Open-access Estimulação transcraniana por corrente contínua na reabilitação do zumbido: relatos de casos

RESUMO

O zumbido é a percepção auditiva sem fonte sonora externa. A estimulação transcraniana por corrente contínua é uma terapia promissora para modular os substratos neurobiológicos associados a essa condição. O objetivo deste relato de casos foi avaliar se há mudança no incômodo e no impacto do zumbido na qualidade de vida dos pacientes após a intervenção com neuromodulação. Foram incluídos pacientes adultos com zumbido crônico, após avaliação otorrinolaringológica. Ressalta-se que os casos analisados derivam de um estudo-piloto. Os procedimentos incluíram anamnese fonoaudiológica, audiometria tonal, audiometria de altas frequências, acufenometria, Escala Visual Analógica (EVA) e Tinnitus Handicap Inventory (THI). A intervenção consistiu na aplicação de corrente de 2mA por 20 minutos, durante cinco dias consecutivos, com eletrodo anódico no córtex temporoparietal esquerdo e o eletrodo catódico no córtex pré-frontal dorsolateral direito. Os casos foram descritos individualmente e os dados analisados de forma descritiva. Foram avaliados cinco pacientes (três mulheres e dois homens), com média de idade de 45 anos. Na audiometria, seis orelhas apresentaram audição normal, enquanto todas as orelhas apresentaram diminuição da sensibilidade nas altas frequências. Após cinco sessões de neuromodulação, verificou-se redução nos escores da escala, com diminuição da média do grupo pré-terapia de 5,2 para 4,4 pontos pós-terapia. O escore do questionário total reduziu de 36,8 para 33,2 pontos. A loudness apresentou uma diminuição média de 10,4 dBNS para 9,2 dBNS. Os resultados sugerem que a neuromodulação não invasiva reduziu o incômodo e o impacto do zumbido na qualidade de vida desses pacientes.

Palavras-chave:
Zumbido; Estimulação transcraniana por corrente contínua; Terapia por estimulação elétrica; Reabilitação; Audição; Psicoacústica

ABSTRACT

Tinnitus is an auditory perception without an external sound source. Transcranial direct current stimulation is a promising therapy for modulating the neurobiological substrates associated with this condition. This case report aimed to evaluate whether the discomfort and impact of tinnitus on patients' quality of life change after neuromodulation intervention. Adults with chronic tinnitus were included after otorhinolaryngological evaluation. The cases analyzed derive from a pilot study. The procedures included a speech-language-hearing history, pure-tone audiometry, high-frequency audiometry, pitch and loudness matching, a visual analog scale, and the Tinnitus Handicap Inventory. The intervention consisted of applying a 2-mA current for 20 min for 5 consecutive days, with an anodal electrode in the left temporoparietal area and a cathodal electrode in the right dorsolateral prefrontal cortex. The cases were expressed individually, and the data were analyzed descriptively. Five patients (three women and two men), with a mean age of 45 years, were evaluated. As to audiometry, six ears had normal hearing, while all ears had decreased high-frequency sensitivity. Scale scores decreased after five neuromodulation sessions; the mean score in the pre-therapy group decreased from 5.2 to 4.4 points post-therapy. The total questionnaire score decreased from 36.8 to 33.2 points. The mean loudness decreased from 10.4 to 9.2 dB SL. The results suggest that noninvasive neuromodulation reduced the annoyance and impact of tinnitus on these patients’ quality of life.

Keywords:
Tinnitus; Transcranial direct current stimulation; Electrical stimulation therapy; Rehabilitation; Hearing; Psychoacoustics

INTRODUÇÃO

O zumbido acomete mais de 740 milhões de pessoas no mundo, com estimativas de prevalência entre 4,1% a 42,7%(1,2). A prevalência do zumbido na população do Rio Grande do Norte foi estimada em 50,4% em 2023(3).

Trata-se da percepção de sons na ausência de estímulos sonoros externos. É uma condição heterogênea no que se refere às características psicoacústicas do sintoma, etiologia e comorbidades associadas(1,2,4-6).

O zumbido pode ser decorrente de diversas doenças auditivas. A maioria dos pacientes que têm zumbido apresenta perda auditiva associada. Mesmo para aqueles com audiometria tonal dentro da normalidade, é possível detectar alguma disfunção auditiva em exames específicos(1-4,6,7).

