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Fatores hepatotróficos e regeneração hepática. Parte II: fatores de crescimento

Hepatotrophic factors and liver regeneration. Part II: growth factors

Resumos

Várias substâncias identificáveis estão implicadas no processo de crescimento hepático, entre elas os fatores de crescimento. A maioria deles possui diferentes ações, estimulando a proliferação de células, ou mesmo inibindo na dependência de suas concentrações. Dentre os fatores de crescimento, ou somatomedinas, com ação sobre o fígado pode-se destacar: HGF; EGF; TGF-alpha; TGF b ; Interleucina 6; IGF; FGF; VEGF; KGF; HSS e ALR. A ação conjunta dos hormônios HGF, TGF-alpha, IL-6, TNF-alpha, norepinefrina, EGF, permite que insulina, glucagon e o próprio EGF manifestem seus efeitos. O HGF tem papel vital, talvez o principal "gatilho" deste processo, gerando um sinal endócrino que ativa fortemente a mitogênese nos hepatócitos já "preparados" pelo EGF, IL-6, insulina, matriz remanescente e outros, levando à síntese de DNA. Admite-se que o EGF também participe dos eventos iniciais do processo logo após a hepatectomia e que FGF, VEGF e KGF também participem dos eventos ligados à recomposição de outros tecidos.

Regeneração hepática; Somatomedinas; Fator urogastrona de crescimento epidérmico; Interleucina-6


Several identifyed substances are involved with liver proliferative process, somatomedines (growth factors) among them. The most of them show different actions, stimulating or inhibiting cell division, depending on their concentrations. The following factors play important role on the liver: HGF; EGF; TGF-alpha; TGF b ; Interleucin-6; IGF; FGF; VEGF; KGF; HSS e ALR. The combined action of HGF, TGF-alpha, IL-6, TNF-alpha, norepinephrin and EGF, allows insulin, glucagon and also EGF to express their effects. HGF seems to be essential and constitutes, maybe, the main trigger of this process, generating endocrine signal wich strongly ativates mitogenesis in the hepatocytes primmed by EGF, IL-6, insulin, remainig matrix matriz and others, leading to DNA synthesis. EGF probably participates of initial events imediately after partial hepatectomy. Besides their actions upon the liver, FGF, VEGF and KGF propably play role in the tissue recovering processes.

Liver regeneration; Somatomedins; Epidermal growth factor-urogastrone; Interleukin-6


13 - REVISÃO e ATUALIZAÇÃO

FATORES HEPATOTRÓFICOS E REGENERAÇÃO HEPÁTICA. PARTE II: FATORES DE CRESCIMENTO1 1 . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). 2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina. 3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM. 4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL. 6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.

José Antonio Gorla Junior2 1 . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). 2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina. 3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM. 4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL. 6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.

Djalma José Fagundes3 1 . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). 2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina. 3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM. 4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL. 6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.

Osório Miguel Parra4 1 . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). 2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina. 3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM. 4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL. 6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.

Cássia Thaís Bussamra Vieira Zaia5 1 . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). 2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina. 3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM. 4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL. 6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.

César Orlando Peralta Bandeira6 1 . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). 2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina. 3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM. 4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL. 6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.

Gorla Jr JA, Fagundes DJ, Parra OM, Zaia CTBV. Fatores hepatotróficos e regeneração hepática. Parte II: fatores de crescimento. Acta Cir Bras [serial online] 2001 Out-Dez;16(4). Disponível em: URL: http://www.scielo.br/acb.

