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Padrões emergentes na construção civil: a padronização baseada na improvisação

Emerging standards in civil construction: standardization based on improvisation

Resumo

A padronização é um princípio da gestão com vistas à redução da variabilidade no processo de produção por meio de um conjunto de regras que determinam de que maneira uma tarefa deve ser executada. No entanto, há uma convergência para a ideia de que parcelas do trabalho, não previstas nos padrões formais, emergem mediante adaptações realizadas pelos próprios operadorese são boas soluções ante os propósitos da padronização. O objetivo deste artigo é entender a natureza dessas parcelas do trabalho na construção civil e categorizá-las por meio de constructos que representem sua taxonomia. Com base na abordagem do Design Science Research, foram realizados: um estudo exploratório em uma empresa de montagem e instalação de móveis planejados, um estudo empírico (EE1) na atividade de assentamento de pisos e azulejos, e um estudo de avaliação (EE2) na montagem de formas de pilar. O estudo exploratório propiciou a caracterização inicial dessas parcelas do trabalho. No EE1, identificou-se os constructos que explicam a natureza e a taxonomia dessas parcelas do trabalho, denominadas padrões emergentes (PE). Os constructos identificados foram facilitação da ação e precaução, com seus desdobramentos, demonstrando a variedade de situações em que os PE podem ser identificados. Por fim, no EE2, foram validados os resultados.

Palavras-chave:
Variabilidade na construção; Adaptação de padrões; Improvisação positiva; Padrões emergentes

Abstract

Standardisation is a management tool aimed at reducing variability in the production process through a set of rules that determine how a task must be performed. However, there are convergent ideas that parts of the work, not foreseen in the formal standards, emerge through adaptations carried out by the operators themselves andare good solutions for the purposes of standardization. The aim of this article is to understand the nature of these parts of work in construction and to categorize them through a set of constructs that represent their taxonomy. Based on the Design Science Research approach, were carried:an exploratory study developed in a company that assembles and installs custom furniture, an empirical study (EE1) occurred on the activity of laying floors and tiles, and an evaluation study (EE2) carried out on the assembly of pillar’s forms. The first study provided an initial characterization of these parts of the work. The constructs that explain the nature and taxonomy of these parts of the work were identified in the EE1. These parts of the work are called emerging standards (ES). The constructs identified were facilitation of actions and precaution, which were subdivided demonstrating the variety of situations in which ESs can be identified. Finally, the results were validatedin the EE2.

Keywords:
Variability in construction; Adaptation of standards; Positive improvisation; Emerging standards

Introdução

A variabilidade tem impactos nocivos para os sistemas de produção. Hopp e Spearman (2012)HOPP, W. J.; SPEARMAN, M. A ciência da fábrica. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. destacam como principais impactos o crescimento dos estoques de produtos em processamento ou em espera na linha de produção (trabalho em progresso), o aumento do tempo de entrega de produtos (lead time), a ociosidade da capacidade de produção e o baixo volume de produção.

Em função da importância da padronização como alternativa de gestão para reduzir a variabilidade (MONDEN, 1998MONDEN, Y. Toyota production system: as integrated approach to just-in-time. 3rd. ed. Norcross: Industrial Engineering and Management Press, 1998. ; SPEAR; BOWEN, 1999SPEAR, S.; BOWEN, H. K. Decoding the DNA of the Toyota Production System. Harvard Business Review, v. 77, p. 96-106, Sept./Oct. 1999.; IMAI, 2012IMAI, M. Gemba Kaizen: a commonsense, low-cost approach to management. 2nd. ed. New York: McGraw-Hill, 2012.; LIKER; MEIER, 2008LIKER, J. K.; MEIER, D. P. O talento Toyota: o modelo Toyota aplicado ao desenvolvimento de pessoa. Porto Alegre: Bookman , 2008.), estudos recentes têm buscado entender qual deve ser o conteúdo de padrões de trabalho e o papel deles nas organizações complexas e de alto risco (CARIN JUNIOR et al., 2016CARIN JUNIOR, G. C. et al. Using a procedure doesn’t mean following it: a cognitive systems approach to how a cockpit manages emergencies. Safety Science , v. 89, p. 147-157, 2016.; SAURIN; GONZALEZ, 2013SAURIN, T. A.; GONZALEZ, S. S. Assessing the compatibility of the management of standardized procedures with the complexity of a sociotechnical system: case study of a control room in an oil refinery. Applied Ergonomics , v. 44, p. 811-823, 2013.). No que se refere ao entendimento do conteúdo do padrão e sua implementação em atividades da construção civil envolvendo equipes numerosas, como é o caso da etapa estrutura em concreto armado, destacam-se os trabalhos de Fazinga (2012)FAZINGA, W. R. Particularidades da construção civil para implantação do trabalho padronizado. Londrina, 2012. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Edificações e Saneamento, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012., Kremer (2016)KREMER, A. Diretrizes para elaboração do projeto da produção para atividades da construção civil. Londrina, 2016. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Edificações e Saneamento, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2016. e Lopes (2016)LOPES, A. D. Uso do projeto da produção para a padronização dos processos construtivos na construção civil. Londrina, 2016. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Edificações e Saneamento, UniversidadeEstadual de Londrina, Londrina, 2016.. Já as pesquisas de Mariz e Picchi (2013)MARIZ, R. N.; PICCHI, F. A. Método para aplicação do trabalho padronizado. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 3, p. 183-197, jul./set. 2013. e de Silveira (2019)SILVEIRA, A. Diretrizes para a estabilização da produção em processos produtivos da construção civil por meio da ferramenta trabalho padronizado. Passo Fundo, 2019, 129 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Instituto Meridional, Passo Fundo, 2019. foram dedicadas às atividades que envolviam apenas um trabalhador oficial conduzindo o trabalho e um ajudante para apoiá-lo. Uma vez que se tratava de um ambiente de menor complexidade, esses autores estudaram procedimentos padronizados mais detalhados.

Imai (2012)IMAI, M. Gemba Kaizen: a commonsense, low-cost approach to management. 2nd. ed. New York: McGraw-Hill, 2012. e Saurin e Gonzalez (2013)SAURIN, T. A.; GONZALEZ, S. S. Assessing the compatibility of the management of standardized procedures with the complexity of a sociotechnical system: case study of a control room in an oil refinery. Applied Ergonomics , v. 44, p. 811-823, 2013. descrevem o procedimento padronizado como um conjunto de regras que determinam de que maneira uma tarefa deve ser executada. Esse conjunto de regras corresponde a uma descrição das especificações de requisitos iniciais para produção, sequência, tempos e resultados esperados de um produto ou processo de produção. A descrição desses autores sobre o conteúdo prescrito em um procedimento padronizado apresenta similaridade com o conteúdo do padrão apresentado por Fazinga (2012)FAZINGA, W. R. Particularidades da construção civil para implantação do trabalho padronizado. Londrina, 2012. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Edificações e Saneamento, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012., ou seja, o procedimento padronizado será aqui entendido como o documento que apresenta o conteúdo do padrão.

Saurin e Gonzalez (2013)SAURIN, T. A.; GONZALEZ, S. S. Assessing the compatibility of the management of standardized procedures with the complexity of a sociotechnical system: case study of a control room in an oil refinery. Applied Ergonomics , v. 44, p. 811-823, 2013. apontaram falta de consenso na literatura em relação às recomendações quanto ao nível de detalhamento do conteúdo dos procedimentos para sistemas de produção complexos. Por isso, não apresentam uma conclusão apontando se os procedimentos padronizados com baixo nível de detalhamento são, de fato, melhores ou piores do que aqueles que especificam em detalhes como deve ser realizada uma tarefa.

