Open-access Notificação de perda auditiva induzida por ruído em trabalhadoras: análise de 2007 a 2022

RESUMO

Objetivo  estabelecer o perfil sociodemográfico e ocupacional de trabalhadoras brasileiras notificadas para perda auditiva induzida por ruído no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, entre 2007 e 2022.

Métodos  estudo transversal e descritivo, realizado com dados das fichas de notificação da perda auditiva induzida por ruído no Brasil, entre 2007 e 2022. As variáveis analisadas foram: faixa etária, raça, escolaridade, região brasileira, situação no mercado de trabalho, tipo de ruído, afastamento do trabalho, emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho e ocupação.

Resultados  foram encontradas 1.080 notificações em trabalhadoras no período. Houve maior ocorrência de notificações entre 50-59 anos (30,7%), cor da pele/raça branca (49,1%), com ensino médio completo (17,5%), pertencentes à Região Centro-Oeste (39,3%), cargo de costureira (13,2%), empregadas com carteira assinada (34,7%) e exposição concomitante a ruído contínuo e intermitente (38,3%). Em apenas 8,8% das notificações houve afastamento do trabalho e a Comunicação de Acidente de Trabalho foi emitida somente em 11,4% dos casos.

Conclusão  o presente estudo, ao caracterizar o perfil sociodemográfico e ocupacional de trabalhadoras brasileiras notificadas para perda auditiva induzida por ruído, de 2007 a 2022, suscita a necessidade de melhor compreensão e manejo do agravo em trabalhadoras, levando-se em conta as características observadas, como as principais ocupações, o vínculo empregatício formal e os baixos índices de emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho. A reflexão sobre a importância de políticas públicas e ações voltadas à prevenção, fiscalização e assistência à saúde auditiva é fundamental para o enfrentamento dessa problemática, considerando as especificidades do sexo na área de saúde do trabalhador.

Palavras-chave:
Notificação de doenças; Trabalho; Perda auditiva provocada por ruído; Mulheres trabalhadoras; Sistemas de informação em saúde

ABSTRACT

Purpose  To establish the sociodemographic and occupational profile of Brazilian female workers reported for noise-induced hearing loss in the Information System between 2007 and 2022.

Methods  Cross-sectional and descriptive study, carried out with noise-induced hearing loss notification forms in Brazil, between 2007 and 2022. The variables analyzed were: age group, race, education, Brazilian region, labor market status, type of noise, work absence, issuance of the Work Accident Report, and occupation.

Results  1,080 notifications were found in female workers during the period. There was a higher incidence of notification among women aged 50-59 years (30.7%), white skin color/race (49.1%), with a high school diploma (17.5%), of Central-West region (39.3%), working as seamstresses (13.2%), employed with a formal employment contract (34.7%) and concomitant exposure to uninterrupted and intermittent noise (38.3%). Only 8,8% ( of the cases) had been given a medical leave from work and a Work Accident Report was issued in only 11.4% of cases.

Conclusion  This study, by characterizing the sociodemographic and occupational profiles of Brazilian female workers reported for noise-induced hearing loss from 2007 to 2022, raises the need for a better understanding and management of this condition in them, considering characteristics observed in the study, such as their main occupations, formal employment relationships, and low rates of Work Accident Report issuance. Reflection on the importance of public policies and actions aimed at prevention, monitoring, and hearing health care is fundamental to address the problem, considering the specificities of sex in the area of occupational health.

Keywords:
Disease notification; Work; Hearing loss, noise-induced; Female workers; Health information systems

INTRODUÇÃO

O primeiro Relatório Mundial sobre Audição, divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2021, aponta que, até 2050, uma em cada quatro pessoas viverá com algum grau de perda auditiva e que 700 milhões delas necessitarão de cuidados e acesso a serviços de reabilitação(1). Nesse cenário, encontra-se a perda auditiva induzida por ruído (PAIR) que, apesar de prevenível, acomete cerca de 1,3 bilhões de trabalhadores expostos a ruído, representando 16% das perdas auditivas incapacitantes em adultos(2).