Não existe consenso aceito para a fisiopatologia do zumbido, devido à sua heterogeneidade etiológica(1,4-6). No entanto, acredita-se que o zumbido esteja associado às alterações cocleares que geram atividade espontânea desordenada na cóclea, provocada por uma mudança no funcionamento das células ciliadas externas, ou por aumento do potencial endococlear(1,2,4,6).

No componente central do zumbido, há atividade disfuncional relacionada aos processos envolvidos na plasticidade homeostática responsável pela hiperatividade cortical após a perda auditiva. A reorganização do mapa tonotópico central desencadeia o zumbido ao aumentar a sincronia das descargas entre os neurônios. A redução na entrada dos estímulos sensoriais hiperpolariza os neurônios presentes no tálamo, que geram um aumento dos potenciais de ação talâmicos e corticais. Esse processo é mantido pela via cortico-talâmica e pela ativação do núcleo reticular, que envia estímulos inibitórios aos núcleos específicos do tálamo(2,6,8,9).

O grau de incômodo do zumbido pode variar de leve a grave, impactando de forma negativa a qualidade de vida do paciente, interferindo na capacidade de concentração, percepção auditiva e sono, o que pode gerar isolamento social, irritabilidade, sofrimento emocional, insônia e estresse(2,5,7,10).

Ainda não há diretrizes de prática clínica multidisciplinar baseadas em evidências suficientes para garantir um protocolo de tratamento ideal(5,8,11,12). Existem mais de 60 recursos terapêuticos disponíveis na literatura, por meio dos quais é possível diminuir o sintoma quanto ao seu incômodo e prejuízo, buscando a habituação e a redução na sensação de intensidade (loudness)(5).

Dentre os recursos terapêuticos para o gerenciamento do zumbido, têm-se a correção da perda auditiva, terapia sonora, terapia cognitivo-comportamental, medicamentos, dieta, fisioterapia e a neuromodulação(1,4-6).

A estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) é um método não invasivo de neuromodulação que envolve a aplicação de corrente de baixa intensidade (0,5 a 2,0 mA), com a utilização de eletrodos fixos no couro cabeludo do paciente, e promove a modulação seletiva da excitabilidade ou inibição da ativação cortical(2,5,8,9,11).

A distribuição espacial do campo elétrico gerado pela neuromodulação pode ser afetada pela intensidade da corrente, polaridade da estimulação e posicionamento neuronal. O efeito do campo elétrico na excitação ou inibição dos neurônios dependerá, principalmente, da direção do seu axônio e do seu eixo dendrítico somático em relação ao campo elétrico. Assim, os dois eletrodos modularão, facilitando ou inibindo a atividade das áreas cerebrais, a depender do posicionamento dos corpos neuronais nos giros e sulcos(9).

A aplicação da ETCC no córtex pré-frontal dorsolateral direito (CPFDLD) e na área temporoparietal esquerda (ATPE) é eficaz para reduzir a intensidade e diminuir o grau de impacto do zumbido, por meio do aumento da excitabilidade cortical nas áreas temporais de indivíduos com percepção contínua de zumbido. Acredita-se que as regiões frontal e pré-frontal façam parte da rede neuronal relacionada à percepção do zumbido, bem como sua interação com o sistema límbico (amígdala, córtex cingulado anterior e ínsula). Essas regiões compõem a rede central responsável pelos aspectos cognitivo-emocionais existentes na fisiopatologia do zumbido(2,8,9,13).

Diante da alta prevalência de indivíduos com queixa de zumbido e das repercussões negativas na qualidade de vida, este estudo se faz pertinente para buscar respostas sobre a eficácia da ETCC como estratégia terapêutica no zumbido. O objetivo deste relato de casos foi avaliar se há mudança no incômodo e no impacto do zumbido crônico na qualidade de vida dos pacientes após a intervenção com neuromodulação por ETCC.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Este relato de casos foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - CEP/HUOL/UFRN, sob o parecer número 5.622.441. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), consentindo com a realização e divulgação da pesquisa.

Os pacientes incluídos neste relato de casos foram recrutados a partir de um estudo-piloto, que serviu como base para um ensaio clínico randomizado.