RESUMO: Várias substâncias identificáveis estão implicadas no processo de crescimento hepático, entre elas os fatores de crescimento. A maioria deles possui diferentes ações, estimulando a proliferação de células, ou mesmo inibindo na dependência de suas concentrações. Dentre os fatores de crescimento, ou somatomedinas, com ação sobre o fígado pode-se destacar: HGF; EGF; TGF-alpha; TGF b ; Interleucina 6; IGF; FGF; VEGF; KGF; HSS e ALR. A ação conjunta dos hormônios HGF, TGF-alpha, IL-6, TNF-alpha, norepinefrina, EGF, permite que insulina, glucagon e o próprio EGF manifestem seus efeitos. O HGF tem papel vital, talvez o principal "gatilho" deste processo, gerando um sinal endócrino que ativa fortemente a mitogênese nos hepatócitos já "preparados" pelo EGF, IL-6, insulina, matriz remanescente e outros, levando à síntese de DNA. Admite-se que o EGF também participe dos eventos iniciais do processo logo após a hepatectomia e que FGF, VEGF e KGF também participem dos eventos ligados à recomposição de outros tecidos.

DESCRITORES: Regeneração hepática. Somatomedinas. Fator urogastrona de crescimento epidérmico. Interleucina-6.

INTRODUÇÃO

A capacidade de regeneração do fígado é conhecida de longa data. A mitologia grega faz referência a esta propriedade na lenda de Prometeu, o qual, por ter roubado o fogo dos deuses do Olimpo, foi amarrado a uma rocha, onde parte de seu fígado era devorada por abutres durante o dia, regenerando-se durante a noite. Seu suplício terminaria quando a capacidade regenerativa se esgotasse. Estava embutida aí a idéia de um castigo eterno.

As primeiras descrições científicas do fenômeno remontam ao século XVII. O reconhecimento científico da capacidade de recuperar sua massa, por hipertrofia e hiperplasia, sua morfologia e fisiologia, após uma agressão, foi ponto importante na abordagem terapêutica das doenças hepáticas.

A compreensão desta capacidade regenerativa, principalmente dos fatores humorais envolvidos, no sentido de eventualmente interferir no processo, tem sido o principal objetivo das pesquisas relacionadas ao tema.

Quando se cultiva células em coágulos sanguíneos, não se obtém resposta de crescimento mesmo na presença de substâncias "óbvias", como glicose, aminoácidos e vitaminas. As células somente crescem ao se acrescentar soro ao meio. Caso contrário, as células permanecem num estágio de repouso chamado G0 (entre a mitose e a fase S). Foi demostrado, finalmente, que os componentes do soro que induzem as células a crescer são proteínas altamente específicas chamadas fatores de crescimento1.

Como foi visto, o termo "fator" se refere a substância com ações de um hormônio, mas ainda não caracterizada como um composto químico distinto2.

Esta revisão é continuação de publicação anterior dos autores e tem por objetivo atualizar e sistematizar o consenso da literatura a respeito, procurando ser um subsídio aos interesses em pesquisa sobre o assunto.

Fatores de crescimento tecidual (somatomedinas)

Dentre os fatores de crescimento, ou somatomedinas, com ação sobre o fígado pode-se destacar: HGF (Hepatocyte Growth Factor); EGF (Epidermal Growth Factor); TGF a (Transforming Growth Factor a ); TGF b (Transforming Growth Factor b ); Interleucina 6; IGF (Insulin-like growing factors); FGF (fibroblast growth factor), VEGF (vascular endothelial growth factor); KGF (keratinocyte growth factor); HSS (hepatic stimulatory substance) e ALR (augmentor of liver regeneration).

Em culturas de condrócitos, a aplicação direta de GH somente promove proliferação celular se a elas forem acrescentados fatores de crescimento. Foi observado que as somatomedinas podem causar praticamente todos os efeitos atribuídos ao GH. Portanto, é provável que as funções metabólicas do GH não sejam, em sua maior parte, produzidas por seu efeito direto sobre os tecidos, mas indiretamente, através das somatomedinas2.

Existem, identificados, cerca de 50 tipos destas proteínas, encontradas em concentrações muito baixas, da ordem de 10-9 a 10-11 M, cada uma com um ou mais receptores específicos, que se expressam em um ou mais tipos celulares1. A estrutura destes e o mecanismo de ativação é similar ao dos hormônios, com produção de segundos mensageiros, fosforilação de proteínas e alteração da expressão gênica.

