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Validação da Escala de Autopercepção de Habilidades do Processamento Auditivo Central (EAPAC) para adultos

RESUMO

Objetivo

validar um questionário autorreferido para avaliação do processamento auditivo central para adultos.

Métodos

o instrumento foi testado e validado com 123 estudantes universitários de 18 a 59 anos, sem alteração auditiva e sem histórico de tratamento para transtorno do processamento auditivo central. Os participantes realizaram os testes Gaps in Noise e Fala com Ruído. Por meio da análise estatística, foi definido o ponto de corte para alterações, a sensibilidade e a especificidade.

Resultados

o instrumento foi elaborado contendo 21 questões relacionadas ao histórico de saúde, aos hábitos de vida, às queixas auditivas e de aprendizagem. Após a análise fatorial, as questões relacionadas ao hábito de vida e condições de saúde foram retiradas por apresentarem carga fatorial baixa. Assim, a versão final da escala foi composta por 13 questões. Os constructos de primeira ordem e o indicador diagnóstico apresentaram níveis de confiabilidade exigidos. Foram definidos os pontos de corte 6 e 5 que indicassem alteração nos testes Gaps in Noise e Fala com Ruído branco, respectivamente.

Conclusão

a escala apresentou resultados válidos, confiáveis e consistentes e foi capaz de realizar inferências sobre o processamento auditivo.

Descritores:
Estudos de validação; Psicometria; Autorrelato; Percepção auditiva; Adulto; Audição; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose

To validate a self-report questionnaire to assess the central auditory processing in adults.

Methods

The instrument was tested and validated with 123 university students aged 18 to 59 years, without hearing changes or history of treatment for central auditory processing disorder. The participants were submitted to the Gaps-in-Noise and speech-in-white-noise tests. The cutoff scores for changes, sensitivity, and specificity were defined with statistical analysis.

Results

The instrument was developed with 21 questions related to health history, life habits, and hearing and learning complaints. After factor analysis, the questions related to life habits and health conditions were removed because they had a low factor loading. Thus, the final version of the scale comprised 13 questions. The first-order constructs and the diagnostic indicator achieved the required levels of reliability. The cutoff scores to indicate abnormal results in the Gaps-in- Noise and speech-in-white-noise tests were defined respectively as 6 and 5.

Conclusion

The scale obtained valid, reliable, and consistent results and enabled professionals to make inferences about auditory processing.

Keywords:
Validation Studies; Psychometry; Self report; Auditory perception; Adult; Hearing, Speech-language pathology

INTRODUÇÃO

Assim como na criança e no adolescente, transtornos do processamento auditivo central (TPAC) no adulto podem apresentar inúmeros fatores desencadeadores e coexistir com dificuldades de aprendizagem, alterações de linguagem, comportamentais e das funções cognitivas, levando à deficiência de comunicação, com restrições na vida pessoal, acadêmica, social e emocional(11 Carvalho NG, Novelli CVL, Colella-Santos MF. Fatores na infância e adolescência que podem influenciar o processamento auditivo: revisão sistemática. Rev CEFAC. 2015 Out;17(5):1590-603. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517519014.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
).

Na literatura nacional, constata-se escassa produção científica voltada para a investigação desses transtornos e suas consequências na vida e na comunicação de sujeitos adultos. Todavia, é importante chamar a atenção para alterações nesse público-alvo, pois adultos também são afetados(22 Turcatto LG, Scharlach RC, Braga J Jr, Pinheiro MMC. Time-compressed speech test in adults with and without central auditory processing disorders. Rev CEFAC. 2020;22(4):e2520. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/20202242520.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2020...
).

Os TPAC têm sido pesquisados, em alguns estudos, por meio de questionários de investigação das habilidades auditivas(33 Volpatto FL, Rechia IC, Lessa AH, Soldera CLC, Ferreira MIDC, Machado MS. Questionnaires and checklists for central auditory processing screening used in Brazil: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85(1):99-110. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.05.003. PMid:29970341.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.0...
). Os questionários possibilitam aos profissionais da saúde, educação e ao próprio sujeito identificarem quais habilidades apresentam risco de alteração, além de propiciar a elaboração de estratégias para promoção da saúde auditiva e de aprendizagem(33 Volpatto FL, Rechia IC, Lessa AH, Soldera CLC, Ferreira MIDC, Machado MS. Questionnaires and checklists for central auditory processing screening used in Brazil: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85(1):99-110. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.05.003. PMid:29970341.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.0...
).

O estudo de Zanchetta et al.(44 Zanchetta S, Simões HO, Lunardelo PP, Canavezi MO, Reis ACMB, Massuda ET. Cross-cultural adaptation of the Amsterdam inventory for auditory disability and handicap to Brazilian Portuguese. Rev Bras Otorrinolaringol (Engl Ed). 2020;86(1):3-13. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.07.011. PMid:30224263.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.0...
) teve os objetivos de traduzir, adaptar culturalmente para o português e analisar os resultados de confiabilidade, validade e aceitação do instrumento Amsterdam Inventory for Auditory Disability and Handicap (AIADH). O instrumento avalia as medidas de resultados relatados pelo paciente, que permitem que o indivíduo exponha, de acordo com suas percepções, o impacto da perda auditiva nas suas atividades diárias. O estudo mostrou que o questionário autorreferido é adequado para discriminar indivíduos com alterações auditivas. Assim, o instrumento, ao mensurar a autopercepção das dificuldades auditivas, apresentou dados importantes sobre as habilidades auditivas e o desempenho dos indivíduos em atividades diárias dependentes da audição.

