Cryptococcus neoformans. Other yeast correlated as Rhodotorula sp. and Candida sp. were isolated. We conclude that the infectious propagules of Cryptococcus are dispersed in nature and constitute an environmental microfocus, not necessarily being bound to a single host.

tree; cryptococcosis; environmental microbiology; microfocus


INTRODUÇÃO

O gênero Cryptococcus caracteriza-se por leveduras encapsuladas que podem estar dispersas no ambiente, tendo como habitat natural lugares úmidos (Ribas et al., 2011RIBAS, R.C.; BAEZA, L.C.; RIBEIRO, F.H M. . Isolation of Cryptococcus spp. in excrements of pigeons (Columba sp.) in the Maringa city, PR, Brazil. Arq. Ciênc. Saúde Unipar, v.15, p.45-50, 2011.). A Criptococose é uma micose sistêmica, cuja porta de entrada é via inalatória, causada por um complexo de fungos patogênicos do gênero Cryptococcus, que agride o homem e os animais (Brasil, 2012VIGILÂNCIA e epidemiológica da Criptococose. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012.) e que ganhou relevância pelo seu caráter de infecção oportunista, acometendo pacientes imunocomprometidos ou não (Filiú et al., 2002FILIÚ, W.F.O.; WANKE, B.; AGÜENA, S.M. et al. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, p.591-595, 2002.).

O gênero Cryptococcus apresenta cerca de 70 espécies (Kurtzman et al., 2011 >KURTZMAN, C.P.; FELL, J.W.; BOEKHOUT, T. Cryptococcus . In: KURTZMAN, C.P.; FELL, J.W.; BOEKHOUT, T. The yeasts: a taxonomic study. 5. ed. New York: ACM Press, 2011. p.1661-1662.) e, atualmente, duas dessas espécies são reconhecidas como patogênicas: Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii. A primeira inclui os sorotipos A (variação grubii), D (var. neoformans) e AD (híbrida entre var. neoformans e C. gattii), e a segunda os sorotipos B e C ( Ribas et al., 2011RIBAS, R.C.; BAEZA, L.C.; RIBEIRO, F.H M. . Isolation of Cryptococcus spp. in excrements of pigeons (Columba sp.) in the Maringa city, PR, Brazil. Arq. Ciênc. Saúde Unipar, v.15, p.45-50, 2011.). As espécies e variedades se diferem em aspectos bioquímicos, biológicos, ecológicos, antigênicos e genéticos (Queiroz et al., 2008QUEIROZ, J.P.A. F.; SOUSA, F.D.N.; LAGE, R.A et al. Criptococcose: uma revisão bibliográfica. Acta Vet. Bras., v.2, p.32-8, 2008.). O Cryptococcus neofomans, variedades A, D e AD, tem a capacidade de colonizar a mucosa do papo dos pombos, sem causar a doença, comportando-se como agente endossaprófito natural dessas aves (Filiú et al., 2002FILIÚ, W.F.O.; WANKE, B.; AGÜENA, S.M. et al. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, p.591-595, 2002.). O C. gattii é frequentemente isolado de plantas, estando associado a espécies nativas e exóticas de regiões tropicais e subtropicais (Lazera et al., 2000LAZERA, M.S.; SALMITO-CAVALCANTI, M.A.; LONDERO, A.T et al. Possible primary ecological niche of Cryptococcus neoformans. Med. Mycol., v.38, p.379-383, 2000.; Queiroz et al., 2008QUEIROZ, J.P.A. F.; SOUSA, F.D.N.; LAGE, R.A et al. Criptococcose: uma revisão bibliográfica. Acta Vet. Bras., v.2, p.32-8, 2008.).

Sabe-se que as excretas de aves funcionam como uma fonte nutritiva para Cryptococcus. Entretanto, estudos demonstraram que C. gattii é raramente observado em fezes de aves, mesmo utilizando melhor a creatinina como fonte de nitrogênio, como a var. grubi e neoformans (Abegg et al., 2006ABEGG, M.A.; CELLA, F.L.; FAGANELLO, J. et al. Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii isolated from the excreta of psittaciformes in a southern Brazilian zoological garden. Mycopathologia, v.161, p.83-91, 2006.).