Após consulta otorrinolaringológica, os pacientes foram encaminhados pelo ambulatório do HUOL - com idade superior a 18 anos, queixa de zumbido crônico e Escala Visual Analógica (EVA) acima de 3 pontos.

Na Clínica Escola de Fonoaudiologia da UFRN, os participantes passaram pelos procedimentos avaliativos: anamnese, audiometria tonal limiar (ATL), audiometria de altas frequências (AAF), acufenometria, EVA e questionário Tinnitus Handicap Inventory (THI).

Os exames audiológicos foram realizados em cabine acústica, com o audiômetro da marca Interacoustics®, modelo Clinical Audiometer AC40. Realizou-se a pesquisa da sensação de frequência (pitch) e da sensação de intensidade (loudness) do zumbido, adaptado de protocolo existente(7).

A EVA foi utilizada para avaliar subjetivamente o desconforto do zumbido quanto ao incômodo, a partir de uma escala gráfico-visual, que varia de 0 a 10 centímetros, em que 0 corresponde a nenhuma percepção do zumbido e 10, incômodo intenso(4,6,7,13).

O THI é um questionário validado para avaliar as consequências do zumbido, composto por 25 questões, divididas em três subescalas (funcional, emocional e catastrófica). De acordo com o escore obtido, o grau de impacto pode ser interpretado como ligeiro (0 a 16), leve (18 a 36), moderado (38 a 56), severo (58 a 76) ou catastrófico (78 a 100)(4,6,7,9).

Para as sessões de neuromodulação, utilizou-se o equipamento Microstim NKL, modelo Foco. As sessões foram realizadas em sala silenciosa, com cadeira confortável e ambiente reservado, para garantir a comodidade dos pacientes. A terapeuta era devidamente treinada e certificada em técnicas de neuromodulação não invasiva pelo Núcleo de Assistência e Pesquisa em Neuromodulação (Rede NAPeN).

Os eletrodos foram envoltos por esponjas (5x7cm) embebidas em solução de cloreto de sódio (NaCl a 0,9%) e foram posicionados no couro cabeludo (fixados com faixas elásticas), de acordo com o Sistema Internacional 10-20 da Eletroencefalografia(2,8,9,11,13). As sessões de ETCC foram adaptadas a partir do protocolo publicado(13) e ocorreram durante cinco dias consecutivos, num total de cinco sessões. Os voluntários receberam estimulação por 20 minutos, com corrente em intensidade de 2 mA. O eletrodo catódico foi posicionado no CPFDLD (F4) e o eletrodo anódico na ATPE (CP5).

Na primeira consulta, os pacientes assinaram o TCLE e foram submetidos à anamnese, EVA, THI e à realização de exames auditivos. Posteriormente, participaram de cinco sessões de neuromodulação com ETCC, com a EVA sendo aplicada antes e depois de cada sessão de estimulação cortical. Na consulta final, realizada uma semana após o término da neuromodulação, os pacientes foram reavaliados, com a reaplicação do THI e repetição dos exames auditivos.

Os casos foram descritos individualmente e os dados analisados de forma descritiva, por meio do software SPSS 29.0. Para as variáveis quantitativas, foram calculadas as medidas de tendência central (média e mediana) e de variabilidade (desvio padrão, mínimo e máximo). Para as variáveis qualitativas, determinou-se a frequência absoluta.

A amostra foi composta por cinco pacientes com zumbido crônico, conforme a seguinte descrição:

Sujeito 1 (S1)

AMS, gênero feminino, 66 anos, aposentada. Relatou queixa de zumbido na orelha esquerda, percebido há mais de três anos, com surgimento súbito. O zumbido era do tipo apito, intenso e contínuo, agravado em situações ruidosas, com interferência no equilíbrio emocional, percepção da fala e capacidade de comunicação. Apresentou limiares auditivos alterados nas frequências agudas na orelha direita e perda auditiva sensorioneural de grau moderado na orelha esquerda. Hipótese diagnóstica: Síndrome de Ménière.

