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Avaliação audiológica em pacientes com hepatite C crônica tratados por antivirais de ação direta

RESUMO

Objetivo

Verificar se o tratamento com os antivirais de ação direta para a hepatite C provocam efeitos adversos na audição.

Métodos

A casuística foi composta por 16 indivíduos portadores do vírus da hepatite C, de ambos os gêneros, com média de idade de 51 anos. Foram excluídos do grupo indivíduos com perda auditiva do tipo condutiva ou mista e que apresentassem fatores de risco para perda auditiva. A avaliação foi realizada em dois momentos: antes do uso dos antivirais de ação direta e após o término do tratamento de três meses. Incluiu os seguintes procedimentos: anamnese, inspeção do meato acústico externo, audiometria tonal liminar, limiar de recepção de fala, índice de reconhecimento de fala, medidas de imitância acústica e emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente e produto de distorção. Resultados: Houve baixa ocorrência de zumbido e vertigem. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os resultados da avaliação pré-tratamento e pós-tratamento.

Conclusão

O tratamento com antivirais de ação direta contra o vírus da hepatite C não provocou efeitos adversos na função auditiva.

Palavras-chave:
Audição; Perda auditiva; Hepatite C; Cóclea; Antivirais de ação direta

ABSTRACT

Purpose

To verify whether treatment with hepatitis C direct-acting antivirals has adverse effects on hearing.

Methods

The sample consisted of 16 individuals with hepatitis C virus, of both sexes, with an average age of 51 years. Individuals with conductive or mixed hearing loss who presented risk factors for hearing loss were excluded from the group. The evaluation was carried out in two moments: before the use of direct-acting antivirals and after the three-month treatment. It included the following procedures: anamnesis, external auditory canal inspection, pure tone audiometry, speech reception threshold, speech recognition index, acoustic immittance measures and transient and distortion product otoacoustic emissions.

Results

There was a low incidence of tinnitus and vertigo. There was no statistically significant difference between the results of the pre- and post-treatment assessment.

Conclusion

The treatment with direct-acting antivirals against the hepatitis C virus did not cause any adverse effects on hearing function.

Keywords:
Hearing; Hearing Loss; Hepat itis C; Cochlea; Direct-acting antivirals

INTRODUÇÃO

A infecção pelo vírus de hepatite C (VHC) é uma das principais causas de doença hepática crônica no mundo. Estima-se que cerca de 71 milhões de pessoas estejam infectadas pelo VHC em todo o mundo, muitas das quais desconhecem a infecção, e que cerca de 400 mil vão a óbito por ano, devido a complicações dessa doença, principalmente por cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC)(11 European Union HCV Collaborators. Hepatitis C virus prevalence and level of intervention required to achieve the WHO targets for elimination in the European Union by 2030: a modelling study. Lancet Gastroenterol Hepatol. 2017;2(5):325-36. http://dx.doi.org/10.1016/S2468-1253(17)30045-6.
http://dx.doi.org/10.1016/S2468-1253(17)...
,22 WHO: World Health Organization. Hepatitis C [Internet]. 2019 [citado em 2019 Jul 10]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs164/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
).

Por muitas décadas, o tratamento padrão da infecção crônica pelo VHC foi a terapia combinada do interferon peguilado (Peg-IFN) e da ribavirina (RBV), por 24 ou 48 semanas. Entretanto, é bem conhecido que essa combinação está associada a efeitos adversos significativos(33 Ismail EI, Morgan AE, Farag RE. Assessment of auditory functions in chronic hepatitis C patients treated by sofosbuvir. J Otol. 2018;13(1):10-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11.001. PMid:29937860.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11...
). A ototoxicidade é citada como um desses efeitos colaterais(44 Lee CA, Mistry D, Uppal S, Coatesworth AP. Otologic side effects of drugs. J Laryngol Otol. 2005;119(4):267-71. http://dx.doi.org/10.1258/0022215054020485. PMid:15949078.
http://dx.doi.org/10.1258/00222150540204...
). De fato, a perda auditiva sensorioneural unilateral ou bilateral (PANS) foi relatada como consequência desses tratamentos(55 Casale M, Mazzarelli C, Vespasiani Gentilucci U, Potena M, Pappacena M, Faiella F, et al. Distortion-product otoacoustic emissions: a useful test for monitoring ototoxicity induced by pegylated interferon and ribavir in treatment in patients with chronic hepatitis C. Int J Immunopathol Pharmacol. 2012;25(2):551-6. http://dx.doi.org/10.1177/039463201202500229. PMid:22697091.
http://dx.doi.org/10.1177/03946320120250...

6 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
-77 Asal S, Sobhy O, Ismail O, Bedewy E. Study of the effect of combined interferon and ribavirin therapy on the hearing profile of hepatitis C virus patients. Egyptian J Otolaryngol. 2015;31:237-43.) e a perda auditiva súbita pode ocorrer em cerca de 1% desses pacientes(88 Piekarska A, Jozefowicz-Korczynska M, Wojcik K, Berkan E. Sudden hearing loss in chronic hepatitis C patient suffering from Turner syndrome, treated with pegylated interferon and ribavirin. Int J Audiol. 2007;46(7):345-50. http://dx.doi.org/10.1080/14992020701261413. PMid:17680465.
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).

