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Deficiência de vitamina A: relato de caso

Vitamin A deficiency: case report

Resumos

Relatamos um caso de deficiência primária de vitamina A com apresentação inicial ocular tratado tópica e sistemicamente com vitamina A 100.000 UI por dia via oral e colírio de 5.000 UI/ml, quatro vezes ao dia. Com o tratamento houve total resolução das manifestações oftalmológicas.

Manchas de Bitot; Hipovitaminose A


We describe a case of primary vitamin A deficiency presenting with ocular manifestations, treated with 100,000 IU vitamin A oral dose and 5,000 UI vitamin A eyedrops evolving to complete resolution of the ocular findings.

Vitamin A deficiency; Bitot's spot


RELATOS CURTOS

Deficiência de vitamina A: relato de caso

Vitamin A deficiency: case report

Elisabeth N. Martins (1 (1 ) Médico Residente do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (2 ) Professor Titular do Departamento de Pediatria e Chefe da Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (3 ) Mestre e Pós-graduando nível Doutorado do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (4 ) Chefe do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. )

Lênio Souza Alvarenga (1 (1 ) Médico Residente do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (2 ) Professor Titular do Departamento de Pediatria e Chefe da Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (3 ) Mestre e Pós-graduando nível Doutorado do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (4 ) Chefe do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. )

Fábio Ancona Lopes (2 (1 ) Médico Residente do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (2 ) Professor Titular do Departamento de Pediatria e Chefe da Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (3 ) Mestre e Pós-graduando nível Doutorado do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (4 ) Chefe do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. )

José Álvaro P. Gomes (3 (1 ) Médico Residente do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (2 ) Professor Titular do Departamento de Pediatria e Chefe da Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (3 ) Mestre e Pós-graduando nível Doutorado do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (4 ) Chefe do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. )

Denise de Freitas (4 (1 ) Médico Residente do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (2 ) Professor Titular do Departamento de Pediatria e Chefe da Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (3 ) Mestre e Pós-graduando nível Doutorado do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. (4 ) Chefe do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. )

RESUMO

Relatamos um caso de deficiência primária de vitamina A com apresentação inicial ocular tratado tópica e sistemicamente com vitamina A 100.000 UI por dia via oral e colírio de 5.000 UI/ml, quatro vezes ao dia. Com o tratamento houve total resolução das manifestações oftalmológicas.

Palavras-chave: Manchas de Bitot; Hipovitaminose A.

INTRODUÇÃO

O início da história nutricional moderna da vitamina A ocorreu em 1913 quando McCollum e Davis identificaram um fator de crescimento denominado fator A-lipossolúvel. Atualmente sabemos que a vitamina A participa no crescimento e diferenciação celular, resposta imune e possui importante papel no processo da visão.

Os efeitos de sua deficiência são observados principalmente em crianças em idade escolar, associada a outras deficiências nutricionais. Estima-se que mais de 124 milhões de crianças apresentem deficiência de vitamina A. Esta carência causa entre 1 a 2 milhões de mortes anualmente entre as crianças de 1 a 4 anos de idade, e é considerada a principal causa de cegueira infantil no mundo 1.

Casos de deficiência nutricional primária de vitamina A são raros no ocidente 2. Por outro lado, pacientes podem apresentar sinais e sintomas desta deficiência secundários à alteração do metabolismo desta vitamina.

Neste trabalho discutimos um caso de hipovitaminose A primária com alterações oculares.

CASO CLÍNICO

Paciente feminina, negra, 6 anos de idade, natural e procedente de São Francisco-MG, procurou nosso serviço devido ao aparecimento de lesão pigmentada em conjuntiva bulbar em ambos os olhos, de crescimento lento há três anos.

À inspeção, a criança apresentava hiperqueratose, lesões epiteliais descamativas em superfície extensora de membros inferiores e ao redor dos folículos pilosos. O exame oftalmológico, revelou acuidade visual 20/20, musculatura ocular extrínseca, pressão intraocular e fundoscopia sem alterações em ambos os olhos. À biomicroscopia, apresentava diminuição do brilho conjuntival e, em região de fenda palpebral, observava-se lesão sobrelevada, pigmentada e com bolhas na conjuntiva bulbar temporal de ambos os olhos, medindo 1,0 X 1,5 cm (Figura 1) que corava com rosa bengala. A avaliação nutricional feita pelo Setor de Nutrição e Metabolismo do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina, revelou no recordatório alimentar dieta pobre em vitamina A e índice de massa corpórea no limite inferior da normalidade.


Foi feita a hipótese diagnóstica de mancha de Bitot e hipovitaminose A e prescrita vitamina A oral (100.000 UI por dia) e colírio (5.000 UI/ ml 4 vezes ao dia). Após dois dias, foi feita a dosagem sérica de vitamina A com valor de 55 µg% (normal > 20 µg% ).

Após sete dias a paciente foi reexaminada, sendo mantido o uso de colírio e realizada a coleta de material para análise de olho esquerdo, apresentando como resultados: citologia de impressão com bacilos gram positivos e várias células epiteliais em degeneração, cultura com crescimento de Corynebacterium xerosis e anátomo-patológico com achado de conjuntivite crônica com metaplasia epidermóide e depósito pigmentar melânico em corion e ausência de células mucosecretoras.

Após 10 dias, a paciente foi reavaliada, sendo observada regressão significativa da lesão ocular.