No Brasil, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) armazena as notificações e investigações de casos de doenças e agravos de notificação compulsória(3). A PAIR passou a integrar a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública (LNC) a partir da Portaria GM/MS (Ministério da Saúde) nº 777 de 28 de abril de 2004(4), mantendo sua obrigatoriedade pela Portaria GM/MS nº 5.201 de 15 de agosto de 2024, agora com a denominação de Perda Auditiva Relacionada ao Trabalho(5).

Apesar da obrigatoriedade da notificação da PAIR, estudo recente verificou um total de 7.819 notificações (6.895 para homens e 924 para mulheres) entre os anos de 2006 e 2019, números que apontam para subnotificação, dada a prevalência do agravo(6). Essa problemática compromete o planejamento em saúde, uma vez que as ações se baseiam em dados que podem não representar a realidade epidemiológica(7).

Conforme publicação do Ministério do Trabalho e Emprego (2024), dos trabalhadores ativos no Brasil, 43.380.636, de um total de 100.984.563, são mulheres(8), respondendo, no setor industrial, por um terço da força de trabalho(9). Apesar da magnitude desses números, poucos estudos analisam a relação saúde e trabalho no universo feminino. Dentre eles, destacam-se pesquisas que abordam a interferência laboral na gravidez(10), no câncer de mama(11), no ciclo menstrual(12), e na hipertensão arterial(13).

No que diz respeito à exposição a ruído e trabalhadoras, é ainda menor o número de estudos, com destaque para os que analisam a relação do ruído e as complicações na gravidez(14), o gênero e os fatores associados ao uso de equipamentos de proteção auditiva no trabalho(15) e a audiometria de alta frequência em mulheres, com e sem exposição ao ruído no ambiente de trabalho(16).

Tratando-se especificamente da PAIR, as pesquisas não realizam análise com distinção de sexo, permanecendo com um olhar voltado para o masculino, por serem os homens os mais acometidos por esse agravo(2,6,17). Alguns aspectos podem justificar tal fenômeno, como a diferença de contingente de trabalhadores homens nos segmentos industriais(9), suas características ocupacionais com maior exposição a ruído, ou, ainda, o fator hormonal, já que o estrogênio pode ser um agente protetivo para a PAIR em mulheres(2).

Não foram encontrados na literatura estudos que analisassem a notificação de PAIR no SINAN exclusivamente em trabalhadoras. Logo, não se tem informações sobre esse perfil, dificultando as análises e interpretações desse agravo no sexo feminino. Tal situação impacta diretamente a elaboração de ações ou políticas públicas voltadas para as trabalhadoras, garantidas pela Portaria GM/MS n° 1.823 de 23 de agosto de 2012, que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSST)(18). Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi estabelecer o perfil sociodemográfico e ocupacional de trabalhadoras brasileiras notificadas para perda auditiva induzida por ruído no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, entre 2007 e 2022.

MÉTODOS

Estudo transversal e descritivo, realizado a partir de dados das fichas de notificação da PAIR no Brasil, entre os anos de 2007 e 2022, originados do SINAN.

Os dados são disponibilizados pelo Centro Colaborador da Vigilância aos Agravos à Saúde do Trabalhador (CCVISAT), do Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (ISC-UFBA), para a Coordenação-Geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde (CGSAT-MS)(19). A disponibilização dos bancos de dados pelo CCVISAT, em seu site, tem como finalidade permitir a construção de conhecimento, tanto científico, quanto tecnológico, em saúde do trabalhador, principalmente por meio de medidas epidemiológicas(20). O acesso aos dados ocorreu em 14 de fevereiro de 2024.