No entanto, a introdução de novos antivirais de ação direta (DAA) para o tratamento da hepatite C vem modificando o panorama epidemiológico dessa doença em todo o mundo. Os altos índices de cura, o excelente perfil de tolerabilidade e a menor duração do tratamento possibilitaram estratégias eficazes no combate à doença(99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Departamento de DST A e HV PCDT. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite viral C e coinfecções [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [citado em 2019 Abr 25]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2018/Relatorio_PCDT_HepatiteC.pdf
http://conitec.gov.br/images/Relatorios/...
).

O Brasil, seguramente, figura entre os países que se destacam nesse cenário. Em 2015, o Ministério da Saúde incorporou os primeiros antivirais de ação direta para o tratamento da hepatite C, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Na época, o SUS dispôs para o tratamento da hepatite C crônica os seguintes fármacos: daclatasvir; simeprevir; sofosbuvir; a associação dos fármacos ombitasvir, dasabuvir, veruprevir e ritonavir- 3D; a associação de ledipasvir e sofosbuvir e a associação de elbasvir e grazoprevir, que poderão estar, ou não, associados à alfapeginterferona (PEG-IFN-α) e RBV(99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Departamento de DST A e HV PCDT. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite viral C e coinfecções [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [citado em 2019 Abr 25]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2018/Relatorio_PCDT_HepatiteC.pdf
http://conitec.gov.br/images/Relatorios/...
). Estudo brasileiro relatou taxas de cura virológica em torno de 95% entre os pacientes tratados com essas medicações(1010 Lobato CMO, Codes L, Silva GF, Souza AFM, Coelho HSM, Pedroso MLA, et al. Direct antiviral therapy for treatment of hepatitis C: A real-world study from Brazil. Ann Hepatol. 2019;18(6):849-54. http://dx.doi.org/10.1016/j.aohep.2019.08.001. PMid:31537509.
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).

Na literatura, poucos estudos investigaram a audição em pacientes com o VHC tratados com essas novas medicações e não há referência se tais medicamentos teriam potencial de ototoxicidade(1111 Cianfrone G, Pentangelo D, Cianfrone F, Mazzei F, Turchetta R, Orlando MP, et al. Pharmacological drugs inducing ototoxicity, vestibular symptoms and tinnitus: a reasoned and updated guide. Eur Rev Med Pharmacol Sci. [Internet]. 2011 [citado em 2022 Mar 10];15:601-36. Disponível em: http://www.europeanreview.org/wp/wp-content/uploads/956.pdf
http://www.europeanreview.org/wp/wp-cont...
). Porém, os autores recomendam mais estudos nessa área para avaliar a segurança desses medicamentos em relação ao sistema auditivo(33 Ismail EI, Morgan AE, Farag RE. Assessment of auditory functions in chronic hepatitis C patients treated by sofosbuvir. J Otol. 2018;13(1):10-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11.001. PMid:29937860.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11...
,1212 Barbieri MA, Cicala G, Cutroneo PM, Mocciaro E, Sottosanti L, Freni F, et al. Ototoxic adverse drug reactions: a disproportionality analysis using the italian spontaneous reporting database. Front Pharmacol. 2019;10:1161. https://doi.org/10.3389/fphar.2019.01161.
https://doi.org/10.3389/fphar.2019.01161...
,1313 Tanaka M, Hasegawa S, Nakao S, Shimada K, Mukai R, Matsumoto K, et al. Analysis of drug-induced hearing loss by using a spontaneous reporting system database. Plos One. 2019;14(10):e0217951. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217951.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
). Além disso, a pesquisa das emissões otoacústicas tem sido recomendada para monitoramento da audição, pois identificam disfunções cocleares antes da instalação da perda auditiva(66 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
).

Dessa forma, houve interesse em estudar a audição dos pacientes com vírus da hepatite C, no uso das diferentes combinações dos antivirais supracitados, utilizando-se, também, a pesquisa das emissões otoacústicas. Portanto, o objetivo dessa pesquisa foi verificar se o tratamento com os antivirais de ação direta para a hepatite C provoca efeitos adversos na audição.

MÉTODOS

Estudo de caráter prospectivo longitudinal (pré e pós-tratamento de três meses), realizado no setor de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição, sob parecer número 3.203.427 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O recrutamento da amostra ocorreu por conveniência. A casuística foi composta por 16 pacientes, com média de idade de 51 anos. Destes, oito foram medicados com o composto 3D- ombitasvir, dasabuvir, veruprevir e ritonavir; cinco com sofosbuvir e simeprevir; dois com sofosbuvir e ledipasvir e um com sofosbuvir e daclatasvir. Apenas um paciente apresentou carga viral detectável do VHC após o tratamento.

Foram excluídos da amostra pacientes que apresentaram perda auditiva condutiva e mista, exposição a ruído, presença de otosclerose, uso de quimioterapia ou radioterapia, ou uso de outras drogas ototóxicas, antecedentes familiares de perda auditiva e cirurgias otológicas.