Os estudos conduzidos por Dekker (2003)DEKKER, S. Failure to adapt or adaptations that fail: contrasting models on procedures and safety. Applied Ergonomics , v. 34, p. 233-238, 2003., explorando modelos de procedimentos operacionais nas organizações, concluíram queaumentar o rigor desses documentos com demasiado número de especificações para o trabalho nem sempre representa solução satisfatória. Oautor afirma que procedimentos excessivamente detalhados tendem a se tornar inadequados diante da variabilidade e dos imprevistos comumente manifestados no cotidiano de ambientes complexos.

Na visão de Weichbrodt (2015)WEICHBRODT, J. Safety rules as instruments for organizational control, coordination and knowledge: implications for rules management. Safety Science , v. 80, p. 221-232, 2015., a escolha por regras excessivamente detalhadas pode levar à falsa sensação de segurança, além de dificultar a inovação e mudanças necessárias diante de situações imprevistas. Weichbrodt e Grote (2010)WEICHBRODT, J.; GROTE, G. Rules and routines in organizations: a review and integration. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ORGANIZATIONAL ROUTINES, 4., Nice, 2010. Proceedings[…] Nice, 2010. salientam que excessivas exigências restringem a liberdade de ação por parte dos operadores.

Borys (2012)BORYS, D. The role of safe work method statements in the Australian construction industry. Safety Science , v. 50, p. 210-220, 2012. identificou que, na tentativa de garantir o controle total dos eventos que ocorrem dentro dos limites do canteiro de obras, os gestores tendem a criar métodos específicos para todas as etapas do trabalho. Tal prática, segundo o autor, pode resultar na redução de etapas críticas, consideradas de alto risco, e muito impacto no desempenho do sistema de produção, a um nível de importância similar a eventos triviais1 1 Borys (2012) sugere que eventos triviais são o oposto às situações que oferecem maiores riscos de segurança, devido à baixa ocorrência e ao pouco conhecimento da equipe. Sendo assim, consideram-se eventos triviais aqueles que ocorrem com frequência e, por isso, são de conhecimento de todos da equipe. do processo.

Independentemente do nível de detalhamento da operação determinado nos padrões, os sistemas de produção estão expostos a acontecimentos de caráter emergente. Isso leva ao reconhecimento de que a capacidade de adaptação das regras é um elemento fundamental para que os objetivos sejam alcançados (HOLLNAGEL; WOODS, 2005WOODS, D. D. Creating foresight: lessons for enhancing resilience from Columbia. In: FARJOUN, M.; STARBUCK, W. H. Organization at the limit: NASA and the Columbia Disaster. Hoboken: Blackwell, 2005.).

Essa discussão levanta a ideia de que os procedimentos padronizados podem ser aprimorados mediante um desvio entre o trabalho prescrito e o trabalho praticado no contexto real (HOLLNAGELL; WOODS, 2005WOODS, D. D. Creating foresight: lessons for enhancing resilience from Columbia. In: FARJOUN, M.; STARBUCK, W. H. Organization at the limit: NASA and the Columbia Disaster. Hoboken: Blackwell, 2005.; BLAKSTAD; HOVDEN; ROSNESS, 2010BLAKSTAD, H. C.; HOVDEN, J.; ROSNESS, R. Reverse invention: an inductive bottom-up strategy for safety rule development: A case study of safety rule modifications in the Norwegian railway system. Safety Science, v. 48, p. 382-394, 2010.; PARMIGIANI; GRENVILLE, 2011PARMIGIANI, A; GRENVILLE, J. H. Routines revisited: exploring the capabilities and practice perspectives. The Academy of Management Annals, v. 5, n. 1, p. 413-453, 2011.; CARIN JUNIOR et al., 2016CARIN JUNIOR, G. C. et al. Using a procedure doesn’t mean following it: a cognitive systems approach to how a cockpit manages emergencies. Safety Science , v. 89, p. 147-157, 2016.). Saurin e Gonzalez (2013)SAURIN, T. A.; GONZALEZ, S. S. Assessing the compatibility of the management of standardized procedures with the complexity of a sociotechnical system: case study of a control room in an oil refinery. Applied Ergonomics , v. 44, p. 811-823, 2013., Weichbrodt (2015)WEICHBRODT, J. Safety rules as instruments for organizational control, coordination and knowledge: implications for rules management. Safety Science , v. 80, p. 221-232, 2015. e Dekker (2003)DEKKER, S. Failure to adapt or adaptations that fail: contrasting models on procedures and safety. Applied Ergonomics , v. 34, p. 233-238, 2003. apontam que esse desvio pode denotar a necessidade de adaptações nas especificações de trabalho para responder às especificidades e adversidades de determinado trabalho. Essas adaptações, normalmente, são provenientes de uma fonte informal do conhecimento, podem ocorrer mediante improvisações realizadas pelos operários de forma repentina, não esperada e não planejada, e podem representar uma inovação, desde que realizada por pessoas experientes (CIBORRA, 1999CIBORRA, C. U. Notes on improvisation and time in organizations. Accounting, Management and Information Technologies, v. 9, p. 77-94, 1999.).

Constata-se que há convergência quanto à necessidade de introdução de parcelas do trabalho, não previstas nos padrões formais da organização, que representem boas soluções diante da variabilidade da produção. No entanto, como tais parcelas do trabalho normalmente não estão associadas a eventos triviais, nem sempre são facilmente identificadas somente por meio de observação do trabalho, visto que são introduzidas na operação mediante adaptações realizadas por meio de experimentação por parte do próprio operário. Por proporcionar um efeito positivo na produção, tais parcelas têm potencial para se tornarem padrões de trabalho dentro da organização.

O objetivo deste artigo é entender a natureza dessas parcelas do trabalho nas operações da construção civil e categorizá-las por meio de constructos. Os estudos permitiram entender que tais parcelas podem ser caracterizadas como padrões emergentes (PE), visto que são ações que emergem em presença de adversidades e de imprevisibilidades e que, em função da contribuição positiva para o trabalho, podem ser incorporadas ao padrão.

Revisão de literatura

Padronização e padrões

O Productivity Press Development Team (2002)PRODUCTIVITY PRESS DEVELOPMENT TEAM. Standard work for the shopfloor. New York: Productivity, 2002. define padronização como a prática de estabelecer, comunicar, aderir e melhorar padrões. De acordo com esse manual, manter o ciclo de melhoria contínua faz parte do processo de padronização, visto que promove a busca constante por melhores padrões de trabalho.

Imai (2012)IMAI, M. Gemba Kaizen: a commonsense, low-cost approach to management. 2nd. ed. New York: McGraw-Hill, 2012. e Grote (2015)GROTE, G. Promoting safety by increasing uncertainty-implications for risk management. Safety Science , v. 71, p. 71-79, 2015. destacam que o conjunto de regras que compõem o padrão estabelece modelos ou normas que orientam um comportamento, determinando as expectativas a respeito do desempenho. A busca por desempenhos melhores é o estímulo à melhoria contínua.

Para o Productivity Press Development Team (2002)PRODUCTIVITY PRESS DEVELOPMENT TEAM. Standard work for the shopfloor. New York: Productivity, 2002., as expectativas de desempenho estão associadas a dois aspectos da produção:

  1. às especificações de qualidade do produto, focando na eliminação de defeitos no produto; e

  2. à análise e melhoria do processo de produção, voltando-se para eliminar as perdas na produção.

