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Análise macroscópica e histológica do emprego da poliuretana derivada do óleo de mamona (Ricinus communis) aplicada na tíbia de cães em fase de crescimento

Macroscopic and histopathologic evaluations of the use of polyurethane resins derived from castor oil (Ricinus communis) applied in the tibia of the puppies

Resumos

OBJETIVO: Estudar o efeito da poliuretana de mamona aplicada ao osso de cães em crescimento. MÉTODOS: Foram utilizados 12 cães subdivididos aleatoriamente em 3 grupos, os quais receberam o implante de mamona na face medial proximal da tíbia, com análise macroscópica e histopatológica aos 30 (GIII), 60 (GII) e 90 (GI) dias. RESULTADOS: A poliuretana foi recoberta por uma cápsula conjuntiva fibrosa, não ocorrendo proliferação óssea ao seu redor. CONCLUSÃO: A poliuretana é biocompatível, comportando-se como espaçador biológico em cães. Nesta espécie não ocorre a osteointegração.

Biomaterial; Mamona; Cão; Osso


PURPOSE: To analyze the effects of castor oil derived poliurethane, when applied to bones of puppies. METHODS: Twelve dogs, randomly divided in 3 groups, received a castor oil derived poliurethane at the medial side of the proximal tibia. Gross and histopathologic evaluations were performed at 30 (GIII), 60 (GII) and 90 (GI) days. RESULTS: The poliurethane was enclosed in a connective fibrous tissue capsule and there was no new bone formation around it. CONCLUSION: The castor oil derived poliurethane is biocompatible and behaves as a biological "stand off" in dogs. Osteointegration does not occur in this species.

Biomaterial; Castor bean; Dog; Bone


12 – ARTIGO ORIGINAL

Análise macroscópica e histológica do emprego da poliuretana derivada do óleo de mamona (Ricinus communis) aplicada na tíbia de cães em fase de crescimento1 1 Trabalho realizado no Departamento de Clínica e Cirurgia - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) – UNESP - Campus de Jaboticabal.

Macroscopic and histopathologic evaluations of the use of polyurethane resins derived from castor oil (Ricinus communis) applied in the tibia of the puppies

Patricia Popak MariaI ; João Guilherme Padilha FilhoII ; Márcio Botelho CastroIII

IAluna do curso de Doutorado em Cirurgia Veterinária na UNESP – FCAV

IIProf. Assistente Doutor do Departamento de Clínica e Cirurgia – UNESP – FCAV

IIIAluno do curso de Doutorado em Medicina Veterinária, Área de concentração em Patologia Animal, Departamento de Patologia – UNESP – FCAV

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Patrícia Popak Maria Rua Saldanha Marinho, 459 CEP: 13870-270 São João da Boa Vista – SP E-mail: popak@pucpcaldas.br

RESUMO

OBJETIVO: Estudar o efeito da poliuretana de mamona aplicada ao osso de cães em crescimento.

MÉTODOS: Foram utilizados 12 cães subdivididos aleatoriamente em 3 grupos, os quais receberam o implante de mamona na face medial proximal da tíbia, com análise macroscópica e histopatológica aos 30 (GIII), 60 (GII) e 90 (GI) dias.

RESULTADOS: A poliuretana foi recoberta por uma cápsula conjuntiva fibrosa, não ocorrendo proliferação óssea ao seu redor.

CONCLUSÃO: A poliuretana é biocompatível, comportando-se como espaçador biológico em cães. Nesta espécie não ocorre a osteointegração.

Descritores: Biomaterial. Mamona. Cão. Osso.

ABSTRACT

PURPOSE: To analyze the effects of castor oil derived poliurethane, when applied to bones of puppies.

METHODS: Twelve dogs, randomly divided in 3 groups, received a castor oil derived poliurethane at the medial side of the proximal tibia. Gross and histopathologic evaluations were performed at 30 (GIII), 60 (GII) and 90 (GI) days.

RESULTS: The poliurethane was enclosed in a connective fibrous tissue capsule and there was no new bone formation around it.

CONCLUSION: The castor oil derived poliurethane is biocompatible and behaves as a biological "stand off" in dogs. Osteointegration does not occur in this species.

Key words: Biomaterial. Castor bean. Dog. Bone.

Introdução

Na cirurgia ortopédica, freqüentemente, ocorrem situações de alterações na continuidade óssea, especialmente devido aos traumatismos de alta energia, tumores ou infecções. As alternativas para a reparação óssea incluem a utilização dos vários tipos de enxertos ósseos, o transporte ósseo e os implantes de biomateriais. Dentre os que são amplamente utilizados em cirurgias ortopédicas e traumatológicas, odontológicas e maxilo-faciais, destacam-se os materiais metálicos, as cerâmicas e os biopolímeros1.