Para caracterizar a audição dos pacientes, foram pré-agendadas as avaliações audiológicas em dois momentos: antes do uso dos antivirais de ação direta proposto pelo Ministério da Saúde e após o término do tratamento.

A avaliação audiológica constou de anamnese, inspeção do meato acústico externo, audiometria tonal liminar, logoaudiometria, medidas de imitância acústica e das emissões otoacústicas evocadas.

Na anamnese, aplicou-se um questionário em conjunto fechado, com o intuito de colher informações sobre o histórico do paciente e atender aos critérios de exclusão. Também foi realizada uma análise do prontuário dos pacientes, para obter informações sobre genótipos (tipo 1, 2, 3 ou 4), entre outros dados.

A inspeção do meato acústico externo foi realizada com o otoscópio da marca TK, para descartar a presença de corpos estranhos ou a existência de excesso de cerúmen, que poderiam comprometer a realização dos testes propostos. Os indivíduos foram submetidos à audiometria tonal liminar em cabina acústica, com o audiômetro AD-229, da marca Interacoustics, fones TDH-39 devidamente calibrados, conforme padrão ANSI 3.6 (American National Standards Institute)(1414 ANSI: American National Standard Institute. American national standard specification for audiometers (ANSI 3.6). New York: ANSI; 1969.). A pesquisa dos limiares auditivos por via aérea (VA) foi realizada nas frequências de 250 Hz, 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz, 3000 Hz, 4000 Hz, 6000 Hz e 8000 Hz, com a técnica descendente(1515 Katz J. Tratado de audiologia clínica. 4ª ed. São Paulo: Manole; 1999.). Os limiares acima de 25 dB, nas frequências de 0,5 a 4 kHz, justificaram a necessidade da pesquisa da via óssea (VO). Os limiares auditivos foram considerados normais quando iguais ou inferiores a 25 dBNA. Limiares superiores a 25 dBNA foram considerados como perda auditiva. O grau da perda auditiva foi classificado de acordo com média das frequências de 500 Hz, 1000 Hz e 2000 Hz(1616 Silman S, Silverman CA. Basic audiologic testing. In: Silman S, Silverman CA. Auditory diagnosis: principles and applications [Internet]. San Diego: Singular Publishing Group; 1997 [citado em 2018 Out 5]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000138&pid=S1809-4864201200030000500021&lng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Na logoaudiometria, pesquisou-se o limiar de recepção de fala (SRT), com lista de palavras trissílabas, de viva voz e com decréscimo de intensidade, até encontrar o nível mínimo de intensidade em que cada indivíduo foi capaz de reconhecer corretamente 50% dos estímulos verbais apresentados. O índice de reconhecimento de fala (IPRF) foi obtido por meio da apresentação de uma lista de 25 palavras monossilábicas, separadamente, a cada orelha. O teste foi realizado em intensidade fixa de 40 dBNS (acima da média tonal 500 Hz, 1000 Hz e 2000 Hz). Considerou-se como normal o índice de acerto superior a 88% dos estímulos apresentados(1717 Jerger J, Silverman CA. Binaural interference: a guide for audiologistis. San Diego: Plural Publishing INC.; 2018. Chapter 3, The wiring diagram of the auditory system; p. 29.).

As medidas de imitância acústica foram obtidas com o analisador de orelha média da marca InteracousticS, modelo AT 235, com sonda de 226 Hz, calibrado conforme a norma ANSI 3.6/ ISO 389 (International Organization for Standardization). É um exame objetivo para avaliar a integridade tímpano-ossicular, detectando as curvas timpanométricas, classificadas em A, B, C, Ad e Ar(1818 Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970.04310040005002. PMID: 5455571.
http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970....
). Além disso, foi realizada a pesquisa do reflexo acústico, nas frequências de 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 4000 Hz, considerando-se como normal a presença do reflexo de 70 dB a 90 dB acima do limiar audiométrico(1818 Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970.04310040005002. PMID: 5455571.
http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970....
).

Para a pesquisa das emissões otoacústicas, foi utilizado um analisador coclear de emissões otoacústicas ILOv6, da marca Otodynamics Ltda, em cabina acusticamente tratada, conectado a um microcomputador.

Para as emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT), foram utilizados cliques não lineares com pulsos regulares de duração de 80 milissegundos, de polaridade rarefeita, apresentados em uma série de 260 ciclos por segundo, em janela de 20 ms. Quanto ao espectro das emissões, o estímulo padrão contém energia distribuída entre 500 Hz e 5 kHz. Considerou-se presença das EOAT quando houve emissões 3 dB acima do ruído nas bandas de frequências de 1 a 4 kHz, com reprodutibilidade da resposta e estabilidade de sonda superior a 70%(1919 Finitzo T, Albright K, Neal JO. The newborn with hearing loss: detection in the nursery. Pediatrics. 1998;102(6):1452-60. http://dx.doi.org/10.1542/peds.102.6.1452. PMid:9832584.
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).