A infecção pode ocorrer pela inalação de propágulos de origem ambiental (Levitz, 1991LEVITZ, S.M. The ecology of Cryptococcus neoformans and the epidemiology of cryptococcosis. Rev. Infect. Dis., v.13, n.6, p.1163-1169, 1991.), representados por leveduras desidratadas, menores que 2µm de diâmetro, facilmente aerossolizadas (Filiú et al., 2002FILIÚ, W.F.O.; WANKE, B.; AGÜENA, S.M. et al. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, p.591-595, 2002.), em locais contaminados por excretas secas, pela ingestão de poeira e/ou de alimentos contaminados com as excretas de aves, sendo eventualmente eliminadas para o meio ambiente. Pela ação do ar, os propágulos contaminariam outras excretas de pombos não contaminadas (Casadevall e Perfect, 1998CASADEVALL, A.; PERFECT, J.R. Cryptococcus neoformans. Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 1998. 541p.).

O isolamento de Cryptococcus spp. de excretas de psitacídeos (Filiú et al., 2002FILIÚ, W.F.O.; WANKE, B.; AGÜENA, S.M. et al. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, p.591-595, 2002.), passeriformes (Lugarini et al., 2008LUGARINI, C.; CONDAS, L.A.S.; SORESINI, G.C et al. Screening of antigenemia and isolation of Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii from cloaca and crop of birds in the state of Paraná, Brazil. Pesqu. Vet. Bras., v.28, p.341-344, 2008.; Marinho et al., 2010MARINHO, M.; TAPARO, C.V.; SILVA, B.G et al. Microbiota fúngica de passeriformes de cativeiros da região noroeste do Estado de São Paulo.Vet. Zootec., v.2, p.288-292, 2010.), morcegos (Tencate et al., 2012TENCATE, L.N.; TAPARO, C.V.; CARVALHO, C. et al. Estudo da microbiota fúngica gastrintestinal de morcegos (Mammalia, Chiroptera) da região noroeste do estado de São Paulo: potencial zoonótico. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.49, p.146-152, 2012.), columbiformes (Cichon et al., 2011CICHON, M.; VICENTE, V.A.; MURO, M.D. et al. Isolamento de Cryptococcus neoformans de amostras ambientais de Curitiba e região metropolitana (Paraná, Brasil) e testes de suscetibilidade frente a drogas antifúngicas. Rev. Bras. Anál. Clín., v.43, p.176-179, 2011.) e falconiformes (Cafarchia et al., 2006CAFARCHIA, C.; ROMITO, D.; IATTA, R. et al. Role of birds of prey as carriers and spreaders of Cryptococcus neoformans and other zoonotic yeasts. Med. Mycol., v.44, p.485-492, 2006.) tem sido relatado constantemente na literatura e muitas vezes associado ao hábito da ave de raspar e fragmentar pedaços de madeira e galhos (Filiú et al., 2002FILIÚ, W.F.O.; WANKE, B.; AGÜENA, S.M. et al. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, p.591-595, 2002.).

O isolamento do fungo de amostras ambientais vem sendo amplamente pesquisado, como demonstraram López-Martinez et. al. (1995)LÓPEZ-MARTINEZ, R.; CASTAÑÓN-OLIVARES, L.R. Isolation of Cryptococcus neoformans from bird droppings fruits and vegetable in Mexico city. Micopathologia, v.129, p.25-28, 1995., Lázera et al. (2000)LAZERA, M.S.; SALMITO-CAVALCANTI, M.A.; LONDERO, A.T et al. Possible primary ecological niche of Cryptococcus neoformans. Med. Mycol., v.38, p.379-383, 2000., Kobayashi et al. (2005)KOBAYASHI, C.C.B.A.; SOUZA, L.K.H.; FERNANDES, O.F.L. et al. Characterization of Cryptococcus neoformans isolated from urban environmental sources in Goiânia, Goiás, Brazil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.7, p.203-207, 2005., Reimão et al. (2007)REIMÃO, J.Q.; DRUMMOND, E.D; TERCETI, M.S et al. Isolation of Cryptococcus neoformans from hollows of living trees in the city of Alfenas, MG, Brazil. Mycoses, v. 50, p.261-264, 2007., Refojo et al. (2008)REFOJO, N.; PERROTA, M. ; BRUDNY, R et al. Isolation of Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii from trunk hollows of living trees in Buenos Aires City, Argentina. Med. Micol, v.47, p.1-8, 2008. e Mazza et al. (2013)MAZZA, M.; REFOJO, N.; BOSCO-BORGEAT, M.E et al. Cryptococcus gattii in urban from cities in North-eastern Argentina. Micoses, v.56, p.646-650, 2013., os quais determinaram novas fontes de transmissão, identificando outros nichos ecológicos para a levedura.

