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Termoterapia transpupilar como opção terapêutica para hemangioma circunscrito de coróide: relato de caso

Transpupillary thermotherapy as therapeutic option for circumscribed choroidal hemangioma: case report

Resumos

Os autores descrevem um caso de hemangioma circunscrito de coróide, com descolamento de retina associado, tratado por meio de termoterapia transpupilar com laser de diodo. Os parâmetros utilizados foram: 900 mW, mira de 4,2 mm, tempo de 3 minutos, lente QuadrAspheric (Volk<FONT FACE=Symbol>â</FONT>) com fator de magnificação de 1,97. Um mês após o tratamento ocorreu redução significativa do hemangioma, com recuperação integral da visão deste olho. São feitas considerações a respeito do método, o qual mostra-se promissor no tratamento destes tumores vasculares.

Nevo pigmentado; Pálpebra; Transplante de pele; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Relato de caso


The authors describe a case of a circumscribed choroidal hemangioma with secondary retinal detachment treated with transpupillary thermotherapy using diode laser. The settings were: 900 mW power, 4.2 mm spot, for 3 minutes, QuadrAspheric<FONT FACE=Symbol>Ò</FONT> lens (Volk<FONT FACE=Symbol>â</FONT>) with a magnification factor of 1.97. One month later, there was a significant shrinkage of the hemangioma with full recovery of vision in this eye. The authors discuss some aspects of this method, which seems promising in treatment of this vascular tumors.

Induced hyperthermia; Choroid neoplasms; Hemangioma therapy; Retinal detachment; Lasers


RELATOS DE CASOS

Termoterapia transpupilar como opção terapêutica para hemangioma circunscrito de coróide - Relato de caso

Transpupillary thermotherapy as therapeutic option for circumscribed choroidal hemangioma - Case report

Jaime Roizenblatt1 1 Médico Assistente da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2 Médico Estagiário do Setor de Retina do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Alexandre Antonio Marques Rosa2 1 Médico Assistente da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2 Médico Estagiário do Setor de Retina do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

RESUMO

Os autores descrevem um caso de hemangioma circunscrito de coróide, com descolamento de retina associado, tratado por meio de termoterapia transpupilar com laser de diodo. Os parâmetros utilizados foram: 900 mW, mira de 4,2 mm, tempo de 3 minutos, lente QuadrAspheric (Volkâ) com fator de magnificação de 1,97. Um mês após o tratamento ocorreu redução significativa do hemangioma, com recuperação integral da visão deste olho. São feitas considerações a respeito do método, o qual mostra-se promissor no tratamento destes tumores vasculares.

Descritores: Nevo pigmentado/cirurgia; Pálpebra/cirurgia; Transplante de pele/métodos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Relato de caso

INTRODUÇÃO

Hemangioma de coróide é um tumor vascular benigno composto de grandes vasos dilatados da coróide. Pode ocorrer como um tumor circunscrito, sem associações extra-oculares, ou de forma difusa, o qual está associado com nevus flammeus facial ou variações da síndrome de Sturge-Weber(1).

Oftalmoscopicamente, o hemangioma de coróide circunscrito aparece como um tumor elevado vermelho-alaranjado localizado nas camadas mais profundas da retina. Pode induzir o aparecimento de um descolamento de retina exsudativo secundário, causando baixa de visão, quando se estende à área macular(2).

O padrão angiográfico revela um enchimento precoce do tumor, simultâneo ao enchimento coróideo, com hiperfluorescência tardia.

A ultrassonografia B mostra uma lesão sólida, com alta refletividade interna no modo A. O diagnóstico diferencial deve ser feito com melanoma de coróide amelanótico e tumor metastático.

Na forma difusa, ocorre um espessamento coroidiano difuso dando ao fundo de olho uma coloração vermelha-escura, fazendo com que a lesão passe despercebida se a coloração do fundo de olho não for comparada com o olho contralateral. A compressão digital do bulbo ocular também ajuda no diagnóstico, pois nesta situação a lesão empalidece.

Os casos assintomáticos devem ser observados periodicamente, pois, na maioria dos casos, há crescimento da lesão com o passar do tempo. Aqueles que apresentam descolamento de retina secundário podem ser tratados com fotocoagulação para eliminar o líquido subretiniano(2-3), a qual nem sempre é eficaz. Os tumores grandes com descolamentos extensos podem às vezes ser controlados com radioterapia(4), porém esta freqüentemente resulta em efeitos colaterais graves para a retina e tecidos circunjacentes.