De acordo com a literatura internacional, resultados de questionários de investigação auditiva, como o Speech, Spatial, and Qualities of Hearing Scale (SSQ), Amsterdam Inventory for Auditory Disability (Modified) e Hyperacusis Questionnaire (HQ), mostram correlação com os resultados de testes de avaliação comportamental do processamento auditivo central (PAC), o que sugere que os questionários podem indicar os mesmos aspectos investigados nos testes formais(55 Bamiou DE, Iliadou VV, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from adult hearing questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009. PMid:26554488.
http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009...
).

Quando identificados em tais questionários, como os relatados acima, pontuações sugestivas de alteração auditiva e resultados alterados em, pelo menos, um teste de avaliação do PAC, o indivíduo deve ser encaminhado para a reabilitação com estratégias elaboradas com base nos dois métodos de avaliação(55 Bamiou DE, Iliadou VV, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from adult hearing questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009. PMid:26554488.
http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009...
).

São escassos, na lilteratura nacional, instrumentos de rastreio para alterações das habilidades do PAC produzidos e direcionados à população brasileira adulta, o que motivou a realização desta pesquisa, que teve o objetivo de validar a Escala de Autopercepção de Habilidades do Processamento Auditivo Central (EAPAC) para investigação auditiva desenvolvida no estudo de Silva et al.(66 Silva NCB, Fontes AA, Labanca L, Mancini PC, Resende LC. Proposta de um questionário de queixas das habilidades auditivas em estudantes universitários e fatores associados. In: Anais do 2º Congresso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG – Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Profissional; 2016; Belo Horizonte. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, UFMG; 2016. p. 80.).

No presente estudo, apresenta-se o instrumento elaborado para identificar possíveis transtornos ou a necessidade de avaliação do PAC para adultos, abrangendo os dados da validação do instrumento EAPAC, com definição do ponto de corte, sensibilidade e especificidade realizadas com uso de análise psicométrica.

MÉTODOS

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, sob parecer nº 913.923. Todos os participantes da amostra do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), que seguiu as recomendações do Conselho Nacional de Saúde - CNS 466/2012(77 Brasil. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília, 13 jun 2013 [citado em 2021 Jul 19]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

A pesquisa ocorreu em duas etapas: 1) elaboração e construção do instrumento denominado Escala de Autopercepção de Habilidades do Processamento Auditivo Central (EAPAC), na qual seguiram-se os passos necessários para a construção de um instrumento de medida em saúde e produziu-se a primeira versão da escala, testada em um estudo piloto de Silva e colaboradores(66 Silva NCB, Fontes AA, Labanca L, Mancini PC, Resende LC. Proposta de um questionário de queixas das habilidades auditivas em estudantes universitários e fatores associados. In: Anais do 2º Congresso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG – Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Profissional; 2016; Belo Horizonte. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, UFMG; 2016. p. 80.); 2) aplicação e validação do instrumento, em que foram testadas as medidas psicométricas.

Na primeira etapa, o instrumento foi submetido à análise por juízes e aplicado em uma amostra composta por estudantes universitários, para análise da redação e semântica. Foram realizados os ajustes necessários, como a elaboração de questões relacionadas aos fatores clínicos e redução das opções de respostas(66 Silva NCB, Fontes AA, Labanca L, Mancini PC, Resende LC. Proposta de um questionário de queixas das habilidades auditivas em estudantes universitários e fatores associados. In: Anais do 2º Congresso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG – Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Profissional; 2016; Belo Horizonte. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, UFMG; 2016. p. 80.). A validade do instrumento foi baseada na validade de face (forma de apresentação do instrumento, orientação sobre o preenchimento e facilidade de leitura), conteúdo (clareza, relevância, pertinência e abrangência) e constructo.

Amostra

Foram selecionados para participar da pesquisa, acadêmicos situados na faixa etária de 18 a 59 anos, de qualquer raça e gênero, regularmente matriculados na instituição pública alvo a partir do segundo período do curso, sem histórico de realização de terapia fonoaudiológica para transtornos do processamento auditivo central. Foram excluídos os estudantes com perda auditiva de qualquer tipo e grau, diagnosticada anteriormente ao estudo, que não responderam corretamente ao instrumento de pesquisa, ou não concluíram a testagem. Os indivíduos foram convidados a participar do estudo por meio de convite enviado por correio eletrônico e selecionados de forma aleatória. Junto com o convite os participantes receberam o questionário EAPAC e o TCLE.

Foram convidados 32.390 alunos do ensino superior, matriculados na Universidade Federal de Minas Gerais. Destes, 1246 responderam ao instrumento, mas 342 foram excluídos, pois não cumpriam os critérios para inclusão no estudo. Assim, restaram 904 indivíduos que haviam respondido corretamente o questionário e que foram considerados aptos para participar da pesquisa.