Vários materiais foram avaliados quanto à biocompatibilidade e desempenho como próteses e veículos para reparo dos ossos, sendo concluída a viabilidade no uso das resinas de poliuretana 2. Em 1984, o grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da Universidade de São Paulo, em São Carlos, desenvolveu um novo polímero derivado do óleo de mamona 3. A síntese de resinas poliuretanas a partir de origem vegetal é extremamente interessante para um país com potencial agroindustrial como o Brasil 4. A poliuretana de mamona pode ser utilizada pura ou em associação com o carbonato de cálcio3. A função do carbonato é fornecer íons cálcio, o que facilita a troca iônica na interface osso-resina, com incremento do mecanismo de deposição de cálcio na matriz colágena nas várias fases do processo de reparação óssea 3,5,6.

Um ensaio bacteriológico demonstrou o potencial bactericida da resina contra cepas multiresistentes do Staphilococcus aureus7. A biocompatibilidade da resina poliuretana de mamona foi analisada após implantação no côndilo femoral em coelhos; nesta espécie a resina não é tóxica, formando uma reação fibrosa, a qual evoluiu para neoformação óssea após 40 dias 4.

Em outro estudo, a resina derivada de mamona foi implantada na câmara anterior do olho de camundongos. Os autores verificaram que este material foi bem tolerado pelo organismo receptor, desencadeando inicialmente reação inflamatória, a qual diminuiu com o passar do tempo 8. A biocompatibilidade do material foi também comprovada após implantação da poliuretana em alvéolo dental de ratos. Neste caso, ocorreu a osteointegração progressiva da resina, sem reação inflamatória ou de corpo estranho após seis semanas 9.

A poliuretana de mamona empregada na córnea de coelhos também foi biocompatível; neste trabalho o autor recomendou sua utilização em situações de emergência para o salvamento do globo ocular 10. Em outro estudo em coelhos, o tendão de Aquiles foi substituído parcialmente por prótese de poliuretana de mamona e novamente o material mostrou-se biocompatível, sendo que a integração da poliuretana ocorreu por meio de proliferação de tecido conjuntivo ao redor da prótese11.

Assim, a biocompatibilidade e a possibilidade de crescimento ósseo ao redor e na porosidade da resina poliuretana de mamona abrem grandes perspectivas de utilização do material no campo ortopédico, como por exemplo, com a função de "espaçador", substituindo o emprego do enxerto ósseo nos casos de perdas ósseas 4.

Este trabalho almejou estudar o efeito da poliuretana aplicada ao osso do cão em fase de crescimento, para avaliar sua biocompatibilidade nesta espécie.

Métodos

Foram utilizados 12 cães sem raça definida, entre 3 e 4 meses de idade, com peso médio de 5,1 kg. Os implantes foram preparados conforme instruções do fabricante, por meio da mistura de 16 ml de poliol, 24 ml de pré-polímero e 20 gramas de carbonato de cálcio, e moldados em diversos tamanhos, de acordo com a espessura do canal medular de cada animal. Os cães foram distribuídos em 3 grupos (GI, GII e GIII), cada qual constituído por quatro animais. Todos receberam o implante de mamona na face proximal medial da tíbia direita e os cuidados pós-cirúrgicos necessários. Os animais do GI foram submetidos à eutanásia aos 90 dias, os do G II aos 60 dias e os do G III aos 30 dias, por meio da administração de tiopental sódico, por via intravenosa, em dose suficiente para anestesiá-los, seguida da administração de cloreto de potássio, também por via intravenosa.

Os cães receberam como medicação pré-anestésica, levomepromazina na dose de 1 mg/kg, por via intravenosa, seguida da indução anestésica com tiopental sódico na dose média de 12,5 mg/kg, pela mesma via. A manutenção anestésica foi feita com halotano diluído em oxigênio, por inalação em circuito semifechado.

Procedimento cirúrgico

Após incisão medial cutânea e subcutânea, estendendo-se desde o terço distal do fêmur até a crista tibial, o periósteo foi abordado e descolado do osso. A osteotomia longitudinal foi realizada na parte central da face medial proximal da tíbia, onde um canal foi preparado para colocação do pino de poliuterana. Este leito foi direcionado para o canal medular e o diâmetro do pino empregado foi aproximadamente igual ao canal medular da tíbia. A poliuretana foi implantada abaixo da placa metafisária e, da maneira como foi introduzida, ficou em contato com o osso esponjoso e cortical dos cães. O periósteo e o tecido subcutâneo foram reaproximados em padrão contínuo simples com material de sutura absorvível 2,0 e a pele em padrão interrompido simples com nylon 3,0. No período pós-operatório, foi utilizado um colar do tipo "elizabetano", administrado antiinflamatório não-esteroidal e antibiótico, além da realização de curativo da ferida cirúrgica com iodo povidine.