Termoterapia transpupilar (TTT) é uma modalidade de tratamento que utiliza um laser de diodo modificado, com comprimento de onda de 810 nm, para produzir um aquecimento localizado e uniforme com subseqüente obliteração dos vasos mal formados e redução no tamanho do tumor(5).

A termoterapia transpupilar foi primeiramente descrita por Oosterhuis et al.(6) em 1995, quando foi usada como coadjuvante à radioterapia no tratamento de melanomas de coróide, durante e após o tratamento com placa, em casos nos quais a regressão do tumor foi insuficiente.

Shields et al. estudaram a efetividade da TTT isoladamente em pequenos melanomas de coróide(5). Estes estudos demonstraram como a anatomia do olho permite a transmissão da luz e facilita o uso da TTT no tratamento de patologias oculares do segmento posterior.

Hipertermia é definida como uma elevação da temperatura acima da temperatura normal. Em contraste à fotocoagulação a laser, na hipertermia os efeitos produzidos pela coagulação estão ausentes, otimizando a penetração do calor quando realizada apropriadamente(7-8). Isto se deve ao fato que as camadas superficiais da retina não são afetadas na TTT, permitindo que a energia luminosa chegue até as camadas mais profundas.

Othmane et al.(9) demonstraram um caso de hemangioma de coróide tratado por meio da termoterapia transpupilar que apresentou redução na espessura do tumor após a aplicação do laser.

Existem relatos na literatura demonstrando ótimos resultados de pacientes com hemangiomas de coróide circunscritos e descolamento de retina secundário tratados com termoterapia transpupilar(10-12).

RELATO DE CASO

G.V.P.V.; 48 anos, masculino, pardo, com história de baixa de acuidade visual progressiva em olho direito a um mês. Ao exame ocular, apresentava acuidade visual com a melhor correção de 20/50 e 20/20 no olho direito e esquerdo, respectivamente. À fundoscopia do olho direito, observava-se uma massa coroidal vermelho-alaranjada, bem circunscrita, arredondada, apresentando cerca de 7 diâmetros papilares no seu maior diâmetro (cerca de 8mm), localizada nasalmente ao disco óptico, e a presença de um descolamento seroso de retina envolvendo a mácula (Figura 1).


A angiografia fluorescente mostrava uma hiperfluorescência pré-arterial com vazamento tardio (Figura 2).


Ecograficamente no modo B apresentava um descolamento de retina seroso, associado com uma massa sólida próxima ao nervo óptico, com aproximadamente 4 mm de espessura, e alta refletividade interna no modo A (Figura 3), compatível com o diagnóstico de hemangioma circunscrito de coróide.


A lesão foi tratada com laser de diodo infravermelho (TTT 1500Ò¾ OptoÒ) com uma potência de 900 mW; 4,2 mm de mira, por cerca 3 minutos, usando-se uma lente de contato com fator de magnificação de 1,97 (QuadrAsphericÒ - VolkÒ) que resultou numa mira com 8,3 mm ao nível da retina, que praticamente circunscrevia todo o tumor.

O tempo de aplicação do laser foi determinado pela própria reação tecidual, pois ao final de 3 minutos começou a ocorrer uma discreta mudança da coloração do hemangioma, sendo o tratamento interrompido neste ponto.

Um mês depois se observou, oftalmoscopicamente, uma redução significativa do tamanho da lesão do olho direito, com absorção do líquido subretiniano (Figura 4). Este fato era também evidenciável na retinografia fluorescente (Figura 5) e na ecografia (Figura 6). Houve uma melhora significativa da acuidade visual, retornando para 20/20. O seguimento do paciente já dura 5 meses, sendo que no local do hemangioma observa-se uma cicatriz pigmentada e plana, com discreta elevação junto do disco óptico.




DISCUSSÃO

Desde 1860, a hipertermia tem sido usada como uma modalidade terapêutica para tumores. Neste tempo, foi notado que sarcomas faciais regrediam após quadros febris prolongados(13). Os estudos iniciais em seres humanos foram realizados em tumores cutâneos como carcinomas de células escamosas e melanomas malignos(14-16).

Em contraste com a fotocoagulação a laser, na hipertermia, os efeitos produzidos pela coagulação das proteínas teciduais estão ausentes, otimizando a penetração do calor. A penetração do calor também é otimizada pelo tempo de exposição, diâmetro do feixe e comprimento de onda. Exposições de um minuto ou mais com um feixe de vários milímetros de diâmetro e comprimento de onda entre 700 e 900 nm são necessárias(8). Irradiação próxima do espectro do infravermelho é a ideal para o uso na termoterapia transpupilar, pois a penetração tecidual é alta e a absorção pelos meios oculares é mínima(17). Pelo aumento no diâmetro do feixe, a penetração de calor no tecido alvo é aumentada e a dissipação de calor nos tecidos adjacentes é diminuída. Os níveis diminuídos de calor proporcionados pelo TTT, em comparação com a fotocoagulação a laser, causam dano tecidual colateral mínimo à retina adjacente.