As emissões otoacústicas produto de distorção (EOAPD) foram evocadas por dois tons puros, apresentados simultaneamente, com frequências sonoras muito próximas (f1/f2=1,22). O componente de resposta considerado foi 2f1-f2 com nível de intensidade do estímulo f1 de 65 dBNPS e f2 de 55 dBNPS. Na análise das respostas, foram consideradas a amplitude e a relação sinal/ruído nas frequências de 1 kHz, 1,5 kHz, 2 kHz, 3 kHz, 4 kHz, 6 kHz e 8 kHz. Considerou-se resposta presente quando a amplitude de resposta foi positiva, com relação sinal/ruído acima de 6 dB e amplitude de ruído abaixo de zero (negativo)(2020 Gorga MP, Stover L, Neely ST, Montoya D. The use of cumulative distribuitions to determine critical values and levels of confiance for clinical distortion product otoacoustice mission measurements. J Acoustic Soc Am. 1996;100(2 Pt 1):968-77.http://dx.doi.org/10.1121/1.416208.
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).

Considerando todas as avaliações realizadas, o diagnóstico final foi definido como: sensibilidade auditiva normal = limiares auditivos inferiores ou iguais a 25 dBNA na audiometria com presença de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente e produto de distorção; perda auditiva coclear = limiares auditivos superiores a 25 dBNA e ausência das emissões otoacústicas; disfunção coclear = limiares auditivos inferiores ou iguais a 25 dBNA com emissões otoacústicas ausentes ou parciais.

Para análise estatística, o nível de significância considerado foi de 10%, em função do tamanho da amostra. Foi aplicado o teste Qui-quadrado de independência (Bussab e Morettin, 2017), para associar a audiometria e as EOAT e EOAPD. Para comparar os momentos pré e pós-tratamento, foi aplicado o teste de McNemar Pagano e Gauvreau (2004)(2020 Gorga MP, Stover L, Neely ST, Montoya D. The use of cumulative distribuitions to determine critical values and levels of confiance for clinical distortion product otoacoustice mission measurements. J Acoustic Soc Am. 1996;100(2 Pt 1):968-77.http://dx.doi.org/10.1121/1.416208.
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).

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 16 indivíduos, 4 do gênero masculino e 12 do gênero feminino, com idades entre 18 e 76 anos e média de idade de 51 anos.

No que se refere à caracterização da amostra quanto ao genótipo, sintomas auditivos e alterações metabólicas, 15 pacientes (93,8%) apresentaram genótipo 1 e apenas um paciente (6,3%) apresentou genótipo 2. Em relação aos sintomas, apenas um paciente (6,3%) queixou-se de zumbido e duas pacientes (12,5%) apresentaram queixa de vertigem. Em relação às alterações metabólicas, 2 participantes apresentaram diabetes (12,5%) e um (6,3%) apresentou resistência à insulina. Nenhum paciente apresentou cirrose hepática e 5 (31,2%) já haviam realizado tratamento anterior com Peg-IFN e/ou ribavirina. A caracterização da amostra quanto ao genótipo, sintomas auditivos e alterações metabólicas é apresentada na Figura 1.

Figura 1
Distribuição da população em relação às variáveis genótipo, sintomas auditivos e alterações metabólicas

Quanto à associação entre os resultados da audiometria antes e após tratamento, não houve diferença entre os resultados. Houve 75% de limiares auditivos normais no pré e pós-tratamento (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados da audiometria comparando pré e pós-tratamento (n = 16)

No que se refere à associação entre os resultados das emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT), pré e pós-tratamento, o teste de McNemar(2020 Gorga MP, Stover L, Neely ST, Montoya D. The use of cumulative distribuitions to determine critical values and levels of confiance for clinical distortion product otoacoustice mission measurements. J Acoustic Soc Am. 1996;100(2 Pt 1):968-77.http://dx.doi.org/10.1121/1.416208.
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) não mostrou evidência de diferença entre os resultados. Houve 62,5% de presença de EOAT, sem modificação após o tratamento. Em 2 casos (12,5%), houve melhora com aparecimento das EOAT pós-tratamento (Tabela 2).

Tabela 2
Resultados das emissões otoacústicas transientes comparando pré e pós-tratamento (n = 16)

Quanto à associação entre os resultados das emissões otoacústicas produto de distorção (EOAPD), pré e pós-tratamento, o teste de McNemar(2020 Gorga MP, Stover L, Neely ST, Montoya D. The use of cumulative distribuitions to determine critical values and levels of confiance for clinical distortion product otoacoustice mission measurements. J Acoustic Soc Am. 1996;100(2 Pt 1):968-77.http://dx.doi.org/10.1121/1.416208.
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) não mostrou evidência de mudança dos resultados: 62,7% dos pacientes apresentaram ausência de EOAPD. Em 3 casos (18,7%), houve melhora, com aparecimento das EOAPD pós-tratamento (Tabela 3).