DISCUSSÃO

A despeito dos avanços feitos nas últimas décadas, a deficiência de vitamina A continua sendo um problema significativo de saúde pública. No Brasil 25-50% das crianças no nordeste apresentam níveis séricos de vitamina A inferior a 20 µg% 3. O impacto desta deficiência faz-se notar de maneira relevante em trabalhos que mostram que a suplementação desta vitamina diminuiu a mortalidade infantil em regiões carentes no Brasil 4. Nota-se também que quadros carenciais são mais freqüentes em populações do meio rural em comparação aos centros urbanos 5.

O aleitamento materno é protetor até os três anos de idade, sendo que, após o primeiro ano de vida, outras fontes de vitamina A começam a ter importância crescente 6.

As fontes naturais de vitamina A são tecidos animais ricos em retinil-ésteres como fígado, e vegetais de folhas verdes, os quais contêm precursores de betacaroteno. Estes, após a absorção intestinal são incorporados em quilomícrons e transportados na circulação geral e linfática, tendo a maior fração metabolização e armazenamento hepático. Cerca de 95% da vitamina é armazenada como retinil-éster, sendo este depósito essencial para a manutenção de níveis plasmáticos constantes. Após secreção hepática o retinol atinge tecidos-alvo incluindo glândula lacrimal e epitélio pigmentar da retina (EPR) 7.

Em 1967, Wald ganhou o prêmio Nobel, elucidando os processos fotoquímicos da vitamina A na visão. Na retina, o retinol é integrado aos pigmentos visuais. Quando expostos a luz estes pigmentos são degradados sendo formados isômeros de retinal, opsina e impulso que é conduzido pelas vias ópticas até o córtex occipital 7.

A deficiência de vitamina A tem diagnóstico precoce difícil. Geralmente os sintomas oculares constituem as primeiras manifestações. Os sinais clínicos incluem perda de brilho, conjuntiva opaca e hiperemiada, seguida por xerose conjuntival e queratinização, blefarite, meibomite, alterações fundoscópicas, cegueira noturna. Outras características incluem hiperqueratose em pele, queratinização e xerose de outras superfícies mucosas, aumento de pressão intracraniana e retardo mental.

A mancha de Bitot costuma ter localização em região de fenda palpebral, sendo constituída por epitélio queratinizado, células inflamatórias, debris, e Corynebacterium xerosis. Este bacilo metaboliza os debris celulares produzindo bolhas. Histologicamente, observamos metaplasia escamosa do epitélio conjuntival. Geralmente é observada diminuição no número de células mucossecretoras, como visto nesta paciente.

O tratamento pode ser feito com a adequação da dieta e reposição de vitamina A, sendo a dose preconizada pela Organização Mundial da Saúde de 100.000 UI por dia. Após cinco horas, a concentração plasmática de retinol já começa a aumentar 8, sendo esta a possível explicação para o achado de concentração normal em nossa paciente. Após oito dias a função visual é recuperada.

A boa evolução com regressão da mancha de Bitot, como evidenciado neste caso é referida após reposição de vitamina A, ainda que dose oral única de 100.000 UI, sendo observada maior responsividade a este tratamento nos pacientes com concentração sérica de retinol inicial mais baixa 9. A administração tópica sob a forma de ácido retinóico tem se mostrado útil como tratamento adjunto da xeroftalmia sendo por isso associada no caso apresentado.

SUMMARY

We describe a case of primary vitamin A deficiency presenting with ocular manifestations, treated with 100,000 IU vitamin A oral dose and 5,000 UI vitamin A eyedrops evolving to complete resolution of the ocular findings.

Keywords: Vitamin A deficiency; Bitot's spot.

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.

Endereço para correspondência: Elisabeth N Martins. Rua Botucatu, 822, Vila Clementino. São Paulo (SP). CEP 04023-062.

  • 1
    Humphrey JH, West KP, Sommer A. Vitamin A deficiency and atributable mortality among under-5 year olds. Bull World Health Organ 1992;70:225-32.
  • 2
    Rouland JF, Amzallag T, Bale F, Constantinides G. Xerophthalmia caused by self induced disease. J Fr Ophthalmol 1989;12:273-7.
  • 3
    Mc Auliffe JC, Victora C. Pesquisa de saúde infantil do Ceará. PES- MIC II, 1990. Fortaleza; HOPE 1991.
  • 4
    Rouquayrol Z M. In: Epidemiologia e Saúde, 4ª edição. Rio de Janeiro: MEDSI, 1993:323.
  • 5
    Behar M. In: Nutricion, Mexico INCAP/Nueva Editorial Interamericana SA, 1972:375.
  • 6
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    Bok D, Heller J. Transport of retinol from the blood to the retina: an autoradiolographic study of the pigment epithelial cell surface receptor for plasma retinol-binding protein. Exp Eye Res 1976;22:395-402.
  • 8
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  • 9
    Sovani I, Humphrey JH, Kuntinalibronto DR, Matadisastra G, Muhilal, Tielsch JM. Response of Bito´s spots to a single oral 100.000-or 200.000-IU dose of Vitamin A. Am J Ophthalmol 1994;118:792-6.
  • (1
    ) Médico Residente do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
    (2
    ) Professor Titular do Departamento de Pediatria e Chefe da Disciplina de Nutrição e Metabolismo da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
    (3
    ) Mestre e Pós-graduando nível Doutorado do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
    (4
    ) Chefe do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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