Para este estudo, foram considerados dois blocos de variáveis: o primeiro contendo características sociodemográficas, como faixa etária (18 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69; 70 ou mais; ignorado); cor da pele/raça (branca; preta; amarela; parda; indígena; ignorado); escolaridade (analfabeto; 1ª a 4ª série incompleta; 4ª série completa; 5ª a 8ª série incompleta; ensino fundamental completo; ensino médio incompleto; ensino médio completo; educação superior incompleta; educação superior completa; ignorado/não se aplica) e Região brasileira de notificação (Norte; Nordeste; Sudeste; Sul; Centro-Oeste; ignorado). No segundo bloco, denominado características ocupacionais, foram analisadas as seguintes variáveis: situação no mercado de trabalho (empregada registrada com carteira assinada; empregada não registrada; autônoma/conta própria; servidora pública estatutária e celetista; aposentada; desempregada; trabalhadora temporária; cooperativada; trabalhadora avulsa; empregadora; outro; ignorado); tipo de ruído predominante (contínuo; intermitente; ambos); afastamento do trabalho para tratamento (sim; não); emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) (sim; não; não se aplica) e ocupação, segundo a classificação da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

No presente estudo, foram incluídas apenas notificações de PAIR registradas no SINAN com o marcador 'sexo: feminino'. Cabe destacar que a variável utilizada refere-se ao sexo biológico informado no sistema de notificação e não a identidade de gênero. Assim, os termos 'trabalhadoras' ou 'mulheres', quando utilizados ao longo do texto, referem-se às pessoas com registro de sexo feminino na base de dados. Foram analisadas as frequências absolutas (n) e relativas (%) das variáveis de interesse. Os dados foram tabulados em planilhas do Microsoft® Excel e exportados para análise no software Stata 14. Tratando-se de dados de domínio público e sem informação sobre a identidade dos participantes, foi dispensada a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, bem como a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Durante o período de 2007 a 2022, foram registrados no SINAN 1.080 casos de PAIR em mulheres. O perfil sociodemográfico revelou maior ocorrência de notificação de PAIR em mulheres da faixa etária de 50 a 59 anos (30,7%), de cor da pele/raça branca (49,1%), com ensino médio completo (17,5%). A Região Centro-Oeste foi a que apresentou o maior número de notificações (39,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição de características sociodemográficas das trabalhadoras notificadas para perda auditiva induzida por ruído, Brasil, 2007-2022 (n=1.080)

A Tabela 2 descreve a situação no mercado de trabalho das trabalhadoras, em que 34,7% apresentaram carteira de trabalho assinada, 15,5% eram servidoras públicas estatutárias e 10,7% autônomas. Em relação ao tipo de ruído predominante no ambiente de trabalho, a categoria “ambos” (contínuo e intermitente) apresentou maior ocorrência na amostra (38,3% do total). Destaca-se, ainda, que 52,6% das mulheres não foram afastadas do trabalho para tratamento e que a Comunicação de Acidente de Trabalho foi emitida em apenas 11,4% dos casos (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição de características ocupacionais das trabalhadoras notificadas para perda auditiva induzida por ruído, Brasil, 2007-2022 (n=1.080)

A Figura 1 apresenta as ocupações das trabalhadoras notificadas para PAIR no SINAN. Observou-se que a ocupação mais comum foi a de costureira (13,2%), seguida por telefonista/teleoperadora/operadora de telemarketing (9,1%), alimentadora de linha de produção (7,1%), empregada doméstica/faxineira (6,0%) e cozinheira geral/chefe de cozinha/cozinheira industrial ou de hospital (4,1%). Ressalta-se, ainda, uma parcela importante de casos agrupados em uma única categoria denominada “outras profissões”, que, na soma, correspondeu a 44,3% do total de casos (Figura 1).

Figura 1
Descrição das ocupações femininas notificadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, Brasil, 2007-2022

DISCUSSÃO

O presente estudo encontrou 1.080 notificações de PAIR em trabalhadoras, no período analisado. Houve maior frequência de notificação para a faixa etária de 50 a 59 anos, de cor da pele/raça branca e com ensino médio completo. A Região brasileira com maior número de notificações foi a Centro-Oeste, seguida da Sudeste. Ainda, a maioria das trabalhadoras notificadas para PAIR estava empregada com carteira assinada, exposta concomitantemente a ruído contínuo e intermitente, não se afastou do trabalho para tratamento do agravo e não apresentou emissão da CAT. Dentre as profissões exercidas por essas mulheres, destacou-se a de costureira.