Essas expectativas de desempenho estão associadas a metas a serem atingidas mediante o conjunto de regras. Tal entendimento está relacionado aos componentes do padrão citados por Kondo (1991)KONDO, Y. Human motivation: a key factor for management. Tokyo: 3A Corp., 1991.: meta, restrições e método. Esse autor descreve esses componentes como:

  1. meta e objetivos a serem atingidos, como especificações de qualidade a serem atendidas;

  2. restrições a serem obedecidas ao conduzir o trabalho, como procedimentos que visem à segurança do trabalhador; e

  3. métodos a serem aplicados para a execução do trabalho de forma a atingir a meta (objetivos).

Kondo (1991)KONDO, Y. Human motivation: a key factor for management. Tokyo: 3A Corp., 1991. alega que, a partir do momento em que estão claros os objetivos, descrever o método do trabalho com o maior grau de liberdade possível é uma das condições para que tais objetivos sejam efetivamente alcançados. Kondo aponta que instruções muito detalhadas podem contribuir para que haja negligência de responsabilidade do operador sobre o trabalho. O autor complementa que a descrição e a obrigatoriedade de seguir métodos específicos podem ser usadas como justificativa para explicar situações nas quais os objetivos não são alcançados. O autor ainda explica que o método não deve ser confundido com instruções que devem ser seguidas sem falhas; trata-se, isso sim, de sugestões úteis para o desempenho do trabalho. Por meio desse tipo de padrão, as pessoas podem usar a própria criatividade e, com isso, descobrir outros métodos de trabalho, esforçando-se para melhorar ainda mais o próprio desempenho.

O preceito da prescrição de métodos com menor nível de rigidez, defendido por Kondo (1991)KONDO, Y. Human motivation: a key factor for management. Tokyo: 3A Corp., 1991., é similar a um dos princípios que regem a filosofia do sistema sociotécnico (SST), denominado mínimas especificações, estas atreladas às parcelas consideradas críticas para o trabalho. Niepce e Molleman (1998)NIEPCE, W.; MOLLEMAN, E. Work design issues in lean production from a sociotechnical systems perspective: Neo-Taylorism or the next step in sociotechnical design? Human Relations, v. 51, n. 3, 1998. afirmam que tal princípio se refere à mínima descrição possível de como executar uma tarefa, fornecendo apenas as diretrizes necessárias para garantir que ela seja desempenhada de forma adequada.

Da mesma forma, Clegg (2000)CLEGG, C. Sociotechnical principles for system design. Applied Ergonomics, v. 31, p. 463-477, 2000. aponta que, no contexto dos sistemas sociotécnicos, não se deve especificar excessivamente a maneira como um processo deve ser executado. Esse autor afirma que em um sistema como este os operadores são autorizados a resolver problemas e desenvolver seus próprios métodos de trabalho, contribuindo para a aprendizagem e a inovação, desde que alcancem os objetivos previamente acordados.

Por outro lado, Spear e Bowen (1999)SPEAR, S.; BOWEN, H. K. Decoding the DNA of the Toyota Production System. Harvard Business Review, v. 77, p. 96-106, Sept./Oct. 1999. afirmam que as tarefas realizadas pelos operários devem ser altamente especificadas e rígidas em termos de conteúdo do trabalho, de sequência de execução, de tempo e de resultados. O alto grau de especificação, segundo os mesmos autores, permite que sejam identificados desvios parciais que podem levar ao descumprimento do tempo de ciclo nas estações de trabalho. É importante destacar que essa descrição de Spear e Bowen se refere ao padrão adotado no Toyota Production System (TPS). Trata-se de um contexto de menor variabilidade em virtude das características do sistema de produção, de arranjos de postos de trabalho e de particularidades culturais. Tempos de ciclo reduzidos para realizar conjuntos de operações é outro fator relevante que justifica especificações detalhadas e rígidas para conduzir o trabalho.

As diferentes abordagens quanto ao nível de detalhamento de padrões apontam para a necessidade de considerar o contexto em que a produção ocorre. O grau de complexidade a que o sistema de produção está sujeito é um fator relevante no nível de detalhamento de padrões. Ambientes complexos, sujeitos a incertezas nos objetivos e métodos e a um grande número de fatores intervenientes interdependentes (WILLIAMS, 2002WILLIAMS, T. M. Modelling complex. New York: John Wiley & Sons, 2002.) normalmente operam com padrões menos detalhados. Já ambientes de maior estabilidade tendem a adotar um nível de detalhamento maior em seus padrões de trabalho. De uma forma ou de outra, a capacidade de adaptação das regras é um elemento fundamental para que os objetivos sejam alcançados (HOLLNAGEL; WOODS, 2005WOODS, D. D. Creating foresight: lessons for enhancing resilience from Columbia. In: FARJOUN, M.; STARBUCK, W. H. Organization at the limit: NASA and the Columbia Disaster. Hoboken: Blackwell, 2005.).

Adaptabilidade dos padrões de trabalho

Devido à incompatibilidade entre os procedimentos padronizados e o contexto real, os operários tendem a criar ações para adaptar à realidade. O propósito da adaptação é alcançar os objetivos estabelecidos mesmo diante de situações imprevistas (COOK; RENDER; WOODS, 2000COOK, R. I.; RENDER, M.; WOODS, D. D. Gaps in the continuity of care and progress on patient safety. BMJ, v. 320, p. 791-794, 2000.).

Por reconhecer que as adaptações são parte do contexto operacional, Hollnagel et al. (2005HOLLNAGEL, E.; WOODS, D. D. Joint cognitive systems: foundations of cognitive systems engineering. BocaRaton: Taylor & Francis, CRC, 2005.) apontam que, por vezes, o desempenho esperado é alcançado com ajustes exigidos por um ambiente parcialmente imprevisível. Por essa razão, esses ajustes, normalmente, não são passíveis de ser previstos no momento do design do trabalho.

Nesse sentido, seguir o que é prescrito por regras e regulamentos não necessariamente leva ao alcance do desempenho esperado. Para Hollnagel e Woods (2005)WOODS, D. D. Creating foresight: lessons for enhancing resilience from Columbia. In: FARJOUN, M.; STARBUCK, W. H. Organization at the limit: NASA and the Columbia Disaster. Hoboken: Blackwell, 2005., a capacidade de reconhecer, adaptar e absorver variações, mudanças, perturbações, rupturas e surpresas, especialmente aquelas para as quais o sistema não foi projetado, é própria de organizações e de indivíduos resilientes. Esses autores complementam que a adaptabilidade e a flexibilidade do trabalho humano fazem parte da resiliência. Com base nessas afirmações, compreende-se que a resiliência pode ser interpretada como a capacidade de um sistema ou indivíduo de antecipar e adaptar-se às adversidades. Um sistema resiliente deve ter a capacidade de continuar operando diante de situações imprevistas, porém com ações voltadas à proteção contra qualquer dispersão nos resultados obtidos.

Woods (2005)WOODS, D. D. Creating foresight: lessons for enhancing resilience from Columbia. In: FARJOUN, M.; STARBUCK, W. H. Organization at the limit: NASA and the Columbia Disaster. Hoboken: Blackwell, 2005. explica que a identificação de ações emergentes é importante, pois potencializa canais de capacitação de operadores, evitando erros e fracassos ao longo do processo. Nesse sentido, a revisão de literatura permitiu identificar fatores que podem levar à adaptação de padrões de trabalho, na busca por melhorias na produção, indicados no Quadro 1.

Quadro 1
Fatores importantes na adaptação de padrões de trabalho

Improvisação

Tendo em vista o caráter súbito das ações de ajustes para adaptação dos sistemas de forma a conduzi-los à normalidade (WOODS, 2005WOODS, D. D. Creating foresight: lessons for enhancing resilience from Columbia. In: FARJOUN, M.; STARBUCK, W. H. Organization at the limit: NASA and the Columbia Disaster. Hoboken: Blackwell, 2005.), é relevante analisar os preceitos que regem as ações de improvisação.