Para a composição da amostra final que seria selecionada para a avaliação auditiva, foi realizado um cálculo amostral, considerando amostragem aleatória simples sem reposição. As premissas utilizadas foram: intervalo de confiança de 88% com margem de erro de, aproximadamente, 0,05. Para realização do cálculo, utilizou-se a informação de que a proporção de estudantes que percebia alguma dificuldade em relação às habilidades auditivas seria de 0,85; este dado é referente ao estudo piloto deste trabalho(66 Silva NCB, Fontes AA, Labanca L, Mancini PC, Resende LC. Proposta de um questionário de queixas das habilidades auditivas em estudantes universitários e fatores associados. In: Anais do 2º Congresso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG – Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Profissional; 2016; Belo Horizonte. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, UFMG; 2016. p. 80.).

Dessa forma, considerando a população elegível para o estudo, inferiu-se que seriam necessárias, para estimar a proporção de estudantes que perceberiam alguma dificuldade em relação às habilidades auditivas, com uma precisão de 0,05, o total de 123 escalas respondidas e avaliações padronizadas realizadas, sendo esse o total de participantes que compôs a amostra final.

Dos indivíduos incluídos, 69,1% eram do gênero masculino e 30,9% do gênero feminino, a idade variou de 18 a 51 anos, sendo a média igual a 24,61 anos. Em relação aos cursos de graduação, 60,16% estavam matriculados nos cursos relacionados às Ciências da Saúde, 10,56% em Ciências Sociais Aplicadas, 8,94% em Engenharias, 8,13% em Linguística, Letras e Artes, 6,5% em Ciências Exatas e da Terra, 4,06% em Ciências Humanas e 0,8% em Ciências Biológicas e Agrárias.

Procedimentos

Após a etapa de convite e seleção da amostra final, os indivíduos foram submetidos à avaliação audiológica por meio de meatoscopia, audiometria tonal liminar, logoaudiometria, timpanometria, pesquisa dos reflexos acústicos e avaliação comportamental do processamento auditivo, constituída pelos testes de Fala com Ruído Branco (FR)(88 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Barueri: Pró-Fono; 2011.) e Gaps in Noise (GIN) (Auditec©). Os testes FR e GIN foram selecionados para verificar a validade das questões que investigavam as dificuldades de origem auditiva que exigem menor envolvimento da linguagem e as habilidades auditivas imprescindíveis para uma boa percepção de fala, para, assim, identificar se o instrumento apontaria os indivíduos com TPAC de base. Os exames auditivos foram selecionados como padrão-ouro para caracterizar a audição periférica e o processamento auditivo.

Os testes foram realizados em uma sala tratada acusticamente e com audiômetro de dois canais da marca Interacoustics (Dinamarca), modelo Ad629B, com calibração de acordo com a norma ISO 8253-1(99 ISO: International Organization for Standardization. ISO 8253-1:2010. Acoustics - Audiometric test methods - Part 1: Pure-tone air and bone conduction audiometry. Genebra: ISO.).

Para audiometria tonal, foram determinados os limiares de audibilidade de para tons puros, por meio da técnica descendente, nas frequências de 250 a 8000 Hz, por via aérea. A pesquisa por via óssea de 500 a 4000 Hz foi realizada caso o limiar aéreo estivesse maior ou igual a 25 dB. Foi considerado resultado normal quando a média de 500, 1000 e 2000 Hz era igual ou inferior a 25 dB NA(1010 Davis H, Silverman R. Auditory Test Hearing Aids. In: Davis H, Silverman R. Hearing and deafness. Holt: Rinehart Winston; 1971.).

O teste IPRF (Índice Percentual de Reconhecimento de Fala) foi composto por 25 palavras monossílabas, gravadas em intensidade de 40 dBNS acima da média dos limiares tonais para as frequências sonoras de 500 Hz, 1000 Hz e 2000 Hz, apresentadas separadamente à cada orelha. Os resultados entre 88% e 100% de identificações corretas foram considerados normais(1111 Frota S, Sampaio F. Logoaudiometria. In: Frota S. Fundamentos em audiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 61-8.). Foi utilizada a lista gravada(88 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Barueri: Pró-Fono; 2011.) que serviu como referência para o teste FR.

Os testes de timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos foram realizados com aparelho da marca Interacoustics (Dinamarca), modelo At235h, com calibração de acordo com a norma ISO 8253-1(99 ISO: International Organization for Standardization. ISO 8253-1:2010. Acoustics - Audiometric test methods - Part 1: Pure-tone air and bone conduction audiometry. Genebra: ISO.). Foram considerados resultados normais a presença da curva timpanométrica tipo A e dos reflexos acústicos, segundo as classificações de Jerger(1212 Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970.04310040005002. PMid:5455571.
http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970....
), Jerger e Jerger(1313 Jerger S, Jerger J. Alterações auditivas: um manual para avaliação clínica. São Paulo: Atheneu; 1989. p. 102.).