Sujeito 2 (S2)

BRMN, gênero feminino, 36 anos, psicóloga. Relatou queixa de zumbido na orelha esquerda, percebido há mais de 13 anos, com surgimento súbito. O zumbido era do tipo apito, intenso e contínuo, agravado em situações ruidosas, estresse e no silêncio, com interferência no equilíbrio emocional, sono, atenção e concentração, leitura e na percepção da fala. Limiares auditivos dentro da normalidade bilateralmente. Hipótese diagnóstica: Síndrome de Ménière.

Sujeito 3 (S3)

FSS, gênero feminino, 56 anos, auxiliar de enfermagem. Relatou queixa de zumbido na orelha esquerda, percebido há mais de três anos, com surgimento súbito, do tipo chiado, com intensidade variável e contínuo, agravado em situações de estresse e silêncio. O sintoma interferia no equilíbrio emocional e sono. Limiares auditivos dentro da normalidade, bilateralmente. Hipótese diagnóstica: Traumatismo Cranioencefálico.

Sujeito 4 (S4)

PHBM, gênero masculino, 40 anos, servidor público. Relatou queixa de zumbido na orelha esquerda, percebido há mais de três anos, com surgimento súbito, do tipo apito, leve e contínuo, agravado em situações de estresse e silêncio. O sintoma interferia no equilíbrio emocional, leitura e sono. Limiares auditivos dentro da normalidade, bilateralmente. Hipótese diagnóstica: Somatossensorial.

Sujeito 5 (S5)

RESF, gênero masculino, 37 anos, servidor público. Relatou queixa de zumbido bilateral, desde a adolescência, de surgimento gradual. O zumbido era do tipo apito, intenso e contínuo, agravado em situações de silêncio e ruído, que interferia no equilíbrio emocional, atenção e concentração, leitura e sono. Apresentou limiares auditivos alterados nas frequências agudas, bilateralmente. Hipótese diagnóstica: Perda auditiva bilateral idiopática.

Os principais achados das avaliações realizadas estão apresentados na Tabela 1, caracterizando as medidas de desfecho dos indivíduos avaliados e a análise descritiva dos valores do grupo.

Tabela 1
Caracterização descritiva das medidas de desfecho na amostra pesquisada, no momento pré e pós-intervenção

A EVA foi medida antes e após cada sessão de neuromodulação, enquanto as avaliações de acufenometria, AAF e THI foram realizadas no início e ao término do protocolo de intervenção.

Quanto à localização do zumbido, quatro pacientes (S1, S2, S3 e S4) apresentaram queixa de zumbido unilateral (orelha esquerda) e um paciente (S5), zumbido bilateral.

Quanto aos resultados da ATL, três pacientes (S2, S3 e S4) apresentaram limiares auditivos dentro da normalidade em ambas as orelhas, uma paciente (S1) apresentou audição normal na orelha direita e perda auditiva de grau moderado na orelha esquerda (mesma orelha do zumbido) e um paciente (S5) apresentou limiares auditivos alterados apenas nas frequências agudas, bilateralmente.

Os pacientes apresentaram diminuição da sensibilidade nos limiares auditivos da AAF, sendo caracterizados os valores de mediana do grupo: 9.000 Hz (35 dB); 10.000 Hz (45 dB); 11.200 Hz (57,5 dB); 12.500 Hz (65 dB); 14.000 Hz (60 dB); 16.000 Hz (50 dB). Na acufenometria, em relação à sensação de frequência (pitch), um paciente (S1) identificou 750 Hz e quatro pacientes (S2, S3, S4 e S5), identificaram 8.000 Hz como a frequência que mais se aproximava do zumbido.

Quanto à sensação de intensidade (loudness), dois pacientes apresentaram uma diminuição importante de 4 dBNS (S4) e 5 dBNS (S5); dois pacientes apresentaram um aumento discreto de 1dBNS (S2) e 2 dBNS (S1) e um caso manteve o valor (S3) (Tabela 1). A média do grupo pré-terapia foi de 10,40 dBNS e a média pós-terapia foi de 9,20 dBNS.

Em relação à EVA, observou-se redução dos valores em quatro pacientes (S1, S2, S3 e S4), enquanto um paciente (S5) manteve estabilidade após a neuromodulação (Figura 1). A média do grupo pré-terapia diminuiu de 5,2 para 4,4 pontos no pós-terapia.