Várias destas proteínas pertencem à classe das citoquinas, substâncias protéicas produzidas pelas células do sistema imunitário. Algumas são mediadoras entre leucócitos, sendo chamadas interleucinas. Outras relacionam-se com a inflamação, defesa contra tumores, crescimento celular e cicatrização, como é o caso dos fatores de necrose tumoral e o fator beta de transformação e crescimento.

Alguns fatores são tipo célula-específico como a eritropoietina, que inibe somente a proliferação das hemáceas1. Outros fatores têm especificidade mais ampla1,3 como, por exemplo, o EGF (fator de crescimento epidérmico), o PDGF (fator de crescimento derivado de plaquetas) e os fatores de crescimento insulínicos (IGFs) para os quais há receptores em todos os tecidos3,4. Atualmente acredita-se que cada tecido secrete um conjunto próprio de fatores de crescimento estando sua secreção sob controle de fatores sistêmicos e locais de cada órgão4.

HGF (hepatocyte growth factor)

O HGF é considerado o mais potente estimulador da síntese de DNA em hepatócitos após agressões ao parênquima. Foi purificado em 1986 em plaquetas de ratos e sua estrutura determinada em 1989. É produzido pelas células de Kuppfer, células de Ito5 e pelo endotélio sinusoidal, mas não pelos hepatócitos6, sendo também encontrado em outros tecidos, como rins6,7,8, pulmões, baço após agressões ao fígado6, em tumores9,10 e em vários tipos de epitélio6. Recentemente foi observada sua ação neurotrófica7. Tem função mitogênica, morfogênica, motogênica6,10 e antiapoptótica11. Portanto trata-se de uma substância de ação pleiotrópica, com importante papel na organogênese, morfogênese, carcinogênese e regeneração de tecidos6,7.

EGF (epidermal growth factor)

Também chamado Urogastrona, é encontrado em vários tecidos entre eles os rins, glândulas lacrimais e submandibulares, glândulas de Brünner e megacariócitos12.

Exerce uma ampla variedade de efeitos biológicos incluindo a diferenciação e proliferação de células mesenquimais e epiteliais.

O suprimento de EGF para o fígado é feito continuamente pelas glândulas de Brünner do duodeno, através da circulação portal13.

O EGF compreende uma família de quatro proteínas: EGF, TGF-alpha, anfiregulina e EGF heparin-binding que têm estrutura similar, ligam-se aos mesmos receptores, têm efeitos similares, porém não idênticos13.

No fígado é formado nos hepatócitos em regeneração, havendo alta concentração de receptores na membrana celular e no núcleo das células. Sua produção é maior na zona I (periportal), onde a regeneração é mais ativa14.

Age sinergicamente com a insulina, aumentando a síntese de DNA15 e possivelmente interage com o IGF-1 no processo de crescimento hepático16. Para manifestar este efeito, depende da integridade de várias vias sinalizadoras, que incluem o EGF (das glândulas de Brünner e do duodeno) IL-6, hormônios tireoideanos, insulina, norepinefrina17. Há indícios de que, no fígado, possa inibir os fenômenos de apoptose18.

Agindo em conjunto com HGF e IGF possivelmente faça um papel de ligação entre os hormônios ovarianos estrógeno e progesterona e seus tecidos-alvo19, podendo estimular a migração e divisão de células epiteliais por aumento da síntese de proteínas como a fibronectina que participa da ligação intercelular20.

TGF a (transforming growth factor a )

Trata-se de uma citocina homóloga do EGF que possui habilidade de reverter o crescimento de células normais em cultura, o que é uma característica de células malignas. Pode ligar-se aos receptores do EGF, iniciando a replicação dos hepatócitos14,21, sendo considerado um importante fator de crescimento autócrino dos mesmos21. É secretado pelas células de Kupffer17 e por uma variedade de células normais incluindo macrófagos, eosinófilos, hepatócitos, ceratinócitos, células gastrientestinais, cerebrais e placentárias13. O TGF-alpha produzido pelos hepatócitos produz estímulo mitogênico provavelmente por mecanismo autócrino. O estímulo da expressão do TNF-alpha leva a aumento persistente da síntese de DNA pelos hepatócitos e, eventualmente, à formação de tumores17.