O teste FR foi aplicado para avaliar a habilidade de fechamento auditivo. Utilizou-se uma mensagem principal, composta de uma lista de 25 palavras monossilábicas e uma mensagem competitiva ipsilateral, constituída de ruído do tipo white noise, com relação sinal/ruído (S/R) de -5 dB. O número de acertos foi multiplicado por 4% para obtenção da porcentagem de acertos. Foi adotado o critério de normalidade proposto pelo manual do teste utilizado, que considera normal a porcentagem de acerto superior a 72% e que a diferença entre as porcentagens de acertos do IPRF e do Teste Fala com Ruído seja, no máximo, de 20%.

O teste GIN foi utilizado para avaliar a habilidade de resolução temporal e determinar o limiar de detecção de gap (intervalo de silêncio) em estímulos sonoros, constituídos por ruído branco (white noise), com duração de seis segundos. Utilizaram-se duas faixas de estímulos do teste. Foi adotado como limiar de gap o menor intervalo percebido pelo sujeito em, pelo menos, quatro das seis vezes em que foi apresentado. O resultado do teste foi apresentado em milissegundos (ms) e, para os estudantes com 18 anos ou mais, o limiar esperado foi de até 5 ms.

Análise estatística

Os dados foram inseridos em planilha do Excel®. Para criar um Indicador de Diagnóstico do Adulto, primeiramente foi averiguado o número de dimensões do instrumento, utilizando o critério Acceleration Factor (AF). Para verificar se a amostra era apropriada à análise fatorial, utilizou-se a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin – KMO. É uma medida que varia de 0,0 a 1,0, sendo que, quanto mais próximo de 1,0 (unidade), mais apropriada será a amostra.

Para analisar a qualidade e validade dos constructos, foi verificada a dimensionalidade, confiabilidade e validade convergente. A dimensionalidade, que também pode ser explicada como a forte associação de um item com outro, representando, assim, um único conceito, foi verificada por meio do critério Acceleration Factor (AF). Para aferir a confiabilidade, foram utilizados os indicadores Alfa de Cronbach (AC) e Confiabilidade Composta (CC). Os indicadores AC e CC devem apresentar valores acima de 0,70 para uma indicação de confiabilidade do constructo, ou valores acima de 0,60 no caso de pesquisas exploratórias, como é o caso deste trabalho. Para verificar a validade convergente, considerou-se o percentual médio de variância compartilhada entre o constructo latente e seus itens. Este critério garante a validade convergente para valores da variância média extraída - ou percentual médio de variância compartilhada entre o construto e seus indicadores - acima de 50% ou 40%, no caso de pesquisas exploratórias.

A comparação do Indicador de Diagnóstico do Adulto entre as variáveis com resultados dos testes padronizados foi feita por meio do teste de Mann-Whitney e, para estabelecer o diagnóstico do estudante baseado nos resultados dos testes GIN e FR, a partir do Indicador de Diagnóstico do Adulto, foi ajustada uma regressão logística. Por meio do modelo de regressão, foi realizada a curva ROC (Receiver Operating Characteristic) para determinar o ponto de corte, ou seja, o valor que o indicador deve assumir para que o adulto seja diagnosticado com alteração no GIN e FR. O software utilizado nas análises foi o R (versão 3.2.4) e o nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

A análise descritiva da percepção dos estudantes mostrou que 46,74% apresentaram alguma queixa relacionada ao PAC e 63,61%, alguma queixa referente às dificuldades acadêmicas.

Para criar o Indicador de Diagnóstico do Adulto, utilizou-se o critério AF, a fim de verificar o número de dimensões do instrumento. A partir desse método, identificou-se que o instrumento apresentou duas dimensões. A investigação do grau de discriminação dos itens foi realizada por meio da análise fatorial com matriz de correlação tetracórica, uma vez que todos os itens eram binários. A Tabela 1 apresenta a análise fatorial desses dois constructos, sendo possível afirmar que os itens Q16 do primeiro e os itens Q13, Q14, Q15, Q17, Q18, Q19.I, Q20.I do segundo foram retirados do modelo, uma vez que não apresentaram cargas fatoriais acima de 0,50. Vale ressaltar que, apesar de o item Q7 ter apresentado carga fatorial de 0,39, ele não foi retirado do modelo, pois isso não impediu a validação do seu respectivo constructo. Os itens do constructo Q1 a Q21 foram descritos no Apêndice 1 Apêndice 1 Descrição das questões da primeira versão da Escala de Autopercepção de Habilidades do Processamento Auditivo Central - EAPAC Sigla Descrição Q1 Você acredita ter problemas na detecção do estímulo acústico (som em geral, fala ou outros sons)? Q2 Você acredita ter problemas na localização e lateralização da fonte sonora (saber de onde chamam quando à distância, por exemplo)? Q3 Você acredita ter problemas no reconhecimento do estímulo acústico (sons em geral)? Q4 Você acredita ter problemas na discriminação do estímulo acústico (diferenciar sons da fala, por exemplo ouvir S e Z)? Q5 Você acredita ter problemas na atenção seletiva e sustentada do estímulo acústico (ouvir e entender a fala do professor, mesmo que haja outras conversas na sala ou ruído externo, por exemplo)? Q6 Você acredita ter problemas de memória de curta duração relacionados ao estímulo acústico (lembrar-se de coisas que apenas ouviu, como textos curtos, uma aula, por exemplo)? Q7 Você acredita ter dificuldades para perceber os sons no tempo? Por exemplo, entender alguém que fala muito rápido ou que articula as palavras sem clareza. Q8 Você acredita ter dificuldades para ouvir e entender a fala em situações ruidosas? Por exemplo, conversando no ponto de ônibus, em restaurantes etc. Q9 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas à concentração em algum momento do seu curso superior? Q10 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas à memória em algum momento do seu curso superior? Q11 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas a planejamento em algum momento do seu curso superior? Q12 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas à aprendizagem em algum momento do seu curso superior? Q13 Você já ingeriu ou ingere bebida alcoólica? Q14 Você já fez ou faz uso de entorpecentes (maconha, crack e cocaína)? Q15 Você faz uso de medicamentos ou fez uso por um período prolongado? Q16 Você apresenta algum transtorno neurológico ou psiquiátrico (demência, doença encéfalo-vascular, hemiplegias ou paraplegias, meningite, neuropatia periférica, paralisia facial, ou aprendizagem, atenção e hiperatividade, comportamento, humor, ansiedade, psicose, conduta)? Q17 Você apresenta algum sintoma neurológico ou psiquiátrico (cefaleia, tontura, vertigem, desmaio, convulsão, outros)? Q18 Você dorme em média 8 horas por noite? Q19 Você considera que seu sono é satisfatório? Q20 Você se alimenta diariamente com 3 ou mais alimentos de grupos alimentares diferentes? Q21 Você fez o ensino médio: .