Tabela 3
Resultados das emissões otoacústicas produto de distorção comparando pré e pós-tratamento (n = 16)

Em relação ao diagnóstico audiológico final dos 16 pacientes, considerando os resultados da audiometria tonal liminar, EOAT e EOAPD (normal, perda auditiva coclear ou disfunção coclear), o teste de McNemar(2020 Gorga MP, Stover L, Neely ST, Montoya D. The use of cumulative distribuitions to determine critical values and levels of confiance for clinical distortion product otoacoustice mission measurements. J Acoustic Soc Am. 1996;100(2 Pt 1):968-77.http://dx.doi.org/10.1121/1.416208.
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) não mostrou diferença significativa. Houve 25% de perda auditiva coclear e 37,5%% de disfunção coclear antes e após o tratamento. Houve melhora em 3 pacientes que apresentavam disfunção coclear antes do tratamento e passaram a ter presença de emissões, apresentando diagnóstico audiológico normal após o tratamento (Tabela 4).

Tabela 4
Resultados do diagnóstico audiológico final pré e pós-tratamento (n = 16)

DISCUSSÃO

A maioria dos pacientes apresentou genótipo 1 (Figura 1). Esse dado confirma a literatura, que relata o genótipo 1 como o mais prevalente no mundo, inclusive no Brasil(22 WHO: World Health Organization. Hepatitis C [Internet]. 2019 [citado em 2019 Jul 10]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs164/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
,1010 Lobato CMO, Codes L, Silva GF, Souza AFM, Coelho HSM, Pedroso MLA, et al. Direct antiviral therapy for treatment of hepatitis C: A real-world study from Brazil. Ann Hepatol. 2019;18(6):849-54. http://dx.doi.org/10.1016/j.aohep.2019.08.001. PMid:31537509.
http://dx.doi.org/10.1016/j.aohep.2019.0...
). O genoma do vírus da hepatite C apresenta alto grau de variabilidade genética. Os diferentes tipos de genótipos apresentam diferença na resposta ao tratamento antiviral, bem como uma distribuição geográfica distinta. Os genótipos 1, 2 e 3 são amplamente disseminados em todo o mundo. Sabe-se que o genótipo 1 representa a classe mais agressiva do HCV, evidenciando maior tempo de tratamento, quando comparado aos genótipos 2 e 3(99 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Departamento de DST A e HV PCDT. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para hepatite viral C e coinfecções [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [citado em 2019 Abr 25]. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2018/Relatorio_PCDT_HepatiteC.pdf
http://conitec.gov.br/images/Relatorios/...
). Em relação aos sintomas auditivos, houve baixa ocorrência de queixas de zumbido e vertigem. Na literatura, o zumbido e a vertigem foram relatados em pacientes com hepatite durante ou após o tratamento com as medicações anteriormente utilizadas, PegINF e/ou ribavirina. Estudo com 13 pacientes que receberam Peg-IFN e ribavirina apontou que três desenvolveram zumbido após o término do tratamento(55 Casale M, Mazzarelli C, Vespasiani Gentilucci U, Potena M, Pappacena M, Faiella F, et al. Distortion-product otoacoustic emissions: a useful test for monitoring ototoxicity induced by pegylated interferon and ribavir in treatment in patients with chronic hepatitis C. Int J Immunopathol Pharmacol. 2012;25(2):551-6. http://dx.doi.org/10.1177/039463201202500229. PMid:22697091.
http://dx.doi.org/10.1177/03946320120250...
). Em outro estudo, com 74 pacientes, houve aumento do zumbido em 31,1% deles ao final do tratamento com PegINF e/ou ribavirina(77 Asal S, Sobhy O, Ismail O, Bedewy E. Study of the effect of combined interferon and ribavirin therapy on the hearing profile of hepatitis C virus patients. Egyptian J Otolaryngol. 2015;31:237-43.). Outra pesquisa, que também confirma esses dados, acompanhou 73 pacientes que receberam Peg-IFN e observaram zumbido em 32 (43,8%) pacientes, durante a terapia(2121 Kanda Y, Shigeno K, Matsuo H, Yano M, Yamada N, Kumagami H. Interferon-induced sudden hearing loss. Audiology. 1995;34(2):98-102. http://dx.doi.org/10.3109/00206099509071903. PMID: 8561688.
http://dx.doi.org/10.3109/00206099509071...
). Tendo em vista que a perda auditiva pode ocorrer em 0,1 a 1% dos pacientes medicados com Peg-IFN, a queixa de zumbido poderia aparecer como um sintoma associado(2222 Dusheiko G. Side effects of α interferon in chronic hepatitis C. Hepatology. 1997;26(3, Suppl 1):112S-21S. http://dx.doi.org/10.1002/hep.510260720. PMid:9305675.
http://dx.doi.org/10.1002/hep.510260720...
). Observou-se que a ocorrência de zumbido descrita na literatura, com o uso do medicamento anteriormente recomendado, foi elevada (de 23,1% a 43,8%). No presente estudo, a ocorrência de zumbido foi de 6,3%, sintoma presente antes do tratamento e sem modificação pós-medicação, o que demonstra ausência de relação entre os antivirais de ação direta e sintomas auditivos. De fato, como a nova medicação não se associou à ocorrência de perda auditiva (Tabela 1), o zumbido não era esperado e pode ter ocorrido por outras causas.

A vertigem é pouco referida na literatura em doentes por vírus da hepatite C. Em estudo com 24 portadores do vírus da hepatite B e C e 30 indivíduos no grupo controle, não houve diferença estatística em relação à queixa de vertigem entre os grupos(66 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
). Outros autores também não encontraram a queixa de vertigem nos pacientes com vírus da hepatite(66 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...