TGF b (transforming growth factor b )

Provavelmente é o mais potente inibidor da proliferação dos hepatócitos e, durante a regeneração, sua expressão é forte nas células não parenquimatosas14,22.

Mais precisamente trata-se de uma família de proteínas que se distingue pela habilidade de inibir reversivelmente um grande número de diferentes tipos celulares, particularmente células derivadas da ectoderme como queratinócitos e leucócitos, com fraca ação mitogênica sobre células derivadas do mesoderma, como os fibroblastos. Também é sistetizado por diferentes tipos celulares, incluindo plaquetas, macrófagos, linfócitos, fibroblastos, osteócitos e queratinócitos e no fígado, pelas células de Ito17.

Foram identificadas três frações: TGF-beta 1, 2 e 3. Suas ações são similares, mas não idênticas. As mais importantes, no que se refere ao reparo de tecidos, são a quimiotaxe de células inflamatórias e a síntese de matriz extracelular, sugerindo um importante papel regulador na cicatrização de tecidos17. O TGF-beta 1, assim como o TGF-alpha, é capaz de estimular reversivelmente o crescimento de fibroblastos normais em cultura17, parecendo prevenir a progressão da fibrose e facilitar a proliferação dos hepatócitos durante a regeneração23.

O TGF b inibe, enquanto o EGF estimula a captura de amino-ácidos em culturas de hepatócitos14.

"Interleucina 6"

IL-6 é uma citoquina de ação pleiotrópica, clonada em 1986, secretada pelas células de Kupffer17 que age sobre várias células, sendo liberada em quase todas as situações de perturbação da homeostase, como endotoxemia, trauma e infecção aguda. Em conjunto com o TNF-alpha (Tumor Necrosis Factor-alpha) e interleucina-1 (IL-1) tem papel na resposta inflamatória aguda que inclui febre, liberação de corticóides e produção hepática de inibidores de proteases da fase aguda de processos inflamatórios. Independentemente de seu papel no processo inflamatório, a IL-6 induz a diferenciação e desenvolvimento de linfócitos B e T, células mielóides, megacariócitos, osteoclastos, células neurais e hepatócitos. Age também como fator de crescimento de células neoplásicas renais do sarcoma de Kaposi e de "células-tronco" do sistema hematopoiético24.

O complexo receptor para IL-6 consiste de uma glicoproteína ligante denominada gp80 e outra sinalizadora denominada gp130. O complexo formado ao se ligar à proteína gp80 interage, nas células-alvo, com pelo menos uma molécula da proteína gp130 da membrana celular e desta forma desencadeia processos intracelulares de crescimento24.

O complexo receptor da IL-6 usa a tirosina-quinase, cuja fosforilação ativa proteínas STAT (signal transducer and activators of transcription) do citoplasma que, ativadas, participam do controle genético ao encontrarem certos polipeptídeos extracelulares. Essas proteínas podem interagir com receptores, com a tirosina-fosfatase, outros fatores de transcrição e com a "engrenagem" envolvida nesse processo. Uma vez ativados, os complexos translocam-se para o núcleo celular onde reconhecem "sites" nos genes promotores de sua ação. Estes "sites", em geral, encontram-se bastante próximos a "sites" de outros fatores de transcrição, o que sugere uma ação combinada desses fatores na regulação genética24.

Experimentos mostraram uma participação da proteína gp130 na proliferação e diferenciação celular e na regulação da apoptose. Nos hepatócitos, ela previne a apoptose induzida pelo TGF-beta24.