A avaliação macroscópica da crista da tíbia e do local de implantação do polímero foi executada em todos animais, com finalidade de observar neoformações ósseas, reação dos tecidos moles e característica dos implantes. Após avaliação macroscópica e fotografia das peças, as lâminas foram preparadas. O material foi fixado em formol a 10% e descalcificado em ácido tricloroacético a 20%. Posteriormente, os fragmentos foram desidratados em etanol ascendente até absoluto, diafanizados em xilol, incluídos em parafina e seccionados em cortes de 5µ . As lâminas foram coradas pela técnica da hematoxilina-eosina (H.E.) e o material examinado ao microscópio óptico.

Resultados

Macroscopicamente todos animais apresentaram espessamento da porção proximal medial da tíbia e abundante proliferação óssea sobre a linha de osteotomia, as quais diminuíram com o tempo. A porção proximal dos implantes estava recoberta por tecido fibroso, aparentemente ocorrendo recobrimento ósseo em apenas um animal. Os implantes encontravam-se deslocados distalmente no interior do canal medular, em relação ao local inicial de implantação (Figura 1).


Ao corte longitudinal da tíbia, alguns implantes soltaram-se espontaneamente e os restantes foram facilmente retirados. Verificou-se que as poliuretanas apresentavam aspecto semelhante ao inicial, sem irregularidades estruturais.

O exame histopatológico do osso desmineralizado em estudo mostrou aspectos semelhantes em todos os grupos. Não foram observados fenômenos correspondentes a processos infecciosos ou de rejeição nos tecidos estudados. Basicamente, observou-se em todos animais a presença de cápsula conjuntiva fibrosa composta por fibras colágenas dispostas em faixas paralelas ao redor do implante, ausência de proliferação óssea em direção à poliuretana e marcante proliferação óssea na face medial da tíbia (Figura 2). Nas peças analisadas aos 90 dias, encontrou-se osso trabeculado interno modelado ao redor do implante. Os achados foram resumidos e agrupados na Tabela 1.


Discussão

Uma vez que este trabalho foi realizado em cães jovens, e que o leito confeccionado para a implantação dos polímeros tratava-se de uma linha de osteotomia, o processo de formação do calo ósseo, com aumento local de volume e posteriormente a reorganização tecidual que caracteriza a reparação óssea 12, foi evidenciado.

Embora estudos realizados em coelhos tenham demonstrado, ao exame macroscópico, a presença de tecido fibroso e posteriormente osso recobrindo os corpos de prova 3,7,14, o recobrimento dos implantes apenas por tecido fibroso, documentado neste estudo, concorda com os resultados publicados por outros pesquisadores que empregaram o cão como modelo experimental 1,13. Estes fatos são um indício de que o material se comporta de maneira diferente entre as espécies.

O deslocamento distal dos implantes no interior do canal medular foi mais acentuado no grupo I, em razão do estudo ter sido conduzido em cães jovens, os quais apresentam grande potencial de crescimento ósseo longitudinal. A implantação abaixo da placa metafisária foi importante para que não ocorresse fechamento prematuro e comprometimento do crescimento ósseo 15.

Em estudos realizados em coelhos, foi observado que os implantes também se destacavam com facilidade durante o exame macroscópico direto, embora as poliuretanas estivessem firmemente adaptadas ao invólucro de osso neoformado 3,7,14. A ausência de fixação da poliuretana no local de implantação é um indicativo de que não ocorreu a interligação mecânica entre o implante e o osso hospedeiro.

A ausência de fenômenos correspondentes a processos infecciosos ou de rejeição, documentado em nosso estudo histopatológico, não foi inesperada, uma vez que resultados semelhantes foram observados em todas as espécies em que o polímero foi implantado 1,3,4,7,8,9,10,11,13,14.

No que se refere à interação entre a poliuretana de mamona e o osso, nossos achados histopatológicos foram semelhantes aos obtidos por Ignácio, em 1999 1 e Fernandes et al., em 2000 13. Entretanto, discordamos de Ohara et al., em 19954, que também verificaram inicialmente uma camada conjuntiva fibrosa ao redor do implante, porém, aos 40 dias, este tecido transformou-se em osso, com abundantes osteoblastos e trabéculas ósseas neoformadas que preencheram as porosidades da poliuretana.

Conclusão

A poliuretana de mamona não desencadeia processos infecciosos ou de rejeição no tecido hospedeiro e é biocompatível, permanecendo biotolerante ao longo do tempo, sem osteointegração.

Data do recebimento: 04/04/2003

Data da revisão: 18/04/2003

Data da aprovação: 26/04/2003

Conflito de interesse: nenhum

Fonte de financiamento: FAPESP

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  • Endereço para correspondência
    Patrícia Popak Maria
    Rua Saldanha Marinho, 459
    CEP: 13870-270 São João da Boa Vista – SP
    E-mail:
  • 1
    Trabalho realizado no Departamento de Clínica e Cirurgia - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) – UNESP - Campus de Jaboticabal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2003
    • Data do Fascículo
      Ago 2003

    Histórico

    • Aceito
      26 Abr 2003
    • Revisado
      18 Abr 2003
    • Recebido
      04 Abr 2003
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