Estudos histológicos de melanomas de coróide tratados com TTT mostram extensa trombose dos vasos tumorais após o tratamento(18). Suspeitamos que algo análogo possa ocorrer nos hemangiomas de coróide, levando à regressão do tumor.

Baseados nos relatos dos autores que descreveram o uso da termoterapia transpupilar para tratamento dos hemangiomas de coróide(9-12) e na evolução observada no presente caso, pode-se dizer que as vantagens da termoterapia transpupilar, quando comparada à fotocoagulação convencional, são: o menor número de aplicações com o laser de diodo para obter o desaparecimento da lesão, recuperação visual mais rápida, especialmente nos casos em que há descolamento de retina secundário e eficácia da TTT mesmo naqueles casos em que a fotocoagulação convencional com laser de argônio foi infrutífera.

Os níveis de energia utilizados por outros autores para tratar hemangiomas de coróide tem sido variáveis. Othmane et al.(9) descreveram o uso de 550 mW, mira de 3 milímetros, durante 10 minutos, para tratar um paciente com hemangioma localizado de coróide. Garcia-Arumi et al.(10) usaram entre 800 e 1200 mW, 3 a 6 minutos de exposição, trabalhando com miras de 2 a 3 mm quando trataram 8 olhos de 8 pacientes com hemangiomas de coróide de diferentes dimensões. Rapizzi et al.(12) usaram 510 mW, mira de 2 mm e 5 minutos de aplicação. Todos estes autores interrompiam o tratamento quando a lesão começava a mudar de coloração ou ficava levemente esbranquiçada.

Os níveis de energia (mW) utilizados no presente caso estão dentro da mesma faixa utilizada pelos outros autores, ressalvando-se o tempo de aplicação mais curto. Uma possível explicação é o tamanho da mira, que por ser maior do que a utilizada pelos outros autores, permitiu possivelmente uma penetração mais eficaz de energia no tecido alvo. Como dito anteriormente, quanto maior a mira, menor é a dissipação de calor nos tecidos adjacentes à lesão. A utilização de miras maiores do que 3 mm para tratamentos que utilizam o laser de diodo foi proposta por um dos autores (JR ¾ comunicação pessoal a OptoÒ) e o presente caso ilustra bem a utilidade desta modificação.

Várias modalidades terapêuticas já foram empregadas para tratamento dos hemangiomas como laser de argônio, placas de braquiterapia, radiação externa, radiação por feixe de prótons(2). Todas esbarram com freqüência maior ou menor em taxas de insucesso elevadas e efeitos colaterais importantes. Portanto, a chegada de alternativas terapêuticas, como a termoterapia transpupilar e a terapia fotodinâmica, que pelo menos inicialmente, parecem apresentar maior margem de sucesso e menor incidência de efeitos indesejáveis, são muito bem-vindas.

Os parâmetros ideais para TTT ainda estão para serem elucidados. Estudos randomizados e prospectivos usando um grande número de pacientes determinarão o papel da TTT no tratamento dos hemangiomas de coróide, mas mostra-se como uma importante modalidade de tratamento a ser considerada nestes pacientes.

ABSTRACT

The authors describe a case of a circumscribed choroidal hemangioma with secondary retinal detachment treated with transpupillary thermotherapy using diode laser. The settings were: 900 mW power, 4.2 mm spot, for 3 minutes, QuadrAsphericÒ lens (Volkâ) with a magnification factor of 1.97. One month later, there was a significant shrinkage of the hemangioma with full recovery of vision in this eye. The authors discuss some aspects of this method, which seems promising in treatment of this vascular tumors.

Keywords: Induced hyperthermia; Choroid neoplasms/ therapy; Hemangioma therapy; Retinal detachment; Lasers/ therapeutic uses

Endereço para correspondência: Av. Angélica, 1045 5o andar - São Paulo (SP) CEP 01227-100.

E-mail: jroizenb@usp.br

Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência sobre a divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Michel Eid Farah Neto.

Recebido para publicação em 22.05.2001

Aceito para publicação em 16.01.2002

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  • 1
    Médico Assistente da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    2
    Médico Estagiário do Setor de Retina do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2002
    • Data do Fascículo
      Mar 2002

    Histórico

    • Aceito
      16 Jan 2002
    • Recebido
      22 Maio 2001
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