Logo após hepatectomia, há elevação dos níveis de IL-6, a partir do que observa-se forte ativação dos fatores STAT3 e dos fatores nucleares para a IL-6, incrementando a transcrição dos genes-alvo. Segue-se elevação da síntese de DNA pelos hepatócitos o que pode sugerir um envolvimento desses fatores no "gatilho" para a mitogênese (transição G0/G1) dos hepatócitos após hepatectomia24.

Há indícios de que IL-6 protege o fígado contra lesões de isquemia e promove proliferação de hepatócitos após reperfusão25. A oncostatina, uma proteína da família da IL-6 induz a maturação de hepatócitos fetais quando combinada com glicocorticóides. Recentes estudos indicam que TNF-alpha e IL-6 apresentam importante papel na sinalização para o início dos eventos que levam à regeneração, os quais não se processam normalmente sem essas duas substâncias sendo essencial a presença da IL-624. Igualmente não há ativação das proteínas STAT3 sem a presença do TNF-alpha17. Porém, o processo regenerativo pode ocasionalmente ocorrer por completo em ratos deficientes de IL-626, sinalizando para a existência de vias alternativas a serem investigadas.

IGF (insulin-like growing factors)

Os fatores de crescimento IGFs são polipeptídeos de grande semelhança estrutural com a pró-insulina27, com atividade insulínica "in vitro" e ações sobre o crescimento dos tecidos, entre eles o fígado. Há dois tipos: o IGF-I ( ou somatomedina C) e o IGF-II.

Apesar da semelhança estrutural, exercem funções metabólicas diferentes, agindo provavelmente em diferentes vias de sinalizadoras e por mecanismos diferentes27.

A síntese do IGF-II é proeminente durante o desenvolvimento fetal, enquanto os níveis de IGF-I persistem altos na idade adulta em vários tecidos incluindo fígado, coração, pulmões, rins, pâncreas, cartilagens, cérebro e músculos13.

Sua síntese , particularmente pelo fígado, parece ser estimulada pelo GH sendo a secreção de IGF-II muito menos afetada pelo GH que a de IGF-I4,13.

Muitas das ações atribuídas originalmente ao GH são mediadas, em parte, pelo IGF-I13. O crescimento de cartilagens e ossos é mais acentuado sob ação dos dois peptídeos administrados juntos do que isoladamente. É provavel que o GH inicie a diferenciação celular e estimule a produção de IGF-I o qual inicia a divisão celular13.

Estudos em ratos indicam uma interrelação entre IGF-1 e EGF no crescimento hepático, ambos influindo no TGF-alpha e no receptor no RNA para o EGF16.

A maior parte das IGFs circula ligada a uma família de proteínas denominada IGFBPs ("insulin-like growth factor-binding proteins"), produzidas e liberadas por diversos tecidos, sendo que muitos tecidos produzem IGFs e IGFBPs13. Há indícios de que as IGFBP podem também aumentar ou inibir a ação das IGFs.

A concentração de IGFBP-1 é reduzida no período pós-prandial e apresenta relação inversa com a concentração de insulina plasmática. Sua injeção aumenta a concentração plasmática de glicose4.

No início da gestação a concentração de IGFBP-1 no soro materno é baixa, aumentando rapidamente no líquido amniótico nos segundo e terceiro trimestres, sendo proveniente principalmente do endométrio materno, fígado e rins fetais4.

O receptor para IGF-I liga-se a ele com grande afinidade, sendo esta afinidade baixa para o IGF-II e para a insulina. É similar, em estrutura, à insulina, com atividade tirosina-quinase, levando à fosforilação intra-celular de elementos proteicos biologicamente ativos4,13 tendo sido encontrados em todos os tecidos4.

O receptor para o IGF-II não tem atividade tirosina-quinase, possuindo alta afinidade para o IGF-II, baixa afinidade para o IGF-I e não se liga à insulina13.

Outros fatores com ação hepatotrófica

Outros fatores que apresentam ação sobre os hepatócitos são o FGF, VEGF e KGF, cuja produção provavelmente faça parte de um cortejo de eventos ligado à recomposição dos tecidos.