Tabela 1
Análise fatorial dos constructos de primeira ordem

A análise das medidas de validade e qualidade dos dois fatores mostrou que os dois constructos apresentaram validação convergente (AVE > 0,50), apresentaram Alfa de Cronbach ou Confiabilidade Composta acima de 0,60, ou seja, todos apresentaram os níveis exigidos de confiabilidade. O ajuste da análise fatorial foi adequado, uma vez que todos os KMO foram maiores ou iguais a 0,50. Ambos os constructos foram unidimensionais pelo critério Acceleration Factor.

A verificação das medidas de validade e qualidade do constructo de segunda ordem mostrou que o constructo apresentou validação convergente (AVE > 0,50), Confiabilidade Composta acima de 0,60, ou seja, apresentou os níveis exigidos de confiabilidade. O ajuste da análise fatorial foi adequado, uma vez que todos os KMO foram iguais a 0,50. O constructo foi unidimensional pelo critério Acceleration Factor (Tabela 2).

Tabela 2
Validação dos constructos de primeira e de segunda ordem

Uma vez validado, o Indicador de Diagnóstico do Adulto foi criado a partir da soma das respostas do indivíduo por ser o método mais recomendável quando se deseja ter generalidade e capacidade de transferência. Considerando que o indicador foi construído a partir da soma dos 2 fatores compostos por 13 itens, variando de 0 a 1, ele situou-se em uma escala de 0 a 13. Sendo assim, o indicador apresentou a média de 6,10 [5,91; 6,31] e o desvio padrão de 2,99.

Para realizar a comparação entre o Indicador Diagnóstico do Adulto e as avaliações auditivas e do processamento auditivo, utilizou-se a técnica de Mann-Whitney, pela qual foi possível observar que não houve diferença significativa entre o indicador e as variáveis (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação do indicador diagnóstico do adulto entre as variáveis da avaliação auditiva

Para estabelecer o diagnóstico do adulto por meio dos testes GIN e FR, a partir do Indicador de Diagnóstico do Adulto, foi ajustada uma regressão logística. Por meio do modelo de regressão, foi realizada a curva ROC para determinar o ponto de corte, ou seja, o valor que o indicador deve assumir para que o adulto seja diagnosticado com alterações nos teste GIN e FR. Cabe ressaltar que também foram calculadas algumas medidas de qualidade do ajuste do modelo, sendo elas o Pseudo R2 e o Teste de Hosmer-Lemeshow.

A partir do modelo de regressão realizado, a curva ROC obtida determinou o valor de 0,299 para o melhor ponto de corte. Esse valor representa 6 no indicador e, sendo assim, pode-se concluir que, para valores maiores que 6 no indicador, é plausível dizer que o indivíduo tem resultado positivo para alterações no teste GIN. A sensibilidade do modelo foi de 62,0%, o que significa que o modelo foi capaz de predizer corretamente 62% dos processos que tiveram alterações. A especificidade do modelo foi de 51,0%, o que significa que o modelo foi capaz de predizer corretamente 51% dos processos que não tiveram alterações. A área sob a curva ROC foi de 55,0%.

Na análise da regressão logística para o resultado do teste FR, pôde-se verificar que não houve influência significativa (valor-p=0,538) do Indicador de Diagnóstico do Adulto sobre o resultado do teste FR. O modelo foi considerado adequado segundo o Teste de Hosmer-Lemeshow (valor-p=0,168) e o indicador foi capaz de explicar 0,42% da variabilidade do resultado do teste.