Figura 1
Caracterização dos resultados da Escala Visual Analógica referidos, antes e após as sessões de neuromodulação

Por fim, houve redução nos escores do THI total em quatro pacientes (S1, S3, S4 e S5), com um caso (S2) de estabilidade após a neuromodulação (Figura 2). A média do grupo no THI total pré-terapia reduziu de 36,8 pontos para 33,2 pontos pós-terapia.

Figura 2
Caracterização dos escores do Tinnitus Handicap Inventory Total e por subescalas, por paciente, antes e após a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua

DISCUSSÃO

A hipótese deste trabalho foi a de que pacientes com queixa de zumbido submetidos à reabilitação com ETCC poderiam apresentar melhora desse sintoma. Os resultados mostraram que, após a ETCC, a pontuação média do incômodo (EVA) e o impacto na qualidade de vida (THI) reduziram.

O zumbido é um sintoma com potencial de impactar negativamente a qualidade de vida do indivíduo, provocar limitações funcionais e sofrimento(1,4,9,11,13). Todos os pacientes referiram que o zumbido interferia no equilíbrio emocional, o que pode potencializar quadros de ansiedade e depressão.

Mesmo para pacientes com limiares auditivos na ATL dentro da normalidade (frequências de 250 Hz a 8 kHz), a diminuição da sensibilidade nas altas frequências (AAF) pode caracterizar um sinal precoce de alteração na função das células ciliadas externas da região basal coclear e desencadear o zumbido(12). Neste estudo, quatro pacientes (S1, S2, S4 e S5) possuíam limiares auditivos de altas frequências piores na orelha com zumbido.

Vale ressaltar que a integridade auditiva dos pacientes com zumbido pode influenciar os resultados da estimulação cortical. Os pacientes que possuem os melhores resultados são aqueles que possuem limiares auditivos próximos da normalidade(12). Pacientes com perda auditiva severa necessitam de sessões com maior duração e intensidade de corrente para se atingir efeitos terapêuticos, devido às maiores alterações neuroplásticas(11). No entanto, esse achado não pôde ser observado nesta amostra, uma vez que apenas uma paciente (S1) apresentou perda auditiva de grau moderado (zumbido na orelha esquerda), com redução dos escores na EVA e no THI após o tratamento.

Em relação à loudness, os resultados entre os cinco pacientes foram variados, com alguns apresentando aumento e outros, diminuição. Sabe-se que a caracterização do zumbido é complexa por ser um sintoma subjetivo com medição também subjetiva, o que pode influenciar o grau de incômodo no dia do exame(4,6,7,14). A intervenção pode não ter influenciado a percepção de intensidade do zumbido.

Esse resultado é consistente com a literatura, que aponta que a loudness pode ser influenciada por múltiplos fatores, incluindo a integridade da via auditiva e a adaptação individual ao zumbido(1,4,6). Estudos anteriores também relataram resultados mistos em relação à eficácia da ETCC na modulação da intensidade do zumbido, destacando a necessidade de mais investigações para entender melhor os mecanismos subjacentes a essa percepção(2,8-10,12,13).

Ao caracterizar o incômodo do zumbido por meio da EVA, observou-se uma redução nos escores para os pacientes S1, S2, S3 e S4, sugestiva de melhora no desconforto pelo sintoma após a neuromodulação, dado compatível com a literatura(2,8,9,11,13).

Da mesma forma, houve uma redução nos escores do THI total para os pacientes S1, S3, S4 e S5, um indicativo de que a ETCC foi capaz de diminuir o prejuízo ocasionado pelo zumbido na qualidade de vida do paciente, especialmente em suas funções diárias, confirmando achados de outras pesquisas(2,8-11,13).

A subescala funcional obteve a maior redução no escore total; essa subescala investiga o incômodo provocado pelo zumbido em funções mentais, sociais, ocupacionais e físicas(6,8,13,14). Após a neuromodulação, os pacientes relataram melhora significativa em sua capacidade funcional, refletindo em atividades como concentração, percepção auditiva, atenção, sono e leitura. Esses resultados reforçam a relevância da ETCC como uma abordagem terapêutica promissora no manejo do zumbido, alinhando-se com a literatura(2,8-11,13).