Não foram encontrados na literatura estudos que analisassem a notificação de PAIR especificamente em trabalhadoras. Dessa forma, os resultados deste estudo serão discutidos com base em estudos gerais de notificação de PAIR, independentemente do sexo, bem como em demais artigos que analisaram outros agravos relacionados ao trabalho no sexo feminino.

O número de 1.080 notificações de PAIR em trabalhadoras, no período analisado, foi considerado pequeno, mesmo para o sexo feminino, indicando um cenário geral de subnotificação devido à prevalência do agravo e demonstrando a necessidade de formação continuada e capacitações dos profissionais de saúde no que diz respeito aos agravos relacionados à saúde, aos acidentes de trabalho e à notificação compulsória(21).

Observou-se que a maioria das trabalhadoras notificadas para PAIR encontrava-se na faixa etária de 50 a 59 anos. Uma pesquisa que analisou aspectos sociodemográficos e laborais dos trabalhadores brasileiros notificados para PAIR entre 2006 e 2019(6) e outra que analisou dez anos de notificação de PAIR, segundo a Classificação Brasileira de Ocupações(22), encontraram a mesma faixa etária, apesar de suas amostras contemplarem ambos os sexos. Achados distintos foram encontrados em uma pesquisa que descreveu os fatores relacionados à tontura em trabalhadores (homens e mulheres) notificados para PAIR, no Brasil, em que prevaleceu a faixa etária 60 anos ou mais (27,8%)(23); em um estudo, que descreveu o perfil epidemiológico do estado de Goiás - Brasil para PAIR, contemplando ambos os sexos, com maior ocorrência para a faixa etária de 35 a 49 anos (43,1%)(24) e em um terceiro estudo, que analisou apenas trabalhadoras com síndrome do túnel do carpo e encontrou, como média de idade, 40 anos e 06 meses(25).

A maior ocorrência de notificação de PAIR para cor da pele/raça foi a branca, resultado também observado em outros estudos que obtiveram valores de 24,9%, 59,1%, 45,4%, respectivamente(6,22,23). No entanto, foi encontrada uma ocorrência de 63,3% para a categoria “não brancos” em uma pesquisa(24).

Com relação à escolaridade, observou-se maior porcentagem para a categoria “ignorado”, seguida por “ensino médio completo”. Estudo que analisou a notificação de PAIR segundo a Classificação Brasileira de Ocupações entre os anos de 2012 e 2021 obteve resultado semelhante ao do presente estudo, considerando os trabalhadores do grupo 7, que são os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (56,4%)(22). Ademais, um estudo brasileiro que analisou a prevalência de exposição a ruído ocupacional também encontrou resultados semelhantes aos do atual estudo(26). Esses achados podem ter relação com o aumento do grau de escolaridade da população brasileira, de uma maneira geral, conforme indicado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2023, em que 54,4% da população com 25 anos ou mais, apresentava, pelo menos, o ensino médio completo(27). Contudo, outro estudo constatou a maior ocorrência para a categoria “até o fundamental completo”(24).

Um aspecto que merece ser destacado, relacionado à variável escolaridade e outras, diz respeito ao preenchimento falho das fichas de notificação. Tal problemática também foi verificada por um estudo que analisou, no SINAN, a notificação de Covid-19 relativa ao trabalho, levando os autores a considerarem que dados faltantes comprometem análise e interpretação dos resultados, tornando essencial a maior atenção do notificador no preenchimento das informações(7).

Com relação às Regiões, a Centro-Oeste e a Sudeste demonstraram o maior número de notificações de PAIR em trabalhadoras. As mesmas regiões foram observadas em outro estudo, o que pode ser explicado, segundo as autoras, pela economia de grande expressão da Região Sudeste, bem como pela sua participação importante na construção de programas e ações em saúde do trabalhador(6). Ademais, a Região Centro-Oeste também é reconhecida pela sua representatividade econômica, visto que tem participação de 10% no Produto Interno Bruto (PIB) nacional e, nas últimas quatro décadas, foi a Região com o melhor desempenho econômico entre as macrorregiões brasileiras(28).