O estudo da improvisação tem sido adotado como uma referência importante para a compreensão da inovação e aprendizagem organizacional (CIBORRA, 1999CIBORRA, C. U. Notes on improvisation and time in organizations. Accounting, Management and Information Technologies, v. 9, p. 77-94, 1999.). De acordo com Formoso et al. (2017)FORMOSO, C. T. et al. The identification and analysis of making-do waste: insights from two Brazilian construction sites. AmbienteConstruído, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 183-197, jul./set. 2017., a improvisação é apresentada na literatura como algo natural do ser humano e parte do cotidiano do trabalho. O uso de improvisação é consequência da necessidade da adaptação de regras diante de situações adversas (HALE; SWUSTE, 1998HALE, A. R.; SWUSTE, P. Safety rules: procedural freedom or action constraint? Safety Science , v. 29, n. 3, p. 163-177, 1998.).

Vera e Crossan (2005)VERA, D.; CROSSAN, M. Improvisation and innovative performance in teams. Organization Science, Providence, v. 16, n. 3, p. 203-224, 2005. afirmam que a improvisação é uma habilidade que requer o uso da criatividade e da espontaneidade com o intuito de possibilitar o alcance dos objetivos esperados para um trabalho. Segundo Kondo (1991)KONDO, Y. Human motivation: a key factor for management. Tokyo: 3A Corp., 1991., para que haja espaço para o uso da criatividade por parte do operário, os procedimentos devem ser menos detalhados, especialmente em contextos complexos. O autor destaca que a permissão do uso da criatividade aumenta os níveis de motivação do operário para o trabalho. Kondo (1991)KONDO, Y. Human motivation: a key factor for management. Tokyo: 3A Corp., 1991. complementa que, se as metas (objetivos) e as restrições estão claramente compreendidas, o trabalhador é capaz de definir de forma autônoma o melhor método do trabalho.

No entanto, ressalta-se que a criatividade não é o agente exclusivo para o surgimento de novos padrões operacionais nas organizações. Aspectos relevantes como a competência do trabalhador, sua formação prévia, trabalhos anteriores e o acesso à informação também são fatores com potencial contribuição à empresa e a seu sistema de padrões (DEKKER, 2003DEKKER, S. Failure to adapt or adaptations that fail: contrasting models on procedures and safety. Applied Ergonomics , v. 34, p. 233-238, 2003.; FORMOSO et al., 2017FORMOSO, C. T. et al. The identification and analysis of making-do waste: insights from two Brazilian construction sites. AmbienteConstruído, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 183-197, jul./set. 2017.).

Segundo Formoso et al. (2017)FORMOSO, C. T. et al. The identification and analysis of making-do waste: insights from two Brazilian construction sites. AmbienteConstruído, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 183-197, jul./set. 2017., quando de conotação positiva, ações de improvisação são consideradas importantes fontes de aprimoramento e inovação do conhecimento organizacional, desde que realizadas por pessoas experientes e qualificadas. Contudo, os mesmos autores alertam que não há como desconsiderar que, se realizada de forma irresponsável, a improvisação pode se tornar uma fonte de ineficácia. O making-do, por exemplo, representa uma perda gerada por improvisação maléfica, tanto que, devido a sua alta incidência nos canteiros de obra, aqueles autores buscaram identificar as causas e as consequências associadas a esse fenômeno.

Por outro lado, a busca pela identificação do making-do nos canteiros de obras levou à percepção da presença de ações improvisadas que foram benéficas para a produção. A distinção dessas duas conotações a respeito das ações de improvisação, discutida por Formoso et al. (2017)FORMOSO, C. T. et al. The identification and analysis of making-do waste: insights from two Brazilian construction sites. AmbienteConstruído, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 183-197, jul./set. 2017., leva ao entendimento de que improvisações benéficas merecem ser identificadas e investigadas. A consideração dessa parcela benéfica do trabalho merece destaque, visto que pode levar a melhores práticas de trabalho, e, por isso, deve ser incorporada ao procedimento padronizado (NONAKA; TAKEUCHI, 1997NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação do conhecimento na empresa: como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.; FORMOSO et al., 2017FORMOSO, C. T. et al. The identification and analysis of making-do waste: insights from two Brazilian construction sites. AmbienteConstruído, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 183-197, jul./set. 2017.).

Método de pesquisa

Estratégia e delineamento da pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida a partir da abordagem Design Science Research (DSR). Um dos propósitos da DSR é voltado à proposição de constructos como resposta a um problema de ordem prática, apresentando, assim, as contribuições teóricas para o tema (MARCH; SMITH, 1995MARCH, S. T.; SMITH, G. F. Design and natural science research on information technology. Decision Supports Systems, v. 15, n. 4, p. 251-266, 1995. ). Os constructos propostos nesta pesquisa têm por objetivo explicar a natureza das parcelas do trabalho que emergem de adaptações e improvisações nas operações da construção civil, constituindo, então, uma proposta de taxonomia dessas parcelas. Ao longo dos estudos, essas parcelas do trabalho foram denominadas de padrões emergentes (PE), como forma caracterizar e definir sua natureza. Para isso, o estudo foi dividido em três grandes fases: compreensão, desenvolvimento e avaliação dos constructos propostos. O delineamento desta pesquisa está ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Delineamento da pesquisa

Fase de compreensão

A fase de compreensão (entendimento teórico e prático do tema) foi conduzida com o intuito de obter a caracterização inicial das parcelas de trabalho que, a partir de ações do operário, levavam a um melhor desempenho. Essa fase se desenvolveu segundo as seguintes etapas:

  1. revisão da literatura e discussão em grupo para definir os fatores que levam às ações dos operários;

  2. estudo exploratório realizado na Empresa X, tendo os fatores levantados na etapa anterior como ponto de partida para apoiar a coleta de dados; e

  3. obtenção de um protocolo com a caracterização inicial das parcelas do trabalho que emergem de ações de adaptações por meio de improvisações benéficas para o desempenho do trabalho.

Esse protocolo foi construído mediante a análise e a reflexão sobre os dados obtidos no estudo exploratório e foi utilizado como ferramenta para apoiar a coleta de dados no Estudo Empírico 1 (EE1), na fase de desenvolvimento.

A Empresa X foi selecionada em função da expectativa dos pesquisadores de que os operários envolvidos na montagem de móveis planejados adotariam ações de ajustes com o propósito de garantir acabamento com a qualidade esperada pelo cliente. A necessidade desses ajustes era esperada em função de os móveis planejados serem elementos instalados em espaços a eles designados que requerem uma precisão dimensional maior do que aquilo que comumente se consegue garantir na execução das etapas anteriores. Essa situação é similar, principalmente nas etapas de acabamento das edificações, em função da interface entre elementos de acabamento (revestimentos, esquadrias, louças sanitárias, pontos elétricos e hidráulicos). Além disso, o confinamento das pessoas no ambiente onde seriam instalados os móveis deveria facilitar a observação das operações dos operários e a coleta dos dados nessa etapa de compreensão.