A partir do modelo de regressão realizado, a curva ROC obtida indicou o valor de 0,294 para o melhor ponto de corte. Esse valor representa 5 no indicador e, sendo assim, pode-se concluir que, para valores maiores que 5 no indicador, é plausível dizer que o indivíduo tem resultado positivo nas alterações do teste FR. A sensibilidade do modelo foi de 74,0%, o que significa que o modelo foi capaz de predizer corretamente 74% dos processos que tiveram alterações. A especificidade do modelo foi de 56,0%, o que significa que o modelo foi capaz de predizer corretamente 56% dos processos que não tiveram alterações. A área sob a curva ROC foi de 54,0% (Figura 1).

Figura 1
Curva ROC (Receiver Operating Characteristic) dos testes Gaps in noise e Fala com Ruído Branco

A escala, após os ajustes estatísticos, está apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Escala de Autopercepção de Habilidades do Processamento Auditivo Central

DISCUSSÃO

A necessidade da EAPAC surgiu da escassez de instrumentos relacionados ao PAC em adultos, uma vez que o tema é abordado com menos frequência nessa população.

Na amostra investigada, as queixas relacionadas às dificuldades acadêmicas foram mais expressivas que as queixas relacionadas ao PAC. Essas dificuldades podem estar associadas a uma ampla gama de aspectos e se constroem de maneira singular, de acordo com a percepção individual sobre elas(33 Volpatto FL, Rechia IC, Lessa AH, Soldera CLC, Ferreira MIDC, Machado MS. Questionnaires and checklists for central auditory processing screening used in Brazil: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85(1):99-110. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.05.003. PMid:29970341.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.0...
). É importante considerar as queixas relacionadas às dificuldades acadêmicas, pois elas podem refletir nas condições que o conhecimento construído durante a graduação se desenvolve, impactando as atividades diárias.

Alguns autores(1414 Potocki A, Sanchez M, Ecalle J, Magnan A. Linguistic and cognitive profiles of 8- to 15-year-old children with specific reading comprehension difficulties: the role of executive functions. J Learn Disabil. 2017;50(2):128-42. http://dx.doi.org/10.1177/0022219415613080. PMid:26510849.
http://dx.doi.org/10.1177/00222194156130...
) sugerem que os déficits de aprendizado talvez sejam, na verdade, déficits executivos, relacionados com a atenção, com a memória operacional, ou com o controle inibitório. Provavelmente os sujeitos não estejam conseguindo realizar análises metacognitivas, ou seja, não conseguem analisar as exigências das tarefas e associá-las com a realidade que se apresenta(1515 Corso HV, Sperb TM, Jou GI, Salles JF. Metacognição e funções executivas: relações entre os conceitos e implicações para aprendizagem. Psic Teor E Pesq. 2013;29(1):21-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722013000100004.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722013...
).

As questões relacionadas aos hábitos de vida e condições de saúde, como o sono, o consumo de álcool e outras drogas, a alimentação, o uso de medicações e o histórico de alterações neurológicas e/ou psiquiátricas, foram excluídas do questionário, pois, apesar de estarem ajustadas teoricamente ao constructo e à dimensão estudada, apresentaram carga fatorial baixa. Dessa forma, houve baixa saturação dessas questões com as dimensões estudadas, influenciando na validação do instrumento. O item Q7, mesmo tendo apresentado carga fatorial de 0,39, não foi retirado do modelo, pois não impactou a validação do seu respectivo constructo.

Os estudos mostram que hábitos relacionados ao sono, como duração e regularidade de seus ciclos, podem influenciar o desempenho do estudante em tarefas que envolvam rapidez, qualidade da atenção centrada e demais atividades diárias(1616 Wardle-Pinkston S, Slavish DC, Taylor DJ. Insomnia and cognitive performance: a systematic review and meta-analysis. Sleep Med Rev. 2019;48:101205. http://dx.doi.org/10.1016/j.smrv.2019.07.008. PMid:31522135.
http://dx.doi.org/10.1016/j.smrv.2019.07...
). Além disso, a presença de transtornos no sono pode afetar o processamento da informação sonora. Segundo Iriz et al.(1717 İriz A, Düzlü M, Köktürk O, Kemaloğlu YK, Eravcı FC, Küükünal IS, et al. The effect of obstructive sleep apnea syndrome on the central auditory system. Turk J Med Sci. 2018;48(1):5-9. http://dx.doi.org/10.3906/sag-1705-66. PMid:29479935.
http://dx.doi.org/10.3906/sag-1705-66...
), indivíduos com transtorno no sono, como a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono, apresentam menor desempenho nos testes de discriminação de fala e no reconhecimento dos padrões de frequência e duração, em relação aos indivíduos que não têm apneia. Os pesquisadores supõem que os episódios de hipóxia, em decorrência da apneia, causam danos na via auditiva.