7 Asal S, Sobhy O, Ismail O, Bedewy E. Study of the effect of combined interferon and ribavirin therapy on the hearing profile of hepatitis C virus patients. Egyptian J Otolaryngol. 2015;31:237-43.
-88 Piekarska A, Jozefowicz-Korczynska M, Wojcik K, Berkan E. Sudden hearing loss in chronic hepatitis C patient suffering from Turner syndrome, treated with pegylated interferon and ribavirin. Int J Audiol. 2007;46(7):345-50. http://dx.doi.org/10.1080/14992020701261413. PMid:17680465.
http://dx.doi.org/10.1080/14992020701261...
). No presente estudo, durante e após o tratamento, as queixas de vertigem não aumentaram, o que demonstrou ausência de relação entre os antivirais de ação direta e sintomas auditivos.

A maioria da amostra (75%) apresentou presença de EOAT (Tabela 2), revelando função coclear normal. Não houve piora após o tratamento, o que denota que a medicação atualmente recomendada não reduziu a função coclear. Em dois casos houve melhora pós-tratamento, com aparecimento das EOAT. Em três casos (18,7%), houve melhora com aparecimento das EOAPD após o tratamento.

Essa melhora poderia estar relacionada à redução das alterações metabólicas com a cura da doença. Por outro lado, houve ausência de emissões otoacústicas produto de distorção no pré-tratamento com limiares auditivos normais (Tabela 3), indicando uma disfunção coclear. A disfunção coclear é caracterizada pela presença de audiometria normal e alteração das emissões otoacústicas(2323 Bohne B, Clark WW. Growth of hearing loss and cochlear lesion with increasing duration of noise exposures. In: Homenik AP, Henderson D, Salvi R. New perspectives on noise-induced hearing loss. New York: Raven Press. p. 283-302.

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-2626 Corrêa GF, Russo ICP. Autopercepção do handcap em deficientes auditivos adultos e idosos. Rev CEFAC. 1999;1(1):54-63.). Atualmente, discute-se que a investigação diagnóstica por meio dos testes convencionais representa uma visão microscópica da função auditiva(2626 Corrêa GF, Russo ICP. Autopercepção do handcap em deficientes auditivos adultos e idosos. Rev CEFAC. 1999;1(1):54-63.,2727 Plomp R. The intelligent ear. London: Lawrence Erlbaum; 2002. p. 1-11.). Assim, a utilização das emissões otoacústicas (EOAT e EOAPD) passou a contribuir para a compreensão da função coclear, pois elas permitem avaliar a integridade das células ciliadas externas da cóclea e identificar disfunções cocleares antes da alteração na audiometria(66 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
). Esse exame tem sido um importante instrumento na detecção precoce de alterações cocleares, uma vez que pode haver lesão difusa em mais de 30% das células ciliadas externas antes de ser detectada qualquer perda auditiva no audiograma(2323 Bohne B, Clark WW. Growth of hearing loss and cochlear lesion with increasing duration of noise exposures. In: Homenik AP, Henderson D, Salvi R. New perspectives on noise-induced hearing loss. New York: Raven Press. p. 283-302.,2424 Fiorini AC, Fischer FH. Emissões otoacústicas por transiente evocado em trabalhadores expostos a ruído ocupacional. Revista Distúrbios da Comunicação. 2000;11(2):167-91.). Por essa razão, as emissões otoacústicas são recomendadas para monitoramento da audição em indivíduos expostos a ruído ocupacional, em uso de quimioterapia e drogas ototóxicas(55 Casale M, Mazzarelli C, Vespasiani Gentilucci U, Potena M, Pappacena M, Faiella F, et al. Distortion-product otoacoustic emissions: a useful test for monitoring ototoxicity induced by pegylated interferon and ribavir in treatment in patients with chronic hepatitis C. Int J Immunopathol Pharmacol. 2012;25(2):551-6. http://dx.doi.org/10.1177/039463201202500229. PMid:22697091.
http://dx.doi.org/10.1177/03946320120250...
). Dessa forma, seriam também indicadas para o monitoramento auditivo de pacientes com hepatite C.