A coleta de dados na Empresa X foi realizada num período de 12 dias úteis de trabalho, em tempo integral. Durante o estudo, foram acompanhadas a execução da montagem e a instalação de armários de cozinha e guarda-roupas nos quartos, totalizando 11 ciclos de processos. As montagens foram realizadas por uma equipe de 4 montadores e 1 ajudante. Esses funcionários foram entrevistados ao longo das observações, por meio de questionamentos que levavam ao entendimento do processo de montagem e de instalação. Durante a coleta, foram registradas em caderno de campo as situações em que eram identificadas quaisquer ações não triviais, ou seja, que não eram formalizadas e do conhecimento de todos da equipe. Todas as situações identificadas possuem repercussões positivas nos fatores importantes para a adaptação dos padrões de trabalho, de acordo com a revisão de literatura. Esses fatores são:

  1. redução da dificuldade das operações;

  2. aumento da segurança dos trabalhadores e no uso do produto;

  3. atendimento da qualidade do produto;

  4. melhoria da produtividade; e

  5. redução de custos atrelados à redução de desperdícios.

Após a coleta de dados, foram duas as questões indagadas na fase de reflexão e análise deste estudo.

Por que a parcela de trabalho foi identificada como uma adaptação do padrão?

Qual característica dessa ação a qualifica como uma parcela do trabalho emergente?

A partir disso, para cada registro identificado como uma parcela do trabalho emergente de adaptações e improvisações, os autores estabeleceram caracterizações que a qualificavam e foi elaborado um quadro com a caracterização inicial para as parcelas. Esse quadro representa a primeira versão do artefato desta pesquisa, que foi utilizado como protocolo de coleta de dados para a próxima fase do estudo.

Fase de desenvolvimento

Na fase de desenvolvimento foi realizado o Estudo Empírico 1 (EE1), conduzido na Empresa A, em atividades de acabamento (assentamento de revestimento cerâmico de pisos e paredes). Essa fase teve como objetivo avançar na caracterização das parcelas de trabalho em estudo nesta pesquisa. O estudo propiciou percepções que contribuíram para identificar os constructos que compõem a taxonomia (artefato desta pesquisa) proposta.

A Empresa A foi escolhida por suas atribuições positivas em relação à gestão da qualidade, característica pela qual a construtora é reconhecida no mercado. Esse fato foi levado em consideração, visto que uma empresa que possui uma política de qualidade e um ambiente de trabalho controlado é propícia para o desenvolvimento da coleta de dados eficaz. Além disso, a empresa possui um sistema de treinamento das equipes de operação, bem como um sistema de padrão de trabalho, que é disseminado para as equipes de trabalho.

A reflexão ao término do EE1 buscou um maior nível de abstração dos constructos definidos após o estudo exploratório. A intenção foi chegar a um conjunto de constructos que pudesse explicar, de forma mais eficaz, as parcelas de trabalho emergentes de adaptações por meio de improvisação. Assim, o número de constructos foi reduzido de sete para três, uma vez que havia um sombreamento entre os sete constructos iniciais. Observa-se que não houve eliminação dos constructos iniciais. Foram apenas identificados os principais e seus desdobramentos, para ser acomodados aqueles constructos secundários que melhor explicavam o constructo principal.

Na fase final deste estudo foi realizada uma reflexão que permitiu concluir que as parcelas de trabalho que emergem de ações de adaptação de padrões por meio da improvisação poderiam ser definidas como PE. Esse termo foi escolhido porque as situações identificadas tinham natureza emergencial e com potencial para se tornarem parte dos padrões formais de trabalho da empresa.

Por fim, com base na caracterização inicial das parcelas do trabalho e nas análises realizadas no EE1, propôs-se a taxonomia dos PE como artefato final desta pesquisa.

Fase de avaliação

A fase de avaliação do conjunto de constructos ocorreu no Estudo Empírico 2 (EE2), realizado na mesma empresa em que se realizou o EE1, porém em atividades da fase bruta da construção (montagem de forma de pilar). A seleção desse novo contexto se justificou pelas diferenças operacionais em relação às atividades anteriores, permitindo consolidar os constructos definidos até então, além de expandir a taxonomia para outras fases da construção.

Entre as diferenças mencionadas citam-se:

  1. critérios de aceitação do serviço em termos de precisão dimensional, em que a fase bruta possui menor rigor;

  2. exposição dos operários a maiores riscos de acidentes, visto que estão em ambiente livre de confinamento; e

  3. peso e volume maiores dos componentes.

  4. A taxonomia dos PE estabelecida ao final do EE1 foi adotada como referência na coleta de dados nessa fase de avaliação (EE 2).

Destaca-se que esta pesquisa derivou da dissertação de um dos autores deste artigo (CRUZ, 2018CRUZ, R. J. P. Proposta de um método para identificação das parcelas críticas do trabalho para a padronização na construção civil. Londrina, 2018. 175 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e Saneamento) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2018.), na qual se determinou um método que operacionaliza a identificação de PE. O método proposto na dissertação apoiou a coleta de dados em todas as etapas desta pesquisa (compreensão, desenvolvimento e avaliação). A aplicação do método permitia a identificação de PE mediante os constructos identificados nas fases anteriores deste estudo. A coleta de dados envolvia a observação dos constructos e o esclarecimento das interpretações obtidas a partir de diálogos com os operários.

Neste contexto, o objetivo desta fase de estudo foi avaliar a aplicabilidade e utilidade destes constructos para a identificação de ações de adaptações e improvisação que levavam ao melhor desempenho, ou seja, para a identificação dos PE.

Resultados e discussões

Fase de compreensão

Nesta fase da pesquisa foram observadas ações de adaptação e improvisação realizadas pelos operários que contribuíam para alcançar os fatores identificados por meio da revisão de literatura descritos no Quadro 1. O atendimento ao desempenho de qualidade do produto foi um fator importante nas ações dos operários, visto que era um produto de alto padrão. Outro fator que repercutiu nas ações dos operários foi a redução da dificuldade das operações, devido a dificuldades com a limitação do espaço para o desenvolvimento do trabalho. Fatores como aumento da segurança do trabalhador e melhoria da produtividade não foram observados de forma direta, mas ainda são considerados importantes para a identificação de ações emergentes em outros contextos de produção. Já a redução de custos e desperdícios foi observada indiretamente, visto que foi percebida em ações identificadas a partir de outros fatores.

Além dos fatores identificados na revisão literatura, outros foram observados nessa fase de estudo: busca pela segurança no uso do produto, simulação do uso do produto, estratégias para garantir precisão dimensional de peças e repetição de ações durante o processo. No Quadro 2 estão descritas as ações observadas nessa fase e o que as caracteriza como emergentes na operação.

Foram provenientes dos resultados do estudo exploratório: repetição, uso de estratégia para precisão dimensional e simulação do uso do produto. As outas características são advindas da literatura, de acordo com o Quadro 1.

O Quadro 3 contém as características das parcelas do trabalho emergentes de adaptação e improvisação, subdivididas em sete categorias. Esse quadro se constituiu na primeira versão do artefato desta pesquisa e foi empregado como protocolo para coleta de dados no EE1.

Estudo Empírico 1

No EE1 o serviço acompanhado foi o de assentamento de piso e azulejo, quando foram evidenciadas dez ações dos operários com as características descritas no protocolo apresentado no Quadro 1. Todas as situações foram registradas levando-se em consideração a existência de um padrão de trabalho preestabelecido pela construtora. Dessa forma, todas as ações que estavam previstas nesses padrões não foram registradas, por se tratar de ações que já foram disseminadas para a equipe, ou seja, boas práticas da empresa.

