Open-access Funcionamento e desempenho do sistema de Revisão por Pares

Operation and performance of the Peer-Review system

EDITORIAL

Funcionamento e desempenho do sistema de Revisão por Pares

Operation and performance of the Peer-Review system

Haroldo Vieira Moraes Jr.; Eduardo Melani Rocha; Wallace Chamon

A revisão de manuscritos por especialistas no tema, e as sugestões deles incorporadas no trabalho ou usadas para rejeitá-los é chamada de revisão por pares ("peer-review system").

Esse recurso é usado de maneira regular desde o início do século XVIII, pela Medical Essays and Observations, de Edimburgo, Escócia e tem a sua efetividade reavaliada periodicamente(1).

O sistema já foi definido como "uma negociação entre um autor e uma publicação acerca do âmbito de conhecimento que finalmente surgirão impressas"(2) ou como "uma avaliação, por peritos, da qualidade e pertinência da investigação de outros peritos do mesmo campo"(3). O sistema, também chamado de arbitragem científica, é considerado um dos pilares fundamentais da ciência, usado também para concessão de verbas para pesquisa e prêmios ou honrarias para pesquisadores.

Na década de 80, do século XX, ele passou a ser parte da maioria das agências de fomento e revistas biomédicas do mundo. Dois fatores principais contribuíram para a sua incorporação formal no processo de publicação científica: o crescimento exponencial do número de artigos submetidos, e sua crescente especialização, fenômenos observados também no Brasil e já comentados nos ABO, anteriormente(4-5).

Curiosamente, esse crescimento também demonstrou algumas fraquezas do sistema(6). Alguns estudos abordaram a fragilidade do processo de revisão por pares, mas poucos têm oferecido alternativas razoáveis ao modelo(7). As críticas estão relacionadas a diversos pontos; como o tempo gasto no processo, o cerceamento da liberdade do leitor de fazer sua crítica completa e pessoal, além do inevitável viés dos revisores. Naturalmente, a revisão por pares também não é suficiente para evitar a fraude que, para ser combatida, sempre necessitará de ferramentas mais sofisticadas e, principalmente, da análise crítica dos leitores.

A maneira como o sistema é usado pode variar. Revistas prestigiadas como New England Journal of Medicine, The Lancet e outras aceitam entre 6 a 10% dos manuscritos submetidos. Algumas rejeitam até 50% dos artigos submetidos de imediato, por meio de revisões técnicas, não levando ao conhecimento de revisores especialistas na área, outras chegam a cobrar taxas apenas para fazer a análise, mesmo que acabe numa rápida rejeição do material, sem direito a reembolso. Na maioria das revistas, os revisores têm conhecimento de quem são os autores, no entanto, o anonimato do revisor normalmente só é quebrado se este assim o desejar.

Como já observado pelo Prof. Harley Bicas, em editorial sobre rejeição de manuscritos, a decisão de rejeitar não é fácil de ser tomada, é passível de erro e a intenção dos ABO, ao tomar essa decisão é o melhor beneficio do leitor, procurando ser educativa para autores(8).

Erros no processo de avaliação ocorrem dos dois lados, prova disso é que dentre as causas de rejeição ou pendência na literatura científica médica a inadequação da metodologia estatística é apontada como uma das mais freqüentes. Revistas importantes como Nature Medicine, chegaram a apresentar erros estatísticos em até 38% dos artigos publicados(9-10). Neste contexto, programas de apoio à capacitação de autores e revisores científicos têm sido oferecidos pelos ABO nos Congressos Brasileiros, nos últimos anos.

Os ABO agradecem anualmente os seus revisores e depositam neles a perspectiva de evolução e participação na sua qualidade(11). Boas orientações para a execução dessa árdua e anônima tarefa existem na literatura(12).

Algumas análises bibliométricas indicam que manuscritos enviados a dois ou mais revisores geralmente não obtêm concordância, sobre a qualidade do trabalho, maior do que seria ao acaso(13). Por outro lado, a priorização dada por revisores, publicando apenas manuscritos considerados "excelentes", elevaria consideravelmente o fator de impacto da revista, devolvendo a responsabilidade sobre a qualidade ao autor, que envia os seus melhores manuscritos, e aos revisores que avaliam cuidadosa e rapidamente o que recebem.

Na literatura internacional, o destino dos trabalhos rejeitados é a publicação em revistas de menor impacto, cerca de 18 meses após o envio inicial(14). Nos ABO é observado que muitos autores com artigos pendentes não voltam a enviar o artigo com as revisões feitas ou argumentos para não atender ao pedido do revisor. Nesse casos, o trabalho fica interrompido unilateralmente, faltando dos autores uma satisfação ao empenho da revista em contribuir com a melhora do manuscrito. O desfecho desejado seria atender aos questionamentos, enviar uma réplica aos editores ou abdicar da intenção de publicação. Recentemente a política editorial dos ABO passou a excluir trabalhos pendentes com o autor por mais de três meses.

Em resumo, o trabalho de revisão por pares é sujeito a críticas, que devem ser levadas pelos autores, editores e revisores, para aperfeiçoamento do sistema. O sistema, por sua vez deve persistir, pois ainda é a melhor maneira de assegurar que a boa informação científica chegue aos leitores, até que uma alternativa melhor seja comprovada.

Referências bibliográficas

  • 1 Benos DJ, Bashari E, Chaves JM, Gaggar A, Kapoor N, LaFrance M, et al. The ups and downs of peer review. Adv Physiol Educ. 2007;31(2):145-52.
  • 2 Goodman SN, Berlin J, Fletcher SW, Fletcher RH. Manuscript quality before and after peer review and editing at Annals of Internal Medicine. Ann Intern Med. 121(1):11-21, 1994. Comment in: Ann Intern Med. 1994;121()1):60-1.
  • 3 Gitanjali B. Peer review - process, perspectives and the path ahead. J Postgrad Med. 2001;47(3):210-4.
  • 4 Bicas HE, Dantas PE, Campos M, Muccioli C, Moral C. Sobre a editoração científica no Brasil e seu crescimento. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2008 [citado 2009 Jul 13];71(3):309. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v71n3/a01v71n3.pdf
  • 5 Moraes Jr HV. Reflexões sobre bioética. Arq Bras Oftalmol. 1997;60:661-2.
  • 6 Gallagher R. Taking on peer review. The Scientist. 2006;20(2):13.
  • 7 Turner L. Promoting F.A.I.T.H. in peer review: five core attributes of effective peer review. J Acad Ethics. 2003;1(2):181-8.
  • 8 Bicas HEA. Sobre rejeições de trabalhos encaminhados à publicação. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):283-4.
  • 9 Statistically significant. Nat Med. 2005;11(1):1.
  • 10 McCook A. Is peer review broken? The Scientist. 2006;20(2): 26-34.
  • 11 Muccioli C, Campos M, Goldchmit M, Dantas PEC, Bechara SJ, Costa VP. Revisão de artigos científicos: privilégio para poucos; benefício para todos. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2006 [citado 2010 Jun 12];69(1):5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v69n1/27714.pdf
  • 12 Turka LA. After further review. J Clin Invest. 2009;119(5):1057.
  • 13 Rothwell PM, Martyn CN. Reproducibility of peer review in clinical neuroscience. Is agreement between reviewers any greater than would be expected by chance alone? Brain. 2000;123(Pt 9):1964-9.
  • 14 Ray J, Berkwits M, Davidoff F. The fate of manuscripts rejected by a general medical journal. Am J Med. 2000;109(2):131-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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