Alguns trabalhos associaram Cryptococcus neoformans ao pombo, criando uma constante associação entre fungo e hospedeiro (Kwon-Chung e Bennett, 1984KWON-CHUNG, K.J.; BENNET, J.E. Epidemiologic differences between the two varieties of Cryptococcus neoformans. Am. J. Epidemiol., v.120, p.123-130, 1984.; Ferreira e Raso, 2012FERREIRA, V.L.; RASO, T.F. Survey of cryptococcal antingens in urban pigeons (Columbia livia) in São Paulo State, Brazil. J. Poultry Sci., v.11, p.1-4, 2012.). Entretanto, Passoni (1999)PASSONI, L.F.C. Wood, animals and human beings as reservoirs for human Cryptococcus neoformans infection. Rev. Iberoam. Micol., v.16, p.77-81, 1999. afirma que o habitat primário para o Cryptococcus gattii pode ser espécies de plantas e madeira envelhecida, locais onde a levedura naturalmente desenvolve o estado sexuado e que, portanto, caracterizam um novo habitat natural, relacionando o microrganismo à madeira em decomposição de diferentes árvores tropicais nativas ou exóticas introduzidas no Brasil (Brasil, 2012VIGILÂNCIA e epidemiológica da Criptococose. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012.), o que corrobora a permanência do Cryptococcus no ambiente. Esse fato é favorecido tanto pelo C. gattii quanto pelo C. neoformans pela capacidade de produzir lacase (fenol oxidase), que permite a colonização da madeira, principalmente em estado avançado de decomposição (Baltazar e Ribeiro, 2008BALTAZAR, L.M.; RIBEIRO, M.A. Primeiro isolamento ambiental de Cryptococcus gattii no Estado do Espírito Santo. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.5, p.449-453, 2008.).

O presente trabalho teve por objetivo investigar novos habitats para Cryptococcus sp. em amostras ambientais do município de Araçatuba, São Paulo, a fim de compreender melhor a ecoepidemiologia do microrganismo e conhecer novos nichos ambientais do patógeno para que, posteriormente, medidas preventivas possam ser elaboradas com o propósito de minimizar os riscos de contaminação humana.

MATERIAL E MÉTODOS

Para verificar a ocorrência de leveduras com caráter patogênico de Cryptococcus spp., foram colhidas 50 amostras de 10 locais não protegidos (praças e parques), próximos às ruas movimentadas ou com um fluxo significativo de pessoas e animais, no período de agosto a dezembro de 2013. As amostras foram provenientes de fragmentos de troncos e material putrefado de ocos de árvores (Cassia sp., Ficus sp., Caesalpinea peltophorides), sem a presença de excretas de aves, por meio de raspagem com auxílio de curetas, máscaras e luvas. As amostras foram armazenadas em frascos plásticos estéreis, com tampa de rosca, e encaminhadas ao Laboratório de Bacteriologia e Micologia da Faculdade de Medicina Veterinária, Unesp-Araçatuba. As amostras foram processadas em câmara de fluxo laminar, onde 1g da amostra foi macerada utilizando-se pistilo e gral. Posteriormente, o material foi colocado em um frasco Erlenmeyer de 125mL contendo 50mL de salina estéril a 0,9%, e foi acrescido de cloranfenicol a 0,04%. Após vedação do frasco com Parafilm(r), a amostra foi agitada em vortex de maneira vigorosa, por cinco minutos, para posteriormente se manter a solução por um período de repouso de 30 minutos, após o que foram transferidos 10mL do sobrenadante para tubos e centrifugados por cinco minutos a 1500rpm. Foram descartados 9mL do sobrenadante, e o sedimento foi homogeneizado no volume restante, procedendo-se com a semeadura em placas de Petri contendo meios de cultura de ágar semente de Níger e Sabouraud dextrose com cloranfenicol, sendo incubado a 30ºC por um período não inferior a cinco dias. A leitura ocorria diariamente, e os repiques eram realizados, conforme necessário, para obtenção de isolados puros e exuberantes.