Para justificar a disfunção coclear presente nos pacientes com hepatite C, a literatura relata que os mecanismos fisiopatológicos da associação entre infecções por vírus da hepatite e desenvolvimento de perda auditiva sensorioneural permanecem incertos(2828 Nasab MS, Fathololoomi MR, Alizamir A. Association between hepatitis B and hearing status. Oman Med J. 2012;27(5):418-20. http://dx.doi.org/10.5001/omj.2012.103. PMid:23074556.
http://dx.doi.org/10.5001/omj.2012.103...
,2929 Schuknecht HF, Donovan ED. The pathology of idiopathic sudden sensorineural hearing loss. Arch Otorhinolaryngol. 1986;243(1):1-15. PMid:3707419.). Alguns autores sugerem que a perda auditiva poderia ocorrer devido à exacerbação aguda ou reação viral crônica, no mecanismo de agressão à cóclea(2828 Nasab MS, Fathololoomi MR, Alizamir A. Association between hepatitis B and hearing status. Oman Med J. 2012;27(5):418-20. http://dx.doi.org/10.5001/omj.2012.103. PMid:23074556.
http://dx.doi.org/10.5001/omj.2012.103...
,3030 Huang CC, Lin WB, Chang PH, Chan KC, Lee TJ. Sudden deafness as a presenting symptom of chronic hepatitis B with acute exacerbation. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;141(5):659-60. http://dx.doi.org/10.1016/j.otohns.2009.05.006. PMid:19861211.
http://dx.doi.org/10.1016/j.otohns.2009....
). Os vírus podem ter acesso à orelha interna por via hematogênica e induzir uma reação autoimune ou alterações fisiopatológicas graves, resultando em redução do fluxo de sangue para a orelha interna, frequentemente reversível, mas que pode ser extremamente destrutivo e resultar em perda auditiva permanente(2929 Schuknecht HF, Donovan ED. The pathology of idiopathic sudden sensorineural hearing loss. Arch Otorhinolaryngol. 1986;243(1):1-15. PMid:3707419.,3030 Huang CC, Lin WB, Chang PH, Chan KC, Lee TJ. Sudden deafness as a presenting symptom of chronic hepatitis B with acute exacerbation. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;141(5):659-60. http://dx.doi.org/10.1016/j.otohns.2009.05.006. PMid:19861211.
http://dx.doi.org/10.1016/j.otohns.2009....
).

A recuperação das EOAT e EOAPD pós-tratamento poderia indicar que a disfunção coclear ocorreu em função das alterações de metabolismo causadas pela hepatite C e, por isso, melhorariam após a remissão da doença.

Infelizmente, a literatura é limitada quanto à ocorrência de disfunções cocleares nos pacientes com hepatite C, provavelmente devido ao fato de que o uso das emissões otoacústicas para detectar disfunções cocleares ainda é recente. A maioria dos estudos utilizou os exames das emissões otoacústicas apenas para comparar diferenças antes e após o tratamento. Apesar de os estudos relatarem que as emissões otoacústicas identificam alterações auditivas antes do audiograma, não mencionaram as possíveis disfunções cocleares no pré-tratamento(33 Ismail EI, Morgan AE, Farag RE. Assessment of auditory functions in chronic hepatitis C patients treated by sofosbuvir. J Otol. 2018;13(1):10-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11.001. PMid:29937860.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11...
,55 Casale M, Mazzarelli C, Vespasiani Gentilucci U, Potena M, Pappacena M, Faiella F, et al. Distortion-product otoacoustic emissions: a useful test for monitoring ototoxicity induced by pegylated interferon and ribavir in treatment in patients with chronic hepatitis C. Int J Immunopathol Pharmacol. 2012;25(2):551-6. http://dx.doi.org/10.1177/039463201202500229. PMid:22697091.
http://dx.doi.org/10.1177/03946320120250...

6 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
-77 Asal S, Sobhy O, Ismail O, Bedewy E. Study of the effect of combined interferon and ribavirin therapy on the hearing profile of hepatitis C virus patients. Egyptian J Otolaryngol. 2015;31:237-43.).

Estudos anteriores, que compararam a audição no pré e pós-tratamento com interferon peguilado e ribavirina, constataram a diminuição das emissões otoacústicas, caracterizando disfunções cocleares e perdas auditivas permanentes em decorrência do tratamento(55 Casale M, Mazzarelli C, Vespasiani Gentilucci U, Potena M, Pappacena M, Faiella F, et al. Distortion-product otoacoustic emissions: a useful test for monitoring ototoxicity induced by pegylated interferon and ribavir in treatment in patients with chronic hepatitis C. Int J Immunopathol Pharmacol. 2012;25(2):551-6. http://dx.doi.org/10.1177/039463201202500229. PMid:22697091.
http://dx.doi.org/10.1177/03946320120250...

6 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
-77 Asal S, Sobhy O, Ismail O, Bedewy E. Study of the effect of combined interferon and ribavirin therapy on the hearing profile of hepatitis C virus patients. Egyptian J Otolaryngol. 2015;31:237-43.). Sabe-se que essa combinação de antivirais está associada a efeitos adversos significativos(33 Ismail EI, Morgan AE, Farag RE. Assessment of auditory functions in chronic hepatitis C patients treated by sofosbuvir. J Otol. 2018;13(1):10-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11.001. PMid:29937860.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11...
), sendo a perda auditiva sensorioneural unilateral ou bilateral (PANS) relatada como uma de suas consequências(66 Sharifian MR, Kamandi S, Sima HR, Zaringhalam MA, Bakhshaee M. Clinical study INF-α and ototoxicity. BioMed Res Int. 2013;2013:1-4. http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327.
http://dx.doi.org/10.1155/2013/295327...
,77 Asal S, Sobhy O, Ismail O, Bedewy E. Study of the effect of combined interferon and ribavirin therapy on the hearing profile of hepatitis C virus patients. Egyptian J Otolaryngol. 2015;31:237-43.). O presente estudo demonstrou que não houve mudança nos resultados da avaliação audiológica realizada pré e pós-tratamento com os novos antivirais de ação direta. Tanto os limiares audiométricos, quanto as emissões otoacústicas não apresentaram alterações significativas com o uso dos medicamentos, sugerindo que esses antivirais, atualmente recomendados, não ocasionam perda auditiva.