A respeito da situação no mercado de trabalho, o maior número de notificações de PAIR foi observado em trabalhadoras com carteira assinada, resultados também encontrados em outra pesquisa nacional(6). Tais achados foram reportados em 2015, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, que demonstrou que 64% da população com mais de 10 anos estava empregada com carteira assinada, com 62,2% das trabalhadoras apresentando vínculo empregatício formal(29).

A categoria de ruído predominante a que as trabalhadoras foram expostas foi a categoria ambos (intermitente e contínuo), diferindo de outros estudos que encontraram maior exposição a ruído do tipo contínuo 41,1%(6) e 33%(22) para maior exposição a ruído intermitente 51,3%(24).

A maioria das trabalhadoras não se afastou do trabalho para o tratamento do agravo, resultado esse que vai ao encontro dos resultados de outros três estudos 92,6%(6), 46,2%(24) 61,5%(22).

A emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), no presente estudo, apresentou os maiores escores para a categoria “ignorado” que, conforme exposto anteriormente, impacta a reflexão e discussão do dado, bem como da problemática em torno do agravo. A não emissão da CAT foi observada para a maioria das trabalhadoras deste estudo, assim como em outras pesquisas 60,6%(6), 83,1%(24) e 43,2%(22).

Em se tratando das ocupações exercidas por essas trabalhadoras, destacou-se a de costureira, além da categoria denominada “outras profissões”, que correspondeu a quase metade dos casos notificados. A ocupação de costureira vincula-se a um ambiente ocupacional em que o ruído está presente, representando, assim, um risco potencial à saúde auditiva(30). Estudo brasileiro constatou que os trabalhadores do grupo de produção de bens e serviços industriais apresentaram o maior número de notificações de PAIR entre 2012 e 2021. A ocupação de costureira integra esse grupo, mais especificamente de “trabalhadores nas indústrias têxtil, do curtimento, do vestuário e das artes gráficas”(22).

Considera-se que o presente estudo apresentou algumas limitações, no que concerne à utilização de dados secundários, que têm influência direta da qualidade do preenchimento das fichas, que vão desde a falta de completude até o preenchimento equivocado das variáveis, além da subnotificação. A permanência desse cenário implica diretamente a compreensão do real cenário epidemiológico do agravo, o planejamento, a revisão e a execução de ações em saúde do trabalhador. Destaca-se, ainda, a necessidade de elaboração de protocolos e formulários mais inclusivos e baseados nos princípios da equidade, a fim de garantir a produção de dados mais fidedignos. A ficha de notificação da PAIR não contempla informações sobre identidade de gênero, o que limita análises mais aprofundadas sobre as populações consideradas mais vulneráveis.

Com relação às potencialidades, destaca-se o ineditismo da pesquisa ao descrever o perfil sociodemográfico e ocupacional de trabalhadoras brasileiras notificadas para PAIR no Brasil, contribuindo para a reflexão quanto às políticas públicas e ações em saúde voltadas às trabalhadoras. Além disso, a partir do estabelecimento de um perfil sociodemográfico de uma categoria, abre-se caminho para a realização de novas pesquisas que envolvam diferentes análises.

CONCLUSÃO

O presente estudo, ao caracterizar o perfil sociodemográfico e ocupacional de trabalhadoras brasileiras notificadas para PAIR no SINAN, de 2007 a 2022, suscita a necessidade de melhor compreensão e manejo do agravo em trabalhadoras, levando-se em conta as características observadas, como as principais ocupações, o vínculo empregatício formal e os baixos índices de emissão de CAT. A reflexão sobre a importância de políticas públicas e ações voltadas à prevenção, fiscalização e assistência à saúde auditiva é fundamental para o enfrentamento da problemática da PAIR, considerando as especificidades do sexo na área de saúde do trabalhador.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC – Florianópolis (SC), Brasil.
  • Disponibilidade de dados
    Os dados de pesquisa estão disponíveis em repositório.
  • Financiamento:
    Nada a declarar.

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  • Editor-Chefe:
    Maria Cecilia Martinelli Iorio.
  • Editor Associado:
    Ana Cláudia Fiorini.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2024
  • Aceito
    25 Ago 2025
Creative Common - by 4.0
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