As colônias sugestivas de Cryptococcus spp., com coloração marrom-escura, foram repicadas em tubos com ágar Sabouraud para identificação e manutenção da amostra. Todas as colônias leveduriforme foram submetidas à coloração com tinta nanquim e lactofenol-azul-algodão para a análise morfológica das estruturas fúngicas. As colônias identificadas para o gênero Cryptococcus foram submetidas a testes bioquímicos.

Entre o gênero Cryptococcus, apenas C. neoformans e C. gattii são capazes de crescer a 37ºC. Para análise da termotolerância, as amostras foram repicadas em ágar Sabouraud, mantidas a 37ºC por sete dias.

A detecção da enzima urease, a qual identifica o gênero Cryptococcus, foi analisada pela utilização do meio ureia-ágar-base (Christensen, 1946CHRISTENSEN, W B . Urea decomposition as a means of differentiating Proteus and paracolon cultures from each other and from Salmonella and Shigella types. J. Bacteriol., v.52, p.461-466, 1946.). Nessa reação, observa-se a hidrólise da ureia com produção de amônia e alcalinização do meio, o que provoca alteração do indicador de pH de neutro para básico, evidenciando-se, assim, uma coloração de tom róseo intenso. Os isolados foram repicados nesse meio e incubados a 30ºC por cinco dias.

Para diferenciar as espécies de C. neoformans e C. gattii, foi utilizado o meio canavanina-glicina-azul de bromotimol (CGB) (Kwon-Chung et al., 1982KWON-CHUNG, K.J.; POLACHECK, I.; BENNETT, J.E. Improved diagnostic medium for separation of Cryptococcus neoformans var neoformans (serotype A and D) and Cryptococcus neoformans var. gattii (serotype B and C) . J. Clin.. Microbiol., v.15, p.535-537, 1982.). As colônias de C. gattii utilizam a glicina como fonte de carbono e nitrogênio e são resistentes à canavanina, mostrando uma coloração azul-cobalto, enquanto C. neoformans não demonstra mudança na coloração do meio. Os isolados foram repicados em meio CGB e incubados a 30ºC por até cinco dias, observando-se diariamente a coloração do meio.

As variáveis foram testadas pelo teste exato de Fisher e pelo teste qui-quadrado, sendo adotado o nível de significância de 5%. Utilizou-se o programa SAS (2013)SAS System, release 9.3. Cary, NC: SAS Institute Inc., 2013..

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram associadas as variáveis árvores e espécies de microrganismo (P≤0,8855); local e espécie de microrganismo (P≤0,2904), por meio do teste exato de Fisher. Para a análise de tendências, utilizou-se o teste qui-quadrado das variáveis tempo e espécie de microrganismo (P≤0,7466). As associações não foram significativas, ou seja, o Cryptococcus pode ser encontrado em diferentes locais, espécies de árvores e período do ano.

Das 50 amostras colhidas por meio de raspagem de troncos e ocos de árvores, 17 (34%) dos cultivos foram positivos para o Cryptococcus, sendo nove (18%) para Cryptococcus gattii e oito (16%) para Cryptococcus neoformans. Outras leveduras correlacionadas, como Rhodotorulasp. e Candida sp., também foram isoladas.

As amostras colhidas em seis locais de colheita (60%) apresentaram crescimento puro e exuberante para uma única espécie de Cryptococcus, enquanto em outros três locais (30%) houve crescimento associado das espécies de Cryptococcus neoformans e C. gattii. Em apenas um local especifico (Praça Dr. Jaime de Oliveira), a amostra resultou no cultivo negativo para o microrganismo estudado (Fig. 1). A maioria das amostras com cultivos associados para ambas as espécies foi proveniente de Caesalpinea peltophoroides (Sibipiruna), enquanto os cultivos isolados foram oriundos de Ficus sp. e Cassia sp. Ressalta-se que, em todos os locais, havia grande fluxo de pessoas e animais, inclusive no local onde não houve crescimento microbiológico.

Figura 1.
Leveduras do gênero Cryptococcus sp. isoladas de pontos estratégicos da cidade de Araçatuba, São Paulo, 2013.