Esse achado concorda com os resultados de um estudo recente em 80 portadores do vírus da hepatite C crônica, que receberam a terapia combinada dos novos antivirais de ação direta (sofosbuvir e ribavirina), e que foram avaliados pré-tratamento e pós-tratamento, sugerindo que essa terapêutica não provoca efeitos perceptíveis nas funções cocleares(33 Ismail EI, Morgan AE, Farag RE. Assessment of auditory functions in chronic hepatitis C patients treated by sofosbuvir. J Otol. 2018;13(1):10-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11.001. PMid:29937860.
http://dx.doi.org/10.1016/j.joto.2017.11...
).

Da mesma maneira, os resultados do presente estudo concordam com os obtidos em um panorama sobre a ototoxicidade induzida por medicamentos, com base na análise de relatórios do banco de dados da rede nacional italiana de farmacovigilância, contemplando reações adversas, como perda auditiva e zumbido, de 2001 a 2017. Tal estudo revelou apenas três casos de zumbido relacionados ao sofosbuvir/ledipasvir e os autores consideraram que a hipoacusia e o zumbido no uso desses antivirais não seriam esperados. Relataram, ainda, que nenhuma informação sobre ototoxicidade associada a antivirais de ação direta contra a hepatite C está disponível na literatura(1212 Barbieri MA, Cicala G, Cutroneo PM, Mocciaro E, Sottosanti L, Freni F, et al. Ototoxic adverse drug reactions: a disproportionality analysis using the italian spontaneous reporting database. Front Pharmacol. 2019;10:1161. https://doi.org/10.3389/fphar.2019.01161.
https://doi.org/10.3389/fphar.2019.01161...
).

Os achados do presente estudo assemelham-se aos obtidos na literatura, que não consideram o uso dos antivirais sofosbuvir e o simeprevir como fator de risco para a perda auditiva(1313 Tanaka M, Hasegawa S, Nakao S, Shimada K, Mukai R, Matsumoto K, et al. Analysis of drug-induced hearing loss by using a spontaneous reporting system database. Plos One. 2019;14(10):e0217951. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217951.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
). Mesmo assim, os autores sugerem uma observação cuidadosa por vários meses, após a administração de interferons e antivirais para o tratamento de infecções por VHC(1313 Tanaka M, Hasegawa S, Nakao S, Shimada K, Mukai R, Matsumoto K, et al. Analysis of drug-induced hearing loss by using a spontaneous reporting system database. Plos One. 2019;14(10):e0217951. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217951.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
).

Como fator de limitação do presente estudo, considerou-se a amostra reduzida, em função da dificuldade de obtenção dos medicamentos fornecidos pelo SUS em determinado período da coleta de dados e da evasão de alguns pacientes que não retornaram após o tratamento. Em razão da amostra reduzida, sugere-se o aprofundamento nesse tema, com novos estudos, incluindo audiometria tonal liminar e pesquisa das emissões otoacústicas no monitoramento auditivo de pacientes medicados para hepatite C.

Apesar de a literatura ainda ser limitada sobre o efeito dos antivirais de ação direta na função auditiva, com necessidade de mais estudos nessa área(1212 Barbieri MA, Cicala G, Cutroneo PM, Mocciaro E, Sottosanti L, Freni F, et al. Ototoxic adverse drug reactions: a disproportionality analysis using the italian spontaneous reporting database. Front Pharmacol. 2019;10:1161. https://doi.org/10.3389/fphar.2019.01161.
https://doi.org/10.3389/fphar.2019.01161...
,1313 Tanaka M, Hasegawa S, Nakao S, Shimada K, Mukai R, Matsumoto K, et al. Analysis of drug-induced hearing loss by using a spontaneous reporting system database. Plos One. 2019;14(10):e0217951. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0217951.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
), o estudo atual revelou que a medicação atualmente recomendada não produziu efeitos colaterais na audição.

CONCLUSÃO

O tratamento com antivirais de ação direta contra o vírus da hepatite C não provocou efeitos adversos na função auditiva.

AGRADECIMENTOS

Aos pacientes voluntários, parte essencial na elaboração desta pesquisa. A todo o corpo docente do setor de hepatite da UNIFESP e da Pós-graduação do curso de Fonoaudiologia/Distúrbios da Comunicação Humana da UNIFESP/EPM, pela oportunidade e apoio na elaboração desta pesquisa. À Profa. Dra. Ellen Osborn, pelo incentivo e grande ajuda com o fornecimento de material para a realização deste trabalho. À Profa. Dra. Denise Botter, pela análise estatística dos dados do presente estudo. Ao CNPq, pelo auxílio financeiro que tornou possível a realização deste trabalho.

  • Trabalho realizado no Setor de Audiologia da disciplina dos Distúrbios de Audição do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – São Paulo (SP), Brasil.
  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 130499/2017-0.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2021
  • Aceito
    01 Abr 2022
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