Quanto ao consumo de álcool ou outras drogas, a literatura mostra que essas substâncias causam prejuízos na via auditiva, gerando dificuldade na discriminação sonora(1818 Silva JA, Galdino MKC, Simas MLB, Santos NA. Consequências da ingestão moderada de etanol na discriminação de notas musicais. Psicol Reflex Crit. 2015 Mar;28(1):147-56. http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.201528116.
http://dx.doi.org/10.1590/1678-7153.2015...
), aumento nos limiares auditivos, ausência de emissões otoacústicas transientes e presença de queixas auditivas, como dificuldade para compreender a fala na presença de ruído(1919 Weich TM, Tochetto TM, Seligman L. Auditory thresholds, otoacoustic emissions and medial olivocochlear system of ex-drug users. Rev CEFAC. 2014;16(2):364-83.). Estudo que observou a alteração da percepção auditiva em ratos, concluiu que o consumo crônico de álcool determinou uma redução dessa informação nos núcleos do colículo inferior. Essa região está envolvida em respostas motoras de orientação da cabeça e do corpo em direção à fonte sonora, integrando a informação auditiva, somestésica e visual(2020 Ferreira R. Alteração do processamento da informação sensorial auditiva induzida pela abstinência ao álcool em ratos: importância dos mecanismos GABAérgicos e Glutamatérgicos do Colículo inferior [dissertação]. São Paulo (SP): Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo; 2010.).

Apesar desses hábitos de vida relacionados ao sono e uso de substâncias tóxicas influenciarem o funcionamento auditivo, sugere-se, no presente estudo, que tais aspectos apresentaram pouco impacto no desempenho auditivo em situações cotidianas.

As demais questões da escala apresentaram carga fatorial maior que 0,5, apontando para a relevância de investigar os aspectos cognitivos e sintomas relacionados ao déficit nas habilidades auditivas(55 Bamiou DE, Iliadou VV, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from adult hearing questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009. PMid:26554488.
http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009...
). Assim, o instrumento, após a análise estatística, foi composto por 13 questões binárias (sim e não; pública e privada), cada uma com o peso de até 1 ponto.

Quanto à análise de validade do constructo, o instrumento EAPAC apresentou valores aceitáveis para a validade convergente, conforme sugeridos na literatura, o que mostra que a escala se correlacionou com os testes auditivos realizados e, dessa forma, é capaz de indicar dados sobre a audição do indivíduo. Em relação à consistência interna, verificou-se que os domínios da escala avaliam as mesmas características, ou seja, as habilidades auditivas(2121 Echevarría-Guanilo ME, Gonçalves N, Romanoski PJ. Psychometric properties of measurement instruments: conceptual basis and evaluation methods - Part II. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20170311. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0311.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-...
,2222 Souza AC, Alexandre NMC, Guirardello EB. Propriedades psicométricas na avaliação de instrumentos: avaliação da confiabilidade e da validade. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(3):649-59. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017000300022.
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742017...
). Assim, o instrumento mostrou ser preciso e homogêneo.

O Indicador de Diagnóstico de Adulto construído foi comparado entre os resultados normal e alterado das avaliações auditivas. No entanto, não foi verificada diferença entre os grupos, por meio da média do escore total da escala. Como a maioria da amostra apresentou queixa relacionada à aprendizagem, em relação à queixa auditiva, e não foi realizada a comparação entre os grupos de acordo com os domínios da escala, a identificação da diferença entre os grupos pode ter sido afetada. Sugere-se a comparação entre os grupos de acordo com os domínios do questionário, em estudos futuros.

De acordo com os resultados da curva ROC, os indivíduos que alcançaram 5 pontos ou mais na escala apresentaram alteração no teste FR e, a partir de 6 pontos, apresentaram, também, alteração no teste GIN, com sensibilidade de 74% e 62% e especificidade de 51% e 56%, respectivamente.

Os testes FR e GIN avaliam as habilidades de fechamento auditivo e resolução temporal. A habilidade de fechamento auditivo para sons verbais é responsável por complementar mentalmente as características acústicas das palavras, quando o sujeito não as recebe em sua totalidade(88 Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Barueri: Pró-Fono; 2011.). Já a habilidade auditiva de resolução temporal(2323 Sanguebuche TR, Peixe BP, Garcia MV. Behavioral tests in adults: reference values and comparison between groups presenting or not central auditory processing disorder. Rev CEFAC. 2020;22(1):e13718. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/202022113718.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2020...
) se ocupa em detectar o intervalo de tempo mínimo necessário para a discriminação de eventos acústicos diferentes. Em crianças e adolescentes, alterações nessas habilidades podem resultar em má comunicação, devido ao prejuízo na identificação de discretas variações acústicas que ocasionam dificuldade para produzir e interpretar os sons. Acredita-se que adultos também apresentem dificuldades em decorrência dessas alterações(2323 Sanguebuche TR, Peixe BP, Garcia MV. Behavioral tests in adults: reference values and comparison between groups presenting or not central auditory processing disorder. Rev CEFAC. 2020;22(1):e13718. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/202022113718.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2020...
), pois são ferramentas da audição central indispensáveis para a otimização da aquisição de conhecimento no ambiente universitário.

No estudo de Bamiou et al.(55 Bamiou DE, Iliadou VV, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from adult hearing questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009. PMid:26554488.
http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.15009...
), também foi encontrada a associação entre os resultados dos testes FR e GIN com pontuações no questionário de avaliação auditiva. Sugere-se que a inabilidade de processar os aspectos temporais do som, identificadas nos testes FR e GIN, é significativa a ponto de ser percebida e relatada pelos indivíduos no contexto de vida real. Além disso, como os testes e o questionário medem os mesmos aspectos, os déficits detectados nos testes formais também são apontados no questionário.