Os resultados desta pesquisa confirmam o isolamento de Cryptococcus gattie de C. neoformans de tronco de Cassia sp; tronco e oco de Ficus sp. e tronco de Caesalpinea peltophorides. Lázera et al. (2000)LAZERA, M.S.; SALMITO-CAVALCANTI, M.A.; LONDERO, A.T et al. Possible primary ecological niche of Cryptococcus neoformans. Med. Mycol., v.38, p.379-383, 2000., Baltazar e Ribeiro (2008)BALTAZAR, L.M.; RIBEIRO, M.A. Primeiro isolamento ambiental de Cryptococcus gattii no Estado do Espírito Santo. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.5, p.449-453, 2008. e Mazza et al. (2013)MAZZA, M.; REFOJO, N.; BOSCO-BORGEAT, M.E et al. Cryptococcus gattii in urban from cities in North-eastern Argentina. Micoses, v.56, p.646-650, 2013. também obtiveram o isolamento de Cryptococcus spp. em diferentes espécies de árvores.

De acordo com Beheregaray et al. (2005)BEHEREGARAY, W.K.; PÖPPL, A.G.; HARTFELDER, C.C. et al. Criptococose em um cão com envolvimento de linfonodos, pele, olhos e glândula mandibular. Rev. Univ. Rural, v.25, supl., p.252-253, 2005., temperaturas superiores a 30ºC diminuiriam a viabilidade da levedura no ambiente. Entretanto, as coletas foram realizadas entre agosto e dezembro, quando a temperatura média na cidade de Araçatuba oscilou entre 33 e 35ºC (Prefeitura Municipal de Araçatuba, 2014), obtendo-se colônias puras e exuberantes. Há de se considerar, no entanto, que durante as colheitas, entre o período de agosto a meados de outubro, quando a cidade de Araçatuba, São Paulo, passou por momentos de baixa umidade com escassez de chuva, as colônias leveduriformes com características de Cryptococcus sp., na análise microscópica, apresentaram-se pequenas, dificultando a observação das estruturas morfológicas. Já no período de maior umidade, entre novembro e dezembro, as colônias sugestivas de Cryptococcus sp., na análise microscópica, apresentavam suas estruturas nítidas e de fácil visualização. A temperatura elevada associada à baixa umidade são fatores que podem contribuir para a inativação do microrganismo no ambiente.

Com relação ao binômio fungo - hospedeiro, C. gatti não tem sido isolado de pombos, e, como afirma Passoni (1999)PASSONI, L.F.C. Wood, animals and human beings as reservoirs for human Cryptococcus neoformans infection. Rev. Iberoam. Micol., v.16, p.77-81, 1999., o habitat primário para o microrganismo pode ser espécies de plantas e madeiras envelhecidas, dissociando, assim, a figura do pombo como hospedeiro.

O problema que agrava a existência de microfocos ambientais para o C. gattii fundamenta-se na virulência do patógeno que, geralmente, atua como agente primário para a Criptococose, independentemente do estado imunológico. De acordo com Correa et al. (1999)CORREA, M.P.; OLIVEIRA, E.C.; DUARTE, R.R. et al. Cryptococcosis in children in the State of Para, Brazil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.32, p.505-508, 1999., a infecção por C. gattii pode ainda permanecer quiescente por um longo período, infectando-se em uma fase precoce da vida (infância) para exteriorizar os sintomas em uma fase tardia. Segundo Swinne (1979)SWINNE, D. Cryptococcus neoformans and the epidemiology of criptococcosis. Ann. Soc. Med. Trop., v.59, p.285-299, 1979., o C. neoformans encontra-se vinculado ao pombo, apresentando uma complexa interação entre o fungo, o ambiente e o hospedeiro. Entretanto há de se considerar a eventualidade com que o C. neoformans é eliminado com as excretas após o término do ciclo gastrintestinal. Destaca-se a sua permanência e viabilidade no ambiente, como a sua disseminação pela ação do vento, carreando os propágulos para outras excretas, adjacentes e presentes no solo (Casadevall e Perfect, 1998CASADEVALL, A.; PERFECT, J.R. Cryptococcus neoformans. Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 1998. 541p.), como sendo fatores relevantes à formação de microfocos e à ampliação dos riscos de contaminação ambiental.