Quadro 2
Parcelas do trabalho identificadas na fase de compreensão

Quadro 3
Caracterização inicial das parcelas do trabalho emergentes

Características das parcelas do trabalho

Repetição

Três situações foram identificadas a partir da repetição de determinadas ações por parte dos operários ao longo do processo:

  1. as peças de porcelanato possuem uma direção correta de assentamento, indicada pelo fabricante no verso da peça. Contudo, ao passar a argamassa colante, perde-se a orientação e há risco de se assentar a peça na direção contrária. A ocorrência desse tipo de situação ocasionava retrabalho devido à incompatibilidade de dimensões entre peças. Portanto, o operário demarcava com um lápis a direção de assentamento na superfície do piso. Transferir a marcação da direção no piso para a superfície faz com que a direção continue visível e representava um guia para o assentamento, facilitando o processo do trabalho e evitando a ocorrência de retrabalho;

  2. ao longo do processo, o operário buscava garantir que a peça recortada se encaixasse perfeitamente no local apropriado por meio da simulação. O operador colocava a peça no local e demarcava as referências de corte na própria peça (Figura 2). Essa ação era realizada tanto para demarcação inicial das linhas de corte quanto já com as peças recortadas, com a intenção de atestar a precisão dimensional; e

  3. os recortes das peças da “saia” também eram feitos por meio da simulação. Particularmente, em locais em que o piso era inclinado, a peça precisava necessariamente seguir a declividade do piso. Para reduzir as chances de erro, o operário colocava as peças no local de ponta cabeça e com a frente voltada para a parede. Posteriormente, o operário marcava os pontos na altura necessária nas duas extremidades do piso (Figura 3). Ao posicionar a peça dessa forma, garante-se que a peça seja demarcada com precisão dimensional, seguindo a inclinação do piso, o que facilita a ação.

No Quadro 4 estão apresentados sucintamente os relatos observados a partir da repetição das ações. As características atreladas a essas situações deram origem aos constructos que explicam as parcelas do trabalho que dão origem às adaptações de padrões por meio de improvisações. Esses constructos foram desdobrados a partir de situações classificadas com o mesmo constructo, porém com propósitos diferentes.

Figura 2
Simulação da peça no local para demarcação do corte com precisão dimensional

Figura 3
Ilustração do recorte da saia

Quadro 4
Características e constructos intrínsecos aos relatos de repetição

Precisão dimensional

As situações que foram observadas estão descritas abaixo:

  1. antes do início da execução do piso, verificava-se o caimento do contrapiso em direção ao ralo. Para tal verificação, o operário utilizava um aparato de precisão dimensional em função das pequenas tolerâncias de desvio dimensional. O aparato escolhido foi um filete de piso como gabarito (Figura 4), em que o operário marcou duas linhas que delimitavam a maior e a menor altura do azulejo em relação ao piso. Ao comparar as duas marcações feitas no gabarito, podia-se identificar a distância entre as marcações, tornando-se possível a verificação da declividade, cujo intervalo deveria estar entre 0,5% e 1%. Caso não fosse constatada essa declividade, era preciso executar a regularização complementar para a obtenção do desnível necessário, assegurando o desempenho esperado do produto; e

  2. ao executar o piso junto à parede, o operador utiliza uma régua de alumínio para averiguar se a espessura do azulejo vai cobrir a extremidade do piso no chão. Se houver a indicação de que não ficará coberta, será preciso reajustar a posição do piso para mais próximo da parede. Essa verificação era realizada com frequência dentro do processo, por ser indispensável para o alcance da qualidade no acabamento. O uso da régua de alumínio (Figura 5) facilitou a ação, garantindo melhor precisão dimensional para o assentamento das peças.

Ao analisar esses casos, constatou-se que o emprego de estratégias (simulação da peça no local) ou aparatos (uso do gabarito, como a régua de alumínio) para garantir precisão dimensional está associado diretamente à redução de retrabalhos, ao garantir que a qualidade esperada seja alcançada logo na primeira execução.

Nas situações apresentadas a qualidade está atrelada à garantia do desempenho esperado do produto (escoamento da água em direção ao ralo) e à conformidade com as especificações do produto (correta inclinação do piso e acabamento). O atendimento à conformidade nem sempre se constitui em um valor numérico exato; pelo contrário, em muitos casos ela está atrelada ao atendimento de valores dentro de um intervalo de tolerância. No Quadro 5 estão apresentados os constructos relacionados às situações descritas.

Simulação de uso do produto

A evidência observada para identificar a simulação do uso do produto, detectada no estudo exploratório, diz respeito a situações em que o operador faz simulações para verificar a adequação ao uso, buscando atingir as especificações de qualidade em relação à confiabilidade e à durabilidade do produto, ou seja, atua na melhoria da segurança no uso do produto ao longo de sua vida útil.

Figura 4
Verificação da inclinação do piso

Figura 5
Verificação do cobrimento do piso pelo azulejo

Contudo, durante a coleta de dados não foram observados quaisquer casos com essa característica. Isso não significa que em outros serviços da construção civil tais ações não possam ser identificadas. Serviços de instalações hidráulicas e elétricas, impermeabilização e instalação de esquadrias não foram acompanhados nesta pesquisa, no entanto apresentam diversos testes que simulam o uso do produto, que auxiliam na detecção de problemas que possam prejudicar e/ou tornar inseguro o uso do produto.

Redução da dificuldade

Neste estudo, constatou-se também uma situação em que o operário agiu em busca de melhorias no leiaute do posto de trabalho, com o intuito de reduzir a dificuldade de movimentação e acesso aos recursos. Tal ação está descrita abaixo:

  1. o operário manteve uma fileira sem peças assentadas com a intenção de criar um caminho que facilitasse o acesso ao ambiente em que os recursos estavam alocados (peças cerâmicas, ferramenta para recorte das peças, argamassa). Isso evitou a necessidade de movimentação pelo trajeto mais longo, que era normalmente utilizado, representado na Figura 6 pelo percurso A. Devido à excessiva movimentação do operário, a criação de um atalho, cujo trajeto está representado na mesma figura pelo percurso B, reduziu o tempo despendido para a execução da tarefa;

  2. o operário assentava os azulejos cujo acabamento ficava aparente e, posteriormente, aqueles cujas extremidades da peça ficavam escondidas (Figura 7). Segundo ele, essa sequência de execução permitia que as peças aparentes fossem recortadas rapidamente, com o auxílio de um gabarito, na mesma dimensão. Esse aparato é empregado sempre que uma medida precisa ser replicada sem a necessidade de uso de trena, o que facilita a operação de medição, com reduzidas chances de erros. Isso evitava a necessidade da simulação de peça por peça. Nesse caso, o uso da simulação de cada peça em seu local de assentamento fazia com que o mesmo serviço fosse realizado em maior tempo; e

  3. alguns operários executaram o assentamento do piso sobre o ralo após a execução de todo o ambiente (Figura 8a) , visto que havia dificuldade em alinhar e posicionar perfeitamente o piso dividido em quatro peças com a inclinação correta. Ao executar no final, os pisos já assentados serviam de apoio, facilitando o processo de assentamento. Porém, para não haver prejuízos ao longo do processo, uma peça cerâmica era posicionada sem argamassa (Figura 8b) , com o objetivo de delimitar o espaço ocupado por ela.

A partir dos relatos apresentados, conclui-se que ações que reduzem a dificuldade não estão relacionadas apenas a técnicas alternativas para a execução de uma ação. Melhorias no leiaute que facilitam a movimentação ou sequências alternativas para a execução do serviço também estão ligadas à facilitação das ações do trabalho. Dessa forma, tais ações podem ser consideradas constructos para representar parcelas do trabalho emergentes, visto que podem reduzir o tempo despendido para a execução da tarefa, além de evitar retrabalhos, que também acarretam perdas de tempo e materiais.

Assim como nas sessões anteriores, uma síntese dos constructos está apresentada no Quadro 6.