A síntese de estroma novo e de vasos sanguíneos no processo regenerativo é alcançada através dos mesmos sinais angiogênicos utilizados pelos tumores, muitos dos quais também secretam TGF-alpha, FGF e VEGF. Esse talvez seja o papel de um novo fator de crescimento, o HSS recentemente clonado e sequenciado28. Um fator similar ao HSS, descrito como ALR17, parece ligado à proteção do tecido hepático contra lesões agudas, por inibição de "células NK" (natural killing cells) do parênquima hepático por mecanismo regional ainda não esclarecido29.

O fator de crescimento dos queratinócitos (KGF) apresenta ação potente sobre o fígado, e protege os hepatócitos da apoptose induzida pelo TNF em camundongos30. No fígado intacto de ratos, estimulou a proliferação hepática agindo sinérgicamente com a triiodotironina31.

CONCLUSÃO

Há uma multiplicidade de fatores que apresentam efeitos sobre o crescimento hepático, exercendo suas ações isoladamente ou em sinergismo com outras substâncias. É possível que cada tecido, a seu modo, envie sinalizadores para setores do organismo ligados ao crescimento, entre eles as glândulas e, obviamente, o fígado, de acordo com suas necessidades, num "feedback" contínuo, que atende às solicitações entre si, de forma integrada e com grande precisão. O fígado, como importante fonte produtora e armazenadora de matéria orgânica responderia com síntese à solicitação de outro tecido em estado de carência, aumentando sua massa se necessário. Da mesma forma se recupera ou aumenta sua própria massa quando sofre agressões, por ação parácrina e autócrina, de maneira rápida, pois estaria constantemente sob ação de múltiplos fatores, produzidos por ele ou por outros tecidos, ligados ao crescimento e ao metabolismo. Talvez sua rápida resposta de crescimento derive em parte desta característica.

Gorla Jr JA, Fagundes DJ, Parra OM, Zaia CTBV. Hepatotrophic factors and liver regeneration. Part II: growth factors. Acta Cir Bras [serial online] 2001 Oct-Dec;16(4). Available from: URL: http://www.scielo.br/acb.

ABSTRACT: Several identifyed substances are involved with liver proliferative process, somatomedines (growth factors) among them. The most of them show different actions, stimulating or inhibiting cell division, depending on their concentrations. The following factors play important role on the liver: HGF; EGF; TGF-alpha; TGF b ; Interleucin-6; IGF; FGF; VEGF; KGF; HSS e ALR. The combined action of HGF, TGF-alpha, IL-6, TNF-alpha, norepinephrin and EGF, allows insulin, glucagon and also EGF to express their effects. HGF seems to be essential and constitutes, maybe, the main trigger of this process, generating endocrine signal wich strongly ativates mitogenesis in the hepatocytes primmed by EGF, IL-6, insulin, remainig matrix matriz and others, leading to DNA synthesis. EGF probably participates of initial events imediately after partial hepatectomy. Besides their actions upon the liver, FGF, VEGF and KGF propably play role in the tissue recovering processes.

KEY WORDS: Liver regeneration. Somatomedins. Epidermal growth factor-urogastrone. Interleukin-6.

Conflito de interesses: nenhum

Fontes de financiamento: nenhuma

Endereço para correspondência:

José Antonio Gorla Junior

Rua Raposo Tavares 341/21

Londrina – PR.

86010-580

e-mail: jagjr@sercomtel.com.br

Data do recebimento: 23/05/2001

Data da revisão: 01/06/2001

Data da aprovação: 12/07/2001

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  • 1
    . Trabalho realizado na Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
    2. Médico do Pronto Socorro Cirúrgico do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina.
    3. Professor Doutor, Coordenador do Programa de Pós-graduação em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da UNIFESP-EPM.
    4. Doutor, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    5. Professora Associada, Doutora do Departamento de Ciências Fisiológicas da UEL.
    6. Professor Adjunto do Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Aceito
      12 Jul 2001
    • Revisado
      01 Jun 2001
    • Recebido
      23 Maio 2001
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