A presença de fungos correlacionados, como Candida sp. e Rhodotorula sp., também foi observada em excretas de psitacídeos (Lugarini et al., 2007LUGARINI, C.; CONDAS, L.A.S.; SORESINI, G.C et al. Screening of antigenemia and isolation of Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii from cloaca and crop of birds in the state of Paraná, Brazil. Pesqu. Vet. Bras., v.28, p.341-344, 2008.), passeriformes (Marinho et al., 2010MARINHO, M.; TAPARO, C.V.; SILVA, B.G et al. Microbiota fúngica de passeriformes de cativeiros da região noroeste do Estado de São Paulo.Vet. Zootec., v.2, p.288-292, 2010.), fezes de morcegos (Tencate et al., 2012TENCATE, L.N.; TAPARO, C.V.; CARVALHO, C. et al. Estudo da microbiota fúngica gastrintestinal de morcegos (Mammalia, Chiroptera) da região noroeste do estado de São Paulo: potencial zoonótico. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.49, p.146-152, 2012.), corroborando o problema que envolve a permanência de excretas no ambiente, as quais constituem uma fonte nutritiva para as leveduras e ampliam os riscos de contaminação.

CONCLUSÃO

Conclui-se que as espécies vegetais presentes nas praças e nos parques da cidade de Araçatuba constituem microfocos para Cryptococcus spp, contribuindo, assim, para a contaminação ambiental e a dissociação exclusiva do binômio: pombo - C. neoformans.