Quadro 5
Características e constructos comuns aos relatos relacionados à precisão dimensional

Figura 6
Demonstração da redução da movimentação do operário pela ação realizada

Figura 7
Demonstração de qual parede deve ser executada primeiramente

Figura 8
(a) Execução do piso assentado sobre o ralo após o assentamento do restante da área; e (b) colocação temporária de peças sem argamassa no locais onde será executado o piso diamantado

Quadro 6
Características e constructos intrínsecos ao relato relacionado à redução da dificuldade

Atendimento aos requisitos da qualidade

Algumas situações relatadas anteriormente estão relacionadas a cuidados especiais para alcance da qualidade, por isso não serão citadas novamente. Entre as ações identificadas estão a demarcação do piso para assentá-lo na mesma direção e a verificação da inclinação da camada de regularização do piso com o auxílio de galga. No entanto, outras ações relacionadas a cuidados especiais foram identificadas, objetivando agora a redução da dificuldade da execução das tarefas posteriores. As situações observadas foram as seguintes:

  1. o operário retirava o excesso de argamassa da região das juntas para facilitar a limpeza das juntas, que era realizada após a cura do assentamento de todo o ambiente. Caso o excesso não fosse removido, a dificuldade para retirar a argamassa das juntas era acentuada. Isso acarretava maior tempo para a execução da tarefa, além de expor o produto ao perigo de sofrer avarias, tal como quebra das bordas. Essa ação representa uma precaução com relação à etapa posterior (limpeza das juntas); e

  2. antes de iniciar um trabalho, o operário media o tempo que gastaria para executar determinada área, com o objetivo de evitar longas paradas no serviço, como, por exemplo, de um dia para o outro, sem concluir todo o ambiente. O problema atrelado a essa situação diz respeito à dificuldade de dar continuidade ao serviço após a cura da argamassa. Ao longo do processo de assentamento do piso são necessários pequenos ajustes nas peças para o devido alinhamento entre elas. Quando a argamassa já está curada, há maior dificuldade de alcançar a uniformidade e o alinhamento das juntas. Isso representa uma ação de precaução com relação à redução da dificuldade das etapas posteriores.

No Quadro 7 estão apresentados, de forma suscinta, os constructos associados às situações apresentadas.

Redução de retrabalho

Situações em que foram observadas ações com vistas à redução do retrabalho já foram contempladas nos outros tópicos. Entre as ações identificadas estão a sequência rígida para recorte do piso assentado sobre o ralo e a simulação da peça no local antes de ser preparada com argamassa. Entende-se que parcelas do trabalho com essa característica têm repercussões positivas na redução das perdas de tempo e de matéria-prima. Sendo assim, são ações com repercussões ligadas à melhoria da produtividade e à redução de custos.

Melhoria da segurança

Durante este estudo não foi evidenciado qualquer caso relacionado à segurança no uso do produto. No entanto, como foi uma ação detectada no estudo anterior e há indícios de que seja encontrada em outros serviços, assim como preconizado pela literatura (JURAN, 1995JURAN, J. M. Planejamento para a qualidade. São Paulo: Pioneira, 1995.; CAMPOS, 2004CAMPOS, V. F. Qualidade total: padronização nas empresas. Belo Horizonte: Fundação Christiano Ottoni, 2004. ), considera-se a busca pela melhoria da segurança do usuário na fase de uso do produto uma das características das parcelas do trabalho emergentes. Também não foram identificadas quaisquer situações relacionadas à segurança do operário, assim como no estudo exploratório. Entende-se que, apesar da existência de ruídos em excesso e uso de máquinas de corte, por se tratar de ambientes em que o operário está pouco exposto a riscos de queda em nível, não houve qualquer ação crítica executada na operação com vistas ao alcance desse item.

Quadro 7
Características e constructos intrínsecos aos relatos relacionados a “cuidados especiais”

Contudo, considerando que a segurança do operário tem influências restritivas na operação (KONDO, 1991KONDO, Y. Human motivation: a key factor for management. Tokyo: 3A Corp., 1991.) e, por isso, se trata de um aspecto importante para o trabalho (CAMPOS, 2004CAMPOS, V. F. Qualidade total: padronização nas empresas. Belo Horizonte: Fundação Christiano Ottoni, 2004. ), entende-se que, para serviços cuja exposição do operário a riscos seja maior, provavelmente serão identificadas ações de precaução nas quais o objetivo seja a segurança do operário.

Discussão dos resultados do EE1

As características observadas nas parcelas do trabalho identificadas no EE1 permitiram a reflexão de que se constituíam de adaptações do trabalho praticadas pelos operários. Tais adaptações emergiam de forma a conduzir ao melhor desempenho do trabalho por meio de improvisações benéficas e, por isso, com potencial para incorporá-las ao conhecimento formal. Portanto, tais parcelas do trabalho são definidas neste artigo como padrões emergentes (PE).

O PE é aqui entendido como o conjunto de ações adotadas pelo operário de forma consciente em busca de adaptações que permitam lidar com sucesso em presença de adversidades e imprevisibilidades, baseadas em experiências anteriores. Em função dos resultados positivos, os PE podem ser incorporados aos padrões da empresa.

A partir dos resultados do EE1, detectaram-se contribuições para o refinamento e a reestruturação da caracterização inicial dos PE, a partir da definição de constructos que correlacionam as informações contidas no protocolo de coleta de dados com as situações observadas no EE1. Essa reestruturação dos constructos resultou na composição da taxonomia dos PE.

Taxonomia dos PE

Para a composição da taxonomia, destaca-se a facilitação da ação e precaução como principais constructos, seguidos de seus respectivos desdobramentos, assim como as evidências ligadas a cada um deles. Cada desdobramento inserido corresponde a uma das características relacionadas aos PE. A finalidade dessa relação consiste em permitir a identificação de ações da mesma natureza em outros serviços da construção, servindo como referência para a coleta de dados no EE2. No Quadro 8 está detalhada a taxonomia dos PE após as adequações oriundas do EE1.

Avaliação do conjunto de constructos: Estudo Empírico 2

Durante o EE2 o serviço acompanhado foi o de montagem de formas de pilar. As formas de pilares eram feitas de chapas de compensado plastificado estruturadas com montantes de madeira. Como medida para evitar eventuais paradas, havia uma forma para cada pilar do pavimento-tipo. As formas eram armazenadas no canteiro de obras e transportadas verticalmente ao pavimento com o auxílio da grua. Para peças com maiores dimensões, o transporte horizontal também era auxiliado pela grua, portanto a execução dessa etapa era dependente desse equipamento. Por fim, a execução da montagem das formas era iniciada após a amarração das armaduras dos pilares, devidamente conferidas pelo encarregado dessa etapa do trabalho.