Todos os passos seguidos no desenvolvimento desse instrumento foram essenciais para o resultado final. Do ponto de vista empírico, a investigação do poder de discriminação dos itens e as análises da validade e da precisão possibilitaram chegar a uma versão final da escala, que revelou-se adequada em termos psicométricos. Os 13 itens finais se mostraram discriminativos. Os índices de precisão pelo método de Alfa de Cronbach para as duas dimensões podem ser considerados satisfatórios para essa escala, concordando com a literatura(2424 Lobão WM, Menezes IG. Psychometric analysis of the scale for the predisposition to the occurrence of adverse events in nursing care provided in ICUs. Rev Lat Am Enfermagem. 2013;21(1):396-403. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692013000100015. PMid:23546324.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692013...
) e considerando a metodologia adotada(2525 Crombach LC, Meehl PE. Construct validity in psychological tests. Psychol Bull. 1955;52(4):281-302. http://dx.doi.org/10.1037/h0040957. PMid:13245896.
http://dx.doi.org/10.1037/h0040957...
,2626 Coluci MZO, Alexandre NMC, Milani D. Construção de instrumentos de medida na área da saúde. Cien Saude Colet. 2015;20(3):925-36. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.04332013. PMid:25760132.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
), pois ficaram acima de 0,50.

Assim, a EAPAC mostrou-se confiável ao demonstrar, em face dos resultados obtidos por meio da análise psicométrica, que apresenta boa correlação (consistência interna) entre seus diferentes itens.

Os resultados obtidos na EAPAC foram relacionados somente aos testes FR e GIN, portanto, às habilidades de fechamento auditivo e resolução temporal, o que caracteriza uma limitação do estudo. Ressalta-se a importância de realizar pesquisas futuras para ampliar a investigação dos dados obtidos por meio da escala. O estudo de aplicação do questionário em adultos, relacionado aos processos de fala monoaural de baixa redundância, escuta dicótica, processamento temporal e integração binaural, para observar a validade do instrumento em contextos diferentes e ampliar a compreensão do instrumento, está em andamento.

CONCLUSÃO

Por meio da avaliação psicométrica do instrumento, verificou-se que a EAPAC apresentou resultados válidos, confiáveis e consistentes. Pontuações maiores ou iguais a 5, obtidas na escala, sugerem alteração na habilidade de fechamento auditivo e pontuações maiores ou iguais a 6 sugerem alteração na habilidade de resolução temporal. Assim, o instrumento foi capaz de apresentar informações sobre o desempenho auditivo do indivíduo adulto em situações do cotidiano, contribuindo para a identificação de possível transtorno do processamento auditivo central.

Apêndice 1 Descrição das questões da primeira versão da Escala de Autopercepção de Habilidades do Processamento Auditivo Central - EAPAC

Sigla Descrição
Q1 Você acredita ter problemas na detecção do estímulo acústico (som em geral, fala ou outros sons)?
Q2 Você acredita ter problemas na localização e lateralização da fonte sonora (saber de onde chamam quando à distância, por exemplo)?
Q3 Você acredita ter problemas no reconhecimento do estímulo acústico (sons em geral)?
Q4 Você acredita ter problemas na discriminação do estímulo acústico (diferenciar sons da fala, por exemplo ouvir S e Z)?
Q5 Você acredita ter problemas na atenção seletiva e sustentada do estímulo acústico (ouvir e entender a fala do professor, mesmo que haja outras conversas na sala ou ruído externo, por exemplo)?
Q6 Você acredita ter problemas de memória de curta duração relacionados ao estímulo acústico (lembrar-se de coisas que apenas ouviu, como textos curtos, uma aula, por exemplo)?
Q7 Você acredita ter dificuldades para perceber os sons no tempo? Por exemplo, entender alguém que fala muito rápido ou que articula as palavras sem clareza.
Q8 Você acredita ter dificuldades para ouvir e entender a fala em situações ruidosas? Por exemplo, conversando no ponto de ônibus, em restaurantes etc.
Q9 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas à concentração em algum momento do seu curso superior?
Q10 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas à memória em algum momento do seu curso superior?
Q11 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas a planejamento em algum momento do seu curso superior?
Q12 Você apresenta ou já apresentou dificuldades acadêmicas relacionadas à aprendizagem em algum momento do seu curso superior?
Q13 Você já ingeriu ou ingere bebida alcoólica?
Q14 Você já fez ou faz uso de entorpecentes (maconha, crack e cocaína)?
Q15 Você faz uso de medicamentos ou fez uso por um período prolongado?
Q16 Você apresenta algum transtorno neurológico ou psiquiátrico (demência, doença encéfalo-vascular, hemiplegias ou paraplegias, meningite, neuropatia periférica, paralisia facial, ou aprendizagem, atenção e hiperatividade, comportamento, humor, ansiedade, psicose, conduta)?
Q17 Você apresenta algum sintoma neurológico ou psiquiátrico (cefaleia, tontura, vertigem, desmaio, convulsão, outros)?
Q18 Você dorme em média 8 horas por noite?
Q19 Você considera que seu sono é satisfatório?
Q20 Você se alimenta diariamente com 3 ou mais alimentos de grupos alimentares diferentes?
Q21 Você fez o ensino médio:

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio ao estudo.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2021
  • Aceito
    11 Jan 2022
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