REFERÊNCIAS

  • ABEGG, M.A.; CELLA, F.L.; FAGANELLO, J. et al. Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii isolated from the excreta of psittaciformes in a southern Brazilian zoological garden. Mycopathologia, v.161, p.83-91, 2006.
  • BALTAZAR, L.M.; RIBEIRO, M.A. Primeiro isolamento ambiental de Cryptococcus gattii no Estado do Espírito Santo. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.5, p.449-453, 2008.
  • BEHEREGARAY, W.K.; PÖPPL, A.G.; HARTFELDER, C.C. et al. Criptococose em um cão com envolvimento de linfonodos, pele, olhos e glândula mandibular. Rev. Univ. Rural, v.25, supl., p.252-253, 2005.
  • CASADEVALL, A.; PERFECT, J.R. Cryptococcus neoformans. Washington, DC: American Society for Microbiology Press, 1998. 541p.
  • CAFARCHIA, C.; ROMITO, D.; IATTA, R. et al. Role of birds of prey as carriers and spreaders of Cryptococcus neoformans and other zoonotic yeasts. Med. Mycol., v.44, p.485-492, 2006.
  • CHRISTENSEN, W B . Urea decomposition as a means of differentiating Proteus and paracolon cultures from each other and from Salmonella and Shigella types. J. Bacteriol., v.52, p.461-466, 1946.
  • CICHON, M.; VICENTE, V.A.; MURO, M.D. et al. Isolamento de Cryptococcus neoformans de amostras ambientais de Curitiba e região metropolitana (Paraná, Brasil) e testes de suscetibilidade frente a drogas antifúngicas. Rev. Bras. Anál. Clín., v.43, p.176-179, 2011.
  • CORREA, M.P.; OLIVEIRA, E.C.; DUARTE, R.R. et al. Cryptococcosis in children in the State of Para, Brazil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.32, p.505-508, 1999.
  • FERREIRA, V.L.; RASO, T.F. Survey of cryptococcal antingens in urban pigeons (Columbia livia) in São Paulo State, Brazil. J. Poultry Sci., v.11, p.1-4, 2012.
  • FILIÚ, W.F.O.; WANKE, B.; AGÜENA, S.M. et al. Cativeiro de aves como fonte de Cryptococcus neoformans na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.35, p.591-595, 2002.
  • KOBAYASHI, C.C.B.A.; SOUZA, L.K.H.; FERNANDES, O.F.L. et al. Characterization of Cryptococcus neoformans isolated from urban environmental sources in Goiânia, Goiás, Brazil. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., v.7, p.203-207, 2005.
  • >KURTZMAN, C.P.; FELL, J.W.; BOEKHOUT, T. Cryptococcus . In: KURTZMAN, C.P.; FELL, J.W.; BOEKHOUT, T. The yeasts: a taxonomic study. 5. ed. New York: ACM Press, 2011. p.1661-1662.
  • KWON-CHUNG, K.J.; BENNET, J.E. Epidemiologic differences between the two varieties of Cryptococcus neoformans. Am. J. Epidemiol., v.120, p.123-130, 1984.
  • KWON-CHUNG, K.J.; POLACHECK, I.; BENNETT, J.E. Improved diagnostic medium for separation of Cryptococcus neoformans var neoformans (serotype A and D) and Cryptococcus neoformans var. gattii (serotype B and C) . J. Clin.. Microbiol., v.15, p.535-537, 1982.
  • LAZERA, M.S.; SALMITO-CAVALCANTI, M.A.; LONDERO, A.T et al. Possible primary ecological niche of Cryptococcus neoformans. Med. Mycol., v.38, p.379-383, 2000.
  • LEVITZ, S.M. The ecology of Cryptococcus neoformans and the epidemiology of cryptococcosis. Rev. Infect. Dis., v.13, n.6, p.1163-1169, 1991.
  • LÓPEZ-MARTINEZ, R.; CASTAÑÓN-OLIVARES, L.R. Isolation of Cryptococcus neoformans from bird droppings fruits and vegetable in Mexico city. Micopathologia, v.129, p.25-28, 1995.
  • LUGARINI, C.; CONDAS, L.A.S.; SORESINI, G.C et al. Screening of antigenemia and isolation of Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii from cloaca and crop of birds in the state of Paraná, Brazil. Pesqu. Vet. Bras., v.28, p.341-344, 2008.
  • MARINHO, M.; TAPARO, C.V.; SILVA, B.G et al. Microbiota fúngica de passeriformes de cativeiros da região noroeste do Estado de São Paulo.Vet. Zootec., v.2, p.288-292, 2010.
  • MAZZA, M.; REFOJO, N.; BOSCO-BORGEAT, M.E et al. Cryptococcus gattii in urban from cities in North-eastern Argentina. Micoses, v.56, p.646-650, 2013.
  • PASSONI, L.F.C. Wood, animals and human beings as reservoirs for human Cryptococcus neoformans infection. Rev. Iberoam. Micol., v.16, p.77-81, 1999.
  • PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE ARAÇATUBA. Portal da prefeitura do município de Araçatuba. Disponível em: http://www.aracatuba.sp.gov.br/ Acesso em: 08 jan. 2014.
    » http://www.aracatuba.sp.gov.br/
  • QUEIROZ, J.P.A. F.; SOUSA, F.D.N.; LAGE, R.A et al. Criptococcose: uma revisão bibliográfica. Acta Vet. Bras., v.2, p.32-8, 2008.
  • REFOJO, N.; PERROTA, M. ; BRUDNY, R et al. Isolation of Cryptococcus neoformans and Cryptococcus gattii from trunk hollows of living trees in Buenos Aires City, Argentina. Med. Micol, v.47, p.1-8, 2008.
  • REIMÃO, J.Q.; DRUMMOND, E.D; TERCETI, M.S et al. Isolation of Cryptococcus neoformans from hollows of living trees in the city of Alfenas, MG, Brazil. Mycoses, v. 50, p.261-264, 2007.
  • RIBAS, R.C.; BAEZA, L.C.; RIBEIRO, F.H M. . Isolation of Cryptococcus spp. in excrements of pigeons (Columba sp.) in the Maringa city, PR, Brazil. Arq. Ciênc. Saúde Unipar, v.15, p.45-50, 2011.
  • SAS System, release 9.3. Cary, NC: SAS Institute Inc., 2013.
  • SWINNE, D. Cryptococcus neoformans and the epidemiology of criptococcosis. Ann. Soc. Med. Trop., v.59, p.285-299, 1979.
  • TENCATE, L.N.; TAPARO, C.V.; CARVALHO, C. et al. Estudo da microbiota fúngica gastrintestinal de morcegos (Mammalia, Chiroptera) da região noroeste do estado de São Paulo: potencial zoonótico. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.49, p.146-152, 2012.
  • VIGILÂNCIA e epidemiológica da Criptococose. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2014
  • Aceito
    04 Maio 2015
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária Caixa Postal 567, 30123-970 Belo Horizonte MG - Brazil, Tel.: (55 31) 3409-2041, Tel.: (55 31) 3409-2042 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: abmvz.artigo@gmail.com