Neste estudo foram evidenciadas cinco situações classificadas como PE para o trabalho:

  1. amarrar a primeira peça do painel na armadura com o auxílio de um arame: inicialmente se identificou que essa parcela poderia ser caracterizada como uma má prática, uma vez que havia as escoras disponíveis para fazer o escoramento, e os operários estavam adotando outra prática. No entanto, após o esclarecimento por parte dos operários, constatou-se que se tratava de uma ação que facilitava a execução com repercussões positivas na produtividade do processo sem que a segurança dos operários estivesse em risco. Mesmo assim, constatou-se que essa prática ainda é rudimentar e pode ser melhorada por meio da substituição do arame por um dispositivo mais apropriado. Por ser eficaz em sua função, a amarração com arame passou a ser empregada na montagem de todos os pilares, evitando a necessidade de escoramento;

  2. executar a montagem de todas as formas do lote que está sendo montado até o travamento inicial com a colocação de duas agulhas (uma de cada lado): o intuito dessa ação é imobilizar a forma no local para que as próximas etapas possam ser realizadas. Enquanto todos os conjuntos não estiverem montados, boa parte do espaço é ocupado pelos painéis no chão, dificultando a movimentação da equipe. Quanto antes ocorrer a liberação desse espaço, os ajustes finais (colocação dos aprumadores, regulação do prumo da forma e transpasse dos tubos e tensores), que exigem movimentação constante, começam a ser executados. Esses ajustes são realizados à medida que as formas são levantadas, devido à liberação do espaço que antes estava sendo consideravelmente utilizado pelos painéis no chão. Dessa forma, quanto antes o espaço for liberado, melhor será o aproveitamento do tempo para execução;

  3. cortar o tubo de transpasse das agulhas com uma das extremidades enviesada: ao cortar os tubos, deixando uma das extremidades pontiagudas, há facilitação na introdução desses objetos nos furos do painel das formas, dando maior rapidez à execução. Se os cortes enviesados deixam de ser feitos, o operador despende maior tempo para a execução da mesma tarefa, principalmente naqueles em que a armadura da forma atrapalha a passagem do tubo até a outra face da forma. Dessa forma, devido à grande quantidade de tubos que devem ser colocados nas formas, a facilitação dessa ação possui repercussões positivas na produtividade da tarefa;

  4. manter um desaprumo de 3 mm nas formas de periferia para dentro da edificação: essa ação evita a necessidade de movimentações muito significativas após a colocação das pré-vigas sobre as formas. Por serem elementos pesados, ao serem posicionadas, as pré-vigas provocam uma movimentação do conjunto pilar-viga. Quando não prevista essa diferença ao aprumar a forma, a movimentação pode causar desalinhamento do pilar em relação aos pavimentos inferiores, gerando a necessidade de correção. No entanto, não é possível efetuar ajustes significativos após a colocação das pré-vigas, devido ao peso excessivo desses elementos, levando à necessidade de reposicionar a pré-viga para correção do prumo. Tal reposicionamento necessita do uso da grua e de uma equipe de operários. Para evitar retrabalho, justifica-se aprumar as formas com a diferença prevista; e

  5. distribuir as agulhas nos pilares de periferia ou próximos a qualquer abertura, pelo lado de fora da laje ou da abertura existente: as agulhas eram colocadas de fora para dentro nas formas, para que fossem parafusadas em uma posição ergonomicamente segura e confortável, ou seja, na parte de dentro da laje. A ação de parafusar as agulhas exigia que o operário aplicasse determinada força, que, se realizada em posição de risco, poderia acarretar má execução da tarefa ou demasiado risco ao operário.

Quadro 8
Taxonomia dos PE

No Quadro 9 estão as análises de cada situação observada em relação à taxonomia dos PE. Nas linhas estão descritas suscintamente as ações identificadas, e nas colunas estão descritos os desdobramentos de acordo com a taxonomia apresentada no Quadro 8. Foram combinadas todas as correlações entre as ações e os desdobramentos, para classificação de cada uma como PE.

Neste estudo não foram identificados novos constructos ou desdobramentos, e, portanto, concluiu-se que os resultados dos estudos anteriores são adequados também ao contexto de operações da fase bruta da construção. Portanto, este estudo representa uma avaliação dos constructos levantados no estudo exploratório e no EE1, como conceitos teóricos que explicam a natureza dos PE.

Além disso, a partir do uso da taxonomia como instrumento para obtenção de dados, foram identificadas novas situações caracterizadas como PE. Portanto, considera-se que são úteis para a definição e identificação de PE no contexto operacional da construção civil, seja para subsidiar a elaboração de novos procedimentos de trabalho, seja para subsidiar a análise de procedimentos já estruturados pela empresa.

Quadro 9
Caracterização das situações identificadas como PE para avaliação do artefato

Conclusões

Com base nos estudos realizados, define-se que os PE são ações ou conjunto de ações não triviais que emergem em busca de melhores soluções para operação. Além disso, é possível afirmar que tais ações são resultados de adaptações realizadas pelos operários por meio de improvisações com base em experiências anteriores, visando à facilitação do trabalho e à precaução de situações futuras que possam impactar negativamente na qualidade e segurança ao executar tarefas, e na redução do retrabalho. Tais ações ou conjunto de ações dessa natureza podem ser convertidas em boas práticas e padrões dentro da empresa, visto que possuem repercussões positivas para o processo, quando devidamente disseminadas.

Na fase de desenvolvimento, ao final do EE1, foram reorganizados os constructos definidos no estudo exploratório com o propósito de eliminar sombreamentos que prejudicavam o estabelecimento da taxonomia dos PE. Essa reorganização resultou na identificação de dois constructos: facilitação da ação e precaução.

O constructo facilitação da ação se refere:

  1. ao uso de aparatos ou estratégias para precisão dimensional;

  2. a melhorias da disponibilidade de recursos/espaço no posto de trabalho; e

  3. ao uso de técnicas alternativas, ou seja, diferentes ou complementares às boas práticas já utilizadas.

Por fim, o constructo precaução representa as práticas atreladas:

  1. ao alcance das especificações de qualidade do produto;

  2. à redução de retrabalho;

  3. à redução de dificuldades nas etapas posteriores; e

  4. à segurança do trabalhador e do usuário na fase de uso do produto.

Esses constructos permitem caracterizar os PE no contexto da construção civil e explicam as condições em que passam a ser introduzidos no processo. A facilitação da ação está associada à manifestação de soluções emergentes com benefícios percebidos pelo operário ao adotá-las. A precaução está essencialmente relacionada à qualidade e segurança das operações, que estão entre os principais propósitos da padronização. Dessa forma, é possível entender a natureza desses padrões e reconhecer a importância do papel dos operários no processo, visto que tais ações emergem mediante experiências vivenciadas anteriormente por eles.

Por se tratar de uma pesquisa construtiva, são esperadas contribuições práticas e teóricas relacionadas ao objetivo do trabalho. A contribuição teórica diz respeito à taxonomia dos PE no contexto da construção civil. Além disso, as ações de simulação, que apareceram com frequência como PE identificados, se mostraram como importantes ações a serem introduzidas nos serviços da construção civil. Tal importância é justificada pela facilitação da ação para o alcance da precisão dimensional, que é um fator para o alcance da qualidade nos serviços desse setor e para a prevenção de retrabalhos, consequentemente, melhoria da produtividade e redução de perdas.

Os PE visam complementar o padrão a partir da identificação de parcelas que surgem ao longo da execução do trabalho, permitindo que novas práticas de trabalho sejam descobertas. Além disso, os PE podem auxiliar no processo de adaptação do padrão em ambientes de alta variabilidade, como o da construção civil.

No entanto, é importante destacar a dificuldade em definir e identificar os PE no contexto da construção civil. A falta de uma definição clara dos PE na literatura inviabiliza a identificação dessas parcelas. Por isso, destaca-se a contribuição desta pesquisa no que diz respeito à identificação de tais ações, para que sejam incorporadas aos padrões e disseminadas na empresa.

Por estar num contexto estritamente operacional, o papel do operário como protagonista para o surgimento dos PE é de suma importância.Portanto, a capacitação do operário para que possa reconhecer as ações de melhoria quando elas emergem pode contribuir para a identificação dos PE no trabalho. Por isso, o conhecimento teórico abordado neste artigo a respeito da natureza dos PE torna-se relevante para que sejam analisadas as características do trabalho dos operários e para que aquelas ações positivas para o desempenho do trabalho se tornem passíveis de padronização.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2021
  • Aceito
    02 Maio 2022
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