Os resultados obtidos demonstraram que a ETCC teve um efeito positivo significativo na redução da percepção do zumbido, conforme evidenciado pela diminuição nas pontuações da EVA e do THI. A redução na EVA e no THI total sugere que a intervenção foi eficaz em melhorar a qualidade de vida dos pacientes, diante da diminuição do incômodo e do impacto do zumbido.

Pensando na fisiopatologia do zumbido, acredita-se que as regiões frontal e pré-frontal se conectam com estruturas do sistema límbico, como amígdala, córtex cingulado anterior e ínsula, constituindo, assim, parte do mapa central que influencia os aspectos cognitivo-emocionais presentes no zumbido(8,10,11,13). Assim, o zumbido geralmente leva a sofrimento emocional devido às conexões neurais existentes entres as regiões cerebrais responsáveis pela sua percepção e os aspectos afetivos associados ao sistema límbico(4,6,8,9,11).

Portanto, esses aspectos devem fazer parte da avaliação do paciente, uma vez que a severidade do quadro pode ser influenciada ou agravada por fatores como traços psicológicos, cognitivos e de personalidade, mais do que pelo aspecto sensorial(11).

Esse prejuízo foi constatado nos pacientes avaliados, por meio dos escores das subescalas emocional (S2, S3 e S5) e catastrófica (S1, S2, S3, S4 e S5), que não apresentaram redução, mesmo após a ETCC, diferente da subescala funcional. Sugere-se que as consequências psicológicas/psiquiátricas do zumbido, tais como ansiedade, depressão ou pânico, que comprometem o desenvolvimento de atividades diárias, necessitam de aconselhamento individualizado e especializado, associado à neuromodulação. A abordagem multidisciplinar que integra a neuromodulação com suporte psicológico é essencial no manejo do zumbido.

A ETCC sobre ATPE estimula regiões corticais e subcorticais como as áreas de Brodmann 41 e 42 (córtex auditivo primário), áreas de Brodmann 21 e 22 (córtex auditivo associativo) e o sistema límbico (hipocampo e amígdala). Dessa forma, a estimulação dessas regiões pode diminuir a percepção do zumbido(8-10,12). Revalidando os achados deste relato de casos, a literatura refere que a corrente anódica administrada sobre a ATPE tem um potencial maior de suprimir o zumbido e reduzir seu incômodo(2,5,8).

Os resultados reiteram os achados da literatura, que afirmam que a ETCC anódica administrada sobre a ATPE diminuiu a percepção do incômodo (EVA) e a gravidade (THI) do zumbido(8,10,11,13). Ressalta-se que foram utilizadas técnicas validadas como forma de medidas de resultados, que evidenciaram a redução do impacto e incômodo pelo zumbido nos casos estudados.

Os resultados deste estudo motivam o desenvolvimento de novas pesquisas que produzam evidências robustas em relação ao benefício da ETCC para a reabilitação do zumbido e que possam ser aplicadas na prática clínica, para que o fonoaudiólogo possa oferecer aos seus pacientes um protocolo de gerenciamento do zumbido inovador e promissor.

COMENTÁRIOS FINAIS

Nos casos estudados, observou-se uma redução no incômodo e no impacto do zumbido, por meio da Escala Visual Analógica (EVA) e pelo Tinnitus Handicap Inventory (THI), respectivamente, especialmente em atividades diárias como concentração, percepção auditiva e sono, após cinco sessões de estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC).

A variação observada nos resultados da loudness sugere que um maior número de sessões de neuromodulação pode ser necessário para alcançar resultados terapêuticos mais eficazes na redução da intensidade do zumbido.

Os achados deste relato de casos demonstram os benefícios da ETCC nos cinco casos estudados e incentivam pesquisas futuras para reforçar as evidências sobre a eficácia da neuromodulação no tratamento do zumbido, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

  • Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Natal (RN), Brasil.
  • Declaração de Disponibilidade de Dados:
    Os dados de pesquisa estão disponíveis somente mediante solicitação.
  • Financiamento:
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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    » https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.05.006

Editado por

  • Editor-Chefe:
    Maria Cecilia Martinelli Iorio.
  • Editor Associado:
    Clara Regina Brandão de Ávila.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2025
  • Aceito
    09 Set 2025
Creative Common - by 4.0
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
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